A contaminação pela Covid-19 como doença ocupacional e a responsabilidade do empregador

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Caberá indenização ao trabalhador por contaminação com a COVID-19? Como será a prova de que a contaminação se deu no local de trabalho?

Resumo: Com a eclosão da pandemia mundial do novo coronavírus (COVID-19), a sociedade passou a se ver dentro de uma nova realidade, com a imposição pelo Estado de diversas medidas sanitárias a serem observadas por toda a população, inclusive dentro dos locais de trabalho, com o fim de reduzir a contaminação com a nova doença. Com este novo normal, diversas dúvidas e discussões inéditas passaram a surgir no mundo acadêmico, empresarial e jurídico, sendo um deles o questionamento se a contaminação do empregado com o vírus configuraria o dever da empresa de indenizar. O Executivo do Governo Federal através da MP 927 de 2020 dispôs que a contaminação do empregado pelo novo coronavírus não configuraria como doença ocupacional, salvo prova do nexo. No entanto, o STF, no dia 29.04.2020, em sessão realizada por videoconferência, por maioria, suspendeu o enunciado deste dispositivo. Ocorre que a simples suspensão de tal dispositivo pela nossa Suprema Corte não leva a conclusão direta de que a contaminação acarreta a responsabilização da empresa em quaisquer casos. Então, em quais casos deverá a empresa ser responsabilizada por eventuais danos advindos da contaminação pelo COVID-19 em seu empregado? Através desta pergunta é que o presente artigo buscará desenvolver um caminho lógico, claro e didático no qual os operadores do direito, empregados e empregadores poderão se amparar na busca de respostas, dentro de um cenário de tantas incertezas.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Responsabilidade Civil. Doença Ocupacional. COVID-19. Coronavírus. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Teoria do risco. Ônus probatório. Culpa exclusiva da vítima.


1. INTRODUÇÃO

O cenário de pandemia mundial advindo em virtude do novo coronavírus (COVID-19), com sua considerável taxa de mortalidade e extrema facilidade de proliferação teve como medidas governamentais iniciais de enfrentamento a interrupção de atividades econômicas não essenciais e a orientação da população para que não deixassem suas residencias.

Todavia, diante das mazelas da desigualdade social ou do tipo de profissão desempenhada, muitas pessoas não puderam se dar ao luxo de ficar em seus lares, a princípio mais seguros, se vendo obrigadas a enfrentar o alto risco de exposição ao novo coronavírus e retornar aos seus empregos, a fim de garantir a subsistência própria, de sua família, ou garantindo o exercício de uma função essencial à toda coletividade.

O Governo Federal, após as medidas de isolamento da população, se viu também obrigado a tomar medidas a fim de evitar a demissão em massa, com planos para a manutenção do emprego para os trabalhadores, possibilitando as empresas medidas como a antecipação de férias, facilitando o trabalho em domicílio, permitindo e facilitando a redução de jornada, o trabalho parcial e o banco de horas.

No entanto, ainda permeava a dúvida sobre como se daria a responsabilidade da empresa caso o empregado sofresse danos ou viesse a óbito em virtude do novo coronavírus, até porque, com a alta taxa de contágio desta doença, tal contaminação poderia se dar em qualquer lugar (inclusive dentro da residência do empregado).

Como uma tentativa de proteger as empresas (e deixando a deriva os empregados), o Presidente da República, através do artigo 29 da medida provisória 927 de 2020, dispôs que a contaminação pelo COVID-19 não configuraria doença ocupacional em eventuais danos ou fatalidades, afastando eventual responsabilidade dos empregadores, salvo comprovação de que a contaminação se deu no ambiente laboral, ou enquanto a disposição do empregador:

Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.

Este dispositivo legal, porém, foi posteriormente rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual no dia 29.04.2020, em sessão realizada por videoconferência, por maioria, , determinou a suspensão liminar da referida norma.

Esta suspensão poderia trazer a percepção para muitos de que a mera contaminação do empregado pelo COVID-19 atrairia por consequência lógica a configuração de doença ocupacional e o dever de indenizar em todos os casos, porém, esta apenas nos diz que os casos deverão ser analisados de acordo com a legislação trabalhista e previdenciária já vigente.

Deste modo, diante de um cenário de incertezas, o presente artigo buscará, de modo científico, elencar e elucidar os requisitos necessários para a configuração do dever de indenizar quando presentes os danos advindos da contaminação pelo novo coronavírus.


2. A CONTAMINAÇÃO PELO COVID-19 COMO DOENÇA OCUPACIONAL E A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

2.1. Breve Histórico da Evolução da Responabilidade Civil

O sentimento de uma “necessidade” de reparação dos danos sofridos sempre esteve presente no interior do intelecto do ser humano. Nos primórdios da humanidade o dano acarretava em uma imediata busca por vingança, sem limites, sem proporção, muitas vezes brutal.

Alvino Lima[3] leciona que nos primórdios imperava uma vingança privada, a qual, mesmo que bárbara, não deixava de ser humana, visto que comportamento comum de todos os povos antigos:

(...) forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal

Pablo Stolze Gagliano[4] também compreende que a vingança, nos primórdios da humanidade, era apenas um reflexo imediato e natural do ser humano:

De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido

Embora compreensível como comportamento comum do ser humano, não poderia mais ser admitida, visto que pequenos danos causavam vinganças com danos muito superiores àqueles inicialmente inflingidos à vítima (ou familiar), por isto, diz-se desproporcional e desmedida.

Assim, a vingança passou a ser regulamentada pelo Poder Público[5], resultando na pena de talião, a qual era sintetizada pelo brocado do “olho por olho, dente por dente”.

Neste sentido também sintetiza Pablo Stolze[6] quando menciona que o Poder Público verificou a necessidade de intervir na vingança privada para permiti-la ou exclui-la quando injusta:

É dessa visão do delito que parte o próprio Direito Romano, que toma tal manifestação natural e espontânea como premissa para, regulando-a, intervir na sociedade para permiti-la ou excluí-la quando sem justificativa. Trata-se da Pena de Talião, da qual se encontram traços na Lei das XII Tábuas.

Nesta mesma lei das XII Tábuas, embora arcaica, já se previa no entanto a possibilidade de composição entre vítima e ofensor, onde o ofendido poderia através do acordo, escolher perceber algo diferente, como dinheiro ou outros bens que não a aplicação imediata de um dano idêntico a um membro do corpo[7].

Após, com o advento da lex aquilia, de facultativa, a compensação monetária pelos danos inflingidos se tornou regra geral, e a vingança privada que até então era comum fora obstacularizada pelo Estado.

Segundo Wilson Melo da Silva[8], isto foi possível de ser regulamentado e aplicado com a evolução e organização do Poder Público:

Num estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição econômica, de voluntára que era, passa a ser obrigatória, e, ao demais disso, tarifada. É quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em consequência, as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de indenizações preestabelecidas por acidentes do trabalho.

