Crise da Empresa - Meios de Recuperação da Empres
Luiz Antonio Guerra (1)
Luiz Felipe Guerra (1)
1.Introdução
Os fatores econômicos de produção, em tempos de crise, servem de pano de fundo à realidade do jurista.
Os efeitos negativos da recessão brasileira se prolongarão no tempo. A recuperação da economia não se faz da noite para o dia, num passe de mágica. Não se tira coelhos da cartola, tampouco se ganha presentes de Papai Noel. A ficção somente tem espaço no imaginário, mas nunca na vida real, principalmente na economia.
É hora de pensarmos sobre a abordagem econômica que a Lei de Recuperação (LRE), na sua concretude, ao tempo da verdadeira crise, aliás, estrutural da economia, no momento exato que a sua utilização deve ter, como grande teste de eficácia à sobrevivência das empresas.
A LRE, com forte traço processual e amarras burocráticas, deve ceder espaço à sua natureza vocacional, ou seja, deve-se emprestar à norma à sua natural e verdadeira essência de lei econômica, com maior sentido e conteúdo econômico ao deslinde da crise econômico-financeira, ao invés de se prestigiar o elevado cunho processual.
É nessa perspectiva que o presente trabalho encara a dinâmica dos fatos da vida real, da dificuldade econômico-financeira do empresário no exercício da atividade empresarial e o correto uso da LRE.
Queremos, na qualidade de operadores do Direito, que a Lei de Recuperação Judicial - Lei 11.101/2005 seja realidade na vida empresarial, como remédio disponível ao empresário em crise, como típica lei econômica em que através dela se possa, de fato, obter a recuperação da atividade econômica, alançando-se o seu fim, como indicado no art. 47; ou, diferentemente, que a LRE tenha natureza processual, com mero viés econômico, como está sendo interpretada e aplicada nos dias que correm.
É hora de desburocratizar a recuperação judicial. Decisões equivocadas vêm impedindo a recuperação de empresas sob o equívoco de que o plano de recuperação ou os meios de recuperação não apresentam viabilidade econômica.
É necessário verificar o tema sob o enfoque dos meios de recuperação. São os meios que geraram receitas para pagamento das obrigações sujeitas aos efeitos da recuperação judicial. Todavia, esclareça-se que não é o juiz da causa quem deverá analisar ou opinar sobre a viabilidade econômico-financeira do plano. Isso é um grande equívoco!
O legislador não deu esse poder ao juiz, mas apenas aos credores, que poderão objetar o plano, além de modificá-lo ou rejeitá-lo. A análise da viabilidade do plano interessa exclusivamente aos credores e por isso somente eles poderão discutir, opinar e votar na assembleia geral.
É necessário trazer à baila a Perspectiva Econômica da Recuperação da Empresa a partir da análise e estudo dos meios de recuperação e da análise da viabilidade econômico-financeira do plano de recuperação.
O assunto merece atenção especial. Esse é o tema do trabalho.
O momento é ideal para descortinar essa perspectiva de abordagem!
2. Da Abordagem Econômica à Lei de Recuperação de Empresas - Perspectiva Econômica da Recuperação da Empresa
Vamos iniciar o trabalho sob o enfoque da análise dos meios de recuperação que poderão ser utilizados pelo empresário em crise, os quais estão elencados no art. 50, da Lei de Recuperação Judicial (LRE).
2.1. Dos Variados Meios de Recuperação Econômica
O art. 50, da LRE, aponta variados meios de recuperação econômica, a saber:
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
O caput, do art. 50, apresenta os meios de recuperação judicial, isto é, as possibilidades materiais de soerguimento da atividade econômica.
Fundamental dizer, de logo, que as hipóteses contempladas nos incisos I a XVI, do art. 50, são meramente exemplificativas, não se excluindo qualquer outra modalidade ou meio de recuperação. Embora o legislador apresente 16 (dezesseis) incisos, em verdade, reconhecemos vários meios de recuperação, em número bem superior ao indicado na LRE, sem esgotar outras possibilidades que a criatividade do empresário em crise poderá implantar visando o soerguimento da empresa. [2]
Além dos meios indicados, outros poderão ser utilizados desde que: a) lícitos; b) compatíveis com o desenvolvimento da empresa;[3] e c) factíveis de cumprimento ou operacionalização.
Importante que constem do plano e esse seja aprovado pelos credores.
O devedor recuperando poderá utilizar apenas 1 (um) ou alguns dos meios mediante variadas combinações, inclusive realizar previamente à implantação ou concomitante, quando a hipótese exigir, as mudanças necessárias de adequação ao regime jurídico societário. Portanto, as possibilidades são inesgotáveis.
De rigor, quaisquer meios poderão ser apontados no plano e aprovados pelos credores mediante homologação do juiz.
A regra é básica: quaisquer meios poderão ser utilizados pelo devedor desde que o objeto seja lícito e não haja ofensa ou violação à lei, à ordem, a moral ou aos bons costumes. [4], [5]
O devedor escolherá livremente os meios de recuperação. Cada caso merecerá plano especial de recuperação, que deverá se adaptar à realidade financeiro-econômica do recuperando. Tudo dependerá da negociação que o devedor desenvolverá com os credores ao longo do processo da recuperação judicial. O devedor deverá abrir diálogo com os credores e implantar plano que lhe retire da crise o quanto antes. Os credores deverão ser pacientes e moderados, pois o recebimento dos seus créditos dependerá diretamente do sucesso da recuperação judicial.
O devedor recuperando pode escolher livremente os meios de recuperação, inclusive criar novas metodologias, podendo, ainda, combiná-los entre si. A título de exemplo, temos defendido a utilização do chamado seguro caução empresarial ou seguro garantia como forma de garantir o cumprimento das obrigações previstas no plano e evitar a convolação da recuperação em falência.
O seguro caução empresarial, como denomina o Direito Securitário Argentino, ou seguro-garantia, como assim chamamos por aqui, se bem utilizado e devidamente regulado, de forma específica para atender o devedor em crise econômico-financeira, poderá transformar-se em potencial meio de recuperação econômica.
O seguro garantia como meio de recuperação judicial constituir-se-á em ferramenta fundamental para soerguer a atividade econômica, com as características e garantias: a) aos credores – beneficiários diretos do seguro - a certeza do recebimento de seus seus créditos na recuperação judicial, mesmo que ordinariamente o devedor não pague os créditos previstos no plano; e b) ao devedor - tomador do seguro - a certeza da não convolação da recuperação em falência, ainda que sobrevenham dificuldades no curso da recuperação e não tenha condições de pagar os credores como contido no plano.
Se inadimplida a obrigação verificar-se-á a ocorrência do sinistro e nesse caso a seguradora será chamada a solver a obrigação, isto é, realizar o pagamento aos credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial. Ter-se-á, com o seguro garantia empresarial, a entrada de novo agente econômico, a companhia seguradora, no cenário da recuperação judicial.
O seguro garantia empresarial contribuirá para a preservação da empresa e o crescimento da economia, eis que abrirá oportunidade de novo nicho no mercado securitário e novos negócios para as companhias seguradoras, sem contar a operação de resseguro que possa ser realizada em razão do volume assegurado e do risco envolvido. [6] As seguradoras para atuação nesse novo segmento deverão se adaptar às regras da lei de recuperação econômica, como também a Circular SUSEP 232, de 03.06.2003, além de fazer em cada contratação a devida análise econômico-financeira e patrimonial do devedor, de modo que tenha assegurado a seu favor a contragarantia para a hipótese de ter de solver as obrigações contidas no plano.
É certo que na contratação do seguro garantia como meio de recuperação para o devedor em crise levará a companhia de seguros analisar criteriosamente as demonstrações financeiras, o fluxo de caixa e outras informações corporativas e gerênciais, de modo que possa fixar o preço do prêmio de acordo com o risco, que poderá ser parcial ou total.
Em contrapartida, como contragarantia, nada impedirá que a companhia seguradora que se obrigue a solver as obrigações previstas no plano de recuperação exija do devedor que paralelamente à contratação do seguro garantia empresarial outros meios sejam realizados a seu favor, na condição de credora do devedor em crise, a exemplo da substituição de administradores, da venda de ativos, da abertura do capital em operação de bolsa de valores, com a emissão de dêbentures e/ou outros valores mobiliários, da tomada de empréstimo no mercado financeiro etc, como forma de autorremuneração, em regresso ao eventual desembolso efetuado, evitando-se ou minimizando-se, dessa forma, prejuízos sofridos com o cumprimento das obrigações, em substituição ao recuperando perante os seus credores sujeitos aos efeitos do regime jurídico da recuperação judicial.[7] A operação de seguro garantia também permitirá, se for o caso, a contratação de resseguro, tudo a depender do montante assegurado e do risco da operação.
Com essa nova perspectiva, nova moldura fática, dentro dessa nova realidade de atuação para preservar a empresa, com a participação das companhias seguradoras, tem-se, concretamente, a efetiva possibilidade do surgimento de 3 (três) novos parceiros no processo da recuperação judicial, ao lado do recuperando, visando a superação da crise, quais sejam: a) as instituições financeiras – que poderão emprestar dinheiro ao devedor; b) os fundos – que poderão investir na atividade econômica do devedor e reorganizar a empresa para futura alienação; e c) as companhias seguradoras que poderão participar mediante a contratação do seguro garantia empresarial para eventualmente solver obrigações previstas no plano e evitar a convolação da recuperação judicial em falência.
Os meios de recuperação, mesmo após a aprovação do plano, poderão ser alterados ou redimensionados, a depender das oportunidades de mercado, do momento econômico e outras variáveis, devendo, no entanto, conter a necessária justificativa e a demonstração de viabilidade econômica, com a indicação clara e precisa de potencial melhoria na recuperação da atividade empresarial. Contudo, é certo que qualquer alteração no plano dependerá, sempre, de prévia deliberação e aprovação pela Assembleia Geral de Credores e homologação judicial, para surtir os efeitos próprios.
As obrigações contempladas no plano de recuperação deverão, obrigatoriamente, ser cumpridas, sob pena de convolação da recuperação em falência. Contudo, nada impede que o plano inicialmente aprovado e homologado venha posteriormente ser modificado para atender a realidade econômica do momento.
É impensável que o plano aprovado e homologado não possa, no futuro, ser alterado, mormente se o plano contemplar pagamento de obrigações de longo prazo diante de variadas interferências decorrentes de fatos ou crises na economia internacional ou nacional.
A economia nacional sofre variações diversas que geram insegurança ao investidor na atividade empresarial, como se vê da política empreendida pelo governo federal que ora cria tributos; ora aumenta as alíquotas dos impostos, com majoração da carga tributária; ora sobretaxa as importações; ora eleva a taxa básica de juros; ora interfere no mercado para diminuir, manter ou aumentar a cotação de moedas estrangeiras etc, tudo para frear o consumo em obediência às metas de inflação.
Os agentes econômicos, no Brasil, não têm segurança jurídica a curto, médio ou longo prazo. É por isso que defendemos a alteração no plano de recuperação sempre que necessário e desde que devidamente justificado, devendo, nesse caso, ocorrer convocação da Assembleia Geral de Credores para deliberação. Aprovado e homologado ter-se-á a substituição do plano anterior pelo novo, modificado, com novos meios de recuperação, se for o caso.
Outra questão interessante diz respeito ao limite de eventuais revisões, alterações ou modificações no plano de recuperação. A Lei de Recuperações é omissa! Não há limites para a revisão, alteração ou modificação do plano. Tudo dependerá das alterações ocorridas na vida empresarial, da política implantada segundo o momento econômico, das crises estruturais na economia global e, particularmente na economia nacional, sem contar o surgimento de novas tecnologias, a necessidade de melhor performance na competitividade, com mudanças de rumos, como se dá tipicamente no mercado corporativo. [8]
Tantas são as variáveis que se torna impossível e inviável exemplificar as hipóteses. O importante, no entanto, é ter consciência que, se o plano visa a soerguer a atividade empresarial e a recuperação destina-se a evitar a falência, então, naturalmente, poderá ser revisado, alterado ou modificado sempre que necessário, a depender, naturalmente, da aprovação em Assembleia Geral de Credores.
Em relação aos meios de recuperação, defendemos clara posição de que esses poderão ser modificados durante e no curso da recuperação judicial, desde que o plano seja aprovado em Assembleia Geral. Diante da dinâmica da vida empresarial e o prazo para o cumprimento das obrigações é certo que o cenário econômico sofrerá alterações, a exemplo de crises internacionais e mudanças na política macroeconômica do país, com afetação direta ou indireta na atividade empresarial, com novas oportunidades de negócios, surgimento de novos mercados e produtos; novas tecnologias; novas linhas de financiamento; novas políticas de crédito no Brasil e no exterior.
Novas políticas na taxa de juros e cotação do câmbio, com reflexos nas importações e exportações etc. No atual estágio da economia mundial, marcada pelo fenômeno da globalização, que impõe reflexos e impactos na economia interna, é impossível estabelecer plano de recuperação imutável, sem possibilidade de revisão no futuro, sempre que surgir necessidade de adaptação à realidade.
Não se descarta, inclusive, a possibilidade do surgimento ou agregação de novas empresas ou atividades, linhas de atuação ou mesmo de formação de joint ventures, com a formação de parcerias diversas entre o devedor com novos agentes econômicos nacionais e estrangeiros, a depender das oportunidades. Portanto, tudo indica que os meios poderão variar ou sofrer alterações durante e após o prazo da recuperação e até que ocorra o pagamento de todas as obrigações, em atendimento às estratégias de desempenho no mercado e em prol dos interesses da empresa, do devedor e dos credores.
É da essência do instituto da recuperação a flexibilidade dos meios e do plano. Nenhuma atividade econômica se sustentará, de forma engessada, por longo prazo, nos dias atuais. Vivemos numa economia de mercado, complexa e competitiva, cujos consumidores estão, sempre, ávidos por novas tecnologias, com produtos de alta qualidade e preço baixo.
Manter-se competitivo no mercado diante de complexa sociedade de consumo, obrigatoriamente, exigirá correção de rumos, posturas e políticas frente às variáveis que surgirão ao longo da recuperação judicial. Portanto, para viabilizar a recuperação não temos dúvidas ao afirmar que será necessário modificar os meios ou corrigi-los durante ou após o curso da recuperação judicial mediante a revisão, a alteração ou a modificação dos meios e do plano.
É por isso que os meios de recuperação estão à disposição do devedor, segundo as necessidades do momento econômico, podendo ser alterados no curso da recuperação. A recuperação tem por objetivo sanar a crise e, para tanto, os meios e o plano de reorganização deverão ser flexíveis, de modo a permitir alterações no curso do seu cumprimento, sempre que necessárias, visando à correção de rumos em prol do desenvolvimento e soerguimento da atividade empresarial.
Nessa linha de raciocínio, tem-se que a Assembleia Geral de Credores poderá autorizar mudanças de rumo, de alteração dos meios e/ou do plano, competindo ao juiz apenas a homologação da deliberação soberana. O juiz não poderá negar-se a homologar o que for deliberado pelos credores e o devedor com o fim de revisar, alterar ou modificar os meios ou o plano, salvo se o objeto da deliberação for ilícito.
Cabe elogiar o legislador pela iniciativa de contemplar, ainda que de forma exemplificativa, os meios de recuperação. Os meios indicados orientarão o devedor em crise na busca da sua recuperação econômica. Os meios poderão ser utilizados isolados ou cumulativamente, tudo a depender da razoabilidade, da operacionalidade do seu emprego e da demonstração da viabilidade econômica do plano visando o soerguimento da empresa.
Tivesse o legislador omitido os meios de recuperação, certamente o devedor teria dificuldade para vislumbrar as reais potencialidades de recuperação. Com a indicação dos meios, o devedor, ao menos, tem um norte a seguir na firme e concreta perspectiva de erguer a empresa e sair da crise econômico-financeira.
2.2. Da Análise dos Meios de Recuperação
Passaremos, agora, a analisar os meios de recuperação judicial, obedecendo-se, didaticamente, a mesma estrutura prevista na Lei de Recuperações.
inciso I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas.
Este meio de recuperação é aberto e flexível, isto é, possibilitará ao devedor negociar diretamente com os seus credores prazos e melhores condições para pagamento de obrigações vencidas ou vincendas.
Em outras palavras, o devedor poderá livremente convocar os credores para: a) negociar prazos mais alongados; b) negociar descontos para pagamento à vista ou descontos proporcionais mediante pagamentos parcelamentos; c) negociar a renúncia de créditos, total ou parcialmente, com a continuidade da relação mercantil com os credores; e d) negociar a novação de obrigações e tantas outras condições especiais.
A elaboração do plano, com os meios de recuperação, é tarefa principal e difícil na administração da recuperação,[9],[10],[11] pois o saneamento da crise depende diretamente dos meios eleitos pelo devedor e aprovados pelos credores. Esclareça-se, de logo, que o devedor é quem elaborará, isoladamente, o plano de recuperação com os meios de soerguimento da empresa. Posteriormente irá submeter aos credores o plano, quando, então, esses poderão concordar ou oferecer objeções, situação que provocará a convocação de Assembleia Geral para deliberação.
A hipótese contemplada no inciso I, do art. 50, aproxima-se muito daquelas condições de prazo e de pagamento então previstas para as revogadas concordatas preventiva e suspensiva, em que o concordatário apresentava propostas remissória, dilatória ou mista, oferecendo pagamentos à vista ou parcelados, com descontos proporcionais ou pagamento integral. [12]
Com base no inciso I, do art. 50, o devedor, certamente, poderá negociar com os credores condições e prazos diversos para cada modalidade de obrigação firmada, com cada credor, em particular, alongando, tanto quanto possível o prazo de resgate ou pagamento da dívida ou até a ocorrência de remissão de créditos, como, de fato, ocorria ao tempo das concordatas.
Portanto, o inciso I, do art. 50, deixa em aberto ampla possibilidade de negociação entre o devedor e os seus credores. As condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas constarão do plano de recuperação, que será submetido à apreciação dos credores.
