O direito constitucional de ir e vir em tempos de pandemia

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01/12/2020 às 19:13

Resumo:


  • Direitos e Garantias Fundamentais são cláusulas pétreas da Constituição Federal, assegurando aos seres humanos o estatuto de indivíduos de direito.

  • O direito de ir e vir é um dos direitos fundamentais garantidos aos cidadãos brasileiros, previsto no art. 5º, inciso XV da Constituição Federal de 1988.

  • Em tempos de pandemia, como a gerada pela COVID-19, o direito de ir e vir pode ser restringido por medidas como o isolamento social e a quarentena, visando a saúde pública e podendo resultar em limitações transitórias.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR

O direito de ir e vir do cidadão brasileiro, ou seja, um dos direitos fundamentais está ancorado no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal de 1988, que reza da seguinte forma: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus bens” (BRASIL, 1990).

Desta forma, subentende-se que todo cidadão brasileiro tem direito de se locomover de forma livre nas ruas, praças, nos lugares públicos, sem medo de verem tolhida sua liberdade.

2.1 Breve conceito histórico do direito de ir e vir

Jean Jaques Rousseau, o grande filósofo suíço e um dos principais pensadores do Iluminismo, no fim do século XVIII, já defendia o direito de ir e vir. De acordo com o mesmo, todos os homens nascem livres e a liberdade faz parte da natureza do homem e, os direitos inalienáveis do homem seriam a garantia equilibrada da igualdade e da liberdade.

Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo. Logo, ao invés da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quanto a assembleia de vozes, o qual recebe desse mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. A pessoa pública, formada assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade e toma hoje o de república ou corpo político, o qual é chamado por seus membros: Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; autoridade, quando comparado a seus semelhantes. No que concerne aos associados, adquirem coletivamente o nome de povo, e se chamam particularmente cidadãos, na qualidade de participantes na autoridade soberana, e vassalos, quando sujeitos às leis do Estado. Todavia, esses termos frequentemente se confundem e são tomados um pelo outro. É suficiente saber distingui-los, quando empregados em toda a sua precisão (ROUSSEAU, 2002, p. 10).

Como se vê, é do autor elencado acima a ideia de que a organização social deve ter por base um contrato social firmado entre todos os cidadãos que formam a sociedade visando, pois, a realização do bem geral.

Mas, a liberdade foi assegurada primeiramente para um grupo seleto através da Magna Carta inglesa, forçada pelos barões ingleses, precisamente em junho de 1215, onde em seu art. 41 e 42 concedia aos comerciantes ou a qualquer pessoa (livre) a liberdade de sair e/ou entrar na Inglaterra, para nela residir e/ou percorrer, tanto por terra, quanto pelo mar, ressalvadas as situações de guerra.

É relevante citar ainda que, somente após 500 anos da assinatura da Magna Carta, é que surgiu em 16 de junho de 1776, a declaração de direitos da Virgínia, a qual defendia o direito à vida, à liberdade e à propriedade, mas, segundo Cassales (2002) o direito de ir e vir não foi explicitamente expresso nessa declaração.

Mais tarde, em 1822, a Constituição de Portugal, influenciada pela Revolução Francesa conceituou o termo liberdade como sendo, de acordo com Cassales

A faculdade que compete a cada um de fazer tudo o que a lei não proíbe, enquanto que a conservação dessa liberdade depende da exata observância das leis. Esse conceito, apesar de ter sido redigido há cerca de 180 anos, continua atual, porque, ainda hoje, a única limitação que se permite seja imposta à liberdade individual é aquela decorrente da lei (CASSALES, 2002, p. 27).

2.2 Direito de ir e vir no Brasil

Percebe-se na Literatura em estudo que, a primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1824, (Brasil Império), seguiu os mesmos moldes da Constituição portuguesa de 1822, ou seja, a garantia de locomoção não era expressa de forma direta, esse direito fundamental aparecia implícito no art. 178, o qual deixava expresso o seguinte: “Em tempo de paz, qualquer pessoa pode entrar em território nacional ou dele sair, com sua fortuna e bens, quando lhe convier, independentemente de passaporte” (NOGUEIRA, 1999, p. 15).

Na Constituição de 1934, repete-se o mesmo direito apresentado na Constituição de 1932, porém acrescido da exigência do uso de passaporte.

Em 1937 (Estado Novo), a Polaca, ou Carta Política, instituída por Getúlio Vargas, em seu art.122, inciso II, asseverou apenas aos brasileiros o direito de circulação em território nacional, não se referindo em relação aos estrangeiros.

Já, em 1946, a quinta Constituição brasileira, em seu art.142, assegurou o direto de circulação a qualquer pessoa, respeitando os limites da lei.