Através desta lei é que se criou a noção de responsabilidade civil atual, na qual se visualizou a a necessidade de se verificar a presença ou não do elemento de culpa no ato danoso, como bem cita Wilson Melo da Silva[9]:

Malgrado a incerteza que ainda persiste sobre se a “injúria” a que se referia a Lex Aquilia no damnun injuria datum consiste no elemento carcacterizador da culpa, não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da jurisprudência, a noção de culpa acabou por deitar raízes na própria Lex Aquilia (...)

Posteriormente, o direito francês foi pouco a pouco evoluindo e adaptando o instituto da responsabilidade civil, onde a concepção de pena fora substituída pela ideia de reparação do dano, bem como sendo inserido o elemento culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana no Código Civil de Napoleão[10].

Ocorre que diante das necessidades da vida comum e dos casos concretos, passou-se a perceber a impossibilidade em muitos casos de se comprovar o elemento da culpa.

Diante disto, a jurisprudência passou a vislumbrar novas soluções, como a ampliação do conceito de culpa e inclusive, em casos excepcionais, prever a reparação do dano pela simples ocorrência do fato ou em virtude do risco criado[11].

Com o advento da revolução industrial em 1760 na Grã Bretanha[12], o mundo sofreu uma enorme transformação em seu sistema produtivo, havendo notório êxodo rural[13], concentração de pessoas nos centros urbanos próximos às fábricas e notória e incontroversa intensificação dos meios de produção.

A inovação no sistema produtivo (revolução industrial) trouxe com ela situações características, como excessivas jornadas de trabalho, jornadas contínuas com tempo mínimo de descansos, e até, muitas vezes sem descanso algum. Pior, havia uma ausência descomunal de normas de saúde e segurança do trabalho, conjunto este de fatores que acarretavam em condições extremamente precárias de trabalho, as quais passaram a resultar em um número exagerado de mortos, mutilados ou doentes[14].

Para agravar a realidade vivida, as pessoas após sofrer o acidente ou desenvolver a doença ocupacional ficavam totalmente a mercê de sua própria sorte, eis que eram vistas como peças substituíveis na engrenagem do sistema produtivo, e que tal infortúnio não era de responsabilidade do empregador, mas sim, um mero azar do empregado.

Em 1919 com o encerramento da primeira guerra mundial, fora assinado o Tratado de Versalhes, criando a Organização Internacional do Trabalho (OIT)[15], a qual “incluiu na sua competência a proteção contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, cujos riscos devem ser eliminados, neutralizados ou reduzidos por medidas apropriadas da engenharia de segurança e da medicina do trabalho” [16]

Nesta mesma época, concebeu-se a necessidade de acobertar o trabalhador contra os riscos de lesões por acidente do trabalho através de um seguro obrigatório estatal, o qual nas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira[17] teria duplo objetivo, ressarcir o empregado pelo dano sofrido e afastar a responsabilidade do empregador, transferindo esta totalmente para a Seguradora.

Porém, tal cobertura securitária seria o suficiente para saldar todo o prejuízo do empregado quando no acidente ou doença ocupacional adquirida em proldo lucro de seu empregador? Nas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira, não:

“Logo, no entanto, chegar-se-ia à conclusão de que a soma segurada quase nunca se mostrava suficiente para garantir todo o prejuízo suportado pelo acidentado e seus dependentes. Não seria justo, então, nos casos de culpa do empregador, que o obreiro suportasse sozinho o peso de seu infortúnio. Em nome principalmente da repressão ao dolo, passou-se a entender, na jurisprudência, que o patrão teria que responder civilmente pela complementação do ressarcimento (...)”

Inicialmente, a responsabilidade complementar pelo dano só atingia o empregador em caso de conduta dolosa, todavia, a jurisprudência passou a expandir tal concepção da responsabilidade complementar para casos em que presente também a culpa grave.

Posteriormente, compreendeu-se que o amparo previdenciário-securitário tinha uma finalidade, que era o de amparar o Segurado ou seus dependentes para subistirem no infortúnio de invalidez ou morte, e a indenização, a responsabilidade civil, tinha a função de compensá-los pelo prejuízo sofrido.

Nossa carta magna, a Constituiçao Federal de 1988, foi certeira na tutela dos empregados vítimas de acidentes ou doenças advindas com o trabalho, quando em seu artigo 7º, inciso XXVIII estabeleceu que era direito do empregado ter seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador, sem excluir indenização de danos quando em caso de dolo ou culpa da empresa:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Portanto, além do benefício previdenciário, pela Constituição Brasileira podem os empregados ou dependentes postular também por uma indenização quando advindo dano por acidente de trabalho.

2.2. Dos Elementos da Responsabilide Civil

Para que presente, no entanto, a possibilidade de se perseguir uma indenização pelo empregado ou por seus dependentes, necessário que se façam presentes alguns requisitos, muitos previstos em lei, ou em doutrina.

Embora a responsabilidade civil aplicada ao direito do trabalho tenha traços de semelhança a responsabilidade civil aplicada no direito civil, é necessário que se leve em conta a finalidade da legislação trabalhista, que, conforme elencado no próprio caput do artigo 7º da Constituição Federal, visa trazer melhores condições de vida ao trabalhador.

Nas palavras da Ministra Maria Cristina Peduzzi[18], quando no julgamento do Recurso de Revista 930-2001-010-08.00.6, esta proferiu valioso voto relembrando-nos da diferenciação na aplicação do instituto em verso na seara trabalhista:

A aplicação do instituto da responsabilidade civil no Direito do Trabalho distingue-se de sua congênere do Direito Civil. Ao contrário das relações civilistas, lastreadas na presunção de igualdade entre as partes, o Direito do Trabalho nasce e desenvolve-se com o escopo de reequilibrar a posição de desigualdade inerente à relação de emprego.

Também, mas não menos importante, assinala-se que a própria Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 3º, dispõe que quem assume os riscos do negócio é o empregador, não o empregado[19], sendo este o responsável direto pela segurança, saúde, bem como pela compensação de danos sofridos por seus empregados quando no exercício das atividades inerentes à empresa.

2.2.1. Do Dano

Nosso Código Civil[20], que carrega o instituto da responsabilidade civil, dispõe que aquele que por ação ou omissão, negligência ou imprudência (conduta), comete ato ilícito. Se através (nexo causal) do ato ilícito ocorrer dano, o ofensor ficará obrigado a repará-lo:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Muitas vezes, em virtude de algum fator do trabalho ou por alguma circunstância ligada ao mesmo, o empregado acaba por desenvolver uma doença ocupacional, ou vem a sofrer algum acidente laboral, o qual pode acarretar dano à sua integridade física, a sua saúde, lhe deixando sequelas as quais muitas das vezes são permanentes, acompanhando o trabalhador para o resto de sua vida.

Agostinho Alvim[21] disserta de maneira clara explicando quando ocorre a configuração do dano:

...dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro

Alexandre Cortez Fernandes[22] ensina que “O dano é elemento indispensável para a configuração da responsabilidade civil.”, isto é notório pois, pode haver um acidente laboral que não gere dano algum ao empregado, não gerando portando a obrigação do Empregador em indenizá-lo.

Conforme Pablo Stolze Gagliano[23], “sem a ocorrência deste elemento não haveria o que indenizar, e, consequentemente, responsabilidade.”

Já Sebastião Geraldo de Oliveira[24] “O comportamento ilícito isoladamente não produz efeitos no âmbito da responsabilidade civil, haja vista que para se obter a indenização será imprescindível comprovar que houve também a lesão a algum direito da vítima”.

Para José Affonso Dallegrave Neto[25], “Pode-se conceiturar dano como lesão a interesses juridicamente tuteláveis; é a ofensa ao patrimônio material ou imaterial de alguém.”

E mesmo que o dano seja de pequena extensão, sequer acarretando afastamento do trabalho, ou acarretando o afastamento por poucos dias, ainda assim poderá haver danos indenizáveis, “tais como despesas hospitalares, medicamentos, tratamentos diversos ou danos morais pela gravidade ou repercussão do acidente no equilíbrio psicofísico da vítima”[26].

Portanto, o dano advindo de um acidente laboral ou doença ocupacional podem ser divididos em danos materiais e danos morais ou extrapatrimoniais, conforme se subdividirá a seguir.

A) Do Dano Material

Quando é possível aferir o prejuízo, tanto o presente quanto o futuro, em dinheiro, este será denominado de dano material.

Jose Affonso Dalle Grave Neto[27] explana que o dano verificável abrange tanto o prejuízo atual quanto aquele que ainda se verificará no futuro, nos passando uma breve lição sobre o dano presente:

O dano material alcança tanto o dano atual quanto o dano futuro. Aquele é conhecido como dano emergente, constituindo-se em tudo aquilo que se perdeu e que seja suscetível de liquidação pela aplicação da teoria da diferença (differenztheorie) entre o patrimônio anterior e posterior à inexecução contratual ou ao fato gerador do dano.

Para Sebastião Geraldo de Oliveira[28], dano emergente “é o prejuízo mais visível porque representa dispêndios necessários e concretos cujos valores são apuráveis nos próprios documentos de pagamento”.

Já o lucro cessante, ou dano futuro, é a perda do ganho que se perceberia se não houvesse o evento danoso, é a diminuição do potencial do patrimônio da parte, como é o caso da perda ou redução da capacidade laboral, que impossibilita o exercício da atividade profissional ou ao menos dificulta a disputa igualitária do empregado ofendido no mercado de trabalho com outros empregados que não tenham sofrido o mesmo dano.

Cita-se como exemplo a perda de dedos, a perda da mobilidade de um dos joelhos, uma lesão por esforço repetitivo (LER), as quais podem reduzir a capacidade de trabalho do empregado, ou até, dependendo da gravidade e de sua profissão, lhe incapacitar totalmente para sua atividade profissional habitual.

O Artigo 950 do Código Civil Brasileiro prevê que além dos danos emergentes e lucros cessantes, a indenização ainda abrangerá uma pensão correspondente ao trabalho para o qual se inabilitou ou da depreciação que o ofendido sofreu:

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Interpretação também encontrada no artigo 402 do Código Civil Brasileiro, que trata das perdas e danos:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Portanto, havendo a ocorrência de acidente ou desenvolvimento de doença em virtude do trabalho, e com isto acarretando dano a saúde e integridade física ou psicológica do empregado, lhe reduzindo ou dizimando sua capacidade de trabalho, prejudicando sua competitividade no mercado e limitando suas perspectivas de vida, incumbirá ao ofensor (empregador) compensar todos os danos materiais ocasionados em sua vítima, no caso em tela, ao empregado ou seus dependentes.

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B) Do Dano Moral

O dano moral é um dano subjetivo, não possível de se mensurar em dinheiro no primeiro momento. Ele afeta valores extrapatrimoniais do cidadão, como a honra, a dignidade, a integridade física ou moral, a imagem.

Para Pablo Stolze Gagliano[29] “é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente”, bens jurídicos já protegidos pelo próprio artigo 5º, inciso X da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Além destes bens jurídicos, não podemos olvidar da proteção alcançada no artigo 1º da carta magna para com a dignidade da pessoa humana.

Para Carlos Roberto Gonçalves[30], “Dano Moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio.”.

Já Yussef Said Cahali[31] possui uma visão mais ampla acerca do dano moral, não se limitando aos direitos de personalidade elencados no artigo 5º da Constituição Federal:

... tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral;

Embora haja uma extensa e rica construção doutrinária sobre o dano moral, com a reforma trabalhista de 2017, advinda com a lei 13.467 de 2017, o legislador tentou impor que no tocante ao dano não patrimonial, se utilizasse tão somente os dispositivos inseridos na CLT:

Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.

Segundo o art. 223-B da CLT, causa dano extrapatriomonial a conduta que ofenda a esfera moral ou existêncial:

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

Já no art. 223-C são elencados os bens juridicamente tutelados inerentes a pessoa física:

Art. 223-C. A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.

Notório que um acidente ou doença ocupacional podem muito bem acarretar dano extrapatrimonial ao empregado ou seus dependentes, haja vista que estes se deparam com a necessidade de conviver com sequelas acarretadas no corpo do Obreiro, as quais lhe reduzem ou tolhem sua total autonomia e capacidade laboral, bem como sua capacidade para atividades comuns do dia-a-dia, afetando diretamente sua autoestima, sua dignidade, sua alma. Tão indiscutível é este sofrimento que hoje a jurisprudência entende que tal dano é in re ipsa, ou seja, presumido:

ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANOS IN RE IPSA . A prova do dano moral, em situações de acidente do trabalho ou doença ocupacional a ele equiparada, é desnecessária, na medida em que presumível a dor e a angústia deles decorrentes. O dano existe in re ipsa.

(TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020012-70.2019.5.04.0733 ROT, em 19/06/2020, Juiz Convocado Carlos Henrique Selbach) (grifou-se)

Deste modo, havendo acidente ou doença ocupacional, e por consequência a ofensa aos bens jurídicos supramencionados, há expressa previsão para que o ofensor, no caso a empresa, seja condenado ao pagamento de indenização com o fim de compensar tal dano (presumido).

2.2.2. O Nexo Causal

Nexo causal é a ligação entre o dano sofrido pela vítima e a conduta comissiva ou omissiva do agente ofensor. Segundo Pablo Stolze Gagliano[32], trata-se “do elo etiológico, do liame, que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano”.

Para Carlos Roberto Gonçalves[33] “O dano só pode gerar responsabilidade quando for possível estabelecer um nexo causal entre ele e o seu autor”.

No tocante a responsabilidade civil no âmbito trabalhista, se faz imperioso demonstrar que o dano sofrido pelo empregado tenha relação com o seu trabalho, seu ambiente laboral e as circunstâncias que rodeiam o mesmo.

Nos casos onde se aplica a teoria da responsabilidade objetiva, a qual será explanada em tópico a seguir, “o nexo causal se configura pela relação etiológica entre o dano da vítima e a atividade empresarial perigosa ou de risco[34], ou seja, bastando que se comprove que o dano sofrido possui relação com a atividade perigosa desempenhada.

2.2.3. A Culpa – Teorias da Responsabilidade

O artigo 7º, inciso XXVIII de nossa carta magna estabelece que para a configuração da responsabilidade civil do empregador será necessário, como regra geral, comprovar o dolo ou culpa deste para com o acontecimento que gerou o dano:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (grifou-se)

Ainda, é obrigação da empresa a redução de riscos inerentes ao trabalho, por meio da observância de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, conforme se transcreve o inciso XXII do mesmo dispositivo:

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

Trata-se de um modelo de responsabilidade civil que acaba por obrigar os empregadores a tomarem todas as cautelas possíveis para eliminar ou reduzir os riscos a saúde e integridade de seus empregados, caso contrário, restará evidenciada sua culpa ao não observar normas de segurança, estando muito exposto a consideráveis indenizações pecuniárias capazes de fulminar todo o seu negócio e até seu patrimônio particular.

Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, a observância das normas de saúde, higiene e segurança passam a ser uma estratégia dos empresários, não por humanismo, mas também, pela finalidade de maior lucro e segurança do negócio:

Enquanto a norma praticamente se limitava a conclamar o sentimento humanitário dos empresários, pouco resultado foi obtido; agora, quando o peso das indenizações assusta e até intimida, muitos estão procurando cumprir a lei, adotando políticas preventivas, nem sempre por convicção, mas até mesmo por conveniência estratégica. Gostando ou não do assunto, concordando ou discordando da amplitude da proteção, o certo é que o empresário contemporâneo, com vistas à sobrevivência econômica no século XXI, terá de levar em conta as normas a respeito da saúde no ambiente de trabalho e a proteção à integridade física e mental dos seus empregados.[35]

A regra geral assim é que se tenha que comprovar a culpa ou dolo do empregador no cometimento do dano. A rigidez de tal modelo de responsabilidade civil, no entanto acabava por afastar a justiça de inúmeros empregados que sofriam acidentes ou doenças ocupacionais mas não encontravam meios para comprovar que a responsabilidade do infortúnio advinha por culpa da empresa.

Imperioso ressaltar também que, pela hipossuficiência do trabalhador em face da empresa, hoje se admite na jurisprudência a inversão do ônus da prova, a fim de que a própria empresa tenha o ônus de comprovar que tomou todas as cautelas e observou as normas legais necessárias a fim de evitar o infortúnio.

Sebastião Geraldo de Oliveira[36] ensina que por tais dificuldades a doutrina e jurisprudência passou a relativizar a responsabilidade subjetiva, passando a prever a responsabilidade objetiva, a qual independe de culpa ou dolo para responsabilizar o empregador:

“O choque de realidade com a rigidez da norma legal impulsionou os estrudiosos no sentido da busca de soluções para abrandar, ou mesmo excluir, o rigorismo da prova da culpa como pressuposto para a indenização, até porque o fato concreto, colocado em pauta para incômodo dos juristas, era o dano consumado e o lesado ao desamparo... Pouco a pouco, o instrumental da ciência jurídica começou a vislumbrar nova alternativa para acudir as vítimas dos infortúnios. Ao lado da teoria subjetiva, dependente da culpa comprovada, desenvolveu-se a teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, segunda a qual basta o autor demonstrar o dano e a relação de causalidade, para o deferimento da indenização”

A responsabilidade civil, preconizada pelo artigo 927 do CCB traz esta exceção da responsabilidade objetiva, prevendo a responsabilização do causador do dano independentemente de culpa ou dolo em seu parágrafo único:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Segunda Dalle Grave Neto[37], “Tal dispositivo contempla a Teoria do Risco Criado, a qual atinge todos os casos em que a atividade empresarial normalmente desenvolvida implicar, por sua própria natureza, riscos aos seus empregados”.

Há também a chamada Teoria do Risco profissional, a qual está diretamente ligada com a atividade profissional da vítima, e inclusive com doenças já previamente previstas em normas legais como originárias de tal atividade profissional.

Sebastião Geraldo de Oliveira [38] aduz que o desenvolvimento da atividade profissional “está diretamente ligado aos acidentes do trabalho”.

Ainda, existente a teoria do risco excepcional, que gera o dever de indenizar independente da comprovação de culpa tendo em vista o alto risco oferecido ao trabalhador enquanto no seu exercício profissional, como trabalhadores que exploram a energia nuclear, redes elétricas de alta tensão.

Esta é a modalidade mais grave da responsabilidade civil objetiva, haja vista que mesmo diante de causas excludentes de responsabilidade como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, a empresa ainda assim fica obrigada a indenizar o obreiro pelos danos sofridos.

2.3. Dos Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais

No entanto, o que seriam exatamente os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais? O que antes era simplesmente um infortúnio, um azar do trabalhador, com o avanço da ciência, da doutrina e da tecnologia passou-se a ser percebido como uma consequência da exploração da atividade empresarial.

Mesmo assim, o trabalhador ainda continua sendo visto como um mero objeto produtor de lucro substituível, e não uma vida, um ser com sonhos, com uma integridade física e psicológica a ser zelada. Como bem cita José Affonso Dale Grave Neto[39]: “Infelizmente, vivemos um tempo em que o trabalhador é visto como uma mera peça na engrenagem da linha de produção”.

Em virtude desta pública e indiscutível visão materialista e que só visa lucros, se criaram mecanismos legais que visam garantir um mínimo de segurança e saúde ao trabalhador, e dispositivos que lhe permitem se ver ressarcido, ao menos em parte, quanto aos danos sofridos em virtude de sua atividade laboral.

Em nossa legislação atual, toda lesão corporal ou influencia na capacidade funcional ou laboral do trabalhador que tenha se originado por causa ou ao menos tenha se agravado pelo trabalho pode ser considerado como acidente do trabalho, definição esta extraída do caput do artigo 19 da lei 8.213 de 1991:

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Portanto, já no primeiro parágrafo deste mesmo dispositivo, o legislador impôs ser obrigação da empresa a adoção e uso de medidas com a finalidade de proteger a saúde e segurança de seus empregados:

§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

A fim de tornar claro que o acidente do trabalho não é somente aquele propriamente dito, como uma queda de escada, uma queimadura no fogão de um restaurante, por exemplo, o legislador, nesta mesma lei, equiparou também aos acidentes do trabalho as doenças oriundas da profissão ou aquelas advindas em função das condições especiais em que o trabalho é realizado.