O devedor, para melhor realinhamento de suas obrigações, poderá tomar dinheiro emprestado no mercado financeiro ou mesmo ter parceiros, podendo ser fundos de pensão ou instituições financeiras.
Esses agentes compreendendo as dificuldades do devedor poderá invistir no seu negócio, com reais perspectivas de aplicação e retorno do dinheiro, com ganhos e também com garantias, via recebíveis, decorrentes do produto final da própria atividade econômica exercida pelo recuperando. É hora da seguradoras, dos fundos de pensão e dos bancos através de operações estruturadas investirem firmemente na atividade do devedor em recuperação, o que podem fazer no momento de crise financeira, exatamente quando o devedor mais necessita de recursos para alavancagem da empresa. [13]
Essa experiência ainda pouco usual nos mercados financeiro e securitário brasileiros merece atenção como nicho de ótimas oportunidades, negócios e ganhos.
As operações de crédito, se e quando bem planejadas e estruturadas constituem ferramentas interessantes para os agentes: de um lado o devedor - que sairá da crise através da injeção de capital no seu negócio; do outro lado – o credor – o fundo de pensão ou banco - que enxergará oportunidade de ganho financeiro, com garantia do recebimento do crédito, via recebíveis, com baixo risco e enorme lucratividade. Outra efetiva viabilidade é a utilização do fomento mercantil, desde que a captação de recursos no mercado não tenha taxas abusivas e comprometa a sua capacidade de pagamento.
inciso II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente.
O inciso II apresenta variados meios. Os atos aqui indicados são típicos de reengenharia societária, a saber: cisão, incorporação, fusão, transformação, constituição de subsidiária integral e cessão de cotas ou ações. Todos os atos são de complexa operacionalização no Direito Societário Brasileiro e guardam conexão com o Direito Econômico, por conta de potencial ocorrência de concentração econômica ou de domínio de mercados relevantes de bens ou de serviços. [14]
Os atos citados, além de impor novas configurações societárias, poderão, também, implicar concentração econômica ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou de serviços, a exemplo de ocorrência de relações de coligação, controle e formação de grupos econômicos.
O meio de recuperação, que, originariamente, é matéria do Direito Recuperacional poderá, potencialmente, ter reflexos diretos ou indiretos no Direito Econômico. O meio de recuperação escolhido pelo devedor poderá gerar concentração econômica ou domínio de mercados relevantes de bens ou de serviços. [15]
Nessas condições, o ato, em tese, antes de produzir efeitos mediante a sua operacionalização, como meio de recuperação, deverá ser submetido ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), como determina a Lei nº 12.529/2011, [16] que alterou (revogou) a Lei nº 8.884/1994 [17] e estruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, salvo quando se tratar de instituição financeira, cuja atividade tem apreciação exclusiva pelo Banco Central do Brasil – autarquia responsável pela normatização e fiscalização dos bancos e sociedades correlatas, por força da Lei nº 4.595/1964. [18]
O pedido de análise do meio de recuperação que, potencialmente, implica ou poderá implicar concentração econômica ou domínio de mercados relevantes de bens ou de serviços deverá ser processado nos termos dos arts. 88 a 90, da Lei Antitruste nº 12.529/2011. [19]
A aprovação do meio de recuperação, como ato potencialmente concentracionista, poderá ser aprovado, com ressalvas, ou vetado pelo CADE. A indicação de ocorrência de ato de concentração poderá ser provocado, de ofício, pela Superintendência-Geral do CADE, ou mediante provocação da Secretaria de Acompanhamento Econômico, ou, ainda, através das partes interessadas, no caso o devedor ou os credores. [20], [21]
Os incisos I e II, do caput, do art. 88, da Lei nº 12.529/2011, indicam os atos de concentração que deverão ser submetidos ao CADE. O § 5º, do mesmo artigo 88, apresenta-se com conteúdo amplo ao apontar os casos proibidos de concentração: Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6º deste artigo.
Complementa o assunto o § 6º, ao indicar que os atos apontados poderão ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários paa atingir os seguintes objetivos: I – cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e II – sejam respassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
Além dos atos de fusão, incorporação, venda ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, também devem ser objeto de apreciação pelo CADE as operações de cessão de controle total ou parcial de empresas, de transformação, de constituição de subsidiária integral, de cisão, de cessão de quotas ou ações, e, ainda, de celebração de contrato associativo, consórcio empresarial ou joint venture, com apontam os incisos I a IV, do art. 90, desde que enquadrados nas hipóteses indicadas nos incisos I e II, do art. 88, da Lei nº 12.529/2011.
Importante dizer que, se o devedor eleger ou optar por meios de recuperação que potencialmente impliquem ou venham implicar concentração econômica ou domínio de mercado relevante, ainda que tenham por fim o soerguimento da atividade empresarial, mesmo que aprovados por credores em assembleia, inclusive com a concessão da recuperação judicial, poder-se-á ter, no futuro, sérios e graves reflexos negativos no processamento da recuperação, já ao tempo do cumprimento das obrigações previstas no plano, na hipótese do CADE não aprovar os meios escolhidos.
Os meios de recuperação judicial aqui indicados merecem melhor apreciação. Veja-se o caput, do art. 53, da Lei de Recuperações, que impõe ao devedor a apresentação do plano, com os meios de recuperação. Se, por exemplo, o devedor apresentar como meios de recuperação os atos de fusão, incorporação, cisão, transformação, constituição de subsidiária integral ou cessão de quotas ou de ações, contrato associativo, consórcio empresarial ou joint venture, bem assim quaisquer outros que potencialmente impliquem concentração econômica, eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante, que possa criar ou reforçar posição dominante ou que possa resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, deverá submetê-los à apreciação do CADE.
O devedor tem o prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, para apresentar o plano, sob pena de convolação da recuperação em falência. A pergunta que não quer calar é: como resolver questão tão importante diante de manifesta antinomia entre o caput, do art. 53, da Lei de Recuperações, que assina o prazo de 60 (sessenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação para a apresentação do plano e o prazo de 240 (duzentos e quarenta) dias, contado do protocolo da petição de comunicação do ato de concentração ou de sua emenda, prorrogável por até 90 (noventa) dias, como apontam o § 2o, do art. 88, combinado com o inciso II, do § 9º, do mesmo artigo, da Lei Antitruste?
O devedor recuperando, nesse caso, deverá, no prazo legal, apresentar o plano em juízo, com os meios potencialmente concentracionistas. Por certo, comunicará também o meio de recuperação – quando e se concentracionista - à Superintendência-Geral do CADE - órgão responsável pelo recebimento da comunicação de ato de concentração.
Concomitantemente deverá, no prazo legal, também, submeter os meios ou a operação à Superintendência-Geral do CADE, que se incumbirá de receber, instruir e aprovar ou impugnar os atos de concentração, como impõe o inciso XII, do art. 13, da Lei Antitruste (Lei nº 12.529/2011), atendendo-se, assim, o devedor recuperando as determinações legais. Deverá o devedor comunicar o fato ao Juízo da Recuperação e esse, por sua vez, deverá aguardar a manifestação da Superintendência-Geral ou o Tribunal do CADE. Se rejeitado o meio ou a operação pela autarquia, o Juízo da Recuperação deverá reabrir o prazo ao devedor para apresentar novo plano, com novos meios de recuperação.
Opção será, em primeiro lugar, submeter o plano, com os meios potencialmente concentracionistas à Assembleia Geral de Credores. Sendo aprovado deverá o administrador judicial remetê-lo à Superintendência-Geral do CADE. Deverá o Juízo da Recuperação, por precaução, aguardar a apreciação do ato pelo CADE, pelo prazo estipulado no § 2º, do art. 88, da Lei Antitruste, que assim determina: § 2º O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda, sendo, no entanto, passível de prorrogação por até 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo, como autoriza o inciso II, do § 9º, do art. 88. No futuro, se aprovado, quer por decurso de prazo, quer no mérito, homologará o plano e concederá a recuperação judicial.
Os efeitos da homologação do plano aprovado, nesse caso, deverão ser ex tunc, para evitar prejuízo aos credores, restabelecendo-se, assim, as relações jurídicas à época da aprovação pela Assembleia Geral, os quais restaram, excepcionalmente, suspensos temporariamente até a aprovação automática ou meritória dos meios ou da operação pelo CADE, com ou sem ressalvas, conforme a hipótese concreta do caso.
Aprovado o ato submetido ao CADE, quer por decurso de prazo, quer no mérito, com ou sem ressalvas, o Juízo da Recuperação deverá homologar o plano e conceder a recuperação judicial. Diferentemente, se o CADE não aprovar a operação ou realizar exigências ou ressalvas que inviabilizem o cumprimento do meio de recuperação, então, deverá o Juízo da Recuperação reabrir o prazo ao devedor para apresentar novo plano, com novo meio de recuperação.
A aprovação do ato pelo CADE, no prazo legal, é fundamental para imprimir segurança às relações jurídicas entabuladas no plano de recuperação. Não é razoável o CADE, detentor do monopólio da atribuição administrativa de verificação da ocorrência de concentração de mercado ou de domínio de mercado relevante, não apreciar, no prazo legal, o ato e causar prejuízo aos interessados (devedor e credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial).
Se ultrapassado o prazo máximo previsto no inciso II, do § 9º, do art. 88, da Lei Antitruste, o CADE não mais poderá rejeitar os meios de recuperação, por conta da desídia da Administração Pública na apreciação do ato, salvo a ocorrência de ilegalidade ou irregularidade manifesta. Aprovado o ato, o plano deverá ser mantido pelo Juízo da Recuperação, por tratar-se de ato jurídico perfeito e acabado, aperfeiçoado pela aprovação automática ou tácita ou de mérito da operação.
É realidade, infelizmente, a demora na apreciação de atos de concentração econômica no CADE. O excesso de burocracia, com cumprimento de diligências, na maioria, inúteis, gera morosidade. Na vigência da lei anterior, Lei nº 8.884/1994, em que a apreciação do ato de concentração não era prévio, o CADE, ao apreciar o ato de incorporação da Chocolates Garoto pela Nestlé Brasil não aprovou a operação e determinou o desfazimento do ato.
O CADE levou 411 (quatrocentos e onze) dias para apreciar o ato e ao final determinou o desfazimento da operação de incorporação, com o retorno dos interessados ao status quo ante, como se fosse possível a reversibilidade do negócio jurídico após quase 2 (dois) anos. Somente os burocratas, desconhecedores do mundo corporativo acreditam em soluções tão inteligentes como essa – de desfazimento do ato!
Em decorrência da determinação de desfazimento, após longo tempo da efetivação do negócio jurídico, quando inclusive a operação já se encontrava aprovada por decurso de prazo, a Nestlé Brasil e a Chocolates Garoto decidiram por enfrentar a decisão do CADE mediante o ajuizamento de Ação Anulatória. Em decisão inédita, sem adentrar no mérito do ato administrativo, o Juízo da 4ª Vara Federal anulou a decisão do CADE, por conta do escoamento do prazo legal para deliberação, com a aprovação automática da incorporação. [22]
Com respeito, decisões dessa natureza devem ser evitadas, porquanto são incalculáveis os prejuízos que a burocracia estatal causa aos agentes econômicos, no desempenho regular de sua atividade empresarial. Devem ser evitadas tanto as decisões retardatárias quanto as de apreciação judicial do ato administrativo.
Felizmente, a reforma do Direito da Concorrência, com a edição da nova lei antitruste – Lei nº 12.529/2011 – trouxe o exame prévio dos atos de concentração, como previsto no § 2º, do art. 88: O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda. A violação a tal comando impõe nulidade ao ato, sem prejuízo de multa.
O § 3o, complementa a ratio legis: Os atos que se subsumirem ao disposto no caput deste artigo não podem ser consumados antes de apreciados, nos termos deste artigo e do procedimento previsto no Capítulo II do Título VI desta Lei, sob pena de nulidade, sendo ainda imposta multa pecuniária, de valor não inferior a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) nem superior a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais), a ser aplicada nos termos da regulamentação, sem prejuízo da abertura de processo administrativo, nos termos do art. 69 desta Lei.
Da análise até aqui exposta verifica-se não ser razoável: a) o devedor não apresentar o plano, no prazo do caput, do art. 53, da LRF, por conta da necessidade de prévia manifestação do CADE sobre os meios de recuperação escolhidos, quando esses apresentam-se potencialmente concentracionistas (concentração ou domínio de mercado relevante), sob pena de ver a recuperação convolada em falência; b) o devedor não dar cumprimento ao plano aprovado em Assembleia Geral de Credores transcorrido o prazo legal de apreciação dos meios de recuperação pelo CADE, sob pena de enfraquecimento da atividade empresarial, com o aumento da crise econômico-financeira decorrente da demora na apreciação do ato; c) o Juízo da Recuperação não homologar o plano e não conceder a recuperação, quando ultrapassado o prazo de apreciação do ato ou dos meios de recuperação pelo CADE; d) o CADE deixar de apreciar o ato, no prazo legal; e) a demora na apreciação da operação pelo CADE, com rejeição da operação e determinação de desfazimento das relações jurídicas constituídas ao tempo da validade e eficácia do plano, sob pena de causar insegurança jurídica e contribuir diretamente para a falência do devedor; e f) a não reabertura de prazo ao devedor para apresentação de outros meios de recuperação, se o CADE não aprovar o ato (a operação anterior).
Na hipótese de rejeição da operação pelo CADE e diante da omissão da Lei de Recuperações, deverá o juiz, com base nos arts. 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, [23], [24] combinado com o art. 47, da LRF, obrigatoriamente, reabrir o prazo assinado no caput, do art. 53, permitindo-se ao devedor apresentar novo plano, com novos meios de recuperação judicial. O Juízo da Recuperação deverá apreciar a questão à luz dos princípios gerais de direito, inclusive atendendo aos fins sociais da norma, daí por que deverá orientar-se pelos princípios da recuperação, prestigiando-se, assim, a função social da empresa, evitando-se, tanto quanto possível, a falência.
Jamais o juiz, por conta da rejeição dos meios de recuperação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, qualificados como atos de concentração ou de domínio de mercado, poderá convolar a recuperação judicial em falência, inclusive porque o art. 73, da LRF, não contempla tal possibilidade. Deverá sim, se a operação restar rejeitada pela referida autarquia, reabrir prazo para o devedor recuperando apresentar novo plano, com novos meios de recuperação, ou, quando muito, convocar Assembleia Geral de Credores para deliberação sobre a modificação do plano, embora a eleição dos meios caiba, no primeiro momento, em primeira hora, exclusivamente ao empresário ou sociedade empresária em crise.
Os atos de incorporação, fusão, cisão e transformação, como meios de recuperação judicial, deverão se orientar pelas regras indicadas no Código Civil e na Lei das Sociedades por Ações, [25] além das leis extravagantes que cuidam direta ou indiretamente dos mencionados institutos. O mesmo se dará em relação aos demais atos potencialmente concentracionistas, a exemplo de alienação de controle societário, com operações de venda ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários, celebração de contratos associativos, consórcios empresariais e joint ventures.
Veja-se, agora, cada um dos meios indicados no inciso II, do art. 50, obedecida a ordem estabelecida no aludido preceito legal:
inciso II.1 – cisão.
A cisão é a operação de transferência parcial ou total de parcelas do patrimônio da sociedade ou companhia para uma ou mais sociedades constituídas para esse fim ou já existentes, com a permanência da sociedade parcialmente cindida mediante divisão e consequente redução do capital; ou a sua extinção, se houver versão total do patrimônio. A cisão implica sucessão, por parte da sociedade que absorveu o patrimônio parcial ou total, nos direitos e obrigações da sociedade cindida, nos limites do ato jurídico celebrado.
O devedor, em recuperação, poderá realizar cisão parcial ou total. O devedor recuperando poderá ser o empresário ou a sociedade cindida ou ser a companhia que receberá ou absorverá os bens objeto de cisão. Com a cisão parcial, parcela do patrimônio da cindida será repassada à sociedade nova ou já constituída, nos limites da operação realizada, sem prejuízo aos credores. Já a cisão total operará extinção da sociedade cindida.
O mais indicado é que a operação de cisão, se realizada, seja parcial, com a transferência de parte do patrimônio e direitos para outra sociedade, nova ou já constituída, possibilitando, assim, a recuperação econômica do devedor, com a injeção de novos recursos na atividade empresarial. A operação de cisão, indicada como meio no plano de recuperação, aprovada em Assembleia Geral, deverá ser operacionalizada seguindo as normas indicadas nos §§ 1º ao 5º, do art. 229, da Lei de Sociedade por Ações, sendo certo que os credores receberão seus créditos, solidariamente, da companhia cindida e da sociedade que absorveu parcelas de patrimônio, salvo disposição em contrário. Esclareça-se que a averbação do ato à margem da inscrição na Junta Comercial, com a expedição de certidão de arquivamento, é documento hábil para comprovar a sucessão empresarial e seus respectivos efeitos sob os bens, direitos e obrigações objeto da operação.
inciso II.2 – incorporação.
A incorporação é a operação em que uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. A operação implica plena e ampla sucessão legal; sucessão de obrigações e direitos por parte da sociedade incorporadora em relação à sociedade incorporada, sem qualquer prejuízo aos credores.
Juridicamente viável, para os efeitos da incorporação, que o devedor recuperando incorpore, se for o caso, ou, então, seja incorporado por outra sociedade, se demonstrado a viabilidade econômica da operação. Provável, como fórmula natural, é que o devedor em crise seja incorporado por outra companhia em melhores condições econômicas.
A sociedade incorporadora atrairá para si todas as obrigações e direitos da incorporada, por força da sucessão empresarial, revelando-se, nesse caso, concreta possibilidade de pagamento aos credores. Cabe anotar, como regra da incorporação, que os credores poderão impugnar a operação, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação do ato. Todavia, tal regra estará prejudicada à luz da recuperação judicial, porque os credores aprovarão a cisão, se for o caso, como meio de recuperação, dentro do plano, em Assembleia Geral.
Para finalizar, compete dizer que, se durante o referido lapso temporal sobrevier decisão que convole a recuperação em falência, os credores anteriores à operação terão o direito de pedir a separação dos patrimônios das sociedades incorporada e incorporadora, de modo que os créditos sejam pagos pelas respectivas massas.
inciso II.3 – fusão.
A fusão é a operação em que se unem duas ou mais sociedades para a formação de sociedade nova, que sucederá, para todos os efeitos, as sociedades fusionadas, extintas. A fusão implica extinção das sociedades fusionadas com a transferência dos direitos e obrigações a nova sociedade constituída, sem prejuízo aos credores.
Realizada a fusão do devedor recuperando com outra companhia, certamente em melhores condições econômicas, as sociedades se extinguirão, com a constituição de nova sociedade, que sucederá as fusionadas em todos os direitos e obrigações. A fusão, em última análise, é a soma de forças, eis que opera união patrimonial das sociedades fusionadas. Tal situação melhora consideravelmente o desempenho empresarial, com potenciais e concretas condições de soerguimento da atividade econômica e pagamentos dos débitos.
Os credores poderão impugnar o ato e, na hipótese de decretação de falência da nova sociedade constituída, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da operação, os patrimônios das sociedades poderão ser separados, de modo que os credores anteriores recebam seus créditos das respectivas massas.
inciso II.4 – transformação.
A transformação é a operação pela qual a sociedade passa independentemente de dissolução e liquidação das obrigações, de um tipo jurídico societário para outro.
A operação de transformação não implica prévia liquidação das obrigações ou dissolução e extinção do devedor recuperando, agora, transformado para outro tipo societário. A transformação também não implica prejuízo aos credores, mesmo na hipótese de transformação de tipo societário, antes com responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios, em outro tipo, com responsabilidade limitada. A transformação não pode ser realizada visando eliminar responsabilidades ou prejudicar credores. Obrigações contratadas sob o regime jurídico anterior, de responsabilidade ilimitada, subsistirão na hipótese de transformação para o regime jurídico de responsabilidade limitada.
A depender da necessidade de conjugação de meios de recuperação, a exemplo da emissão de valores mobiliários, como se dá com as ações, debêntures, bônus de subscrição, commercial papers etc, como forma de captação de recursos no mercado de oferta pública, em bolsa de valores ou de balcão, eventualmente, se o tipo societário não permitir deverá o devedor recuperando, obrigatoriamente, utilizar de duplo ato: a) primeiro, realizar a transformação do tipo societário; e b) depois, emitir valores mobiliários mediante prévio cumprimento das normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outras previstas na Lei das Sociedades por Ações – Lei nº 6.404/1976.
Com a transformação e a adaptação ao novo tipo societário, o devedor recuperando, agora, transformado, terá melhores condições de captar recursos no mercado e realizar o pagamento aos credores, tudo a depender da viabilidade econômico-financeira decorrente da operação.
Por fim, anote-se que a decretação de falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará. Essa regra está prevista no parágrafo único, do art. 222, da LSA, com idêntica redação no parágrafo único, do art. 1.115, do Código Civil, que consagra a ideia de que o ato de transformação de regime jurídico societário não poderá se utilizado para fraudar ou evitar responsabilidade patrimonial dos sócios que, no tipo anterior, já respondiam ilimitadamente.
inciso II.5 – constituição de subsidiária integral.
A constituição de subsidiária integral é a operação de constituição de sociedade empresária, no regime especial de subsidiária integral, com 1 (um) único acionista, no caso sociedade brasileira. Aponte-se que a subsidiária integral pode ser constituída ou convertida ou transformada. O Direito Societário Brasileiro, com exceção da sociedade subsidiária integral e da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) [26] não adotou outro tipo de sociedade unipessoal, isto é, aquela constituída por 1 (um) único sócio para empreender.
A subsidiária integral e a empresa individual de responsabilidade limitada são as únicas exceções contempladas no ordenamento jurídico nacional como modelos aptos a empreender com 1 (um) e único sócio. A subsidiária integral está prevista nos arts. 251 a 253, da LSA,[27] enquanto que a EIRELI está indicada no art. 980-A e respectivos parágrafos do Código Civil.
No caso da subsidiária integral, o requisito para a sua constituição é que o acionista único seja sociedade brasileira ou, no caso de conversão, mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, após deliberação da Assembleia Geral da companhia. Já a empresa individual de responsabilidade limitada, o requisito reside no fato de que a sua constituição se dá ou dará por uma única pessoa natural.
O devedor recuperando poderá, então, se assim deliberarem as Assembleias Gerais das Companhias e dos Credores, após o estudo de viabilidade da operação, constituir nova sociedade ou converter-se ou transformar-se em subsidiária integral, com a aquisição e resgate das ações por sociedade brasileira, cujo conceito é o atribuído à sociedade nacional como indicado no caput, do art. 1.126, do Código Civil, que diz: É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração.
inciso II.6 – cessão de quotas ou cessão de ações.
A cessão de quotas ou cessão de ações é a operação de transferência de todos os direitos de sócio; direitos políticos, jurídicos e econômicos. Cessão de quotas ocorre nas sociedades de pessoas, enquanto que de ações, nas sociedades de capitais. A cessão poderá ser parcial ou total. A cessão implicará transferência de obrigações e direitos ao sócio cessionário, que poderá exercê-los nos termos da lei de regência do tipo societário e do contrato ou estatuto social.
Já a cessão de ações, ato específico e próprio nas sociedades de capitais, ocorrerá mediante a transferência dos direitos inerentes, podendo alcançar outros valores mobiliários emitidos pela companhia e atrelados ao título, devendo-se respeitar na cessão a classe e a natureza das ações transferidas ao acionista cessionário, além dos direitos políticos.
A transferência de quotas ou de ações, em muitos casos, poderá ser a alternativa mais viável para obter a recuperação da atividade em dificuldade econômico-financeira, porque, não raro, é necessário imprimir estratégias de negócios, controles financeiros, otimização de custos e outras posturas empresariais austeras em tempos de crise, que para implementação de novas políticas apresenta-se fundamental a saída e a entrada de novos sócios ou acionistas, mormente naqueles casos em que há imperiosa necessidade da troca de sócios na administração da sociedade ou a transferência do controle acionário da companhia.
Esclareça-se que todas as operações e atos indicados no inciso II, do art. 50, somente poderão ser realizados após aprovação dos sócios ou acionistas, em reunião ou assembleia, cujas deliberações deverão ser fundamentadas em estudo de viabilidade econômico-financeira.
Os atos ou operações, como meios de recuperação, deverão constar do plano e serão apreciados e deliberados pelos credores, em Assembleia Geral, conforme cada caso. Independentemente do tipo de operação a implantar, como meio de recuperação, os direitos dos sócios ou acionistas deverão ser respeitados, sem, contudo, prejudicar os direitos dos credores.
inciso III – alteração do controle societário.
A alteração do controle societário implica alternância no poder de administração da sociedade ou companhia. Como dito acima, no inciso II.6, a alteração do controle societário importa entrada e saída de sócios ou acionistas mediante a cessão e transferência de quotas ou ações, estas com direito a voz e voto, portanto, próprias ao pleno exercício dos direitos de sócio.
O caso concreto é que dirá se deve ocorrer ou não a alteração do controle societário, conforme as peculiaridades da sociedade ou companhia. Sabe-se que o controle societário está diretamente vinculado ao poder que o sócio ou acionista controlador possui na sociedade.
O poder atrai, naturalmente, atributos negativos: vaidade, prepotência, egoísmo e outros. Tais atributos podem levar a prática de atos com vícios ou desvios de finalidade e poderão gerar óbices no enfrentamento da crise econômico-financeira, acirrando disputas internas, brigas entre sócios ou acionistas, diretores, executivos e empregados em geral, sendo, pois, o caso, quando a hipótese comportar até de intervenção judicial na administração da empresa através da nomeção de interventor ou administrador judicial. [28]
A oxigenação no poder ou controle, muitas vezes, revela-se como alternativa de saída da crise econômico-financeira, não só pela nova expectativa na gestão a ser implantada, sobretudo pelo novo estilo e filosofia que ditarão os novos rumos da empresa e da sociedade ou companhia, tudo a depender da competência e da liderança do novo controlador, mormente quando práticas de governança corporativa são utilizadas.
inciso IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos.
A substituição de administradores do devedor ou a modificação de seus órgãos administrativos dizem respeito à reorganização interna da sociedade ou companhia.
Utilizando-se do conceito econômico de empresa, como posto no caput, do art. 966, do Código Civil, como sendo a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, tem-se que, em realidade, não raro, as dificuldades econômicas são criadas por conta da desorganização interna ou em decorrência da má administração empreendida por sócios, acionistas ou administradores.
É sabido que o desenvolvimento da empresa requer organização. Nessa linha de pensamento é que o art. 966, do Código Civil, conceituou o empresário como aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada. Duas conclusões se extraem do referido conceito, a saber: a) profissionalismo; e b) atividade econômica organizada ou empresa.
O profissionalismo reside não apenas na simples obtenção do registro de empresário mediante o arquivamento de sua inscrição ou dos atos constitutivos na Junta Comercial, como indicado no art. 967, do Código Civil, combinado com a alínea a, do inciso II, do art. 32, da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, mas no efetivo exercício da empresa. No exercício habitual da atividade empresarial, com finalidade de lucro, de forma organizada, na produção de bens ou de serviços.
Sem organização é impossível ou quase impossível obter sucesso no empreendimento. A estrutura da empresa e a organização dos órgãos internos da sociedade são os pilares para a perfeita sintonia, composição, conexão e intercomunicação entre os sócios ou acionistas, empregados e colaboradores que integram os variados departamentos, diretorias, gerências e supervisões.
Esses elementos são fundamentais ao desenvolvimento da empresa e revelam-se, na atualidade, como a soma de bens tangíveis e intangíveis responsáveis pelo sucesso do negócio, tudo sob controle e transparência, como bem definido no mercado empresarial como práticas de governança corporativa.
Na perspectiva de estruturação e organização da atividade empresarial, importante que, conforme as especificidades e particularidades da empresa, a sociedade ou companhia não só possa, mas deva realizar as necessárias modificações, com a reorganização de seus órgãos (conselho administrativo, diretoria, gerência, supervisão etc), através de nova reestruturação interna, com a extinção ou criação de staffs(pessoal de apoio e assessoria) próprios para atender os objetivos sociais, de acordo com os respectivos segmentos de mercado ou de consumidores, de acordo com as características dos fregueses ou clientes.
A organização diz respeito ao modus faciendi no desenvolvimento da empresa, enquanto que a estrutura está vinculada ao suporte físico e material para o cumprimento dos objetivos sociais, segundo a dinâmica empreendida pela administração.
Além disso, tem-se, ainda, a alocação, realocação ou contratação de mão-de-obra treinada e capacitada para os novos desafios; extinção ou criação de bases setoriais, de supervisões, de gerências ou de diretorias, com redistribuição de atribuições e poderes, buscando-se, assim, o aprimoramento da performance empresarial-corporativa.
A sociedade empresária, por seus administradores, deverá estar atenta às mudanças ocorridas no mercado; às novas práticas utilizadas pelos concorrentes; aos novos produtos, serviços e tecnologias; aos novos nichos de negócios e de mercados e às necessidades dos atuais e potenciais futuros consumidores (fregueses ou clientes), de modo que para cumprir todos os objetivos a organização interna deverá atender aos novos desafios e demandas.
As modificações nos órgãos administrativos simultaneamente exigem práticas de reciclagem, com treinamento e contratação de profissionais especializados, com perfis diferenciados e detentores de expertises multidisciplinares, contribuirão decisivamente para a recuperação da empresa, desde que os novos desafios do mercado sejam identificados, acompanhados, monitorados e atendidos satisfatoriamente.
A substituição total ou parcial dos administradores do devedor é meio de recuperação. Não raro, inúmeros são os casos de fracasso ou de quebra por exclusiva responsabilidade dos administradores por incompetência, desvios ou abusos, gestão temerária ou fraudulenta ou, ainda, equivocada administração, compreendendo-se nesse conceito quaisquer atos ou situações impróprias no exercício da atividade empresarial.
É comum identificar-se problemas na administração da sociedade empresária, não em decorrência de crise estrutural no mercado de atuação ou segmento de negócio; não em razão de crise nas economias nacional e internacional, com recessão ou estagnação econômica, elevadas taxas de juros ou de câmbio, ausência de liquidez etc, mas de incompetência empresarial, de má administração dos negócios, de dificuldades interna corporis de realizar novos negócios ou de empreender os objetivos sociais e metas traçadas. Essa diagnose comprova que a substituição total ou parcial dos administradores poderá, de fato, soerguer a atividade econômica, através de nova gestão empresarial.
inciso V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar.
Este meio de recuperação é dos mais democráticos postos na Lei de Recuperações. Na verdade, se implantado, o devedor recuperando criará atmosfera de transparência na/da administração, chamando os credores a conhecer, de perto, as dificuldades e, em conjunto, organizarem as alternativas para superação da crise econômico-financeira.
A concessão aos credores de direito de eleição, em separado, de administradores, com poder de veto em relação às matérias que o plano especificar, permitirá participar da administração da sociedade empresária em recuperação. Caberá aos credores, entre si, em separado, eleger administradores, com poder de voto e veto nas matérias que o plano especificar.
Aqui não se confunde a representação interna dos credores dentro da sociedade ou na administração do devedor recuperando, mediante eleição de administradores, com a representação dos credores na Assembleia Geral; aquela é típica representação interna, isto é, no âmbito das deliberações tomadas pela sociedade empresária, especificamente nas matérias previamente especificadas no plano de recuperação, enquanto esta é instância de deliberação dos credores no procedimento da recuperação judicial, cujas atribuições estão indicada no inciso I, alíneas a a f, do art. 35, da Lei de Recuperações.
Rigorosamente, as representações aqui apontadas são diferentes, embora, na prática, poderão até levar a ocorrência de superposições nas deliberações, tudo a depender da matéria em deliberação, porque os credores, por seus representantes, poderão deliberar internamente, no âmbito do devedor em recuperação, inclusive com direito a voz e veto, e, ao mesmo tempo, poderão, também, se a matéria permitir, deliberar em Assembleia Geral ou Comitê, respeitadas as atribuições previstas na Lei de Recuperações (art. 27, incisos I e II e art. 35, inciso I, alínea f – qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores).
O inciso V, do art. 50, da LRF, não especificou quais as matérias que os representantes dos credores poderão deliberar. Logo, obrigatoriamente, o plano de recuperação deverá minimamente especificar as matérias, inclusive apontando como e quando se darão os vetos, sob pena de inviabilizar este meio de recuperação, causando, inclusive, dificuldade na gestão a ser empreendida pelo devedor recuperando. O espírito de disponibilizar este meio de recuperação é de democratizar as deliberações internas, com a participação dos credores.
Na prática, todavia, recomenda-se que o referido meio de recuperação seja previamente estruturado, com a indicação das matérias nas quais os credores terão direito à veto, porque, se assim não ocorrer, o devedor recuperando poderá enfrentar dificuldades na administração da atividade empresarial.
inciso VI – aumento de capital social.
Muito comum, no Direito Societário, a prática de ato de aumento do capital social, desde que realizados nos termos da lei. O Código Civil, no caput, do art. 1.081, cuidando da sociedade limitada, assevera: Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.
Na mesma trilha, o art. 166, incisos I a IV, da LSA, especifica as hipóteses para o aumento do capital, determinando em linhas gerais, que o capital poderá ser aumentado mediante deliberação das Assembleias Gerais, Ordinária ou Extraordinária, ou do Conselho de Administração, conforme a matéria e, ainda, no caso de conversão, em ações, de debêntures ou partes beneficiárias e pelo exercício de direitos conferidos por bônus de subscrição, ou de opção de compra de ações.
Sempre que houver necessidade para a consecução dos objetivos sociais e o capital integralizado não for suficiente poderá a sociedade empresária, após autorização mediante deliberação dos sócios ou acionistas, em reunião ou assembleia e, ainda, quando for o caso, pelo Conselho de Administração, aumentar o capital social.
Sabe-se que o capital inicial, ao tempo da formação do fundo social, sofrerá variação conforme as necessidades da sociedade empresária no desenvolvimento da empresa. É por isso que o capital social denomina-se inicial, porquanto esse é para dar início à atividade empresarial. Com o desenvolvimento da empresa, o capital inicial sofrerá mutação, reduzindo-o, quando excessivo, ou aumentando-o, quando houver necessidade de cumprir os objetivos previstos no contrato ou estatuto ou empreender novos objetivos sociais.
A chamada ou convocação dos sócios ou acionistas para novos aportes de capital ou de subscrição de novas ações, ou, ainda, no caso de conversão de outros valores mobiliários em ações deverá obedecer às condições previstas no contrato social ou estatuto, respectivamente, cujas disposições deverão ser complementadas ou integradas pelas deliberações tomadas por sócios ou acionistas em assembleia.
Demonstrada a necessidade do aumento do capital, com a devida justificativa e prévio estudo de viabilidade econômica da atividade a partir e decorrente da majoração do capital, certamente, obedecidas às prescrições legais e contratuais ou estatutárias para o caso, o aumento do capital é, sem dúvida, excelente meio de recuperação, injetando-se dinheiro novo no desenvolvimento da empresa visando superação da crise.
Há que se respeitar, no aumento de capital, os direitos dos sócios ou acionistas, mormente quanto às preferências e proporcionalidades na participação acionária, evitando-se, sempre que possível, o expediente do aumento de capital como forma de mantença, de transferência ou de concentração de poder na busca desenfreada pelo controle acionário, principalmente no caso de impossibilidade material por parte de algum sócio ou acionista de cumprir a respectiva participação no aporte do capital social. O meio de recuperação – aumento do capital social – não pode servir de desvio de finalidade, inclusive para alijar sócio ou acionista da administração ou do controle da sociedade ou companhia, quando estes não puderem aportar novos recursos.
inciso VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados.
