Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho

Exibindo página 4 de 4
02/12/2020 às 19:02
Leia nesta página:

13. Direito de imagem e direito de arena

13.1. Direito de imagem

O direito de imagem é mais uma forma de remuneração do atleta profissional. O contrato de trabalho especial desportivo trata-se de um contrato complexo, portanto, possui outros dispositivos assessórios, como é o caso do contrato de licença de uso de imagem, Vecchi (2007).

Segundo Linhares (2018), o contrato especial de trabalho desportivo já irá abranger sobre todas as atividades ligadas a prática, inclusive a imagem dentro de campo. Entretanto, tal dispositivo não irá englobar a imagem do atleta fora de campo, dessa forma, para resguardar o profissional, deverá entrar o direito de imagem.

O direito ao uso da imagem do atleta está previsto na Lei Pelé da seguinte forma:

Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.

Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem.

Verifica-se que tal dispositivo é bem claro quanto à definição e objetivo da verba acima citada, sendo assim, atuando de forma a impedir fraudes trabalhistas.

Contudo, uma situação que vem acontecendo constantemente é quando as entidades desportivas acabam remunerando através do Direito de Imagem. Isso ocorre quando o atleta, seja por lesão ou por baixo desempenho, não se apresentam com frequência, sendo uma tentativa de fraudar a lei, Linhares (2018).

Visto isso, quando não for provado o efetivo uso da imagem do atleta, os valores pagos assumem natureza salarial, passando a integrar a remuneração do jogador, assim é o entendimento da 3ª Vara do Trabalho de Gravataí:

DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA. O contrato de direito de imagem possui natureza civil, nos termos do art. 87-A da Lei 9.615/98, sendo necessário, entretanto, que ocorra a efetiva utilização da imagem do empregado por parte do empregador para que dito direito detenha caráter indenizatório. Não provado o efetivo uso da imagem, os valores pagos sob tal título assumem natureza salarial e passam a integrar a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais.

(TRT-4 - RO: 00000817320125040233 RS 0000081-73.2012.5.04.0233, Relator: JOÃO PAULO LUCENA, Data de Julgamento: 05/06/2014, 3ª Vara do Trabalho de Gravataí)

Sendo assim, é observável que de acordo com o julgado, caso o direito de imagem não seja comprovado, os valores pagos deverão assumir inteiramente natureza salarial, para todos os efeitos.

13.2. Direito de arena

Arena trata-se de uma palavra que vem do latin que significa “areia” que era o local o qual servia de palco para as lutas entre os gladiadores, afim de entreter o público. O direito de arena está previsto na Lei Pelé em seu artigo 42, onde dispõe o seguinte:

Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito a arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, à transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.

Conforme Abal (2016), o direito de arena trata-se dos valores pagos aos clubes pela transmissão, retransmissão e reprodução de imagens do evento esportivo. Contudo uma porcentagem do valor pago ao clube deverá ser distribuído aos atletas participantes do espetáculo, assim prevê o § 1º, do artigo 42 da Lei Pelé:

§ 1º Salvo convecção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.

Contudo, em edição extra do Diário Oficial da União do dia 18 de junho, foi publicada a MP 984/2020, trazendo algumas importantes alterações quanto ao Direito de Arena.

Até que venha a ser modificada, rejeitada ou aprovada na íntegra pelo Congresso Nacional, a Medida Provisória nº 984/2020 propõe somente a entidade deportiva “mandante” detenha a prerrogativa e autorizar e negociar as transmissões dos espetáculos desportivos. Assim fica o artigo 42 da Lei Pelé após a significativa mudança da MP nº 984/2020:

Art. 42. Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo.

Quanto aos valores recebidos pelos atletas, não houve alteração quanto à porcentagem de 5% anteriormente prevista, contudo, as modificações poderão trazer algumas dificuldades quanto ao recebimento de tal verba, uma vez que seu repasse não será mais feito pelo sindicato de atletas profissionais, até então como era regulamentado, Garcia (2020).

Ainda segundo Garcia (2020), os clubes mandantes é que ficarão responsáveis pelo repasse de valores aos jogadores, inclusive do time visitante, devendo fazer o repasse diretamente ao clube visitante, para que este faça a distribuição aos atletas, uma vez que a MP nº 984/2020 não atribui responsável para esta função.