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Como se percebe, o legislador trouxe dois tipos de doenças ocasionadas pelo trabalho, a doença profissional e a doença do trabalho.

As doenças profissionais, também chamadas de tecnopatias ou doença profissional típica, são originadas de uma atividade laboral específica, onde se há uma presunção de que a atividade profissional é sua geradora pela notória e lógica ligação entre a atividade exercidade e a morbidade desenvolvida. É o caso do trabalhador exposto ao pó de silíca e contrai a silicose[40]. Frisa-se, a relação entre o trabalho e a doença é presumida de modo juris et de jure, inadmitindo a prova em contrário. Basta que haja o exercício da atividade profissional e o surgimento da enfermidade.

Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia,[41] “as doenças profissionais são decorrentes de trabalho peculiar exercido em certa atividade (ou seja, conforme a profissão ou o ramo de atividade, englobando as “tecnopatias”.

Já a doença do trabalho, também conhecida como doença atípica não está necessariamente vinculada ao trabalho, mas pode ter sua origem nele em virtude das condições a que o empregado fica exposto. Sebastião Geraldo de Oliveira[42] nos dá uma breve mas claro explicação:

“...não está vinculada necessariamente a esta ou aquela profissão. Seu aparecimento decorre da forma em que o trabalho é prestado ou das condições específicas do ambiente de trabalho. O grupo atual das LER-DORT é um exemplo das doenças do trabalho, já que podem ser adquiridas ou desencadeadas em qualquer atividade, sem vinculação direta a determinada profissão”

Segundo José de Oliveira[43], “as condições excepepcionais ou especiais do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica com a consequente eclosão ou a exacerbação do quadro mórbido, e até mesmo o seu agravamento”.

Importante tecer comentário que há no próprio Decreto 3.048-99 lista anexa de caráter exemplificativo no qual se expõe hipóteses de doenças profissionais ou do trabalho, acarretadas pelo exercício de profissões em específico ou pelo contato com algum tipo de substância química, agente físico ou biológico.

Conforme leciona Primo A. Brandmiller[44], as doenças do trabalho podem se dar de maneira gradativa e ir progredindo com o tempo, sendo necessária a prova da relação da origem da enfermidade com a atividade laboral exercida:

“O processo degenerativo pode ser de natureza biomecânica, microtraumática ou mesmo macrotraumática. O Câncer ocupacional também é doença degenerativa, causada por agentes cancerígenos ocupacionais, alguns deles listados na NR-15. A própria surdez ocupacional é um processo degenerativo das células nervosas do órgão de Corti.

Provada sua relação direta com a atividade laborativa, deve o processo degenerativo ser caracterizado como doença do trabalho.”

Note-se que o legislador previu a hipótese de que o acidente do trabalho poderia não ser a causa exclusiva da perda, redução da capacidade laboral, ou morte do empregado, mas também a previu o trabalho como uma causa colaborativa de tais hipóteses, também equiparando tais situações ao acidente do trabalho:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

Ainda, previu que a contaminação acidental com doença durante o trabalho também configura a acidente do trabalho:

III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

Portanto conclui-se que para a configuração da doença como um acidente do trabalho, sendo esta doença do trabalho atípica, basta verificar se o surgimento da enfermidade possui como causa principal, ou ao menos causa colaborativa, o exercício da atividade profissional até então desempenhada, ou as condições em que o empregado ficava exposto (condições físicas, biológicas, químicas).

Todavia, a fim de não desestimular injustamente a exploração da atividade empresarial, impondo responsabilidades para as quais o empregador em nada contribuiu, o legislador previu também as hipóteses de doenças que não são consideradas como doença do trabalho no parágrafo 1º deste mesmo dispositivo, quais sejam:

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Como se verificou no inciso III do artigo 21 da Lei 8.213 de 91, as doenças provenientes de contaminação acidental configurar-se-ão como acidente de trabalho.

Assim, mesmo que no parágrafo primeiro, alínea “d”, deste dispositivo se disponha que não são consideradas como doença do trabalho as doenças endêmicas adquiridas por trabalhador habitante de região em que esta se desenvolva, o próprio dispositivo traz a exceção da exceção ao estabelecer que se comprovado que a contaminação com a enfermidade é resultante da exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho, estará configurado sim a doença do trabalho.

Discussão em alta, haja vista que no ato de escrever o presente artigo nos encontramos no meio da pandemia advinda com a COVID-19, conforme se debruçará a seguir.

2.4. Breve Síntese sobre o Coronavírus (COVID-19) e a Pandemia sob a ótica Brasileira

Ao final do ano de 2019 o brasileiro ouvia pequenas manchetes nos canais de comunicação sobre um novo vírus que estava surgindo no continente asiático, o qual estava causando inquietação no país Chines e mudanças em diversos hábitos simples.

Entre fevereiro e início de março tal vírus passou a atingir o continente Europeu, ganhando visibilidade principalmente na Itália, um dos países mais atingidos e que adotou medidas drásticas, como a proibição da população de sair de suas casas salvo para casos de extrema necessidade[45].

Enquanto isto, no Brasil, tudo funcionava em plena normalidade. Aeroportos totalmente abertos, comércio, casas noturnas, etc. Se realizou, inclusive, o carnaval.

Com a expansão da doença pelo Globo, no entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 11-03-2020 classificou como pandemia o alastramento da COVID-19[46]. No Brasil, as Autoridades e o Poder Público só foram se dar conta da gravidade que vivenciavam após a primeira quinzena do mês de março, quando avistaram na “porta de sua casa” o perigo que assolava as estruturas econômicas e sociais do País e do mundo.

O que assustou os profissionais da medicina e as autoridades do planeta não foi apenas a agressividade do vírus, mas principalmente a sua rápida transmissão entre pessoas. Embora muitos dos infectados não apresentem sintomas, há uma parcela considerável de pessoas, cerca de 20% dos infectados, que podem demandar atendimento hospitalar, e isso foi o que mais preocupou o Poder Público: o colapso no sistema de saúde dos países incapazes de suportar tantos pacientes juntos.

Expõe-se sucinta mas clara explicação sobre o que é a COVID-19, e qual o seu estimado percentual de casos graves e gravíssimos, conforme extraído no site do Ministério da Saúde do Governo Federal Brasileiro[47]:

A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos (poucos sintomas), e aproximadamente 20% dos casos detectados requer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem necessitar de suporte ventilatório.