Verifica-se, dessa forma, que o direito de ir e vir e/ou direito de locomoção, foi sendo introduzido em nossa legislação a século atrás e, hoje se encontra inserido no art. 5°, inciso XV, da nossa constituição federal, Constituição Cidadão, garantindo a todos esse direito:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XV- é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (BRASIL, 1990).

2.3 Direito de ir e vir à luz da pandemia

Como foi apresentado anteriormente o direito de locomoção está regulamentado no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal/88, porém o direito fundamental não é absoluto, como não o é o direito de ir e vir, pois, a própria Constituição estabelece situações em que esse direito pode vir a ser limitado, tais como: prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de Juiz; prisão civil, administrativa ou especial para fins de deportação, nos casos cabíveis na legislação específica; durante vigência de estado de sítio, para determinar a permanência da população em determinada localidade, única situação na qual há permissão expressa de restrição generalizada deste direito.

Mediante, pois, a pandemia, observa-se que algumas normas foram editadas aqui no Brasil restringindo ao direito de locomoção, tais como, o isolamento social, quarentena, bem como, outros decretos editados pelos governadores em seus respectivos Estados.

Por isolamento social, art. 2º, inciso I, da Lei 13.979/20, entende-se a “separação de pessoas sintomáticas ou assintomáticas, em investigação clínica e laboratorial, de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local”.

Já, a quarentena, de acordo com o art. 2º, inciso II, da Lei 13.979/20, consiste em:

Restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias, suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus” (LEI 13.979/20).

Como se vê com a pandemia gerada pela COVID 19, o direito de ir e vir foi restringido, ou seja, apesar de total liberdade assegurada pela Constituição Federal/88, esse direito pode ser analisado sob outros prismas de igual tutela, podendo, pois, resultar numa limitação pontual/transitória.

Em relação ao citado acima, Ramos (2007), diz:

O catálogo de direitos fundamentais constitucionalmente consagrado não ostenta um conteúdo uniforme ao longo de mais de dois séculos de vigência do Estado de Direito democrático, comportando a introdução de novos direitos e a reformulação de direitos já anteriormente acolhidos, na medida em que os desafios que se antepõem à plena realização do ser humano vão se modificando, à luz do contexto histórico (RAMOS, 2007, p. 327).

Assim, esse novo cenário, decorrente da COVID 19, coloca em discussão a supremacia da saúde pública, expresso no art. 6º, da Constituição Federal/88, sobre os demais direitos, tais como o da liberdade de locomoção (art. 5º, inciso II e XV), de reunião (art. 5º, inciso XVI), inviolabilidade da intimidade (art. 5º, inciso X e XII), dentre outros (BRASIL, 1990).

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Importante se faz salientar em relação ao elucidado acima que, o princípio da proporcionalidade pode ser aplicado, pois o mesmo deixa explícito que um direito deve ceder ao outro desde que atenda aos requisitos da adequação e da necessidade.

Parafraseando o grande filósofo Cícero “a saúde do povo deve ser a lei suprema”.


CONCLUSÃO

O direito de ir e vir do cidadão brasileiro, ou seja, um dos direitos fundamentais está ancorado no art. 5º, inciso XV, da Constituição Federal de 1988. Desta forma, subentende-se que todo cidadão brasileiro tem direito de se locomover de forma livre nas ruas, praças, nos lugares públicos, sem medo de verem tolhida sua liberdade.

Porém, esse direito fundamental não é absoluto, pois a própria Constituição estabelece situações em que esse direito pode vir a ser limitado.

Mediante, pois, a pandemia, observa-se que algumas normas foram editadas aqui no Brasil restringindo o direito de locomoção, tais como, o isolamento social, quarentena, bem como, outros decretos editados pelos governadores em seus respectivos Estados.

Na pandemia gerada pela COVID 19, o direito de ir e vir foi restringido, ou seja, apesar de total liberdade assegurada pela Constituição Federal/88, esse direito pode ser analisado sob outros prismas de igual tutela, podendo, pois, resultar numa limitação pontual/transitória.

Assim, esse novo cenário, decorrente da COVID 19, coloca em discussão a supremacia da saúde pública, expresso no art. 6º, da Constituição Federal/88, sobre os demais direitos, tais como o da liberdade de locomoção (art. 5º, inciso II e XV), de reunião (art. 5º, inciso XVI), inviolabilidade da intimidade (art. 5º, inciso X e XII), dentre outros (BRASIL, 1990).

Portanto, importante se faz salientar em relação ao elucidado acima que, o princípio da proporcionalidade pode ser aplicado, pois o mesmo deixa explícito que um direito deve ceder ao outro desde que atenda aos requisitos da adequação e da necessidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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