Tal Medida Provisória ainda não fora nem aprovada ou rejeitada pelo Congresso Nacional, porém já dividiu opiniões no mundo desportivo.


CONCLUSÃO

O futebol chegou ao Brasil em meados de 1894, através de Charles Miller, contudo o esporte foi primeiramente limitado apenas às camadas mais altas da sociedade. Porém a paixão dos brasileiros pelo futebol já estava predestinada e não demorou muito para que o esporte se tornasse popular até nas camadas mais humildes da sociedade. O racismo e o preconceito muito presentes na época impediu que o profissionalismo do esporte surgisse mais cedo, porém em meados dos anos 30 começava a longa caminhada rumo à profissionalização.

Contudo é importante ressaltar que o direito desportivo ainda carrega alguns vestígios desde preconceito presente desde o princípio da profissionalização do atleta, uma vez que é muito raro se ver nas faculdades de direito alguma coisa em relação ao direito desportivo, seja através de palestras ou sala de aula.

Em relação ao que diz respeito à profissão de atleta, essa traz muitas peculiaridades quando comparada a outras áreas comuns do trabalho, portanto essa questão reflete na elaboração de seu contrato que terá muitas especificidades, como o prazo contratual, a jornada de trabalho e até mesmo a remuneração, diferenciando-se das previsões gerais existentes e aplicáveis do contrato de trabalho usual. Contudo, estas particularidades não devem tirar o atleta profissional a sua condição de trabalhador, pois ao optar por esta profissão ele não deve renunciar direitos que lhe são indispensáveis.

Quanto ao direito de imagem e arena, houve recentemente uma mudança através da MP 984/2020 e talvez se trate do principal ponto de discussão atual no ramo do direito desportivo, uma vez que segundo esta medida provisória somente o mandante ficará responsável por negociar os direitos de arena e também o responsável pelo repasse aos jogadores, inclusive rivais. A medida foi cancelada, pois perdeu sua validade sem ser votada, porém o projeto de Lei 4951/20 retoma esta ideia. Tal ponto de vista pretende dar mais autonomia aos clubes de menor influência, bem como combater a desigualdade no futebol.

Feita a análise do contrato de trabalho especial desportivo conclui-se que o atleta trata-se de um trabalhador como os demais, devem ser aplicadas a ele todas as normas protetivas, bem como os princípios que regem a legislação trabalhista, posto que como foi manifestado na introdução, apesar de que na maioria das vezes acha-se que os jogadores de futebol são atletas bem remunerados e portanto não necessitam da proteção da legislação e que podem ter seus direitos até flexibilizados, repisa-se que a realidade tende a ser muito diferente.

Por conta desta realidade é que as particularidades e exceções do contrato de trabalho especial desportivo se fazem necessárias, bem como também o estudo e reflexão a respeito da relação de trabalho da entidade esportiva para como o atleta profissional, devendo o operador do direito permanecer sempre atualizado acerca deste tema.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABAL, F. Direito no gramado: o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. Janeiro de 2016. Acesso em 06 de agosto de 2020.

ARAÚJO, A. A origem de 11 expressões futebolísticas. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/saude/futebol-glossario-da-bola/>. Acesso em 06 de agosto de 2020.

BEZERRIL, F. FÉRIAS REMUNERADAS DO JOGADOR DE FUTEBOL!. 2019. Disponível em: <https://vitaladvocacia.com.br/ferias-remuneradas-do-jogador-de-futebol/>. Acesso em 15 de outubro de 2020.

BRASIL. LEI Nº 8.672, DE 6 DE JULHO DE 1993. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8672.htm>. Acesso em 18 de setembro de 2020.

BRASIL. LEI Nº 9.615, DE 24 DE MARÇO DE 1998. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm>. Acesso em 20 de setembro de 2020.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.199, DE 14 DE ABRIL DE 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del3199.htm>. Acesso em 15 de setembro de 2020.

BRASIL. LEI No 5.939, DE 19 DE NOVEMBRO DE 1973. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L5939.htm

BRASIL. LEI No 6.251, DE 8 DE OUTUBRO DE 1975. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-1979/L6251.htm

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 25 de outubro de 2020.

