Animus Necandi do latrocínio: A desclassificação do crime de latrocínio para homicídio.

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24/11/2020 às 19:02
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O texto tem como objetivo o estudo das decisões judiciais que são proferidas pelas varas criminais e pelos Tribunais de Justiça dos estados brasileiros, quanto aos crimes de Latrocínio e Homicídio, bem como a averiguação de ambos os delitos.

Resumo:

A presente pesquisa tem como objetivo o estudo das decisões judiciais que são proferidas pelas varas criminais, bem como os acórdãos proferidos em sede de julgamento por turmas recursais dos Tribunais de Justiça dos Estados Brasileiros, quando estes órgãos se encontram frente aos julgamentos de casos concretos que envolvem os crimes de latrocínio e homicídio. Por ambos os delitos possuírem uma linha tênue em sua averiguação, fora estudado também os requisitos/elementos que são levados em consideração para que seja feita uma desclassificação de um crime por outro, que são principalmente as provas que são colhidas durante as fases investigativas, as circunstâncias que levaram a consumação do delito, e também os institutos processuais conhecidos como “emendatio libelli” e “mutatio libelli”, que permitem que os juízes e desembargadores possam dar definição legal ao caso concreto, diferente daquela imputada na peça inicial acusatória ou através da qual o indivíduo veio a sofrer uma condenação penal. Assim sendo, foi utilizado o método dedutivo com a efetivação de pesquisas bibliográficas que deram suporte para a análise e resposta da problemática envolvida. Ressalta-se que, inúmeros são os julgados em que demonstram a desclassificação da conduta de latrocínio para homicídio, ocorrendo justamente pela linha tênue existente entre ambos os ilícitos, trazendo certas dificuldades para os julgadores em dizer o direito, haja vista a complexidade que os casos oferecem. Para que houvesse a exposição do presente trabalho, foi levantada justamente a problemática de como desclassificar uma conduta por outra, diante da união dos crimes de roubo mais homicídio, que configuram o latrocínio consumado, quando na prática, tais ilícitos possuem uma similaridade, necessitando da exposição de que devem os magistrados terem uma maior atenção aos fatos que são submetidos aos julgamentos, com seus respectivos elementos colhidos, para que possam dar a devida definição acerca da tipificação correta ao caso.

Palavras chave: Decisões judiciais; sentenças; acórdãos; desclassificação de latrocínio para homicídio; linha tênue; mutatio libelli; emendatio libelli.

1.     INTRODUÇÃO:

O presente trabalho aborda a temática da importância da averiguação por parte do magistrado, em casos complexos, quando há uma ocorrência na vida prática de crimes específicos como o latrocínio e homicídio, fazendo necessário essa maior atenção e examinação (requisitos estes que são imprescindíveis ao julgador), para que este ao final, possa dar a correta definição e aplicar a consequente pena que couber para o fato. 

No tocante ao processamento penal de um indivíduo frente a prática de um homicídio ou latrocínio, no momento em que o juiz “sentirá” as provas de fato perante a audiência criminal e através do que for colhido por todas as partes, é cabível ao magistrado dar outro entendimento para o caso concreto, podendo então, desclassificar uma conduta de latrocínio para um possível homicídio, onde terão diversas consequências jurídicas como a mudança de procedimento em que aquele crime será processado e julgado posteriormente, visto que um se trata do procedimento comum ordinário (latrocínio) enquanto o outro é da competência do Tribunal do Júri o seu referido julgamento (homicídio). Destarte, como classificar e/ou desclassificar o crime de latrocínio diante da união dos crimes de roubo mais homicídio?

Para solucionar esta extrema problemática, é preciso que o magistrado observe os elementos existentes em artigos do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, consequências do crime, entre outros), levando em consideração aqueles necessários que melhor se adequam ao caso em questão, para que no decorrer, se for o caso de descaracterizar um ilícito por outro, possa fundamentar sua decisão, visto que tal arbitrariedade para entender nova definição jurídica do fato lhe é assegurado também no Código de Processo Penal, através dos institutos processuais conhecidos como “mutatio libelli” e “emendatio libelli”.  

Deste modo, por haver diversos entendimentos contrários quanto às definições legais que os casos ganham em sede de primeira instância, neste contexto, o presente projeto visa analisar as decisões proferidas em sede de julgamento de recursos, e expor quais são os elementos que levaram as desclassificações do crime de latrocínio para homicídio, ou vice-versa, elencando ainda quais são as consequências jurídicas que tais desclassificações podem trazer ao processo. 

Sendo assim, o presente trabalho sob uma ótica social, torna-se importante em virtude de que a comunidade tome ciência de como é aplicado uma lei em um caso concreto, ajudando-as a entender os motivos e justificativas que levam o magistrado a aplicar uma sentença a um indivíduo, frente a prática de uma conduta criminosa. No âmbito jurídico, ainda sim existe uma vasta quantidade de julgados frente aos crimes de latrocínio e homicídio, onde por vezes, há divergências de entendimentos pelos magistrados, e portanto, o presente trabalho justifica-se nesse cenário para analisar quais as provas ou elementos que levam a livre convicção dos juízes, no momento de averiguar estas duas modalidades criminosas. 

Nesse cenário, o presente trabalho possui como escopo geral analisar a forma de averiguação judicial entre os dois crimes já descritos e, de forma específica, explanar de forma primária, acerca da teoria tripartida do crime, como essencial para conceituação do crime propriamente dito, identificar os elementos constituintes de ambos os ilícitos, que estão previstos nos artigos 121 e 157 do Código Penal que estão em títulos diferentes e os seus respectivos agravantes e atenuantes;  entender as regras constitucionais processuais e o processamento penal em si acerca destas duas modalidades delituosas, em especial aos tipos de procedimentos aplicados aos respectivos crimes; analisar de forma detalhada os respectivos julgados que tem sido proferidos pelos Tribunais Brasileiros, e, por conseguinte, descrever os resultados obtidos com fundamentação na análise dos julgados que anteriormente fora realizada. 