Como exposto acima, os sintomas da referida doença são: tosse, febre, coriza, dor de garganta, dificuldade para respirar, perda de olfato e paladar, náuseas, diarreia, cansaço, perda de apetite. Eles podem não aparecer em algumas pessoas (assintomáticos), aparecer de modo demasiadamente fraco, como um simples resfriado, ou se apresentar de uma forma mais grave, como uma pneumonia mais severa que pode levar inclusive à morte do paciente.

Sua transmissão, como ressaltado acima, ocorre através do contato com superfícies contaminadas, pelo contato pessoal, pelo ar, através de gotículas de saliva ou espirros.

Diante da chegada da doença em nosso País e de um colapso do sistema de saúde, passaram a ser adotadas medidas de distanciamento social, como a suspensão de atividades econômicas, educacionais, comerciais, proibição de frequência em locais públicos, de aglomeração de pessoas e suspensão de serviços não essenciais.

Em duas semanas com a economia parada, tanto os governantes, como a própria sociedade passaram a enfrentar outro inimigo além do vírus: demissões em massa, encerramentos de empresas, devoluções de imóveis comerciais e residenciais locados, inadimplência e, infelizmente, como esperado, a fome e o desamparo.

Neste momento, os governantes se deram conta de que não bastava simplesmente pedir para a população ficar em suas residências para evitar um colapso na saúde, mas também tinham que imediatamente enfrentar o outro inimigo que se aproximava: o colapso econômico.

Assim, verificou-se a necessidade da retomada das atividades econômicas, de forma controlada. Passaram então a surgir decretos trazendo a flexibilização das restrições e medidas provisórias que visavam incentivar empresas a não despedir funcionários e retomar as suas atividades. Ainda, também foram criados benefícios emergenciais a fim de garantir um mínimo de subsistência àquela parcela da população que se encontrava sem renda alguma.

Com a reabertura das empresas, embora motivo de alívio para o caixa destas, também surgiram dúvidas sobre se a contaminação do funcionário com a COVID-19 traria algum tipo de responsabilização ao empregador. Este tema foi objeto de normas legais proferidas pelo Poder Executivo, bem como de julgamentos quanto a Constitucionalidade destas pela nossa corte suprema, alavancando ainda mais a discussão.

2.5. A CONTAMINAÇÃO PELO COVID-19 COMO DOENÇA OCUPACIONAL E A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

O presidente da república Jair Bolsonaro, com o intuito de “blindar” os empresários contra possíveis reclamações trabalhistas em virtude da contaminação dos empregados com o novo coronavírus, editou a medida provisória 927 de 2020, a qual continha em seu artigo 29 disposição expressa de que os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não seriam considerados como doenças ocupacionais, exceto se comprovado o nexo causal entre a contaminação e a atividade laboral:

Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. (Vide ADI nº 6342) (Vide ADI nº 6344) (Vide ADI nº 6346)

Ou seja, a referida norma impôs a parte mais frágil da relação, ao empregado, o ônus de comprovar que a doença foi adquirida no trabalho, incumbindo o Obreiro a produzir uma prova diabólica, quase que impossível de ser apresentada em juízo.

Considerando as diversas novas normas advindas com a pandemia, as quais flexibilizavam os direitos dos trabalhadores, como o dispositivo em verso que contrariava evidentemente os princípios e normas trabalhistas já vigentes, diversos partidos políticos e entidades representativas de trabalhadores ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidade contra as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República. Cita-se o Partido Democrático Trabalhista (ADI 6342), Rede Sustentabilidade (ADI 6344), Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346), Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) Partido dos Trabalhadores (PT) conjuntamente (ADI 6349), partido Solidariedade (ADI 6352) e Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354).[48]

No dia 29-04-2020 o plenário do Supremo Tribunal Federal ao analisar as referidas ações diretas de inconstitucionalidade entendeu por suspender a eficácia de dois dispositivos da Medida Provisória 927 de 2020, sendo um deles o artigo que afastava a doença da COVID-19 como uma doença ocupacional, salvo se o empregado cumprisse o seu ônus de provar que a contaminação ocorreu no trabalho. Tal normativa ignorava as peculiaridades de diversas profissões que laboram em atividades de extremo risco e que propiciam uma evidente facilidade de contaminação do empregado.

Esta suspensão, no entanto, não visava trazer o entendimento de que a contaminação de algum empregado pela COVID-19 é automaticamente configurada como uma doença ocupacional, trazendo assim responsabilização ao empregador. A bem da verdade apenas manteve o entendimento já aplicado anteriormente às doenças ocupacionais e acidentes laborais.

Em 19 de julho de 2020 se encerrou o período de vigência da Medida Provisória nº 927/2020, não sendo convertida em lei e portanto, se esgotando os seus efeitos jurídicos.

Então qual a regra que deve ser aplicada caso haja a contaminação do empregado com a doença do novo coronavírus? Sobretudo, razoabilidade e proporcionalidade deverão acompanhar as decisões judiciais que versarem sobre a responsabilização ou não da empresa caso o empregado apresente a contaminação com a COVID-19.

Pela regra de nossa carta magna prevista no artigo 7º XXVIII, aplica-se as relações de emprego como regra geral a responsabilidade subjetiva do empregador, ou seja para configurar a contaminação como uma doença ocupacional e obter direito a eventual indenização deverá a vítima comprovar o nexo causal entre a contaminação com o seu trabalho, bem como culpa ou dolo do empregador.

No tocante a contaminação pela COVID-19, um dos elementos imprescindíveis para configurar o acidente do trabalho e por consequência a responsabilidade civil da empresa é a prova de que a contaminação com a doença tenha se originado em virtude do trabalho, em termos técnicos, o nexo causal.

Não somente por observância dos dispositivos que abordam a responsabilidade civil no Código Civil (art. 921 e 188 do CCB), mas também diante da peculiaridade da configuração da doença do coronavírus como uma pandemia, estamos diante também da aplicação analógica do artigo 21, §1º da Lei 8.213 de 1991, o qual dispõe que não será configurada como doença do trabalho as doenças endêmicas que se desenvolvam na região habitada-laborada pelo empregado, salvo se comprovado o nexo causal entre a atividade e a contaminação:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei.

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:

a) a doença degenerativa;

b) a inerente a grupo etário;

c) a que não produza incapacidade laborativa;

d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Diante da facilidade no contágio da COVID-19, esta contaminação pode ocorrer em qualquer lugar que por ventura o empregado ou algum familiar seu tenha frequentado, como mercados, bancos, posto de combustível, ruas, praças, inclusive dentro de sua própria casa. Não são raros os casos em que famílias que estavam em isolamento, sem laborar, apresentaram a infecção pelo novo coronavírus, não se sabendo qual a forma que se deu o contágio[49].

Logo, seria extremamente injusto impor ao empregador uma responsabilização automática pelo dano em seu empregado advindo de uma eventual contaminação com o Coronavírus, quando o trabalhador não exerce uma atividade laboral que lhe exponha ao risco de contaminação além do que a normalidade de uma pandemia proporciona. Cita-se como exemplo um empregado de escritório, um servente de obras, um vendedor de automóveis. Situações muito diferentes da de um médico infectologista que labora diretamente com pacientes contaminados com a COVID-19.

Não comprovada então a relação entre o labor e a oridem da doença, se afastará a responsabilidade da empresa pela ausência do nexo causal, conforme julgamento proferido pela 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

RESPONSABILIDADE CIVIL ACIDENTÁRIA. AUSÊNCIA DE DOENÇA OCUPACIONAL. Não constatada a existência de doença de origem ocupacional, não há responsabilidade civil acidentária a ser reconhecida.

(TRT da 4ª Região, 11ª Turma, 0020130-68.2017.5.04.0231 ROT, em 21/02/2020, Desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa)

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. DOENÇA OCUPACIONAL. AUSÊNCIA DE NEXO. Espécie em que o laudo pericial médico é conclusivo quanto à inexistência de incapacidade laboral, bem assim de doença ocupacional, por ausência de nexo causal entre a enfermidade desenvolvida pelo autor e as atividades por ele prestadas em favor da reclamada.

(TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020479-65.2017.5.04.0233 ROT, em 27/11/2019, Desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel)

Ocorre que impor ao empregado a prova de que contraiu o coronavírus durante a jornada de trabalho é praticamente impossível, pois nem uma perícia sequer pode apontar o momento exato da contaminação, se no trabalho, se no mercado, se em repouso em sua casa.

A Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) positivou a teoria dinâmica do ônus da prova, na qual o Magistrado pode inverter o ônus de provar, podendo impor a empresa a obrigação de demonstrar que a patologia não foi adquirida em decorrência do trabalho:

Art. 818. O ônus da prova incumbe: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

(grifo nosso)

Esta relativização do ônus da prova observa a jurisprudência construída perante a Justiça do Trabalho, a qual visualizou de modo claro a impossibilidade da parte mais fraca de fazer algumas provas, enquanto o empregador possui mais condições de apresentar as mesmas:

(...) nem sempre o reclamante consegue desincumbir-se satisfotariamente do seu ônus, mrmente porque é o empregador que tem maior disponibilidade dos meios de prova, ou seja, é a parte que está mais apta para demonstrar em juízo os fatos controvertidos. Diante dessa realidade, em diversas ocasiões tem-se adotado a inversão do ônus da prova em favor do empregado.[50]

Tal posicionamento assim reforça a obrigação da empresa de observar as medidas sanitárias impostas pelas autoridades Municipais e Estaduais, como a utilização obrigatória de máscaras, uso constante de álcool gel e higienização das mãos, controle do número de empregados e consumidores dentro do estabecimento, afastamento de empregados com sintomas semelhantes ao do coronavírus.

Isto porquê a não observância pela empresa das medidas de saúde e segurança do trabalho impostas pelo Poder Público, portanto, em uma eventual inversão do ônus da prova, pode além de comprovar o nexo causal, atrair para a mesma o elemento da culpa. Este é o posicionamento aplicado pelos Tribunais quando comprovado o nexo causal entre a atividade laboral e o acidente, e a empresa não comprova que prestou o treinamento necessário ao empregado para a utilização de algum tipo de equipamento, ou quando não forneceu equipamentos de proteção exigidos em lei:

DOENÇA OCUPACIONAL. PERDA AUDITIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Comprovada nos autos a relação causal (concausa) entre os agravos à saúde do trabalhador e o labor por ele prestado, bem como o agir culposo da empresa, que não adotou medidas de prevenção suficientes para a segura prestação dos serviços, resultando em uma redução permanente da capacidade auditiva, resta configurado o dever de indenizar os danos morais advindos da doença ocupacional desenvolvida pelo empregado. Sentença mantida.

(TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0021181-38.2017.5.04.0030 ROT, em 05/03/2020, Desembargadora Lais Helena Jaeger Nicotti) (grifou-se)

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. DOENÇA OCUPACIONAL. CULPA. Havendo comprovação de que o reclamante, na função de Auxiliar de Carga e Descarga, movimentava, de forma manual, sacos de cimento de 50 Kg e de cal e argamassa de 20 Kg, sem o treinamento ou instrução satisfatórios quanto aos métodos de trabalho, é inequívoca a culpa da empresa, no agravamento das patologias, haja vista a sua inobservância à legislação vigente quanto à segurança e medicina do trabalho. Caracterizados os pressupostos da responsabilidade, dano, nexo causal e culpa, é devida indenização. Recurso a que se dá provimento.

(TRT da 4ª Região, 10ª Turma, 0021070-33.2017.5.04.0522 ROT, em 25/11/2019, Desembargadora Simone Maria Nunes) (grifou-se)

Em virtude da extrema nocividade de algumas profissões, como condutores socorristas de ambulância, médicos, enfermeiros, no caso da contaminação pelo coronavírus, principalmente aqueles que lidam diretamente com os pacientes infectados com a COVID-19,se aplicará a teoria do risco, ou seja, atraindo a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, na qual prescinde da prova de culpa ou dolo do empregador, bastando se comprovar que a contaminação com a doença tem nexo causal com a atividade laboral desempenhada.

Colaciona-se o julgamento de dois casos em que a atividade desempenhada pelos trabalhadores era de risco, onde o Tribunal Regional da 4ª Região aplicou a teoria da responsabilidade objetiva, afastando a necessidade da prova de culpa ou dolo da empresa na ocorrência da doença ocupacional:

RECURSO ORDINÁRIO. DOENÇA OCUPACIONAL. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Em se tratando de atividade classificada como grau 3 para risco de acidentes de trabalho, é reconhecida a atividade de risco, atraindo a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, sendo objetiva a responsabilidade do empregador. Provimento negado, neste aspecto.

(TRT da 4ª Região, 9ª Turma, 0020769-86.2017.5.04.0522 RO, em 27/02/2020, Desembargador Joao Batista de Matos Danda)

AESC. DERMATITE ALÉRGICA DE CONTATO. NEXO CONCAUSAL. DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. Com a Constituição da República de 1988, integrou-se aos efeitos conexos do contrato de trabalho também a proteção dos direitos da personalidade do trabalhador, consagrados já no artigo 1.º, inciso III, quando inclui entre os fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, assim como no caput e nos incisos V e V, do artigo 5.º da mesma Carta, quando estabelece como direitos e garantias individuais fundamentais atributos dessa dignidade como o direito à igualdade, o direito à vida, à liberdade, à segurança, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, do que decorre que a violação a quaisquer desses atributos da personalidade caracterizam danos extrapatrimoniais ou danos morais, passíveis de indenização. Caso em que comprovada a lesão à integridade física da trabalhadora em razão de doença ocupacional proveniente do desempenho de atividade insalubre, portanto cuja responsabilidade patronal é objetiva, bem assim, a ocorrência do dano moral porquanto atingido direito inerente à personalidade protegido constitucionalmente. Recurso ordinário da reclamada não provido quanto ao tópico.

