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Crime ambiental: descarte de resíduos.

Art. 54 da Lei de Crimes Ambientais

30/11/2020 às 07:25

Resumo:


  • O crime ambiental de poluição do art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98 é considerado de perigo abstrato e independe da comprovação de dano para sua configuração.

  • Para que a conduta seja penalmente relevante, a poluição deve ser em níveis que possam resultar em danos à saúde humana ou provocar a mortandade de animais ou destruição significativa da flora.

  • A acusação deve demonstrar que houve exposição ao perigo dos bens jurídicos tutelados, mesmo que não seja necessária prova pericial do dano ao meio ambiente ou à saúde humana para a condenação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É crime ambiental causar poluição por meio de lançamento de resíduos, em níveis que possam resultar danos à saúde humana e provocar mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.

Resumo: O crime ambiental de poluição do art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98, independe da ocorrência de dano para a sua configuração, não se exigindo a realização de prova pericial para atestar o dano ao meio ambiente ou à saúde humana.

Palavras-chave: Lei de crimes ambientais. Crime ambiental descarte de resíduos. Art. 54, § 2º, inciso V, da Lei 9.605/98. Poluição. Defesa. Recurso..


A conduta de causar poluição por meio de lançamento de resíduos e líquidos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis e regulamentos, em níveis tais que possam resultar danos à saúde humana e provocar mortandade de animais está assim prevista na Lei 9.605/98:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: […]

2º Se o crime:

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

A potencialidade de causar danos é a elementar do tipo penal, que só é punível se a poluição for efetivamente perigosa ou danosa para a saúde humana, ou provoque a matança de animais ou a destruição significativa da flora.


Doutrina sobre o crime ambiental de poluição

A esse respeito, lecionam Luiz Flávio Gomes e Silvio Maciel 1:

O tipo penal ainda contém um elemento normativo do tipo, constante na expressão em níveis tais. Isso significa que só haverá o delito se ocorrer poluição em níveis elevados, que resultem (crime de dano) ou possam resultar (crime de perigo concreto) danos à saúde humana, mortandade de animais (silvestres, domésticos ou domesticados), ou destruição significativa da flora. Não é qualquer poluição, portanto, que enseja a aplicação deste dispositivo penal.

O mesmo entendimento é encampado por Luiz Regis Prado 2, que define a poluição penalmente relevante como aquela efetivamente danosa ou perigosa para saúde humana, ou aquela que provoque a matança de animais ou destruição significativa da flora:

Por poluição, em sentido amplo, compreende-se a alteração ou degradação de qualquer um dos elementos físicos ou biológicos que compõem o ambiente.

Entretanto, não se pune toda emissão de poluentes, mas tão-somente aquela efetivamente danosa ou perigosa para a saúde humana, ou aquela que provoque a matança de animais ou destruição (desaparecimento, extermínio) significativa da flora.

Exige-se então a real lesão ou o risco provável de dano à saúde humana, extermínio de exemplares da fauna local ou destruição expressiva de parcela representativa do conjunto de vegetais de uma determinada região.

Nesse sentido, afirma-se que “apenas devem ser consideradas como poluentes as substâncias presentes em concentrações bastantes para produzir um efeito mensurável sobre o homem, os animais, o vegetais ou os materiais”.

E continuam os doutrinadores:

Já o termo em níveis tais exprime um certo quantum – suficiente -, elevado o bastante para resultar ou poder resultar em lesão à saúde humana.

Evidencia-se aqui uma autêntica cláusula geral, que, além de relegar a conformação do tipo de injusto à indeterminação casuística, acaba por conceder também expressiva discricionariedade ao julgador.

Logo, o seu emprego resulta em irreparável ofensa ao princípio constitucional da legalidade dos delitos e das penas, que deve dirigir toda intervenção penal e não pode ser vilipendiado sob a fluida justificativa de se perquirir finalidades preventivas em matéria ambiental.

Por destruição significativa da flora deve ser entendida aquela realizada de maneira expressiva, de gravidade considerável. De sua vez, o termo mortandade (matança, chacina) significa que deve haver o extermínio de uma quantidade relevante de animais.

Entretanto, essas valorações de grandeza levam à incerteza jurídica, visto que nada esclarece a respeito do que deve ser entendido como quantum significativo ou relevante.

Assim, por exemplo, a mortandade de uma espécie considerada em vias de extinção pode estar configurada mesmo com o extermínio de poucos animais. Ou seja: mortandade não pode ser quantificada de forma equivalente para todas as espécies de fauna.

Trata-se de corretivos típicos, excluindo-se do âmbito do injusto típico as condutas escassamente lesivas ou de pouca relevância para o bem jurídico tutelado (caráter fragmentário e subsidiário da intervenção penal). Também o estado de perigo exigido (possam resultar) deve ser grave, intenso e hábil para resultar em lesão à saúde humana.


Exigência de efetiva degradação ambiental

Édis Milaré e Paulo José Costa Júnior 3, ao tecer comentários sobre o tipo penal em comento, chegaram à mesma conclusão:

Referido conceito exige a efetiva degradação ambiental. Hely Lopes Meirelles define a poluição como ‘toda alteração das propriedades naturais do meio ambiente, causada por agente de qualquer espécie, prejudicial à saúde, à segurança e ao bem-estar da população’.

A ideia de poluição não implica a inexistência absoluta de substâncias e elementos que venham a causar alguma alteração do meio ambiente. Para apresentar-se a poluição é preciso que a alteração atinja a saúde e o bem-estar da comunidade.

Em outras palavras, exige-se a efetiva lesão ou perigo de dano à saúde humana, bem como à fauna e flora. O objeto material é a pessoa humana, cuja saúde resta comprometida, bem como a fauna e a flora. (…)

O perigo deverá ser concreto, isto é, real e presente, para configurar-se o delito. Deve, portanto, haver probabilidade de dano à saúde humana. Note-se que probabilidade é mais do que mera possibilidade.

Provável é o que, segundo as leis da estatística, costuma acontecer. O crime se perfaz quando se verificar o perigo ou o dano à saúde humana, a mortandade de animais ou a destuição significativa da flora.

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Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci 4:

Embora pareça desnecessário o tipo dizer que a poluição seja em nível que possam resultar em danos à saúde humana, já que toda forma de poluição é um prejuízo natural à saúde de seres vivos, quer-se demonstrar que a conduta penalmente relevante relaciona-se com níveis insuportáveis, inclusive aptos a gerar a morte de animais e a destruição de vegetais.

Há diferença entre seres humanos e animais ou plantas. Quanto a pessoas, a poluição precisa apenas ser capaz de causar danos à saúde; em relação a animais ou vegetais, é fundamental chegar à mortandade ou destruição.


Conclusão sobre o crime do art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98

Vê-se que o delito tipificado no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei n. 9.605/98, independe da ocorrência de dano para a sua configuração, uma vez que se trata de delito classificado como de perigo abstrato, na medida em que o risco inerente à conduta é presumido pelo tipo penal, não se exigindo a realização de prova pericial para atestar o dano ao meio ambiente ou à saúde humana.

Contudo, cabe ao órgão acusatório demonstrar concretamente que esses bens jurídicos foram expostos à perigo, e não estando suficientemente comprovada a prática delituosa, torna-se inviável falar em condenação.


Notas

1 Legislação Especial Criminal. 2ª ed. V. 06. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 924.

2 Prado, Luiz Regis: Direito Penal do Ambiente. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 271

3 Milaré, Édis e Costa Jr., Paulo José: ‘Direito Penal Ambiental: comentários à Lei n.º 9.605/98’; Ed. Millennium: Campinas, 2002; págs. 149/150.

4 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 998

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Sobre o autor
Cláudio Farenzena

Escritório de Advocacia especializado e com atuação exclusiva em Direito Ambiental, nas esferas administrativa, cível e penal. Telefone e Whatsapp Business +55 (48) 3211-8488. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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