O intuito deste projeto foi realizar pesquisas dos tipos bibliográficas e documental, sendo necessário ter em mãos uma quantidade de livros, artigos e julgados que em prática, ressaltaram e exemplificam decisões para uma possível resolução para a problemática proposta, além da almejada vontade de contribuição teórica frente aos embates jurídicos divergentes, que ainda sim, ocorrem de forma constante nos Tribunais Brasileiros. Frisa-se ainda que, haverá uma interdisciplinaridade neste presente projeto, visto que realiza uma cooperação entre as disciplinas de Direito Penal em sua parte especial, Direito Penal quanto a parte geral, e ainda o livro do Código de Processo Penal, ambas englobadas nesta ciência criminal, onde encontraram-se os dispositivos a serem utilizados nesta pesquisa, além de trazer questões que envolvem a matéria de Direito Constitucional.

Assim sendo, o primeiro capítulo trata da conceituação do crime, expondo a evolução histórica do mesmo e explicando acerca da teoria do crime e suas respectivas subdivisões, permitindo assim, entender sobre o que venha a ser crime.

O segundo capítulo, após entender que todo o fato criminoso é passível de aplicação de uma pena, neste tópico será apresentado acerca das sanções que são previstas pelo ordenamento penal vigente, expondo as suas respectivas modalidades.

O terceiro capítulo, de forma mais específica, trata a respeito do delito de roubo, previsto no artigo 157 do Código Penal, e suas modalidades simples e qualificadas, explicando seus conceitos e penas previstas para as mesmas modalidades.

O quarto capítulo, aborda também de forma específica, os crimes de latrocínio e homicídio, expondo quais são as diferenças entre ambos os delitos, suas particularidades e quais sãos as formas processuais que serão aplicadas a cada um.

Por fim, o último capítulo expõe alguns julgados que de fato, demonstram a desclassificação de um delito por outro, bem como quais são os elementos levados em consideração que permitiram e fizeram com que houvessem as mesmas desclassificações, bem como expõe as consequências jurídicas inerentes aos casos.

2.     TEORIA DO CRIME: TIPICIDADE, ILICITUDE E CULPABILIDADE

2.1     Conceito de crime

Logo de início, é importante salientar que há uma diferença entre as nomenclaturas crime/delito (as quais tratam-se de palavras que são sinônimas), e as conhecidas como infrações penais. Tratando-se do direito penal brasileiro vigente, há uma adoção ao sistema bipartido, pelo qual define que crime e delito sejam sinônimos, enquanto que de outro lado, há a presença das contravenções penais. Portanto, na oportunidade da pessoa se referir a estas expressões de uma maneira geral, isto é, sem que haja distinção, a melhor adequação de forma branda destas definições, é então conhecida como infração penal.

Para uma melhor distinção entre crime e contravenção, salienta-se que o legislador brasileiro positivou uma norma para distingui-los, sendo que a mesma encontra-se fundamentada no artigo 1° da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei n° 3.914, de 9 de Dezembro de 1941), onde está previsto o seguinte:

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Na contemporaneidade, o real conceito de crime ainda sim, é definido de forma jurídica. Muitos foram os debates e tentativas no sentido de fornecer tal explicação, no entanto, existem três conceituações que mais vieram à tona e se aproximam da verdadeira explanação do conceito de crime, quais sejam: formal, material e analítico.

Em termos de característica formal, o crime englobaria aquela conduta que colide contra a legislação penal que fora redigida pelo Estado, ou seja, aquela que contraria o positivo legal outrora feita com o intuito de impugnar determinada conduta, enquanto que em um aspecto material, o crime seria aquela conduta violadora diretamente relacionada e lesiva aos bens tutelados pelo Estado, isto é, aqueles de maior relevância e interesse ao convívio em sociedade. Surge então, uma teoria analítica a respeito do crime, onde o mesmo é composto de elementares conhecidas como ação típica, ilícita e culpável.

Têm-se então, que na abordagem analítica a verdadeira função é justamente explicar os elementos e características que estão abrangidos na conceituação de infração penal. Adota-se então nesta mesma visão, que o conceito analítico é composto por um fato típico, ilícito e culpável, sendo que o primeiro destes elementos é composto por: conduta dolosa ou culposa, comissiva e omissiva; resultado; nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado; tipicidade. Já na ilicitude (em outras palavras, antijuricidade) trata-se daquela conduta que afronta, ou seja, contraria o que está previsto no respectivo ordenamento jurídico em vigência. Por fim, ressalta-se a culpabilidade do agente, onde trata-se do juízo de reprovação pessoal que recai sobre a conduta ilícita que fora praticada pelo agente, sendo integrantes desta categoria os seguintes elementos: imputabilidade; potencial consciência sobre a ilicitude do fato; exigibilidade de conduta diversa. 

Diante dos fatos já expostos, entende-se que na tipicidade, é uma outorga conferida a legislação brasileira para a devida definição dos crimes em si, portanto, a tarefa aqui atribuída é aquela justamente de detalhar com precisão os delitos em suas formas, evidenciando o entendimento por fato criminoso. Salienta-se então, que em posse do raciocínio anterior, a Carta Magna consagrou um de seus princípios mais relevantes e levados em consideração para a esfera penal, qual seja: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5°, XXXIX), configurando assim, uma real limitação ao poder do Estado de participar ou mesmo interferir no âmbito da liberdade inerente a cada pessoa.

Em continuação, entende-se então que, é na elementar da tipicidade que está descrito de forma abstrata cada cometimento de condutas humanas, sendo que estas encontram respaldo pela respectiva legislação penal e por consequência, são descritas como um fato criminoso, conforme a afirmação a seguir:

[...] consiste na discrição abstrata da conduta humana feita pela lei penal e correspondente a um fato criminoso. O tipo é, portanto, um molde criado por lei, no qual está descrito o crime com todos os seus elementos, de modo que as pessoas saibam que só comentaram um delito se vierem a realizar uma conduta idêntica à consoante do modelo legal.  (CAPEZ, 2009, p. 189).    

Por continuação, ainda na matéria da abordagem analítica, é posto que a segunda elementar deste tipo é a ilicitude, onde diz respeito a divergência existente entre a conduta praticada e a legislação vigente, onde o cometimento de uma ação ou omissão típicas, configuram como verdadeiras ilicitudes.

Por consequência do que fora explanado, todo fato criminoso é, anteriormente, típico, no entanto, há casos concretos em que existe o enquadramento perfeito de determinada conduta, no entanto, não figura-se passível o entendimento de que a mesma seja ilícita, haja visto a presença de causas excludentes que afastam a responsabilidade por parte do agente, o qual não sofrerá sanções penais por parte do Estado. Sendo assim, têm-se o seguinte:

Pode-se assim dizer que todo fato penalmente ilícito é, antes de mais nada, típico. Se não fosse, nem existiria preocupação em aferir sua ilicitude. No entanto, não pode suceder que um fato típico não seja necessariamente ilícito, ante a concorrência de causas excludentes. É o caso do homicídio praticado em legítima defesa. O fato é típico, mas não ilícito, daí resultando que não há crim. (CAPEZ, 2009, p. 272).

Como uma das causas que são excludentes de ilicitude, afigura-se o estado de necessidade. Trata-se da hipótese de quando uma pessoa tem de sacrificar um bem jurídico que está ameaçado em virtude de determinado perigo, para assim, salvar outro, seja em seu favor ou de terceiros, sendo que tal sacrifício não se pode ser exigido conduta diversa da mesma. Sendo assim:

No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como o agente não criou a situação de ameaça, pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo. (CAPEZ, 2009, p.277).

Assim sendo, existe também o conhecido como estado de necessidade, onde é uma causa excludente da ilicitude consistente em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Ao contrário do estado de necessidade, neste ponto ocorre de fato, um enfrentamento ilícito contra determinado agente ou terceiro, justificando a utilização de meios necessários para dar fim aquela injusta agressão, afastando a responsabilidade penal pela referida prática necessária.

Em continuação, ainda no âmbito das excludentes de ilicitude, têm-se o estrito cumprimento de dever legal. Significa dizer que, não caracteriza infração penal aquele que age em virtude de prerrogativa concedida a sua pessoa, do devido cumprimento de dever legal. Sendo assim, é permitido o cometimento de um fato considerado típico, em virtude de cumprimento de um ônus descrito em lei. A título de ilustração, cita-se o policial que que retira a liberdade de determinado fugitivo ao prendê-lo, por força de respectivo mandado judicial. Como melhor explanação do que fora alegado:

Compreende toda e qualquer obrigação direta ou indiretamente derivada de lei. Pode, portanto, constar de decreto, regulamento ou qualquer ato administrativo infra legal, desde que originários de lei. O mesmo se diga em relação a decisões judiciais, que nada mais são do que determinações emanadas do Poder Judiciário em cumprimento da ordem legal. (CAPEZ, 2009, p. 295).

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Por fim, ressalta-se o exercício regular de direito como outra causa excludente de ilicitude, consistente em exercício de uma determinada prerrogativa a qual é conferida pela legislação vigente, caracterizada como um fato atípico. Temos então que:

Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade previstos em lei (penal ou extrapenal).  A Constituição Federal reza que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art.  5º, II).  Disso resulta que se exclui a ilicitude nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento.  Exemplo:  prisão em flagrante por particular. O próprio Código Penal prevê casos específicos de exercício regular de direito, como a imunidade judiciária (CP, art.  142, I) e a coação para evitar suicídio ou para a prática de intervenção cirúrgica (art.  146, § 3º). (CAPEZ, 2009, p. 296).

Em finalização da respectiva abordagem analítica, têm-se a elementar da culpabilidade. Tal preceito, diz respeito a possiblidade através de um juízo de valor, de considerar determinado agente culpado pelo cometimento de uma infração penal. Acerca disto, é definido como uma verdadeira censura e reprovabilidade qual seja exercido sobre determinada pessoa que praticou um fato típico e ilícito. Por este motivo, diz-se que: 

Para censurar quem cometeu um crime, a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele. Há, portanto, etapas sucessivas de raciocínio, de maneira que, ao se chegar à culpabilidade, já se constato ter ocorrido um crime. Verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não; em seguida, em caso afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a prática de um delito (fato típico e ilícito), é que se passa ao exame da possibilidade de responsabilização do autor. (CAPEZ, 2009, p. 302)

Salienta-se que até o momento, foram tratadas apenas das conceituações gerais acerca do crime, como sua explicação e também teorias que formam o corpo do delito, com o intuito de que posteriormente, possa adentrar nos princípios inerentes a legislação penal, bem como a explanação das sanções penais existentes e aplicáveis ao agente, frente ao cometimento de uma infração penal.