O legislador indicou no inciso VII, do art. 50, como meios de recuperação, a transferência ou o arrendamento do estabelecimento. Tais meios poderão ser realizados através de contratos de trespasse ou arrendamento, ou, ainda, locação comercial, típicas avenças bilaterais e onerosas, embora com características e efeitos diversos.
O termo trespasse vem de traspasse, de traspassar, ato de transferir a outrem o direito que se tem sobre determinada coisa. Traspassar importa, pois, transferência de direitos e obrigações sobre a coisa. Assim, é possível transferir a coisa ou o exercício de direito sobre ela a outrem, por qualquer dos modos previstos no ordenamento jurídico nacional, dentre outros: trespasse do estabelecimento, que importará transferência do estabelecimento; locação, arrendamento, franquia empresarial, quando houver apenas a transferência da posse sobre a coisa ou de cessão de elementos componentes do fundo de negócio. [29]
Para melhor compreensão dos meios de recuperação aqui indicados, importante é dizer que não se confundem os institutos do trespasse, do arrendamento mercantil e da locação comercial, embora na origem tenham a mesma fonte – ato de transferência da propriedade do estabelecimento ou apenas de sua posse direta.
A doutrina mercantil, por influência do Código Napoleônico, acabou utilizando-se da expressão – trespasse – para designar o ato de transferência, de alienação do estabelecimento mercantil, com todo o fundo de comércio ou fonds de commerce, como denominam os franceses, ou, fonds de boutique, quando se referem aos restos do ativo em liquidação, formado pelo então comerciante no exercício da mercancia, na prática habitual dos atos de comércio.
No ajuste de trespasse, o adquirente pagará ao alienante o preço do fundo de comércio, isto é, o ágio ou a parcela de lucro (goodwill) decorrente da avaliação dos ativos tangíveis e intangíveis da empresa, inclusive o conceito de que goza no mercado a partir da titularidade de marcas de produtos ou serviços e outros direitos de propriedade industrial e intelectual.
Nessa linha de raciocínio, especificamente em relação ao contrato de trespasse, os arts. 1.143 a 1.149, do Código Civil, apontam as diretrizes para o mencionado pacto, inclusive os desdobramentos advindos da relação jurídica contratual entre o alienante e o adquirente do estabelecimento mercantil, cabendo chamar a atenção para o disposto no art. 1.143 que afirma: Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.
Na trilha do Código Civil, segundo o art. 1.144, os atos de transferência do estabelecimento, a exemplo do contrato de trespasse, usufruto e arrendamento mercantil de estabelecimento, para surtir os efeitos próprios perante terceiros, isto é, perante o credor do alienante, deverá ser levado à averbação à margem dos assentamentos do empresário ou da sociedade empresária na Junta Comercial.
Determina ainda o referido dispositivo legal que atos de transferência deverão ser publicados na imprensa oficial, estando sujeito à impugnação, se o alienante não deixar bens suficientes para solver o seu passivo, quando, então, a eficácia do negócio jurídico dependerá do pagamento ao credor ou do seu consentimento.
O contrato de trespasse importa ato de alienação dos bens corpóreos e incorpóreos que integram a universalidade que é o estabelecimento. O fundo de comércio compreende, verdadeiramente, as categorias de bens materiais e imateriais, a saber: a) mercadorias e estoques; b) máquinas, ferramentas, equipamentos; c) materiais e móveis de escritório; d) veículos; e) marcas de produtos, de serviços e de certificações; f) patentes de invenção, sinais e desenhos industriais; g) ponto comercial; h) aviamento; i) título de estabelecimento; j) clientela ou freguesia; k) imóveis, tais como terrenos, salas, lojas e prédios; e l) instalações e benfeitorias e outros elementos componentes do fundo de comércio, inclusive marcas.
Discussão doutrinária existe acerca dos elementos integrativos do estabelecimento, a exemplo do que ocorre com o ponto comercial, o aviamento e a freguesia ou clientela, por conta de suas características de vulnerabilidade, volatilidade e imaterialidade, inclusive em decorrência do risco de sua continuidade, da difícil quantificação econômica e da inconstância, sem garantia de mantença dos ganhos ao tempo da alienação do estabelecimento.
Já o instituto do arrendamento mercantil do estabelecimento – que é diferente do trespasse – porquanto não importa alienação, embora possa implicar transferência de direitos e obrigações - é utilizado quando o arrendante, temporariamente, entrega ao arrendatário o estabelecimento (conjunto de bens) para a exploração da empresa ali desenvolvida. Pelo arrendamento obriga-se o arrendatário a pagar ao arrendante justa retribuição pelo prazo e nas condições previamente ajustadas.
O arrendamento embute a ideia de arrendar, de fazer renda, rendimento, retribuição. O arrendamento é típico empréstimo oneroso do estabelecimento, por prazo determinado ou indeterminado, com todo o complexo próprio à exploração da atividade econômica, podendo, inclusive, contemplar a continuidade da relação de emprego dos empregados do arrendante com o arrendatário.
O arrendamento, em regra, é utilizado para a exploração da empresa no estabelecimento já instalado e equipado, com destinação específica, quer por força do traço da construção ou decoração do ambiente, quer por determinação legal, sem possibilidade de mudança ou transferência de destinação, em obediência ao Plano Diretor do Município, como se dá, por exemplo, com cinemas, teatros, postos de combustíveis, hospitais, escolas etc, em que não é possível a alteração de destinação da atividade.
A avença de arrendamento não se confunde com a da locação de imóvel comercial, [30] onde se desenvolve a empresa. Há quem não vislumbre diferença entre o arrendamento e a locação, embora as finalidades sejam diversas.
A locação é instituto próprio de empréstimo, puro e simples, de coisa móvel ou imóvel, mediante pagamento de aluguel mensal. Pode o locatário, no exercício do seu direito, empreender qualquer atividade no imóvel, respeitadas às limitações previstas na legislação local e obedecidas às regras contidas nos arts. 565 a 578, do Código Civil, e na Lei nº 8.245/1991, alterada pela Lei nº 12.112, de 9.12.2009.
Loca-se imóvel ou móvel; coisa não fungível. Pouco factível é a locação de estabelecimento mercantil, no conceito jurídico do art. 1.142, do Código Civil. Todavia, é absolutamente viável alienar ou arrendar estabelecimento para a exploração da atividade empresarial, razão pela qual o legislador indicou no inciso VII, do art. 50, da LRF, o trespasse ou o arrendamento.
O arrendamento mercantil, embora na essência também se constitua modalidade de empréstimo de coisa móvel ou imóvel, está direcionado à exploração de determinada atividade econômica, de determinada empresa, antes explorada pelo arrendante, agora continuada pelo arrendatário.
No arrendamento, o arrendatário já recebe o imóvel com todas as instalações necessárias à continuidade da exploração do negócio. Na realidade, ocorrerá apenas substituição do empreendedor, com a entrada do arrendatário no lugar do arrendante, aproveitando-se aquele da clientela já formada por este. Por isso é comum fixar-se a retribuição, o rendimento, a renda advinda do arrendamento com base no faturamento decorrente da exploração da empresa. O arrendatário pagará ao arrendante a devida retribuição, que poderá ser mensal, bimestral, trimestral, semestral, anual ou qualquer outra forma de contrapartida entre eles ajustada.
Após as observações sobre o trespasse e o arrendamento mercantil, cabe, agora, tratar da sociedade constituída por empregados do próprio devedor.
A iniciativa de autorizar a constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor recuperando, como meio de recuperação, mediante a celebração de contratos de trespasse ou de arrendamento para a exploração da atividade empresarial, é oportuna e atual, quando analisada sob a dupla ordem de ideias: a) no plano institucional – a autorização legal, como meio de recuperação, de constituição de sociedade formada por empregados do devedor instaura, de forma democrática, acirrada disputa entre interessados na celebração de atos de trepasse ou de arrendamento visando a exploração da atividade econômica. Esta alternativa dará oportunidade aos empregados de conhecer a realidade do mundo empresarial, com a exploração da empresa, com a responsabilidade de administrar o destino da pessoa jurídica constituída; e b) no plano obrigacional – a constituição da sociedade formada por empregados do devedor recuperando poderá viabilizar a quitação de direitos decorrentes da relação de trabalho.
Embora o legislador tenha silenciado sobre o tema de quitação de direitos trabalhistas, na hipótese de celebração de contratos de trepasse ou de arrendamento mercantil com sociedade formada por empregados do devedor recuperando, é certo que tal meio não foi inserido na Lei de Recuperações sem o propósito de servir, a um só tempo, como meio de recuperação e de quitação de direitos derivados da legislação do trabalho.
Claro que o trespasse ou o arrendamento, atos onerosos por excelência, podem ser firmados com a sociedade constituída por empregados mediante o pagamento do preço de venda do estabelecimento ou da devida retribuição pelo arrendamento. Contudo, se os empregados do devedor possuem e certamente têm direitos trabalhistas a receber, por conta da crise econômico-financeira, óbvio que a celebração de trespasseou arrendamento poderá operar quitação de tais direitos.
É por isso que acreditamos que a inserção de tal meio de recuperação na lei, com a indicação de que poderá ser constituída sociedade formada por empregados do devedor recuperando não tem outro sentido senão operar quitação de direitos trabalhistas. O pagamento poderá ocorrer através da compra do estabelecimento, com o trespasse, sem qualquer desembolso econômico, ou do arrendamento, com a exploração da atividade mediante compensação de créditos e quitação de obrigações.
Outra formulação interessante é que o legislador não indicou o regime jurídico da sociedade que poderá ser constituída pelos empregados do devedor. Diante do silêncio, o intérprete poderá concluir que qualquer tipo societário previsto no ordenamento jurídico brasileiro está autorizado, inclusive o da sociedade de propósito específico, salvo, naturalmente, os tipos incompatíveis, a exemplo da sociedade simples, da sociedade em conta de participação, da subsidiária integral e da cooperativa diante de suas características ou peculiaridades.
A sociedade simples é incompatível com a exploração de empresa – atividade econômica organizada para a produção de bens ou serviços. Já a sociedade em conta de participação apresenta-se inviável, eis que, naturalmente, no caso específico, exigir-se-á sociedade com registro e personalidade jurídica e nome empresarial, de modo a explorar a empresa, por força da celebração de trespasse ou arrendamento. Inviável, na hipótese, a sociedade em conta de participação, eis que nesse tipo societário, composto por sócios ostensivo e oculto, a empresa realiza-se exclusivamente em nome do ostensivo, o que é impossível diante dos empregados participantes da sociedade constituída.
Também inviável a sociedade subsidiária integral, porquanto esta, obrigatoriamente, como exceção no Direito Societário Brasileiro, é constituída exclusivamente por um único sócio, portanto unipessoal, fato que se apresenta incompatível com a pluralidade de sócios, ex-empregados do devedor recuperando, na constituição da sociedade para a exploração da empresa.
A sociedade cooperativa também se apresenta inviável diante de sua natureza jurídica e característica de associativismo.[31] A sociedade cooperativa, independentemente do seu objeto, é reconhecida como sociedade simples, embora se trate de enorme equívoco legislativo. Se a cooperativa é sociedade simples, por definição legal, jamais poderá ser ou transformar-se em empresária. Somente sociedade empresária poderá explorar empresa.
Dessa forma, somente a sociedade empresária, regularmente constituída, poderá celebrar com o devedor recuperando contrato de trespasse ou de arrendamento para a exploração da empresa, visando o cumprimento do meio de recuperação previsto no art. 50, inciso VII, da Lei de Recuperações.
Resta absolutamente inviável, juridicamente, a constituição de sociedade cooperativa, ainda que de trabalho, como meio de recuperação judicial, para atender a previsão do inciso VII, do art. 50, da Lei de Recuperações. A sociedade cooperativa, ainda que de trabalho, é sociedade simples e nessas condições não poderá explorar a atividade empresarial mediante a celebração de usufruto, trespasse ou arrendamento mercantil, em processos de recuperação judicial ou de falência continuada, ou em quaisquer outras circunstâncias diante de suas características de constituição e funcionamento.
A propósito, a título de exemplo, o Direito Concursal Argentino, na mesma linha do brasileiro, aponta para a viabilidade de exploração da empresa, na hipótese de Concurso Preventivo, instituto similar ao da Recuperação Judicial, ou na hipótese de Quiebra ou Falência Continuada, mediante a constituição de sociedade formada por trabalhadores do devedor-falido, em regime de cooperativa de trabajo, como se vê do artículo 190, de la Ley de Concursos y Quiebras. [32]
No Direito Brasileiro, a sociedade cooperativa, embora com prescrição no Código Civil, no Livro II – Direito de Empresa, Capítulo VII, tem efetivamente o seu regramento em lei extravagante, como aponta o art. 1093: A sociedade cooperativa reger-se-á pelo disposto no presente Capítulo, ressalvada a legislação especial. A lei especial é a Lei nº 5.764/1971.
Cooperativa é sociedade de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, típica de associativismo, sem finalidade lucrativa, gozando de tratamento tributário diferenciado, inclusive não sujeita à Lei de Recuperações e de Falências.
Abaixo da cooperativa os cooperados buscam desenvolver esforços objetivando a realização de determinado fim. Trata-se, em essência, de associativismo ou regime de colaboração, com estrutura própria de prestação de serviços direcionada ao atendimento de seus associados, sem objetivar obtenção de lucro, embora experimentando resultado favorável no desempenho de seus objetivos, a rentabilidade deverá, obrigatoriamente, ser revertida em favor de seus membros.
A cooperativa pode ser constituída para qualquer atividade lícita e desde que não seja contrária à ordem e aos bons costumes e incompatível com a sua natureza. É comum a constituição de cooperativas de crédito ou de trabalho.
Cooperativa de trabalho é sociedade simples, de pessoas, constituída, em geral, por empregados de determinada profissão, com qualificação técnica. Os cooperados buscam melhores condições de trabalho, sem a intervenção do empregador ou empresário. O art. 24, do revogado Decreto nº 22.239/1992, definia as cooperativas de trabalho, como sendo: aquelas que, construídas entre operários de uma determinada profissão ou ofício, ou de ofícios variados de uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar o salário e as condições de trabalho pessoal de seus associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem a contratar obras, tarefas, trabalhos ou serviços públicos e particulares, coletivamente por todos os por grupo de alguns.
A cooperativa de trabalho é constituída sob a orientação dos princípios associativos, a exemplo, da constituição natural ou espontânea, independência e autonomia dos associados, embora devam subordinação ao estatuto, objetivo comum, autogestão, liberdade de filiação e transparência na administração.
Além dos princípios, possuem características, dentre elas: a) número mínimo de associados; b) capital variável, representado por quotas, inacessíveis a terceiros estranhos à cooperativa; c) limitação do número de quotas por associado; d) singularidade de voto; e) quorum para assembleia; f) retorno de sobras em prol dos associados; e g) assistência ao cooperado.
Sucede que a sociedade cooperativa, seja ela de trabalho ou não, jamais poderá explorar, nos procedimentos de recuperação judicial ou na falência declarada, atividade econômica diante da incompatibilidade de sua natureza jurídica com o exercício de empresa mediante a celebração de contrato de trespasse ou arrendamento mercantil do estabelecimento.
A rigor, trata-se de hipótese manifestamente típica de impossibilidade jurídica em decorrência da incompatibilidade de sua natureza jurídica com o exercício de empresa, não podendo assumir responsabilidades perante credores nos procedimentos de recuperação ou de falência.
Do exercício de empresa, nos procedimentos de recuperação ou de falência, por sociedade cooperativa, de empregados ou não, se possível fosse, decorreriam várias e graves responsabilidades e consequências dentro dos aludidos procedimentos, porquanto o administrador judicial ou o Comitê de Credores deveriam previamente verificar a situação econômica do devedor ou falido, a exemplo: a) a possibilidade de manter ou dar continuidade a exploração da empresa, sem a contratação de novas obrigações; b) os benefícios que trariam aos credores; c) as vantagens que poderiam acarretar para terceiros a mantença da atividade com a cooperativa; d) a existência de recursos capaz de cumprir as obrigações necessárias ao funcionamento da atividade; e) a reorganização necessária para a viabilidade econômica; f) a seleção dos colaboradores diante da escassez de patrimônio ou de recursos; g) o modo de solucionar o passivo existente; e h) a extensão da responsabilidade da sociedade cooperativa e dos associados em relação às obrigações assumidas por assunção de dívidas ou por dívidas novas.
Todas essas questões, sem dúvida, por si só, levam à conclusão da inviabilidade jurídica de constituição de sociedade cooperativa para exploração de empresa, na hipótese de recuperação judicial, como meio soerguimento da atividade, como, também, na falência continuada, ou, ainda, na hipótese de aquisição de ativos, na falência, com a continuidade da atividade econômica do falido.
A Lei de Falências e de Recuperações não cogitou da constituição de sociedade cooperativa, formada por empregados do falido ou do devedor recuperando para a exploração de atividade econômica, como se vê da redação do art. 145 e do inciso VII, do art. 50, porque reconhecem a inviabilidade jurídica da utilização do associativismo em situações como tais frente à incompatibilidade do sistema cooperativo com os riscos próprios e inerentes da exploração da empresa.
Na Argentina, como já visto, o legislador cochilou e inseriu no artículo 190, de la Ley de Concursos y Quiebras, a viabilidade de constituição de sociedade cooperativa de trabajo, nos regimes de concurso preventivo, com la nulidad del acuerdo, o declaración de quiebra, con a posibilidad excepcional de continuar con la explotación de la empresa del fallido o de alguno de sus establecimientos y la conveniência de enajenarlos en marcha.
Tal inclusão, sem a devida regulamentação e esclarecimentos necessários, por parte do legislador, mereceu severas críticas na doutrina nacional, capitaneada pelo Professor Bertossi, fundador de la primera Cátedra Universitária de Derecho Cooperativo em Iberoamérica.[33] Contudo, para superar essa dificuldade, o ex-presidente argentino, Néstor Kirchner, apresentou no Congreso de la Nación Argentina un Proyecto de Ley que prevê modificar la actual Ley de Concursos y Quiebras, permitindo aos trabalhadores a aquisição e propriedade da sociedade falida para exploração da atividade econômica em regime de cooperativa de trabalhadores.[34]
Por fim, vale registrar que o devedor poderá celebrar outros ajustes comerciais visando à transferência ou cessão de direitos na exploração da empresa desenvolvida ou a ser desenvolvida no estabelecimento mercantil, apresentando-se o sistema de franchising (franquia empresarial) como alternativa.
A empresa desenvolvida pelo devedor poderá ser formatada para o sistema de franquia empresarial. O recuperando poderá atuar na condição de franqueador ou franqueado, conforme as condições e oportunidades surgidas.
inciso VIII – redução salarial, compensação de horários e redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.
Visando à recuperação é possível que ocorra a implantação das práticas de redução salarial, com redução de jornada ou compensação de horas.
O que, em realidade, são os institutos do acordo ou convenção coletiva de trabalho? Arnaldo Süssekind aponta a natureza jurídica da convenção coletiva de trabalho. [35]
A quem caberá deliberar sobre essa matéria especializada, de natureza trabalhista, própria do Direito Coletivo do Trabalho? O legislador deixou a temática em aberto. Parece-nos que, como meio de recuperação, a deliberação sobre a matéria caberá exclusivamente aos credores da classe dos trabalhadores, em Assembleia Geral de Credores.
Sobre a implantação de tais práticas, como meios de recuperação judicial, surgem as indagações: a) dependerá de celebração de acordo coletivo, com homologação por autoridade judiciária especializada, trabalhista ou pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT)?; e b) bastará a indicação dos referidos meios, com a deliberação e a aprovação do plano de recuperação pela classe dos trabalhadores em Assembleia Geral de Credores?
Como defendemos o Juízo Universal da Recuperação, como já exposto em linhas atrás, temos posição de que bastará a indicação dos meios no plano de recuperação e a sua aprovação em Assembleia Geral de Credores, especificamente pela classe dos trabalhadores, para que surta os efeitos próprios, sem necessidade de homologação dos meios por autoridade judiciária trabalhista tampouco pela Delegacia Regional do Trabalho.
Se a redução salarial, conjugada com redução de jornada de trabalho ou compensação de horas é meio de recuperação, então, a matéria está vinculada ao Juízo Universal da Recuperação. O meio de recuperação, seja ele qual for, deverá constar do plano e, nessas condições, deverá ser submetido aos credores, nos autos do procedimento da recuperação judicial para deliberação em Assembleia Geral de Credores. Se aprovado o plano, com os meios, o devedor recuperando deverá implantá-los.
Não é razoável que os meios de recuperação constantes do plano sejam questionados fora do procedimento da recuperação judicial, por outra autoridade judiciária, ainda que especializada, senão perante o próprio Juízo da Recuperação Judicial. Afinal, para que servem o procedimento da recuperação judicial e o Juízo Universal?
É impossível pensar na recuperação judicial mediante dupla atuação de autoridades judiciárias ou administrativas. Concessa venia, se assim não for não há razão para a criação do instituto da recuperação que se processa perante o Juízo Universal.
É impraticável imaginar o soerguimento da empresa, se credores não adotarem o mesmo objetivo – a recuperação econômica da atividade e satisfação do crédito. É por isso que tudo aquilo que se relacionar direta ou indiretamente com os interesses do devedor recuperando e dos credores, salvo as exceções contempladas na Lei de Recuperações, deverá ser absorvido, atraído para a competência exclusiva e única do Juízo Universal da Recuperação Judicial.
Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência nº 61.272/RJ, instaurado entre o Juízo de Direito da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e o Juízo da 5ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, incidente no procedimento da recuperação judicial da Varig, definiu a competência do Juízo Empresarial, por entender não ser possível vislumbrar a recuperação econômica com a interferência de outra autoridade judiciária, consagrando-se, dessa forma, via oblíqua, o Juízo Universal da Recuperação Judicial. [36]
Nos dias atuais, por força das condições macroeconômicas que afetam a economia nacional, tornou-se comum a prática dos meios de recuperação aqui indicados: redução salarial, com compensação de horários e redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, mormente por parte da indústria automobilística, quando ocorre queda nas vendas e os estoques de produtos tornam-se elevados.
As montadoras de veículos bem conhecem essa realidade! Quando o mercado de venda e compra de veículos apresenta-se recessivo, por conta de fatores macroeconômicos, a exemplo de elevadas taxas de juros nos financiamentos ao consumidor, perda de renda do trabalhador, ocorrências de fatos graves nos mercados interno ou internacional, crise política ou econômica, com indicativos de insegurança e precaução, é natural que ocorra desaquecimento nas vendas e consequentemente aumento dos estoques.
Se não há venda, para que ou para quem fabricar veículos? Assim, tem-se valido as montadoras de veículos dos mecanismos de redução salarial, com redução de jornada ou compensação de horas, através do chamado banco de horas e férias coletivas, tudo para superar momentos difíceis e evitar demissões. A indústria, de modo geral, utiliza-se desses mecanismos para evitar demissões.
Tais meios ou práticas, na realidade, têm se revelado importante na superação das circunstâncias econômicas adversas e na mantença dos empregos. A depender do caso específico, se não houver redução salarial, com redução de jornada ou compensação de horas, a crise poderá levar a demissão dos empregados, gerando desequilíbrio social. [37]
Dessa forma, o devedor recuperando poderá utilizar-se dos meios de redução salarial com consequente redução da jornada de trabalho ou compensação de horas, evitando-se, tanto quanto possível, a demissão dos empregados e os elevados custos decorrentes das verbas indenizatórias. Sabe-se que no Brasil é fácil contratar, porém difícil é demitir. É hora de enfrentarmos o tema e criar coragem para a criação de novas políticas de empregos para o nosso País.
inciso IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro.
O instituto da dação em pagamento aparece como meio importante na recuperação. Não raro, o devedor, embora até tenha patrimônio considerável e economicamente suficiente para saldar suas obrigações, no momento da crise, não consegue obter liquidez, com a transformação do patrimônio em dinheiro, em curto espaço de tempo.
Assim, na linha do art. 356, do Código Civil, é certo que se o credor consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida, ou seja, se concordar em receber outra coisa ou bem, que não dinheiro, mas o equivalente ao valor do seu crédito, a quitação da obrigação operar-se-á mediante dação em pagamento.
Já a novação de dívidas do passivo também se revela fundamental para o devedor recuperando. Com a novação, o devedor poderá substituir todas as obrigações vencidas ou vincendas por outras, novas dívidas, desde que existentes ao tempo do ajuizamento do pedido de recuperação. O devedor poderá negociar novas condições, inclusive mais vantajosas, a exemplo de diminuição da taxa de juros, de equalização de encargos financeiros e do alongamento da dívida, com novos prazos de carência e vencimento, extinguindo-se, assim, as obrigações anteriores, sem contar que a dívida poderá ser cedida.
A novação pode operar-se tanto por substituição da obrigação quanto por substituição do devedor. Através da novação contrai-se nova obrigação, com a extinção da anterior. Pode operar a substituição do devedor originário, ou, quando for o caso, a substituição do credor. Os elementos que sustentam o instituto da novação autorizam larga negociação entre devedor e credor, com a substituição de dívidas e partes na relação jurídica. A novação apresenta-se como importante meio de recuperação judicial para o devedor recuperando.
A novação, como se sabe, além de substituir a obrigação anterior, opera a sua extinção, inclusive os acessórios e as garantias da dívida, salvo estipulação em contrário, daí por que o inciso IX, do art. 50, da LRF, ao tratar do assunto indica que o instituto poderá ser firmado com ou sem a constituição de garantia do próprio devedor ou de terceiro. A garantia é pacto adjeto em relação à obrigação principal. Como regra no direito comum, o acessório segue a sorte do principal. Portanto, extinta a obrigação principal, extinta a acessória, a garantia, salvo se houver estipulação em contrário celebrada entre as partes.
No caso de novação, o credor poderá exigir a subsistência da garantia ou condicionar a constituição de nova a ser outorgada pelo devedor recuperando ou por terceiro, isto porque a novação, por si só, implica extinção não só da obrigação anterior, mas da respectiva garantia.
inciso X – constituição de sociedade de credores.
Equivoca-se o legislador ao apontar a constituição de sociedade formada por credores como meio de recuperação judicial. A constituição de sociedade de credores jamais, isoladamente, poderá ser considerada como meio de recuperação.
Na realidade, o que o legislador queria dizer e não disse é que as operações de trespasse, de arrendamento mercantil do estabelecimento ou de usufruto podem ser celebradas com os credores do devedor recuperando para a exploração da atividade econômica.
O desenvolvimento do negócio, com a exploração da empresa, poderá servir de quitação ou de amortização de créditos até que ocorra o efetivo pagamento das obrigações, podendo o contrato de exploração ser celebrado com prazo de vigência vinculado à condição resolutória de quitação dos créditos (si et in quantun). Operada a quitação, finda a relação jurídica, com a devolução do estabelecimento ao então devedor.
A sociedade formada por credores, embora não indicado no inciso X, do art. 50, da LRF, poderá ser constituída sob qualquer regime societário, inclusive como sociedade de propósito específico, com o fim de apenas viabilizar a exploração da atividade econômica anteriormente desenvolvida pelo devedor recuperando, visando o pagamento dos créditos e extinção das obrigações.
A sociedade poderá ser constituída por prazo determinado ou indeterminado. Se, por prazo determinado, sua vigência é pré-estabelecida, com datas de início e término da sociedade, para o cumprimento de seus objetivos sociais, quando, então, ao final do prazo estará automaticamente dissolvida e extinta, salvo se houver deliberação de seus sócios ou acionistas contemplando a sua continuidade. [38]
Se, por prazo indeterminado, não terá prazo final de vigência previamente estabelecido, podendo ser extinta mediante deliberação de seus sócios ou acionistas a qualquer tempo ou mesmo após ser exaurido o seu objeto social. É certo que tudo dependerá da formatação societária e dos objetivos sociais contemplados no contrato ou estatuto social.
Parece-nos, em primeiro plano, que a ideia do legislador foi a de constituir a sociedade para o desenvolvimento das atividades econômicas então realizadas pelo devedor, em recuperação, visando especificamente o saneamento financeiro-econômico da empresa para o pagamento dos credores. Realizados os pagamentos, a sociedade poderá ser extinta ou não, tudo a depender do regime jurídico de constituição e da deliberação dos sócios ou dos acionistas.
inciso XI – venda parcial dos bens.
A venda parcial dos bens não se confunde com a operação de cisão parcial. A cisão é ato de transferência patrimonial, de versão parcial ou total dos bens, para outra(s) sociedade(s) já constituída(s) ou a constituir.
Já a venda parcial é ato de livre alienação; venda pura e simples que se opera com a entrega do bem mediante o recebimento do preço, conforme a sua avaliação no mercado. Diante da necessidade de melhoria na organização empresarial, a venda de bens tangíveis, inclusive de raiz, é prática comum no segmento corporativo.
A venda de bens móveis ou imóveis se constitui, para o devedor recuperando, como meio propício de ingresso de recursos na atividade econômica, a custo financeiro zero, mediante o desfazimento de ativos para a solução do passivo.
Em situações como tais, certamente, o devedor em crise venderá os bens que implicam elevados custos de manutenção, de elevada ou considerável desvalorização, ou, ainda, de fácil alienação, por conta da necessidade de liquidez. Também é comum a alienação de bens desnecessários ao desenvolvimento da atividade fim da empresa, tudo a depender da natureza do bem, do preço e das oportunidades de mercado.
Embora não tanto específicos ao inciso XI, do art. 50, da LRF, os comentários a seguir guardam conexão. Nos dias que correm há forte tendência de descarte de bens móveis e imóveis que compõem o patrimônio social e a preservação de pessoas, dos executivos, do chamado capital intelectual ou de conhecimento – responsável pelos destinos da atividade econômica.
No mundo empresarial é comum a constituição de sociedade empresária sem instalação física, mas meramente virtual. Estamos assistindo, hoje, a constituição de companhias ou sociedades holdings, controladoras de relevantes grupos econômicos, sem instalações físicas. A diretoria, frente ao conceito de mobile office, reuni-se e delibera através da rede mundial de computadores (internet), de qualquer parte do Planeta.
Verifica-se que, salvo a empresa que demanda processamento de matérias-primas – como se dá tipicamente com a indústria – cuja atividade depende diretamente da existência física de parque industrial, atualmente, grande parte dos agentes econômicos já pode atuar no mercado virtual, como ocorre com o comércio de produtos e de prestação de serviços, via internet (através de estabelecimentos intangíveis: lojas e escritórios virtuais), com mínimo investimento em instalação física e máximo investimento em capital intelectual.
No século passado, o empresário, para sugerir segurança ao freguês e ao mercado, orgulhosamente, exibia placa à entrada do estabelecimento, com os dizeres: SEDE PRÓPRIA. Se assim proceder, agora, no limiar do século XXI, será severamente criticado!
Na atualidade, o maior patrimônio do empresário ou da companhia são os investimentos em tecnologia, informação e pessoas. É a era do capital intelectual! O empresário, para desenvolver a sua atividade tem de investir em tecnologia e treinamento. Tem de provar, sempre, eficiência, dinamismo, versatilidade, modernidade e competência nos negócios.
O reinvestimento em tecnologia faz parte de sua rotina empresarial, com constante renovação de máquinas e equipamentos, viabilizando aos seus executivos mobilidade e portabilidade (notebook), com acesso à internet, com todas as ferramentas que a tecnologia disponibiliza ao escritório remoto e monitorado por satélite, com dados e planilhas financeiras e econômicas. Todo esse esforço visa garantir a sua competitividade no mercado sob o amparo do binômio: eficiência-profissionalismo.
Nada ou quase nada é investido em instalação física, porque a instalação é virtual, portátil. O escritório é o lugar onde o cliente estiver. Tudo ou quase tudo é investido em informatização, com baixo índice de comprometimento de capital imobilizado em bens imóveis. Estamos na era que privilegia o capital virtual, o capital intelectual, o conhecimento, o que exige elevado investimento em planejamento, treinamento e tecnologia.
Esclareça-se, ainda, que a venda parcial de bens pode recair sobre determinados bens, inclusive estabelecimentos filiais ou unidades de negócios ou de produção. Diante da omissão do legislador, a venda parcial de bens do ativo compreende unidades produtivas isoladas com respectivos estabelecimentos. Aqui prevalece o conceito de estabelecimento previsto no art. 1.142, do Código Civil. O devedor poderá vender parte dos bens que compõe o patrimônio social ou dos estabelecimentos ou unidades produtivas isoladas.
Por fim, vale registrar que dentre as alternativas para o ingresso de recursos novos na atividade em crise, o devedor também poderá vender marcas de produtos, serviços ou de certificação ou ceder o seu uso onerosamente mediante a celebração de contrato de cessão de uso de marcas. [39]
inciso XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica.
O termo equalização apresenta-se impróprio ao fim desejado pelo legislador. A expressão não tem referência na ciência jurídica. O seu real significado indica compensação na distorção de sinal em circuito eletrônico, daí o aparelho sonoro chamado de equalizador. O mais apropriado é substituir o substantivo equalização pelo verbo transitivo direto equacionar – que no mundo matemático-financeiro significa dispor de dados para encaminhar solução econômica.
Equacionar é a obtenção de dados e informações financeiras visando compatibilizar ou viabilizar soluções econômicas em favor do recuperando. Equacionar deriva de equação – equação matemática, equação financeira, equação econômica – análise sistêmica de dados financeiros para solução econômica visando à superação da crise econômico-financeira por que passa o devedor.
O comprometimento financeiro do devedor – que se verifica através do volume de obrigações e do estoque de dívidas, confrontado com a capacidade de reação a partir do seu faturamento e fluxo de caixa – é o indicador para a solução econômica da crise, da grande equação matemática. A superação das dificuldades dependerá diretamente do índice de comprometimento financeiro do devedor a curto, médio ou longo prazo.
Em linhas gerais, equacionar é resolver; é neutralizar, por em igualdade, dar equilíbrio e solução aos problemas financeiros do devedor em crise. O termo tem significado de administração de encargos financeiros visando o equilíbrio das finanças e o pagamento das obrigações.
É fato que o devedor para conhecer a sua realidade deverá, em primeiro lugar, equacionar a crise econômica, administrar os gastos, isto é, conhecer a totalidade das obrigações, com as respectivas datas dos vencimentos, as taxas de juros e os encargos financeiros e, ainda, buscar perante os credores descontos ou renúncias de créditos, além do expurgo dos acessórios das dívidas, tudo fazendo para equilibrar as finanças com base no faturamento decorrente da exploração da atividade econômica e a projeção de fluxo de caixa.
Em boa hora o legislador indicou o equacionamento das dívidas e encargos como meio de recuperação. Não raro, a administração levada a efeito pelo devedor, sem controles, leva à crise econômica. O descontrole atrai permanente endividamento, com a contratação de novas obrigações, através da tomada de financiamentos, com elevados encargos (taxas de juros – custo financeiro do dinheiro) [40] destinados à quitação de dívidas antigas. Instaura-se círculo vicioso, com a constante renovação de dívidas; há contratação de dívidas novas para pagamento de dívidas antigas, gerando desequilíbrio nas finanças.
O devedor, então, deverá na equalização das obrigações, de qualquer natureza, tomar por termo inicial a data da distribuição do pedido da recuperação e a partir daí administrar os encargos financeiros, utilizando-se da antiga e boa fórmula da matemática financeira de apuração da remuneração do capital (juros), apurando-se os valores presente e futuro das obrigações, com os resgates das dívidas, inclusive com eventuais descontos de créditos mediante negociação.
A equalização de encargos financeiros é típico exercício de equilíbrio de contas; de controle de despesas frente à capacidade de geração de receitas. No setor público, a exemplo dos créditos rurais, o administrador deve equacionar os encargos, tomando-se por base a remuneração do capital no mercado (taxa básica de juros – e taxa real de juros) e a taxa de juros subsidiada aos tomadores.
A diferença entre as taxas de captação e de empréstimo será absorvida pelo tesouro. A diferença do conceito de equalização de encargos nos setores privado e público reside no pagamento e na absorção dos custos. No primeiro, o pagamento se dá pelo particular, isto é, o devedor comum, enquanto que no segundo o ônus financeiro é absorvido pelo contribuinte através do tesouro.
No setor privado, a ideia de equalização, em princípio, é a mesma, isto é, equilíbrio entre despesas e receitas, mesmo por que o devedor em crise deverá ter capacidade econômica de geração de fluxo de caixa a partir do seu faturamento visando a mantença da empresa e o pagamento das dívidas, segundo a previsão contida no plano de recuperação.
É certo que nenhum plano de recuperação, a rigor, poderá ser bem sucedido se o devedor não tem conhecimento de todas as obrigações e dívidas existentes à data do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, tampouco se não escalona, com critérios, o desembolso de recursos para pagamento aos credores.
A equalização de encargos financeiros visa estancar os efeitos negativos decorrentes de dívidas e obrigações do devedor. Será através da operação matemática, com a devida equação dos encargos, que se alcançará o equilíbrio econômico-financeiro da empresa mediante composição do faturamento, dos custos operacionais, dos desembolsos para fazer face aos compromissos extraordinários, do fluxo de caixa e lucratividade. Com base no lucro o devedor poderá programar o pagamento dos credores, sem comprometer a recuperação da atividade econômica. [41], [42] Para o sucesso da equalização é necessário que o devedor conheça todas as suas dívidas e respectivos encargos financeiros.
Pensamos que, antes mesmo de se constituir meio de recuperação, a equalização de encargos é típica revelação da situação financeira da atividade empresarial; é a solução para a reversibilidade da crise econômica.
Qualquer empresário que atue com profissionalismo obrigatoriamente deve conhecer, com profundidade, o seu produto, a sua empresa, o seu negócio e o mercado de atuação, tendo à mão todos os dados e planilhas acerca dos faturamentos, dos custos operacionais, dos direitos, dos créditos e das dívidas e respectivos encargos, enfim do fluxo de caixa, sua projeção e a estimativa do lucro líquido e, ainda, se for o caso, dos valores alocados para reinvestimentos na própria empresa.
O planilhamento de dados e informações, além de emprestar transparência ao seu negócio, ajuda no controle e no saneamento das finanças.
O planejamento financeiro-econômico é o coração da empresa. A ausência de profissionalismo e de competência na administração são portais de acesso ao insucesso e ao fracasso empresarial.
Portanto, a equalização, embora indicado na lei como meio de recuperação, quando da elaboração do plano será necessário que o devedor aponte e comprove o montante das dívidas e seus respectivos encargos financeiros, os faturamentos presente e futuro e as potencialidades econômicas decorrentes da atividade, bem assim os recursos e as fontes de receitas para o pagamento das obrigações.
inciso XIII – usufruto da empresa.
Aqui não se confunde o instituto do usufruto com o do arrendamento do estabelecimento, embora ambos viabilizem benefícios econômicos ao usufrutuário e ao arrendatário, respectivamente.
No usufruto, o usufrutuário não oferece ao proprietário contraprestação mediante o pagamento de qualquer retribuição, de qualquer remuneração, salvo o pagamento das despesas ordinárias para manutenção e conservação da coisa objeto do usufruto.
Através do usufruto convencional, o proprietário, devedor recuperando, dará ao usufrutuário a empresa para a sua exploração. Também é possível que ocorra não só o usufruto da atividade econômica, mas da própria pessoa jurídica titular da empresa. Confere-se ao usufrutuário o direito de usar e gozar da coisa, por certo tempo, por prazo determinado, temporariamente, ou, mesmo de forma vitalícia.
No caso do usufruto, o devedor recuperando dará a empresa em usufruto – por prazo determinado ou até que ocorra a satisfação integral do crédito, se este for o objetivo (usufruto beneficiário – remuneratório) – ao usufrutuário para que use e goze da coisa, como forma de ressarcimento e satisfação do seu crédito, sem qualquer contraprestação, daí não se confundir o usufruto com o arrendamento.
É bom dizer que o usufrutuário poderá explorar diretamente a empresa ou, se a convenção lhe autorizar, poderá locar ou arrendar a exploração mediante a celebração de contrato de locação ou arrendamento, respectivamente, conforme o caso.
O legislador não indicou o modo de constituição do usufruto da empresa, porém é certo que a sua realização tem por fim exclusivamente a sua recuperação ou, então, a satisfação de créditos do usufrutuário (usufruto remuneratório) perante o devedor recuperando, o que justificará aquele perceber os frutos decorrentes da exploração da atividade empresarial.
A constituição do usufruto seguirá, obrigatoriamente, as regras previstas nos arts. 1.390 a 1.411, do Código Civil. As condições do usufruto serão negociadas entre o devedor recuperando e o usufrutuário, podendo este ser mero terceiro interessado na exploração da atividade econômica desenvolvida ou mesmo credor. A Lei de Recuperações não veda tal possibilidade e tudo dependerá certamente da aprovação do plano de recuperação na Assembleia Geral de Credores.
O usufruto, que recairá sobre a atividade econômica, como apontado na lei, poderá alcançar todos os elementos corpóreos e incorpóreos, tangíveis e intangíveis, que compõem o estabelecimento mercantil ou não, sendo certo que o usufrutuário exercerá a empresa, no estabelecimento, auferindo, assim, os frutos e os rendimentos decorrentes da exploração da atividade empresarial.
inciso XIV – administração compartilhada.
A administração compartilhada é meio de recuperação bastante democrático porque autoriza a participação direta dos credores, por seus representantes, nos destinos da atividade desenvolvida pelo devedor em crise.
A administração compartilhada deverá ser amplamente discutida entre os interessados, deliberando-se e aprovando-se previamente os nomes dos credores que terão assento no Conselho de Administração, na Diretoria ou Gerência do devedor, em recuperação.
Por força da omissão legislativa, fundamental que seja previamente definida a participação dos credores na administração do devedor. É necessário esclarecer: a) se compartilharão parcial ou totalmente a administração; b) qual(is) (o)s ato(s) que poderá(ão) praticar, isolado(s) ou em conjunto; c) qual(is) o(s) ato(s) de gestão que será(ão) delegado(s); e d) qual(is) o(s) direito(s) garantido(s) na administração, inclusive se terá(ão) direito a voz, veto e voto nas deliberações internas etc.
Compartilhar implica democratizar a administração e imprimir transparência na prática de atos, nas deliberações e na divisão de responsabilidades nas decisões empresariais, sobretudo com maturidade e profissionalismo.
A administração compartilhada, antes de aceita pelos credores, como meio de recuperação, deverá ser muito bem identificada, de modo que, se levada a efeito, evite-se, no futuro, o devedor alegar eventual insucesso da recuperação por culpa da participação dos credores na administração da atividade econômica; ou, inversamente, os credores apontarem o fracasso do soerguimento da atividade econômica por responsabilidade exclusiva do devedor que não permitiu a sua eficiente atuação na administração do negócio. A administração compartilhada – para ser exitosa - requer prévia celebração de acordo de gestão entre devedor e credores, sob pena de restar inviabilizada.
A administração compartilhada não pode, tampouco deve ser utilizada como manto de proteção ao devedor, por eventual fracasso na recuperação. O devedor poderá esconder o já sabido fracasso da recuperação, atraindo os credores para a administração e assim buscar dividir responsabilidades. Os credores deverão ficar atentos!
Será cômodo para o devedor, se não alcançado o soerguimento da empresa, indicar que o insucesso decorreu direta ou indiretamente da inércia, da incompetência, da ausência de profissionalismo por parte dos representantes dos credores na administração, pondo a culpa no compartilhamento da administração.
Por outro lado, também, os representantes dos credores serão cobrados por seus representados (coletividade de credores), se verificado que a recuperação não vingou por desídia, negligência ou omissão no exercício da administração compartilhada e o descaso na denúncia de condutas impróprias ou irregulares.
Os credores, na administração compartilhada, atrairão para si responsabilidades. Os credores somente deverão participar da administração, se, de fato, tiverem direito a voz, veto e voto nas deliberações corporativas, com participação ativa e direta nos rumos do devedor, no desenvolvimento da empresa, no cumprimento dos objetivos sociais visando à recuperação, sob pena de responderem solidária e ilimitadamente com os administradores do devedor recuperando, por ação ou omissão, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.
Não é demais afirmar que todos aqueles que concorrerem para a prática dos crimes definidos na Lei de Recuperações e de Falências responderão na medida de sua culpabilidade, com a instauração do concurso de pessoas, como prevê o art. 179, que assim reza: Na falência, na recuperação judicial e na recuperação extrajudicial de sociedade, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os efeitos penas decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade.
O conceito de administrador indicado no art. 179 é amplo e, sem dúvida, para os efeitos legais, alcançará também, se for o caso, eventuais credores-administradores, se estes, na administração compartilhada, praticarem, de forma isolada ou em conjunto, condutas definidas como crimes previstos na LRF, respondendo, assim, na medida de sua culpabilidade.
inciso XV – emissão de valores mobiliários.
O legislador merece aplausos por indicar a emissão de valores mobiliários como meio de recuperação.
Sabe-se que a oferta de crédito, no Brasil, é escassa, diante da ausência de política de concessão de crédito e de fomento à atividade econômica. O crédito, quando disponibilizado, impõe elevada taxa de juro, imprópria à produção diante do custo financeiro do dinheiro. A emissão de valores mobiliários é ótima alternativa de autofinanciamento econômico da crise,[43] desde que seja realizada com muito critério e segurança, quer como oferta pública inicial (IPO), quer como oferta para aquisição de ações (APO). [44]
A abertura do capital exigirá sempre prévia autorização e cumprimento da Instrução nº 476, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de seguir, preferencialmente, os rígidos padrões de práticas de governança corporativa criados e regulado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, [45] de modo a adaptar-se às exigências contidas no Regulamento do Novo Mercado [46] – conjunto de regras regulado pela Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBOVESPA), como meio de imprimir maior transparência na administração dos recursos captados pelas companhias abertas e segurança aos investidores.
A emissão de valores mobiliários fortalece a economia e aumenta as oportunidades de negócios no mundo empresarial, além de ser excelente fonte de captação democrática de recursos, com custo financeiro mínimo ou zero para o empresariado. Sucede que a emissão de valores mobiliários, quer no caso de operações de fusão, [47] quer como meio de recuperação judicial, há de realizar-se de forma regular, nos termos da lei, sob pena de questionamento judicial, ainda que tenha sido aprovada pelos credores ao tempo da deliberação em assembleia.
É de se registrar que a atividade empresarial no Brasil há muito sofre e ainda vem sofrendo os efeitos negativos de políticas equivocadas decorrentes dos fracassados planos de estabilidade econômica, no passado, e também com a onerosidade excessiva da produção, com alta carga tributária, no presente. A postura governamental, com práticas danosas ao crescimento econômico, é fator inibidor à produção, como se vê dos equívocos: a) busca do crescimento do superávit primário mediante a criação de novos tributos; b) aumento incessante da carga tributária, para alimentar os gastos públicos e financiar a dívida pública, cada vez maior; c) política de controle de metas de inflação, com juros elevados para conter a demanda (inflação por demanda); d) câmbio flexível, com variação artificial, mediante a supervalorização do real e prejuízo às exportações; e) cobrança de sobretaxa nas importações; f) taxação da produção; g) ausência de política de oferta de crédito para o empreendedorismo, com juros subsidiados; h) ausência de política de oferta de crédito para capital de giro, com juros subsidiados; i) má gestão do dinheiro público; j) não contenção e diminuição dos gastos públicos; k) ausência de transparência dos gastos públicos; l) não combate à corrupção no setor público; e m) investimentos não continuados em infra-estrutura e educação etc.
Tais equívocos impedem o acesso do empresário ao crédito e inibem o crescimento econômico do País.
Os agentes econômicos, no mercado financeiro, cobram exageradas taxas de juros, elevando, sempre, o custo financeiro do dinheiro. Os juros elevados inibem a tomada de crédito e afugenta o empresariado nacional.
A prática se reflete, em cadeia, no chamado efeito dominó – iniciando-se na origem – com a política de metas de inflação adotada a partir de 1999, com a fixação, por parte do Conselho Monetário Nacional, da Taxa Básica de Juros (SELIC) – até a ponta do mercado – com a cobrança de taxas abusivas no crédito ao empreendedor ou ao consumidor, seja na compra de produtos, seja no empréstimo pessoal, seja na concessão de crédito rotativo do cheque especial ou do dinheiro de plástico ou virtual – o cartão de débito ou de crédito. [48]
Salvo a abertura de raras linhas de crédito disponibilizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), aliás, muitas das quais com objetivos poucos identificáveis, com a imposição de óbices quase intransponíveis à concessão de crédito ao empresariado, sabe-se que não há linha de crédito específica para o devedor em recuperação.
É muito difícil, quase impossível, tomar dinheiro no mercado financeiro, sem o pagamento de taxas de juros escorchantes. Essa realidade inviabiliza a produção e o desenvolvimento da atividade empresarial. Infelizmente o governo federal não criou política pública de fomento de linha de crédito destinada ao empresário em crise econômico-financeira. A falta de crédito, com baixo custo financeiro, e a ausência de política pública específica dificultam o soerguimento da atividade econômica em crise.
Alternativa viável para o devedor em crise é a emissão de títulos para negociação no mercado internacional mediante associação, em parceria financeira, com bancos ou fundos de pensão, com operações estruturadas de crédito. É possível jurídica e financeiramente, dentro do plano de recuperação, que haja a emissão de denotes ou bonds através da atuação dos bandholders.[49] Essas operações constituem modo de alavancagem para o negócio do devedor recuperando.
Outra operação factível e cada vez mais crescente no mercado, com o objetivo de sanear financeiramente o devedor em crise, é a operação Distresseg Investing[50] que se processa através de bancos ou fundos de pensão. Esses agentes econômicos enxergam oportunidades de lucratividade e investem no devedor em crise com o fim de saneá-lo financeiramente.
Na sequência, saneada a atividade empresarial, vendem o negócio e, assim, ganham duplamente: a) no empréstimo financeiro; e b) na venda dos ativos do então devedor a terceiro, em nova operação. Nesse segmento, todos ganham com a operação: a) o então devedor – não perde a empresa em crise, vê saneado o seu negócio, com a ajuda do parceiro, bancos ou fundos de pensão, obtém ganho com a venda, no futuro, dos seus ativos a terceiros; e b) o investidor – ganha com o empréstimo do dinheiro e depois ganha novamente com a venda dos ativos do então devedor a terceiro.
Por tudo isso é que merece elogio a iniciativa do legislador ao indicar como meio de recuperação a emissão de valores mobiliários. No mercado de capitais, o devedor recuperando, com a abertura do seu capital aos investidores, poderá concretamente soerguer a atividade econômica com a emissão e venda de papéis, títulos de investimento na bolsa de valores, captando, assim, recursos para desenvolver e recuperar a empresa.
Valores mobiliários são títulos de investimento emitidos por companhias abertas, por sociedades anônimas de capital aberto, regidas pela Lei das Sociedades por Ações, mediante prévio registro e autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nos termos da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Os títulos são vendidos através de oferta pública direta aos interessados ou em bolsas de valores, mercado de balcão e mercado de derivativos.