(TRT da 4ª Região, 10ª Turma, 0020796-90.2017.5.04.0030 ROT, em 29/04/2020, Desembargador Janney Camargo Bina)

Verificado o nexo causal, comprovada a culpa, não tendo sido estes afastados pela empresa, ou aplicada a teoria da responsabilidade objetiva afastando a necessidade de provar a culpa ou dolo, há outro requisito que merece ser investigados

O dano é elemento imprescindível e não relativizado, posto que sem este, não há o que se compensar a vítima. Embora se aplique no presente momento o dano moral in re ipsa, entende-se ser imperioso que o trabalhador comprove que a contaminação com a doença lhe causou danos consideráveis, como a internação hospitalar, sofrimento que fuja do mero dissabor, ou também, uma eventual redução ou perda da capacidade laboral. Colaciona-se julgamento proferido pelo TRT-4 onde se julgou improcedente ação indenizatória por doença ocupacional, posto que a parte postulante não comprovou qualquer redução da capacidade laboral ou dano indenizável:

DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPREGADORA. AUSÊNCIA DE DANO. Espécie em que a prova produzida nos autos demonstra a inexistência de incapacidade laborativa, não havendo dano indenizável, o que, por si só, afasta a possibilidade de caracterização da responsabilidade civil.

(TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020161-14.2018.5.04.0406 ROT, em 01/10/2019, Desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel - Relatora)

O dano, por sua vez, é elemento que não só impacta o próprio trabalhador, como muitas vezes a própria família deste, que sofrem tanto o abalo moral, como em muitas vezes o prejuízo material na morte ou na perda da capacidade laboral do Obreiro, o que muitas vezes pode configurar clara perda ou redução de fonte provedora de subsistência daquela familia.

O art. 223-B da CLT advindo com a Lei nº 13.467, de 2017 (reforma trabalhista) tentou afastar o dano reflexo, ou também conhecido como dano ricochete, proporcionado a terceiros que não o trabalhador, como seus dependentes:

Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. (grifo nosso)

Todavia, entendimento este que já vem sendo afastado pela jurisprudência. Inclusive, fora aprovado o enunciado de nº 20 na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, o qual legitima os terceiros ofendidos a postularem pela reparação dos danos por estes sofridos:

DANO EXTRAPATRIMONIAL: LIMITES E OUTROS ASPECTOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. O ARTIGO 223-B DA CLT, INSERIDO PELA LEI 13.467, NÃO EXCLUI A REPARAÇÃO DE DANOS SOFRIDOS POR TERCEIROS (DANOS EM RICOCHETE), BEM COMO A DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS OU MORAIS COLETIVOS, APLICANDO-SE, QUANTO A ESTES, AS DISPOSIÇÕES PREVISTAS NA LEI 7.437/1985 E NO TÍTULO III DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

No dia 06 de outubro de 2020 tivemos um julgamento inédito na Justiça do Trabalho de Frederico Westphalen, onde o Juiz do Trabalho Rodrigo Trindade De Souza, ao proferir sentença no processo 0020462-40.2020.5.04.0551 reconheceu a contaminação por COVID-19 de empregada de um frigorífico como doença ocupacional, condenando a empresa ao pagamento de uma indenização por dano moral no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Nesta decisão o Juiz levou em conta diversos fatores, como o fato de que o local de trabalho da empregada, o frigorífico, é local de extrema contaminação da COVID-19, ocorrendo surtos em diversas empresas deste nicho em todo o planeta, o que por si só atrairia a inversão do ônus da prova e trazendo a presunção de que a contaminação se deu no local de trabalho, salvo prova em contrário.

Lecionou com brilhantez ao elucidar como seria possível ao empregador fazer prova em contrário:

Não há tecnologia de exame no planeta que permita precisar o momento exato do contágio por agentes microscópicos. Desse modo, a comprovação processual deve ocorrer a partir de probabilidades. Impõe-se presunção de nexo causal se demonstrada exposição do autor a acentuado risco de contágio. Tal presunção é, naturalmente, relativa. Assim, se o empregador demonstrar que adotou todas as medidas de segurança, equipamentos de proteção coletivos ou individuais, conforme o melhor estado da técnica, ou, por exemplo, comprovar que o trabalhador esteve exposto em outras situações (por exemplo, o trabalho em mais de um lugar de grande risco, ou uma reunião familiar com pessoa contaminada), há redução da probabilidade de que o contágio tenha ocorrido em serviço.

Todavia, no caso em apreço, o juiz verificou que não só se tratava de local de notório risco de exposição por sua própria natureza, como também ficou confirmado nos autos do processo que a empresa empregadora já havia sido autuada pelo Ministério Público do Trabalho, se negando a tomar medidas de segurança que visavam elidir ou diminuir o risco de contaminação:

Tendo deixado o requerido de, espontaneamente, cumprir com recomendações, e negando-se a firmar termo de ajuste de conduta, precisou buscar ordem judicial para determinar que a empresa realizasse medidas para evitar a contaminação dos seus empregados pelo novo coronavírus.

A soma do fator de que se tratava de um local de trabalho com alto risco de contaminação com o fato de que a empresa já mostrava resistência em tomar medidas essenciais a proteção da saúde e integridade de seus empregados levou o magistrado a aplicar a presunção de que a empregada foi contaminada durante o trabalho, deixando claro que a empresa não conseguiu fazer prova em contrário para afastar tal presunção:

Por todas esses elementos, a circunstância de trabalho da parte autora junto ao requerido faz presumir que a contaminação tenha ocorrido no ambiente laboral. Deixou a parte réu de produzir qualquer meio de prova que pudesse afastar essa presunção. A consequência é de reconhecer nexo causal entre o trabalho e adoecimento, levando à responsabilidade do empregador.

Cria-se com isto um claro e notório precedente que poderá ser aplicado em diversos outros julgados tanto no TRT-4, como em todo o Brasil, visto que decisão veiculada em âmbito nacional pela mídia[51].

Sobre os autores
Murilo Foss

Advogado, pós graduado em direito empresarial pela VERBO e pós graduando em direito do trabalho pela PUC-RS. Atuante nas áreas de Direito do Trabalho, Previdenciário e Cível. Residente em Gramado - RS. Atuante nas cidades de Gramado - RS, Canela - RS, São Francisco de Paula - RS, Três Coroas - RS, Nova Petrópolis - RS.

Martha Macedo Sittoni

Orientadora, Mestre em Direito do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho final no curso de pós graduação em direito e processo do trabalho perante a PUC-RS, sob orientação da professora Martha Macedo Sittoni.

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