2.2     Teoria Tripartida do Crime.

No atual ordenamento jurídico penal vigente no Brasil, cujo o mesmo fora intitulado no ano de 1940, repassava a impressão de que o mesmo fora criado utilizando as vertentes de uma espécie de teoria tripartida, qual seja, baseada em três elementos para justificação do crime, e assim, posterior aplicação de sanções. Tal Teoria, assim como dito anteriormente, trata-se do fato típico, ilícito e culpável. No entanto, com o advento da Lei 7.209/1984, tal situação modificou, uma vez que amostra-se possível a identificação de apenas dois elementos constantes na teoria, como sendo a tipicidade e a ilicitude. Nesse sentido, tem que:

Código Penal de 1940, em sua reação original, acolhia um conceito tripartido de crime, relacionado à teoria clássica da conduta. Eram, portanto, elementos do crime o fato, a ilicitude e a culpabilidade. A situação mudou com a edição da Lei n. 7.209/1984, responsável pela redação da nova Parte Geral do Código Penal. A situação mudou com a edição da Lei 7.209/1984, responsável pela redação da nova Parte Geral do Código Penal. A partir de então, fica a impressão de ter sido adotado um conceito bipartido de crime, ligado obrigatoriamente á teoria finalista da conduta. (MASSON, 2010, p. 195) 

Sendo assim, de suma importância é explanar que o fato típico é composto por outros quatro elementos, quais sejam: conduta, resultado, nexo de causalidade e a tipicidade. Estes por si só, analisados de uma forma conjunta, são fatos geradores do chamado fato típico. Tratando-se do fato típico, na condição de conduta dolosa, é a mesma em que o agente pratica o ato de forma que deseja o resultado do crime, assim como o explanado abaixo:

A conduta típica pode ser de dois tipos: dolosa ou culposa. A conduta dolosa é aquela em que o indivíduo pratica o ato porque deseja o resultado do crime.  Exemplo: existe conduta dolosa quando um indivíduo prepara uma emboscada e mata sua vítima de uma forma previamente pensada. (SIGNIFICADOS, 2019)

Até o presente momento, fora mencionado todos os aqueles elementos que juntos, formam a teoria tripartida do crime, qual seja aquela adotada no sistema penal vigente. A presente explanação, é de total importância, vez que com a análise primária acerca de como é composto uma infração penal, é que na vida prática permitirá que o magistrado tenha convicção e forme seu convencimento quanto estiver a frente de casos concretos para fins de julgamento.

A partir do entendimento de que um fato é típico, antijurídico e culpável, permite que o infrator sofra uma sanção penal como forma de retribuir o mal que fora causado no meio social. São através de análises detalhadas acerca do crime praticado no caso concreto, é que permite ainda ao magistrado, tenha seu convencimento formado para punir ou não um agente, ou até mesmo dar um novo entendimento acerca das provas que forem trazidas em sede do caso concreto.

É justamente nesse ponto, que o presente projeto busca dar ênfase, uma vez que a não análise detalhada da teoria tripartida do crime, pode ensejar em condenações injustas, ou até mesmo que o agente seja condenado pela prática de crime diverso do que realmente praticou.

Há decisões em sede de primeiro grau cuja condenação de um réu, que primariamente se deu em virtude de um entendimento de um latrocínio (sendo competência do procedimento comum, seguindo o rito ordinário), sendo esta mesma reformada em sede de segunda instância, haja visto novo entendimento de que aquele fato, na verdade, incorreu em um suposto homicídio, sendo a competência para processamento e julgamento do respectivo Tribunal do Júri.    

Para ilustrar o exposto anteriormente, segue abaixo parte de uma ementa referente a um julgamento de uma apelação criminal, proposta em desfavor de sentença proferida em primeiro grau, cujo entendimento do fato se deu pela prática de latrocínio, mas que esta mesma foi reformada, dando entendimento de que na verdade, teria ocorrido a fusão de dois crimes, e que um destes é submetido ao Tribunal do Júri:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. LATROCÍNIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA EM CONCURSO COM O CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO. CRIME CONTRA A VIDA. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI. Caso em que ficou demonstrado na prova colhida durante a instrução criminal que o réu não praticou o crime de latrocínio, mas a prática, em tese, de dois crimes, um roubo majorado pelo emprego de arma em concurso com o crime de homicídio tentado. Operada a desclassificação e declarada a nulidade da sentença, com a remessa dos autos ao Tribunal do Júri, em face de sua competência constitucional para processar e julgar crimes dolosos contra a vida. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO, EM PARTE. SENTENÇA ANULADA. DESCLASSIFICADA A CONDUTA DESCRITA NA DENÚNCIA PARA O CRIME DE ROUBO MAJORADO EM CONCURSO COM O CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO. REMETIDOS OS AUTOS À COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADA. (Apelação Crime Nº 70076591429, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 24/05/2018).

3.     SANÇÕES PREVISTAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO

3.1.     Conceitos e origens.

Em continuidade ao que fora explanado no capítulo anterior acerca da conceituação do ilícito penal, como consequência natural para o indivíduo que comete um fato típico, ilícito e culpável, têm-se a aplicação de uma sanção penal. Isto significa então, que há a valoração de conduta bem como o repúdio que recai sobre aquele fato, uma consequente descrição como sendo caracterizado como uma conduta criminosa, e como acontecimento natural, o Estado por sua vez tem a competência para efetivar seu poder de punir aquele que comete um ilícito penal, buscando assim amenizar os danos experimentados por parte da vítima, além de retribuir ao infrator a sua penalização. Sendo assim, expõe-se que: “a pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu “ius puniendi.” (GRECO, 2017, p. 617).

Entretanto, é importante mencionar que mesmo com essa competência atribuída ao Estado de fazer valer seu “ius puniendi”, o ordenamento jurídico vigente no país ainda sim prevê vedações a este poder punitivo oriundo do Estado soberano, haja vista que os infratores estariam à mercê daqueles tempos mais barbáries, onde o mal também era combatido com o mal, aplicando-se naquela época a famosa “lei de talião”, dentre várias outras modalidades de sanções. Neste mesmo sentido, o artigo 5° da Constituição Federal prevê que:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, nos termos seguintes:

 [...]

XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis. (SARAIVA, 2016, p. 8).

Em termos da antiguidade, uma importante reflexão que se tem é como foi a primeira conduta praticada que teve seu respectivo repúdio e consequente aplicação de uma sanção. Assim sendo, remete-se o pensamento nas origens da própria humanidade, antes mesmo de existir o conceito de sociedade e ter as civilizações formalizadas. Nestes termos, tem que: “a primeira pena a ser aplicada na história da humanidade ocorreu ainda no paraíso, quando, após ser induzida pela serpente, Eva, além de comer o fruto proibido, fez também com que Adão o comesse, razão pela qual, além de serem aplicadas outras sanções, foram expulsos do jardim do Éden.” (GRECO, 2017, p. 618).

Com o decorrer dos anos da história da humanidade, a questão atrelada à punição do indivíduo começa a mudar paulatinamente, abandonando a ideia do infrator em ter que pagar o mal com o seu próprio corpo, lhe sendo aplicadas outras formas de penas existentes na contemporaneidade. Isto significa dizer então que, há uma preocupação com o bem estar físico e mental da pessoa, sobretudo, após o advento de marcos históricos e consequente união dos mais variados estados soberanos na tentativa de dar tratamento para estas questões e formalizar princípios norteadores no tocante às aplicações de penas. Neste contexto, tem que:

Hoje, percebe-se haver, pelo menos nos países ocidentais, uma preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos seres humanos. Vários pactos são levados a efeito por entre às nações, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, buscando afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos degradantes e cruéis. Cite-se como exemplo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, três anos após a própria constituição da ONU, que ocorreu em 1945, logo em seguida à Segunda Guerra Mundial, em que o mundo assistiu, perplexo, ao massacre, de aproximadamente, 6 milhões de judeus pelos nazistas, com a prática de atrocidades tão desumanas [...]. (GRECO, 2017, p. 620).

3.2.     Finalidades das sanções

Quanto à sanção imposta ao indivíduo pelo Estado, em razão da prática de uma conduta que contraria o ordenamento, é possível verificar que a pena a ser aplicada pelo magistrado ao caso concreto possui dois caráteres, quais sejam: reprovação e prevenção do crime.

Há então, três teorias que são capazes de definirem as mesmas finalidades, sendo elas a absoluta, a relativa e a teoria mista. A primeira, trata-se de uma teoria que adota o caráter da retribuição, onde o principal objetivo é justamente dar uma punição ao indivíduo que comete um ilícito penal, ou seja, retribuir pelo mal que o agente causou ao meio em que vive. Já a teoria relativa, preconiza que a sanção possui duas finalidades, sendo uma de natureza especial, pois busca-se a readaptação do infrator e o distanciamento do mesmo daquele ambiente social ao qual está inserido, como soluções para impedir que o indivíduo volte a praticar novos crimes. Em sua natureza geral, a pena serve como meio de “ameaçar” os demais integrantes da sociedade, na expectativa de que estes sintam-se intimidados a não cometerem fatos criminosos, caso contrário, receberão uma sanção por isso. E por fim, a teoria mista é basicamente a junção das outras duas teorias, onde prevê que a sanção tem o caráter de representar uma punição ao infrator pela prática do respectivo crime, assim como possuir a finalidade de prevenção, por intermédio da reeducação do infrator e também pela forma que traz um amedrontamento para a sociedade, desestimulando a prática de casos idênticos ou novas infrações penais. Como embasamento para o que fora explanado, têm-se que:

Finalidades: as finalidades da pena são explicadas por três teorias. Vejamos cada uma delas.

a) Teoria absoluta ou da retribuição: a finalidade da pena é retribuir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo criminoso, pelo mal injusto previsto no ordenamento jurídico (punitur quia peccatum est).

b) Teoria Relativa, finalista, utilitária ou da prevenção: a pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime (punitur ne peccetur). A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meio de impedi-lo de voltar a delinquir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinquem porque tem medo de receber a punição).

c) Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliatória: a pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (punitur quia peccatum est et ne peccetur). (CAPEZ, 2011, p. 385).

3.3     Tipos de sanções.

Até o presente momento, o Código Penal Brasileiro prevê apenas três tipos de penas passíveis de aplicação para o indivíduo que comete um fato ilícito, podendo elas serem aplicadas de forma isoladas ou até mesmo cumulativas, a depender do caso concreto que é levado para o Estado exercer seu poder punitivo. De acordo com o art. 32 do Código Penal:

 Art. 32 – As penas são:

I – privativas de liberdade;

II – restritivas de direito;

III – de multa. (SARAIVA, 2016, p. 530).

Em síntese, quanto às formas de penas existentes, pode-se dizer que as de natureza privativa de liberdade são previstas pelo Código Penal como sendo de detenção e reclusão, podendo ser aplicada também a prisão simples, a depender do caso concreto. Quanto às restritivas de direitos, em consonância com o Código Penal vigente, consistem em prestação pecuniária; prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; limitação de fim de semana; interdição temporária de direitos; e perda de bens e valores. Por fim, a pena de multa terá sempre por objetivo a prestação pecuniária de fato, baseado no sistema brasileiro de “dias-multa”, isto é, aplicação de valores que de acordo com o Código Penal poderá ser um montante entre o mínimo de 10 e o máximo de 360 dias-multa, podendo o valor de cada dia deste corresponder à um montante de 1/30 em relação ao valor do salário mínimo vigente à época de aplicação da pena até 5 vezes o mesmo montante já mencionado.

Desde logo, é de suma importância dar ênfase aos artigos 59 e 68 do Código Penal Brasileiro para aplicação da pena e consequente informação acerca do regime de cumprimento da mesma sanção, não podendo estes dois dispositivos serem estudados de forma apartada, haja vista à complementaridade que um traz ao outro. Sendo assim, o Código Penal é claro ao prever nestes dois artigos, as seguintes redações:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

[...]

Na prática, significa então que, após todos os trâmites legais inerentes aos processos criminais, principalmente após a fase instrutória, o juiz atentando-se aos requisitos constantes no Código Penal Brasileiro, irá analisar o caso concreto e fazer seu livre convencimento com base nas provas colhidas durante a instrução criminal. Após o seu convencimento, irá então proceder ao proferimento de uma sentença, que em caso de condenação do réu, será demonstrado o quantum de pena lhe será imposto em virtude da sua prática criminosa, bem como estará descrito o seu regime inicial para cumprimento de pena. Como forma de exemplificar a aplicação destes requisitos, abaixo encontra-se a ementa de um recurso de apelação criminal, na qual fora pedida a redução da pena-base fixada pelo juiz que decretou a sentença do réu, em conformidade com os artigos 58 e 69 do Código Penal.

ACÓRDÃO EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL ARTIGO 155, § 4º, INCISOS II E IV, DO CÓDIGO PENAL - redução da pena-base para o mínimo legal impossibilidade - PENA-BASE FIXADA EM CONSONÂNCIA COM OS ARTIGOS 59 E 68 DO CÓDIGO PENAL EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA IMPOSSIBILIDADE - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Restando comprovado que o ilustre magistrado a quo, aplicou a pena-base do recorrente com fulcro nos artigos 59 e 68 do Código Penal, utilizando-se dos elementos constantes dos autos, e da discricionariedade conferida pela jurisprudência pátria, resta evidente a impossibilidade de redução da pena-base ao mínimo legal. 2. Incabível o pleito de isenção da pena de multa, uma vez que se trata de sanção decorrente do próprio tipo penal, não havendo margem discricionária conferida ao julgador acerca da isenção de seu arbitramento. No caso focado, observo que utilizou-se o magistrado de um critério bastante justo para a fixação da pena de multa, eis que a fixou em total consonância com a pena corpórea aplicada. Ademais, a defesa não trouxe aos autos qualquer documento hábil a comprovar a hipossuficiência financeira do acusado para arcar com o pagamento da pena de multa a si imposta. 3. Recurso conhecido e não provido.

(TJ-ES - APL: 00043246520168080069, Relator: FERNANDO ZARDINI ANTONIO, Data de Julgamento: 18/09/2019, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 23/09/2019).

4.     DO CRIME DE ROUBO - ART. 157 DO CÓDIGO PENAL

4.1.     Previsão legal

O crime em questão, trata-se de um ilícito que encontra-se tipificado no rol dos crimes que lesam o patrimônio da vítima, elencado no artigo 157 do Código Penal Brasileiro. Sendo assim, tem-se que o objeto propriamente dito que é alvo do agente infrator, é justamente o bem material do agente passivo, o que compõe de fato, o seu patrimônio. Como exemplo do que fora narrado anteriormente, pode-se citar um aparelho celular, um automóvel, um relógio de pulso, entre vários objetos que se considerem como bens móveis. Assim sendo, é importante salientar que a conduta de subtrair bem móvel, encontra-se descrito da seguinte forma:

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Portanto, aquele que consegue empregar os meios já mencionados, e consequentemente obtém êxito na subtração do patrimônio da vítima, responderá portanto, pelo crime do roubo consumado, sujeitando-se a pena descrita no referido artigo. Importante ainda salientar que, o crime de roubo trata-se de um crime complexo, ou seja, em que há a fusão de dois delitos para que o mesmo se consume. Sendo assim, para que esta modalidade criminosa esteja configurada, é necessário a fusão de dois delitos, que sejam aqueles que ofereçam um dano patrimonial para a vítima, e mais um delito que lese a integridade física ou a liberdade individual da vítima. Neste sentido, pode-se afirmar que:

O roubo é classificado doutrinariamente como crime complexo (resulta da fusão de dois outros delitos). Seu ponto de partida é o crime de furto,13 ao qual o legislador agregou elementares, relativas ao modo de execução, que o tornam especialmente mais grave. [...] O roubo é a soma dos crimes de furto e de lesão corporal leve (CP, art. 155 + art. 129, caput), quando praticado com violência à pessoa (própria ou imprópria), ou então de furto e de ameaça (CP, art. 155 + art. 147), se cometido com emprego de grave ameaça. (MASSON, 2014, p. 1141).

No caso em tela, a qualificadora que mais interessa em relação ao delito de roubo é justamente aquela que tem a previsão no §3°, do art. 157 do Código Penal, tratando-se do delito consistente em latrocínio, onde além da subtração patrimonial da vítima, há também a lesão à vida do indivíduo, o que por consequência, faz com que seja um dos crimes com maior previsão entre o mínimo e máximo de pena a ser aplicada ao agente infrator, sendo estabelecida entre o montante de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. Além da pena grave que pode ser imposta a esta tipificação criminal, este delito também é considerado como sendo um crime hediondo, ou seja, aquele que é provido de uma reprovação maior pela sociedade, que causa repúdio entre a humanidade, justamente pela forma em que é cometido. Sobre o crime de roubo com o resultado da morte, nos dizeres de Nucci (2014, p. 596), “trata-se da hipótese do latrocínio, quando também se exige dolo na conduta antecedente (roubo) e dolo ou culpa na conduta subsequente (morte). É considerado crime hediondo (art. 1°, II, da Lei 8.072/90)”.

5.     LATROCÍNIO E HOMICÍDIO.

5.1   Conceitos

Com uma simples leitura dos artigos 121 e 157 do Código Penal Brasileiro, é possível perceber a diferença entre ambos os ilícitos. Sendo assim, o crime de homicídio consiste na conduta de matar alguém, isto é, quando uma pessoa de fato, com intenção de agir neste sentido, ceifa a vida de outrem. Acerca do crime de homicídio, é importante salientar que:

O homicídio (hominis caedes) consiste na destruição da vida humana alheia por outrem. Ou, a morte de um homem causada por outro. Tem-se como bem jurídico tutelado a vida humana independente, e o objeto material consiste no ser humano nascido com vida. Trata-se de bem jurídico individual, de cunho fundamental e personalíssimo. (PRADO, 2019, p. 76-77).

O bem jurídico tutelado, é portanto, a vida. Trata-se de um direito de extrema importância, pois é com ele que nascem todos os demais direitos inerentes ao ser humano. Se por um lado, a conduta do homicídio lesa diretamente a vida do indivíduo, por outro, o latrocínio é consistente na lesão patrimonial, bem como tem por resultado a morte da pessoa que sofre a ação. Trata-se então, de um crime que engloba a junção do homicídio, mais a conduta da subtração do bem móvel que aquela pessoa trazia consigo. É importante ressaltar que, a conduta de ceifar a vida da vítima deve estar ligada estritamente à conduta de subtrair também seu patrimônio, uma vez que é necessário a consumação destas duas ações para que o fato seja considerado como latrocínio, caso contrário, estará diante de um crime de homicídio em concurso com outro crime, a depender do que ocorrer no caso concreto. Neste sentido, é importante mencionar que:

Importante observar que a figura do latrocínio configura crime contra o patrimônio qualificado pela morte. Assim, a vontade do agente é ofender o patrimônio da vítima, valendo-se, para tanto, da morte como meio. 82 Se a intenção inicial do agente era apenas a morte da vítima, mas após a consumação do crime de homicídio, resolve subtrair os seus bens, responderá pelo crime de homicídio em concurso com furto. (CUNHA, 2017, p. 301).

5.2.     Formas de processos abrangentes aos ilícitos

Com a consumação do delito, por tratar-se de um fato que é repudiado pela sociedade e merecedor de uma valoração por parte do Estado, abre a este último, a possibilidade de fazer valer seu “ius puniend”, na tentativa de retribuir o mal que fora causado ao meio social, prevenir para que novos casos não voltem a ocorrer, servindo como caráter repressor para que os demais integrantes do meio social não cometam o mesmo fato, além de tentar ressocializar o indivíduo que fora responsável por causar uma alteração no mundo. Para que todo o fato seja punível, é necessário que haja um processo ao qual o infrator será submetido, com a finalidade de que o mesmo sofra uma sanção penal por ter cometido aquele fato que originou tamanho processo. No ordenamento penal vigente, existem três formas de procedimentos normais aos delitos, quais sejam: ordinário, sumário e sumaríssimo, onde será levado em consideração a pena máxima cominada em abstrato, para averiguar a qual procedimento o fato será conduzido. No caso do trabalho em questão, é importante salientar que o rito aplicado ao crime de latrocínio trata-se do comum “ordinário”, uma vez que a pena máxima cominada em abstrato para este delito é de 20 (vinte) a 30 (anos) e multa, sanção esta que ultrapassa os 4 (quatro) anos necessários para submeter o crime a esta forma de procedimento processual.

Após explanar o rito pelo qual o crime de latrocínio é submetido, importante ainda salientar que existe também o rito especial do Tribunal do Júri, para os casos em que os crimes atentam contra a vida. Tal forma de procedimento, é justamente o que é aplicado para os crimes de homicídio, sendo que o seu prosseguimento diferencia-se em alguns aspectos das demais formas de ritos. Tem sua previsão até mesmo pela própria Constituição Federal, sendo um dos órgãos do Poder Judiciário. Neste sentido, tem-se que:

Como todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, o Tribunal do Júri está previsto na Constituição Federal. Todavia, diversamente dos demais órgãos do Poder Judiciário, que estão inseridos no Capítulo do Poder Judiciário - arts. 92 a 126 da Constituição Federal -, o Júri é colocado no rol dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos (art. 5o, XXXVIII), o que não afasta sua verdadeira natureza jurídica de órgão especial da Justiça Comum (Estadual ou Federal). (LIMA, 2019, p. 1.372).

6.     ANÁLISE E RESULTADOS OBTIDOS APÓS A AVERIGUAÇÃO DOS JULGADOS.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. DESCLASSIFICAÇÃO DE LATROCÍNIO PARA HOMICÍDIO QUALIFICADO E FURTO MAJORADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 383, § 2º, DO CPP. PRONÚNCIA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI (ART. 5º, XXXVIII, CF). VEDAÇÃO DE EVENTUAL CONDENAÇÃO PELO JÚRI COM PENA MAIOR DO QUE A ANTERIORMENTE IMPOSTA. I-O latrocínio é um crime complexo, que exige para sua consumação, além do animus necandi, o animus furandi antecedente, ou seja, preexistente à conduta do agente. II-Ante a ausência de provas de que os acusados pretendiam roubar a vítima ou garantir a consumação do delito contra o patrimônio com a morte do ofendido, impõe-se desclassificação, nos termos do Art. 383, § 2º, do CPP, encontrando-se os dois recorrentes incursos nas penas do Art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, e o segundo apelante também nas penas do Art. 155, § 1º, do CP, pelo que foram pronunciados nesta instância, a teor do Art. 413, do CPP, a fim de serem submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri. III-Considerando a vedação da reformatio in pejus, eis que se trata de recurso exclusivo da defesa, a teor do art. 617 do CPP, eventual condenação pelo tribunal do júri não poderá implicar em pena superior à anteriormente imposta. IV-Provimento parcial dos dois Recursos, submetendo os Apelantes a julgamento pelo Tribunal do Júri. Decisão unânime. (BRASIL, 2011).

Nesta primeira parte da ementa, verifica-se que ocorreram as prisões dos denunciados por suposta prática do crime de latrocínio, vez que os condenados ceifaram a vida de uma pessoa, e após o fato, ainda subtraíram bens da mesma, entretanto, o fato ocorreu posterior a conduta do homicídio, não tendo ligação e nem o intuito anterior de subtrair os bens da vítima. Assim sendo, sem que os fatos trazidos em sede de primeira instância tivessem sido modificados, o juiz de primeiro grau de jurisdição proferiu sentença que condenou ambos os autores pela prática do latrocínio. Em sede de julgamento de recurso interposto por ambos, o tribunal daquele estado entendeu que na verdade, ocorrera crime de homicídio duplamente qualificado, além da responsabilização de um deles também pelo crime de furto dos bens da vítima, e por estar diante de um crime doloso contra a vida, a competência seria exclusiva do Tribunal do Júri para processamento e julgamento do caso. Houve então, a ocorrência do instituto da “emendatio libelli”, que sem alterar os fatos, o Tribunal apenas trouxe uma nova definição legal para o caso, remetendo os autos para a decisão de pronúncia, vez que trata-se da competência do Tribunal Popular para julgamento do caso. Em suma, assim como tratado neste projeto, houve a desclassificação do crime de latrocínio para um homicídio duplamente qualificado, em concurso material com o crime de furto majorado.

APELAÇÃO CRIMINAL – LATROCÍNIO (ARTIGO 157, parágrafo 3º, DO CÓDIGO PENAL)– RECURSO DEFENSIVO: Absolvição – INADMISSIBILIDADE – Autoria e materialidade devidamente evidenciada nos autos – Condenação mantida. Remessa dos autos ao Tribunal do Júri – viabilidade – ausência de provas do animus furandi – in dubio pro reo. Recurso parcialmente provido. (BRASIL, 2018).

Em continuação aos julgados que foram em favor da desclassificação de latrocínio para homicídio, ou vice-versa, acima segue mais uma parte de uma ementa, referente ao processo em que ao condenado fora imposta uma sanção por suposta prática de latrocínio, mas que em sede de julgamento de recurso de apelação, houve a desclassificação do crime imposto para a conduta delitiva de homicídio qualificado, isto porque em virtude das provas que foram colhidas durante as investigações e em sede de audiência, restaram dúvidas quanto à materialidade do crime de roubo, prevalecendo assim o princípio do “in dubio pro reu”, onde o referido recurso defensivo fora parcialmente provido, havendo a respectiva remessa dos autos para um novo julgamento, haja vista que o fato trata-se da competência de julgamento do Tribunal do Júri, uma vez a ocorrência de crime doloso contra a vida.

APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO DELITO DE LATROCÍNIO CONSUMADO. PRESENÇA DE ANIMUS NECANDI NA CONDUTA DO AGENTE. SUBTRAÇÃO PATRIMONIAL POSTERIOR. DESÍGNIO AUTÔNOMO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO QUALIFICADO EM CONCURSO COM O DELITO DE FURTO. ADMISSIBILIDADE. COMPETÊCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. O delito de latrocínio configura crime contra o patrimônio qualificado pela morte. Assim a vontade do agente é ofender o patrimônio da vítima, valendo-se, para tanto, da morte como meio. Se a intenção inicial do agente era apenas a morte da vitima (animus necandi), mas após a consumação do crime de homicídio, resolve subtrair os seus bens, responderá pelo crime de homicídio em concurso com furto. 2. Recurso provido.

(TJ-PE - APL: 4869392 PE, Relator: Democrito Ramos Reinaldo Filho, Data de Julgamento: 09/08/2018, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 2ª Turma, Data de Publicação: 16/08/2018).

Com as provas colhidas durante as fases investigatórias e também em sede de audiência, restou evidenciado os indícios que consumam a prática de homicídio qualificado em concurso material com o delito de furto, e assim, em sede de julgamento de apelação criminal, tal recurso foi provido no sentido de desclassificar o até então latrocínio consumado, para o delito de homicídio qualificado. Portanto, como já mencionado no corpo do presente projeto que os crimes dolosos contra a vida são levados à apreciação do Tribunal Popular, os autos foram encaminhados para a primeira instância, com o intuito de obter um novo julgamento do feito, haja vista o fato tratar da competência do Tribunal do Júri. Portanto, resta configurado novamente a presença da “emendatio libelli”, uma vez que em julgamento em sede recursal o Tribunal deu nova definição jurídica ao fato, sem que houvesse alterações dos fatos alegados na peça inicial acusatória.

7.     CONCLUSÃO.

Ante todo o exposto, resta evidenciado a quantidade de casos concretos que são levados ao conhecimento do Poder Judiciário para que este, através de seu representante incumbido de jurisdição para solução de conflitos, possa dizer o direito. Infelizmente, ainda que as leis existentes preguem por uma celeridade quanto às resoluções dos casos que ocorrem na vida prática, ainda assim há dificuldade de um julgamento mais rápido quanto as matérias que são levadas ao conhecimento, especialmente em questões tão complexas que envolvem os delitos de latrocínio e homicídio.

Portanto, a partir da realização deste trabalho, foi possível afirmar a tese sustentada no início acerca da variedade de processos que são submetidos a uma análise dos Tribunais, e consequentemente, a primeira definição trazida pelos magistrados, por vezes, não condizem com o real ocorrido no caso concreto, sendo os autos novamente enviados para um novo julgamento. Tal fato, fora possível perceber através da linha tênue existente entre os crimes de latrocínio e homicídio, que foi mencionada em todo o transcurso do projeto, além de que na parte final, julgados foram mostrados na tentativa de reforçar ainda mais as desclassificações existentes na vida prática. O problema exposto no tocante às formas e os elementos que são levados em consideração, pelos magistrados e desembargadores dos Tribunais Brasileiros, para que estes prossigam com as desclassificações de um delito por outro, fora respondido no decorrer do projeto e principalmente após a exposição dos julgados, sendo perceptível que as desclassificações ocorreram através de uma análise aprofundada das provas que foram trazidas, bem como pelo conhecido instituto processual da “emendatio libelli”, que permite que os juízes e desembargadores deem uma definição jurídica ao fato, diferente daquela pela qual o réu fora condenado, ou que encontra-se constante na peça inicial acusatória.

Sobre o autor
Iago Felipe de Almeida Ramos

Bacharelando do curso de Curso de Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado com o objetivo de publicação do mesmo, e posterior juntada de horas complementares para serem apresentadas na faculdade.

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