O art. 2º, da Lei nº 6.385/1976, aponta os valores mobiliários sujeitos ao seu regime, sendo eles: a) as ações; b) as debêntures; c) os bônus de subscrição; d) os cupons; e) os direitos; f) os recibos de subscrição e respectivos certificados; g) os certificados de depósito de valores mobiliários; h) as cédulas de debêntures; i) as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; j) as notas comerciais; k) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; l) outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e m) quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados publicamente e que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. [51]
Do universo de papéis de investimento previstos no art. 2º, da Lei nº 6.385/1976, podemos destacar, exemplificativamente, os títulos e os valores mobiliários a seguir, os quais poderão ser emitidos ou negociados pelo devedor em recuperação, a saber: 1) ações de fruição; 2) ações ordinárias; 3) ações preferenciais; 4) ações preferenciais cumulativas de direitos; 5) ações preferenciais com cláusula cumulativa de dividendos; 6) ações preferenciais resgatáveis; 7) alienação de coisa móvel; 8) alienação de coisa imóvel; 9) bônus de subscrição; 10) cédula de crédito industrial; 11) cédula de crédito comercial; 12) cédula de crédito bancário; 13) cédula de crédito à exportação; 14) cédula de crédito imobiliário; 15) cédula de debêntures; 16) cédula pignoratícia de debêntures; 17) cédula pignoratícia; 18) cédula hipotecária; 19) cédula de crédito rural;20) cédula de produto rural; 21) cédula rural pignoratícia; 22) cédula rural hipotecária; 23) cédula rural pignoratícia e hipotecária; 24) certificado a termo de energia elétrica; 25) certificado de cédula de crédito bancário; 26) certificado de contrato de investimento coletivo; 27) certificado de créditos de carbono; 28) certificado de custódia de ouro; 29) certificado de depósito de ações; 30) certificado de depósito bancário; 31) certificado de depósito agropecuário; 32) certificado de depósito interfinanceiro; 33) certificado de direitos creditórios do agronegócio; 34) certificado de investimento audiovisual; 35) certificado de potencial adicional de construção; 36) certificado de recebíveis do agronegócio; 37) certificado de recebíveis imobiliários; 38) certificado representativo de contrato mercantil de compra e venda a termo de energia elétrica; 39) certificado representativo de contrato mercantil de compra e venda a termo de mercadorias e de serviços; 40) certificado representativo de ouro; 41) cessão de créditos; 42) cessão de direitos creditórios; 43) cheque; 44) cheque visado; 45) cheque cruzado, com cruzamento geral; 46) cheque cruzado, com cruzamento especial; 47) cheque para ser creditado em conta; 48) cheque pós-datado (prática usual no mercado, embora sem previsão legal); 49) commercial paper (nota promissória); 50) conhecimento de depósito; 51) warrant (título de garantia); 52) warrant agropecuário; 53) contrato de investimento coletivo; 54) contrato de crédito contra terceiros; 55) contrato de futuro; 56) contrato a termo; 57) contrato a termo de moedas; 58) contrato de opção de compra e venda de títulos e valores mobiliários; 59) contrato de opções de moedas; 60) contrato de opções de compra e venda de ações; 61) contrato de swap; 62) cotas de fundos de investimento; 63) cotas de fundos de investimento imobiliário; 64) cotas de clube de investimento; 65) debêntures simples (sem garantia); 66) debêntures com garantia pignoratícia; 67) debêntures com garantia hipotecária; 68) debênturesconversíveis; 69) debêntures conversíveis com garantia pignoratícia; 70) debêntures conversíveis com garantia hipotecária; 71) debêntures subordinadas; 72) debêntures de créditos securitizados; 73) depósito interfinanceiro; 74) depósito interfinanceiro de microcrédito; 75) depósito interfinanceiro imobiliário; 76) depósito interfinanceiro habitacional; 77) depósito interfinanceiro vinculado ao crédito rural; 78) derivativo agropecuário; 79) derivativo de crédito; 80) derivativo financeiro; 81) derivativo de renda fixa; 82) derivativo de renda variável; 83) desconto bancário; 84) dívida securitizada; 85) dívida subordinada; 86) duplicata mercantil;87) duplicata de prestação de serviços; 88) duplicata rural; 89) empréstimo de títulos e valores mobiliários; 90) export note (nota de exportação); 91) factoring (aquisição de créditos contra terceiros); 92) forfeiting financial(financiamento internacional); 93) letra de câmbio à ordem do próprio sacador; 94) letra de câmbio sacada sobre o próprio sacador; 95) letra de câmbio sacada por ordem e contra de terceiro; 96) letra de câmbio com vencimento à vista; 97) letra de câmbio com vencimento a certo termo de vista; 98) letra de câmbio com vencimento a certo termo de data; 99) letra de câmbio com vencimento a dia fixado; 100) letra de câmbio com cláusula sem despesas, sem protesto ou outra equivalente; 101) letra de arrendamento mercantil; 102) letra de crédito do agronegócio; 103) letra do Banco Central; 104) letra de crédito imobiliário; 105) letra imobiliária;106) letra hipotecária; 107) nota de crédito à exportação; 108) nota de crédito comercial; 109) nota de crédito industrial; 110) nota de crédito rural; 111) nota do Banco Central; 112) nota promissória com vencimento à vista; 113) nota promissória com vencimento a certo termo de data; 114) nota promissória com vencimento a dia fixado; 115) nota promissória com cláusula sem despesas, sem protesto ou outra equivalente; 116) nota promissória rural; 117) operações de hedge (proteção ou salvaguarda); 118) partes beneficiárias; 119) precatórios federais, estaduais e municipais; 120) recibo de depósito bancário; 121) recibo de depósito em cooperativas de crédito; 122) recibo de subscrição de ações; 123) recibo de subscrição de valores mobiliários;124) termo de securitização de créditos; 125) título da dívida agrária; 126) título de desenvolvimento econômico; 127) título de investimento coletivo; 128) título de alongamento da dívida agrícola; 129) título de crédito comercial; 130) título de crédito à exportação; 131) título de crédito do agronegócio; 132) título de crédito imobiliário; 133) título de crédito bancário; 134) título de crédito industrial; 135) título de crédito rural; e 136) outros.
Além dos títulos e valores mobiliários indicados, títulos públicos também poderão ser negociados no mercado pelo devedor recuperando e constarão do plano de recuperação, a exemplo: 1) ADR (American Depositary Receipts); [52] 2) GDR (Global Depositary Receipts); 3) BDR (Brazilian Depositary Receipts); [53]4) Bônus da Dívida Externa Brasileira; 5) Bônus do Banco Central; 6) Certificado de Dívida Pública; 7) Certificado de Privatização; 8) Certificado do Tesouro Nacional; 9) Certificado Financeiro do Tesouro Nacional;10) Créditos Securitizados pelo Tesouro Nacional; 11) Dívida Securitizada do Tesouro Nacional; 12) Letras do Banco Central; 13) Letras do Tesouro Nacional; 14) Letras Financeiras do Tesouro Nacional; 15) Letras Financeiras dos Estados e Municípios; 16) Notas do Banco Central; 17) Notas do Tesouro Nacional; 18) Obrigação do Fundo Nacional de Desenvolvimento; 19) Obrigações do IFC – Internacional Finance Corp; 20) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional; 21) Obrigações do Tesouro Nacional; e 22) Títulos do Tesouro Nacional indexados à variação da Selic.
O devedor em recuperação, necessitando de dinheiro novo para pagamento aos credores e soerguimento da atividade, tem como alternativa a tomada de empréstimo, no mercado financeiro ou a emissão de valores mobiliários. A oferta de valores mobiliários capitaliza a empresa através dos recursos auferidos com a venda dos papéis e a poupança de terceiros investidores. A emissão de valores mobiliários é ato que revela a democratização na participação do investidor no capital social da companhia emitente, recebendo os dividendos decorrentes do desenvolvimento da atividade econômica.
Embora o inciso XV, do art. 50, esteja dirigido, inicialmente, às sociedades por ações, de capital aberto, com prévio registro e autorização da CVM, cumpre dizer que o devedor em crise, ainda que constituído sob regime jurídico diverso, poderá realizar a operação de transformação. Operada a transformação para sociedade por ações, com capital aberto, e após prévia autorização da Comissão de Valores Mobiliários, o devedor poderá emitir valores mobiliários.
Sem dúvida, assim procedendo, se assim indicar o estudo de viabilidade econômico-financeira, a oferta pública de valores mobiliários no mercado de capitais fomentará a atividade econômica, com reais chances de recuperação, porque será possível transformar ou converter dívidas em ações. [54]
inciso XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
A constituição de sociedade de propósito específico não é novidade no Direito Societário Brasileiro. [55]
A referida sociedade está reconhecida na Lei nº 11.079, de 30.12.2004, na chamada Lei das Parcerias Público-Privadas (LPPP). No início, em 2004, utilizou-se este tipo societário especificamente no âmbito do Direito Administrativo, por conta da formação de parcerias público-privadas, na formatação jurídica de consórcios empresariais, nos empreendimentos realizados através de concorrências públicas de obras ou de serviços complexos. [56]
A sociedade de propósito específico é realidade no mundo dos negócios. Atualmente é largamente utilizada no Direito Societário, nos variados segmentos da economia nacional. O volume de empreendimentos com esse tipo societário vem aumentando diante da característica da especificidade de seu único e exclusivo objetivo social.
Esse tipo societário pode ser constituído por qualquer dos regimes jurídicos previstos na legislação societária brasileira, inclusive sob o regime de sociedade anônima aberta, fato que está a exigir, por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tratamento específico em relação à emissão de valores mobiliários por essa modalidade societária, no mercado de capitais. [57]
A sociedade de propósito específico impõe segurança jurídica nas concorrências oriundas de consórcios empresariais. A responsabilidade civil no cumprimento do único objetivo de sua criação – que é o próprio objeto do contrato de consórcio – é exclusiva da sociedade de propósito específico. Não surtirá qualquer efeito eventual limitação de responsabilidade estabelecida entre os sócios ou parceiros perante o Poder Público.
Na hipótese de descumprimento do objeto do contrato, a Administração Pública promoverá ação em desfavor da sociedade, e não do líder do consórcio que a originou e/ou de seus parceiros. Tem-se, assim, plena segurança em favor da Administração Pública a contratação de obras e serviços por meio de consórcio empresarial e da constituição da sociedade de propósito específico.
A natureza jurídica da sociedade de propósito específico, embora não indicada na Lei de Parcerias Público Privada, é de típica sociedade empresária, com objetivo específico, com vigência atrelada ao exclusivo cumprimento do objeto de sua constituição, extinguindo-se, de pleno direito, quando do esgotamento do seu propósito ou quando do término do prazo determinado de vigência. Esclareça-se, no entanto, que a sua constituição poderá ser operada sob feição de sociedade simples ou empresarial, a depender do objetivo a cumprir.
Comporta, finalmente, comentar que a sociedade de propósito específico, como prevista no inciso XVI, do art. 50, da LRF, poderá ser constituída para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor. Contudo, é importante dizer que poderão ser constituídas várias sociedades, cada qual com um único objetivo distinto.
A indicação prevista no inciso XVI, do art. 50 – constituição de sociedade de propósito específico – para adjudicar os ativos do devedor –é mera sugestão. É simples orientação ao devedor ao tempo da montagem do plano de recuperação. Equivoca-se o legislador ao apontar a constituição específica para adjudicar tão-somente os ativos do devedor. Tantas outras sociedades poderão ser celebradas. Na realidade, a sociedade de propósito específico poderá ser constituída para qualquer finalidade, desde que o seu ato de criação indique o seu objeto – que deve ser específico, exclusivo.
O correto é dizer da viabilidade de constituição de sociedade de propósito específico, de forma genérica, sem vinculação à adjudicação de ativos. Esclareça-se, assim, que a adjudicação de ativos é apenas, dentre outras, uma possibilidade para a constituição do referido tipo societário.
A rigor, sociedades de propósitos específicos poderão ser constituídas pelo devedor e indicadas no plano de recuperação tantas quantas devam ser criadas para cumprimento dos objetivos específicos, tudo em prol do soerguimento da atividade empresarial, devendo, então, nesse caso, o plano indicar os propósitos e submetê-los aos credores, em Assembleia Geral, o que poderá culminar na constituição de variadas sociedades, cada qual desenvolvendo especificamente o seu objetivo.
3. Da Análise de Viabilidade Econômico-Financeira do Plano de Recuperação
Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:
I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;
II – demonstração de sua viabilidade econômica; e
III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.
Deferido o processamento da recuperação, surge para o devedor o dever de elaborar e apresentar em juízo o plano de recuperação,[58] contemplando os meios e o modo de cumprimento de todas as obrigações sujeitas aos seus efeitos e existentes à data da distribuição do pedido, ainda que não vencidas.
O legislador assinou o prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados da publicação da decisão que deferiu o processamento da recuperação, para a apresentação do plano, sob pena de convolação em falência.
A indicação do prazo na lei é providência importante à regularidade do processamento da recuperação judicial, porque se assim não procedesse certamente o devedor postergaria indefinidamente a apresentação do plano, pondo, assim, em risco o objetivo da recuperação e o pagamento aos credores. O descumprimento do prazo implica convolação da recuperação em falência, como determina o inciso II, do art. 73, da LRF.
Defendemos posição diferente! A convolação da recuperação em falência, nesse caso, não é, tampouco poderá ser automática. Isto é, se o devedor não apresentar o plano de recuperação no prazo assinado na lei, o descumprimento da providência, por si só, não justifica a convolação da recuperação em quebra. A sanção é demasiadamente pesada e os efeitos nefastos!
Dessa forma, competirá ao juiz previamente intimar o devedor, de modo a apresentar as razões da não apresentação do plano, no prazo legal. Não é razoável a convolação da recuperação em falência, de forma direta, sem oportunizar ao devedor o direito de manifestação e justificativa frente aos efeitos nefastos da quebra.
É possível que o devedor esteja finalizando o plano, para melhor atender aos objetivos da recuperação visando o pagamento dos credores. A não entrega do plano, por si só, não justifica a convolação da recuperação em falência.
O legislador, nesse particular, equivocou-se. Mais importante para a recuperação não é a apresentação do plano, no prazo indicado na lei, mas a verificação clara e precisa, por parte dos credores, de que o devedor está, de fato, elaborando o plano, escolhendo os meios próprios e factíveis de cumprimento visando à recuperação. Mais importante do que o plano será o planejamento estratégico do devedor para superar as dificuldades!
Questão que certamente, na vida forense, suscitará dúvidas, será perquirir a natureza jurídica do prazo previsto na LRF. O prazo é peremptório puro ou dilatório?
A interpretação afoita leva à conclusão de tratar-se de prazo peremptório puro, que não admite prorrogação ou dilação, porque a parte final do caput, do art. 53, informa, que a não apresentação do plano em juízo, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da publicação da decisão que deferiu o processamento, implica convolação da recuperação em falência. A sanção é drástica!
Todavia, da interpretação sistemática da Lei de Recuperações e de Falências e, ainda, do escopo do instituto da recuperação judicial cujo objetivo é sanar a crise econômico-financeira do devedor, mantendo-se a fonte produtora de riquezas, tributos e empregos, além de viabilizar o pagamento aos credores, resta evidente que o prazo previsto na LRF não pode ser peremptório puro, mas sim dilatório. Caberá ao juiz o monitoramento do cumprimento do comando legal, porém com flexibilidade, conforme a realidade do devedor.
Dentro do prazo de 60 (sessenta) dias deverá sim o devedor, se não for possível apresentar o plano, com todos os seus detalhamentos, indicar a sua elaboração e os meios que estão ou estarão sendo desenvolvidos visando a recuperação da empresa e, assim, o juiz deverá assinar novo prazo para a apresentação final do plano.
O prazo previsto na lei é, a um só tempo, largo e exíguo, tudo a depender da natureza da atividade empresarial desenvolvida e do porte econômico do devedor. Veja-se, então, se estivermos diante de determinado devedor cuja atividade não seja expressiva, o mencionado prazo apresenta-se largo, suficiente e adequado o bastante para a apresentação do plano em juízo, com todos os seus detalhamentos.
Se a atividade econômica é de grande porte, complexa, com o envolvimento considerável de atividades e de credores, com elevado número de sócios ou acionistas, com relações de controle e participações acionárias, com múltiplos desdobramentos, a exemplo da necessidade de reuniões de sócios ou de convocações de assembleias de acionistas, inclusive para deliberação sobre os variados meios de recuperação, os quais implicam atos de reengenharia societária e outros, o mesmo prazo de 60 (sessenta) dias é curto. É quase impossível apresentar nesse pequeno espaço de tempo o plano de recuperação, com todos os meios viáveis e factíveis, com todos os seus desdobramentos.
Deve-se analisar cada caso, a hipótese em concreto, daí por que entendemos que o prazo para a elaboração e juntada do plano aos autos é dilatório, e não peremptório puro, como tenta crer o legislador, ao indicar que, se o plano não for apresentado, no prazo legal, a recuperação será convolada em falência.
Resta evidente a impossibilidade temporal, física e material de elaborar, concluir e apresentar o plano de recuperação, com todo o seu detalhamento e demonstração de viabilidade financeira, no prazo legal de 60 (sessenta) dias, quando a atividade econômica do devedor ou os meios de recuperação apresentam-se complexos.
Logo, não é razoável, nesse caso, a convolação da recuperação em falência, pelo simples fato da não apresentação do plano no prazo legal. Mais que isso: deve-se elaborar plano que seja viável ou factível de recuperar a atividade econômica, ainda que, para tanto, seja necessário ultrapassar o prazo previsto na Lei de Recuperações e de Falências.
Portanto, o prazo é dilatório e caberá ao juiz, sensível ao caso concreto, quando a hipótese comportar, assinar novo prazo para a apresentação do plano, desde que o devedor recuperando, no prazo legal, requeira a sua dilação, apresentando as justificativas.
Espera-se, sinceramente, que o juiz tenha bom senso e razoabilidade na aplicação da Lei de Recuperações e de Falências! Não se pode pensar na convolação da falência simplesmente pelo fato do plano de recuperação não ter sido apresentado no prazo legal. A ideia que deve prevalecer, em casos tais, é, no prazo da lei o devedor comprovar a elaboração do plano e, se for o caso, requerer a prorrogação para apresentação do plano que, efetivamente, contemple a viabilidade de soerguimento da atividade, com realidade.
Não podemos esquecer que a Lei de Recuperações tem por norte a recuperação; a falência somente será declarada em última hipótese, isto é, quando não houver possibilidade material de recuperação da empresa.
Não se pode confundir desídia processual com a não apresentação do plano no prazo assinado na lei mediante oportuna justificativa. Desídia é incúria, negligência, desinteresse, desleixo. Nesse caso, há que se convolar a recuperação em falência. Ora, se o devedor, no prazo da LRF, não se justifica, não pede prorrogação do prazo, então, o juiz deve convolar a recuperação em falência, porque caracterizada está a desídia.
Situação diversa será o devedor na busca de elaborar e apresentar o melhor plano, com os meios de recuperação e todo o seu detalhamento, pedir ao juiz, no prazo assinado na lei, a prorrogação do prazo. Nessas condições, o juiz não pode, tampouco poderá convolar a recuperação em quebra.
É por isso que não podemos compreender que a não entrega do plano, no prazo assinado na lei, por si só, deva o juiz convolar, de forma direta, a recuperação em falência. Esta postura do juiz, na condução do processo, apresentar-se-á incompatível com os objetivos da recuperação. Se assim for estaremos cometendo grave equívoco, porque aplicaremos a lei nova, com base em premissas da lei velha!
É bom que se diga, ainda, que plano sério e adequado deverá também contemplar a necessidade de monitoramento e reanálise, com potenciais modificações ao longo da recuperação. Os meios de recuperação e o plano, ao tempo da sua elaboração, foram concebidos dentro de determinada realidade econômica. Esta, como se sabe, sofrerá alterações de variadas ordens, mormente de política macroeconômica, cujas variáveis escapam ao controle do devedor, em recuperação.
Pode-se afirmar que na vida empresarial é quase impossível elaborar e manter fiel determinada estratégia de negócio ou de mercado, com meios de recuperação, planejamento de atuação e plano de recuperação de longo prazo, por 2 (dois) anos ou mais, sem que se façam as necessárias modificações.
O plano de recuperação, embora aprovado em Assembleia Geral de Credores, poderá ser alterado ao longo do tempo, desde que os credores regularmente convocados aprovem as alterações, com posterior homologação pelo juiz. [59]
A propósito verifique-se a recuperação judicial da Varig cujo plano sofreu alterações mediante anuência dos credores, em assembleia, inclusive para viabilizar a venda de ativos, a venda de unidades produtivas isoladas ao então comprador – VarigLog, por conta de anterior leilão inviabilizado. Confira-se a seguir a terceira versão do plano a que tivemos acesso nos autos.
A sua transcrição tem a finalidade de demonstrar a complexidade da Recuperação Judicial da Varig e imprimir didática à obra, de modo que o leitor possa conhecer, ainda que, panoramicamente, o emblemático caso que, de fato, testou a nova Lei de Recuperações e de Falências. [60], [61]
Resta claro que o plano, embora aprovado e homologado, poderá sofrer alterações, para melhor viabilizar a recuperação. O plano não é e não poderá ser imutável enquanto durar a recuperação ou subsistirem obrigações a pagar, sob pena de inviabilizá-la e prejudicar os pagamentos; é importante corrigir os rumos da empresa, sempre que necessário. Destarte, em havendo necessidade de correções no plano, a matéria deverá ser objeto de deliberação, em assembleia.
É por isso que, linhas atrás, afirmamos que mais importante que a apresentação do plano, no prazo legal, é a comprovação da sua elaboração ou construção e a sua viabilidade financeira, inclusive, quando for o caso, com a participação dos destinatários – os agentes econômicos envolvidos no procedimento da recuperação, isto é, o devedor, os credores, os fornecedores e os trabalhadores.
Dada a complexidade do desenvolvimento da atividade econômica deverá o devedor, no prazo legal, apresentar em juízo o esboço do plano de recuperação e justificar as dificuldades e a necessidade de maior prazo para os estudos sobre a implantação dos meios de recuperação e sua viabilidade econômica.
Entendemos, portanto, que o prazo previsto no caput, do art. 53, não é peremptório puro, porque admite prorrogação, quando devidamente justificada a necessidade, cabendo, nesse caso, ao juiz assinar prazo para que o devedor apresente, definitivamente, o plano de recuperação, com todo o seu detalhamento. O prazo do caput, do art. 53, da LRF, admite prorrogação, logo é peremptório!
Os incisos I a III, do art. 53, indicam o conteúdo do plano de recuperação. Antes mesmo de realizar os comentários, cabe dizer que o plano, no seu detalhamento, certamente apresentará melhor e maior conteúdo do que as matérias previstas nos mencionados incisos. O legislador apenas orientou o devedor na elaboração do plano, porém o seu conteúdo não necessariamente deverá restringir-se aos elementos indicados na LRF. Vamos comentá-los:
inciso I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo.
Como já dito anteriormente, o devedor poderá utilizar um ou mais meios de recuperação; é possível a conjugação dos meios.
No plano, o devedor, além de indicar o(s) meio(s) deverá descrever o(s) modo(s) para a sua implantação e ainda demonstrar a viabilidade econômica para a recuperação da empresa e o pagamento aos credores. Por exemplo: se o meio de recuperação escolhido for a emissão de valores mobiliários, o devedor deverá apontar no plano quais os tipos ou modalidades que serão ofertados, a instituições intervenientes, as classes, os valores de emissão, os direitos garantidos aos investidores, os prazos de resgate e as respectivas rentabilidade, quando for o caso, a comprovação do estudo de viabilidade da oferta pública e seu potencial retorno, como forma de garantir a entrada de recursos no caixa, o pagamento dos custos administrativos e operacionais e, ainda,demonstrar como será feito o pagamento aos credores. É necessário que os credores tenham todos os elementos para deliberação em assembleia, sob pena de rejeição do plano.
O plano de recuperação tanto quanto possível deverá ser o mais completo, demonstrando-se transparência dos meios e a forma de sua implantação.
inciso II – demonstração de sua viabilidade econômica.
Esse inciso é polêmico, pois, afinal de contas: a) qual o conceito de viabilidade econômica de plano de recuperação? e b) como ocorrerá a demonstração de sua viabilidade? A quem competirá analisar a viabilidade econômica do plano?
O conceito de viabilidade econômica é típico das ciências contábeis e econômicas; de engenharia contábil-econômica. Ordinariamente o conceito é empregado para indicar o patrimônio líquido cuja aferição se dá através do balanço patrimonial mediante o confronto entre o ativo e o passivo. Em realidade, o legislador queria dizer – demonstração de viabilidade financeira do plano, isto é, da qualidade de ser viável financeiramente determinado plano ou projeto, do ponto de vista econômico da operação, ou seja, da sua implantação e retorno financeiro, levando-se em conta todas as variáveis que podem interferir no resultado pretendido.
Nessa linha de raciocínio, significa dizer que na demonstração de viabilidade financeira, o devedor deverá apresentar o plano, com os meios de recuperação eleitos, e comprovar, ou, ao menos, demonstrar, a boa perspectiva de sua implantação, com retorno financeiro desejável, contemplando-se, para tanto, as receitas operacionais e extraoperacionais e os custos da atividade, com a geração de resultados positivos para fazer face ao pagamento dos credores participantes do quadro geral e das obrigações contratadas após a distribuição do pedido de recuperação judicial. [62]
Na demonstração da viabilidade econômica há que se aferir se os meios eleitos, de fato, conseguirão soerguer a empresa. Há que se aferir a correta e coerente escolha dos meios e a sua implantação conforme a realidade do devedor e segundo as circunstâncias de mercado e, ainda, o potencial resultado positivo, com a geração de recursos suficientes à mantença da atividade econômica e do pagamento das obrigações previstas no plano.
Como desdobramento do inciso II, do art. 53, tem-se as seguintes indagações: a) poderá o juiz analisar o conteúdo do plano sob a perspectiva de sua (in)viabilidade econômica? e b) poderá o juiz negar a concessão da recuperação judicial e convolá-la em falência, se não demonstrada a viabilidade econômica do plano, embora a Assembleia Geral de Credores o tenha aprovado?
Essas questões certamente serão amplamente debatidas, no futuro, pelos tribunais, quando concedidas recuperações com base em planos notoriamente inviáveis de soerguimento da atividade econômica do devedor.
A matéria não é de simples interpretação e diz respeito à efetividade do plano a partir dos meios escolhidos, como forma de gerar receita suficiente à mantença e o desenvolvimento da atividade econômica e, ainda, viabilizar o pagamento dos credores sujeitos aos efeitos da recuperação.
Sobre as indagações acima formuladas, vale registrar que a LRF deixou nas mãos dos credores o exercício do direito de objeção ao plano. A objeção tem por fim apenas evitar a aprovação automática do plano. Oferecida objeção, com ou sem fundamento jurídico, o juiz convocará Assembleia Geral para deliberação, podendo os credores: a) rejeitar; b) modificar ou alterar; ou c) aprovar o plano. A rejeição é causa para a convolação da recuperação em falência, salvo a ocorrência de vício de forma, a exemplo de impedimentos ou não preenchimento de quoruns nas votações.
A modificação ou alteração, se e quando atendidos mutuamente os interesses das partes (credores e devedor), o plano restará aprovado. A aprovação automática do plano ou mediante deliberação em assembleia levará à concessão da recuperação.
A LRF deixou, infelizmente, a exclusivo critério dos credores a análise da viabilidade econômica do plano de recuperação. O contraponto à aprovação afoita do plano reside no oferecimento de objeção. A objeção forçará a apreciação do plano em assembleia, quando, então, os credores apreciarão a viabilidade econômica do plano, isto é, os meios eleitos para a recuperação e a sua implantação. Em outras palavras, o juiz não deveria ter postura passiva; não poderia ser mero expectador na análise da viabilidade econômica do plano e de sua aprovação.
O ideal seria a análise da viabilidade econômica do plano de modo conjunto: a) pelos credores; e b) pelo juiz. Afirmamos isso porque, não raro, planos ruins e sem sustentação econômica poderão ser apresentados e até aprovados pelos credores, cujas aprovações, no mais das vezes, dar-se-ão por absoluta falta de opção. Contudo, casos como tais restarão evidentes que os devedores terão apenas sobrevidas, eis que as falências serão inevitavelmente declaradas no futuro próximo.
Não se alegue que o juiz não teria meios para aferir a viabilidade do plano. Nada impediria que o juiz determinasse a prova da viabilidade econômica do plano, quando, então, expert seria nomeado para a produção de laudo pericial econômico, quando, então, poderia ser negada a concessão à recuperação, se restasse demonstrada a inviabilidade econômica do meio e consequentemente do próprio plano, ainda que os credores tivessem aprovado.
É preciso imprimir, antes de qualquer coisa, seriedade ao instituto da recuperação. Deve-se conceder a recuperação a quem seja capaz, comprovadamente, de recuperar-se. Pensamos que o juiz não pode ter postura meramente homologatória da vontade soberana dos credores, quando se deparar com plano aprovado sem perspectiva concreta de recuperar a empresa. Embora a LRF silencie-se sobre a interferência direta do juiz, defendemos a possibilidade da recusa à homologação do plano, ainda que aprovado, se não comprovada a sua viabilidade econômica. Assim posicionamo-nos porque resta evidente que se trata de mero adiamento à decretação da falência, com risco de ampliação do passivo e do número de credores.
Conceder a recuperação a quem não tem condições de recuperar, simplesmente porque a Assembleia Geral de Credores aprovou o plano, embora absolutamente inviável do ponto de vista econômico, é autorizar o devedor à prática de atos prejudiciais aos agentes econômicos incautos, desconhecedores de sua real situação econômico-financeira no mercado de sua atuação. Ao invés de estancar o problema, o juiz, na postura passiva, potencializará graves prejuízos ao mercado e aos agentes econômicos que com ele ou nele interagem. Este não é o objetivo da recuperação!
A demonstração da viabilidade econômica é sinal vital para a recuperação; é o coração do plano de soerguimento da atividade. Sem coração, o homem não sobrevive. Sem viabilidade econômica, a recuperação não se sustenta, tampouco se sustentará, de modo a garantir a mantença da empresa e o pagamento dos credores. Sem comprovação da viabilidade econômica, o devedor estará apenas retardando a declaração da falência.
Portanto, conceder a recuperação judicial com base em plano pífio, sem sustentabilidade econômica, é adiar a morte; é evitar a falência por alguns dias; é potencialmente permitir que o devedor, irrecuperável, continue no mercado praticando atos, pondo em risco terceiros de boa fé, ampliando-se, assim, indevidamente o rol de futuros credores prejudicados.
Esperamos, sinceramente, que o juiz, com determinação e coragem, após valer-se do auxílio de perito por ele nomeado, indefira a concessão da recuperação do devedor irrecuperável, ou seja, daquele devedor que apresentar plano insustentável, sem a mínima viabilidade econômica de soerguer a empresa e pagar as dívidas.
Como dito, o assunto é polêmico e certamente merecerá, por parte do Poder Judiciário, após a maturação da LRF, o necessário posicionamento final. A propósito, confira-se a matéria veiculada pela Rede Nacional de Contabilidade, cujo conteúdo revela as posições divergentes de juízes, advogados e especialistas na matéria. [63]
inciso III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Verifica-se que a LRE criou o instituto da recuperação judicial como forma de evitar a falência, para o devedor que apresente condições de recuperação econômica.
É por isso que, além do devedor indicar os meios de recuperação e demonstrar a sua viabilidade econômica, deverá, ainda, apresentar laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens que compõem o ativo.
Sem dúvida que o instituto está dirigido ao devedor recuperável, isto é, aquele que reúne condições mínimas de recuperação através da implantação do(s) meio(s) eleito(s), com demonstração de viabilidade econômica, mediante plano sustentável de mantença da atividade e de pagamento dos credores. Além dos referidos elementos, também é necessário que o devedor apresente laudo econômico-financeiro e de avaliação do acervo ou bens que compõem o ativo empresarial.
O laudo econômico-financeiro e de avaliação de bens do ativo, em realidade, comprovará a perspectiva concreta de recuperação da atividade econômica. A existência de bens garantirá, se for o caso, o pagamento de créditos, mediante à sua alienação ou celebração de gravames, ônus reais, no todo ou parte, como garantia de pagamento das obrigações.
A alienação de ativos viabilizará, como meio de recuperação, o pagamento de credores. Também, na hipótese de convolação da recuperação em falência, mediante a arrecadação e realização de ativos, o pagamento dos credores da massa falida. Da verificação das condições econômico-financeiras é que o juiz deverá ou não conceder a recuperação judicial. Os laudos econômico-financeiro e de avaliação dos bens darão ao juiz a convicção necessária para a concessão ou não da recuperação.
Nessa trilha, pensamos que, obrigatoriamente, para o juiz conceder a recuperação, o que não se confunde com o processamento do pedido, todos os elementos indicados nos incisos I a III, do art. 53, deverão estar presentes no plano de recuperação, comprovando-se, assim, as condições econômico-financeiras de sustentabilidade da atividade empresarial e do pagamento das obrigações.
Os laudos econômico-financeiro e de avaliação dos bens deverão ser subscritos por profissionais habilitados ou pessoa jurídica especializada. O laudo econômico-financeiro do ativo será firmado por contador ou auditor. O profissional de contabilidade poderá ser empregado do próprio devedor.
Já o laudo de avaliação de bens, a depender da natureza, deverá ser subscrito por profissional, de acordo com as atribuições definidas na legislação especial, de regência de cada profissão.
Alternativa é a contratação de pessoa jurídica especializada. Porém, obrigatoriamente, nesse caso, deverá ser indicado o nome do profissional responsável pela elaboração dos laudos econômico-financeiro e de avaliação dos bens.
É bom registrar que a Lei de Recuperações e de Falências, no § 3º, do art. 168, indica a possibilidade de ocorrência de concurso de pessoas na prática do crime de fraude a credores, quando aponta que: Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade. Logo, o técnico contábil, o contador, auditor e outros profissionais atrairão para si responsabilidade penal, no caso de praticar atos em fraude a credores, respondendo, em concurso, com o devedor.
Finalizando os comentários, o parágrafo único, do art. 53, informa que o juiz ordenará a publicação de edital contendo o aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação, para, em querendo, venham oferecer objeções.
Juntado aos autos o plano de recuperação, o juiz abrirá vista aos credores para, no prazo assinado, em querendo, ofereçam eventuais objeções.
A finalidade da publicação do edital não é outra senão dar conhecimento do plano de recuperação aos credores, quando, então, poderão oferecer objeções. Os credores, em hipótese alguma, podem ter o direito de acesso ao plano restringido ou mesmo serem surpreendidos com o seu teor ou suas eventuais alterações, sem prévio conhecimento.
Em prestígio aos princípios da transparência e da boa fé objetiva – que devem orientar a relação do devedor para com os seus credores - não é razoável que sejam privados do conteúdo do plano ou mesmo autorizar mudanças, sem que se garanta aos credores oportunidade ao prévio conhecimento, de modo que possa deliberar com segurança na Assembleia Geral. [64]
Nesse momento, a coletividade de credores estará ansiosa para conhecer o plano de recuperação e seu detalhamento, inclusive o(s) meio(s) eleito(s), o modo de implantação, os laudos econômico-financeiro do ativo e de avaliação dos bens, e, ainda, a demonstração da viabilidade econômica do plano, isto é, da capacidade de mantença da atividade empresarial e de pagamento das obrigações.
Qualquer credor, independentemente da natureza da obrigação, do valor e da classificação do crédito estará legitimado a impugnar o plano de recuperação, podendo apresentar, no prazo assinado, objeção.
O legislador utilizou-se da expressão manifestação de eventuais objeções, de forma genérica, sem indicar especificamente a motivação ou fundamentação jurídica para a impugnação ao plano de recuperação judicial.
A redação abre aos credores a possibilidade de impugnar genericamente o plano de recuperação. Pode-se oferecer objeção contra o plano, ainda que, de fato, se queira impugnar especificamente: a) o(s) meio(s) de recuperação; b) o modo de sua realização; c) a viabilidade econômica; d) o laudo econômico-financeiro do ativo; e e) o laudo de avaliação dos bens.
Qualquer manifestação, por parte dos credores, será, em princípio, recebida como objeção ao plano, o que impedirá a sua aprovação automática. Em outras palavras, qualquer credor poderá impugnar o plano na sua totalidade ou parcialmente, de forma genérica ou específica, por qualquer motivo ou fundamento jurídico, inclusive sem fundamento. A finalidade da objeção é apenas impedir a aprovação automática do plano. Nada mais que isso!
O legislador não andou bem ao garantir legitimidade a qualquer credor na impugnação do plano. Qualquer credor, independentemente da classe, do valor e da classificação do crédito poderá oferecer objeção e, pior, de forma genérica, podendo tudo ser impugnado, ainda que o credor não tenha motivo ou fundamento jurídico.
A LRE, ao invés de contribuir para minorar os efeitos burocráticos do complexo procedimento da recuperação, acabou por viabilizar atos processuais desnecessários, graças a postura demasiadamente democrática. Prova disso é que a objeção eventualmente oferecida sequer irá ser apreciada pelo juiz da causa, devendo, nesse caso, ser convocada assembleia geral de credores para apreciação do plano, desprezando-se o conteúdo da objeção.
Seria melhor conceder legitimação exclusiva ao Comitê de Credores ou a Assembleia Geral de Credores, porque, além de prestigiar os princípios da economia processual e da celeridade, fortaleceria e reuniria em tais Órgãos as manifestações e as impugnações ao plano.
4. Conclusão
Diante do exposto resta claro que os operadores do Direito devem, a nosso juízo, lançar olhares sob a perspectiva econômica da recuperação judicial, retirando-lhe o peso da carga processual da norma, de modo a ter, efetivamente, a aplicação de uma lei econômica de recuperação, prestigiando-se os meios de recuperação e o respectivo plano, deixando a análise da viabilidade econômico-financeira exclusivamente nas mãos dos credores, os maiores interessados, ao lado do devedor recuperando, na recuperação econômica da atividade empresarial.