BRASIL. LEI Nº 12.395, DE 16 DE MARÇO DE 2011. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12395.htm>. Acesso em 15 de outubro de 2020.

BRASIL. DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 15 de outubro de 2020.

CALDAS, W. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Editora Ibrasa, 1989.

CORBERTA, J. O contrato de trabalho desportivo e a constituição federal. <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-154/direito-desportivo-trabalhista-brasileiro-o-contrato-de-trabalho-a-constituicao-federal-a-clt-e-a-lei-9-615-98/>. Acesso em 12 de outubro de 2020.

CHINCHILLA, E. Por que a intervenção estatal atrapalha o futebol. 2015. Disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/blog/por-que-a-intervencao-estatal-atrapalha-o-futebol/>. Acesso em 25 de outubro de 2020.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

COUTINHO, J. A Proteção dos Direitos do Atleta Profissional de Futebol: Liberdade, Vinculação e Jornada de Trabalho. Rio de Janeiro: Multifoco, 2018.

DEZIDÉRIO, P. Direitos fundamentais dos trabalhadores. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/72072/direitos-fundamentais-dos-trabalhadores>. Acesso em 28 de outubro de 2020.

FILHO, J. Apontamentos sobre o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/66536/apontamentos-sobre-o-contrato-de-trabalho-do-atleta-profissional-de-futebol>. Acesso em 10 de outubro de 2020.

FRANCO, G. História do Futebol. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/educacao-fisica/historia-do-futebol.htm>. Acesso em 05 de novembro de 2020.

GARCIA, C. As mudanças no direito de arena provocadas pela MP 984/2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jul-24/celso-garcia-direito-arena-mp-9842020>. Acesso em 20 de outubro de 2020.

GASPARIN, T. PERINI, M. Penalidades trabalhistas: diferenças entre advertência e suspensão disciplinar. 2017. Disponível em: <https://www.metadados.com.br/blog/entenda-as-principais-diferencas-entre-advertencia-e-suspensao-disciplinar/>. Acesso em 19 de outubro de 2020.

LINHARES, F. ROCHA, J. Contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/67601/contrato-de-trabalho-do-atleta-profissional-de-futebol

MATHIAS, L. Pesquisa qualitativa e quantitativa: qual é a melhor opção?. 2016. Disponível em:<https://mindminers.com/blog/pesquisa-qualitativa-quantitativa/>. Acesso em 27 de outubro de 2020.

MELO, Á. Direito desportivo . Campinas: Jurídica Mizuno, 2000.

MOREIRA, J. O que são as luvas no âmbito do futebol profissional?. 2015. Disponível em: <https://jeanrox.jusbrasil.com.br/artigos/198753364/o-que-sao-as-luvas-no-ambito-do-futebol-profissional>. Acesso em 12 de outubro de 2020.

NOLASCO, L. Contrato de Trabalho. 2014. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38040/contrato-de-trabalho>. Acesso em: 14 de setembro de 2020.

NUNES, I. Lei Pelé comentada e comparada. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1998.

PESSOA, M. Entenda o que é o bicho no futebol. 2019. Disponível em: <https://blog.advocaciamariapessoa.com.br/bicho-no-futebol/> . Acesso em 15 de setembro de 2020.

PESSOA, M. Você sabe o que é a lei Pelé? Entenda!. 2019. Disponível em: <https://blog.advocaciamariapessoa.com.br/voce-sabe-o-que-e-a-lei-pele-entenda/>. Acesso em 15 de setembro de 2020.

PERRY, V. Futebol e legislação: nacional e internacional. Vitória Editora. 1973. Acesso em 15 de agosto de 2020.

ROMITA, A. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2ª ed. São Paulo. 2007.

SOARES, J. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo. 2007.

SOARES, J. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo. LTR. 2008.

SOARES, J. Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo. LTR. 2012.

VECCHI, I. Contrato de trabalho e eficácia dos direitos humanos fundamentais de primeira dimensão. Curitiba: Juruá Editora, 2009. Acesso em 15 de agosto de 2020.

ZAINAGHI, D. Os Atletas Profissionais de Futebol no Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos