RESUMO
A investigação criminal por membros do Ministério Público é objeto polêmico e tem sido tema de Ação Direta de Inconstitucionalidade aforada contra os dispositivos da Lei n. 8.625/93 e da Lei Complementar n. 75/9. Discute-se acerca da (im)possibilidade do Ministério Público, como órgão titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I da CF), promover ou presidir tais diligências. Este trabalho tem por finalidade analisar a questão acima, conforme o perfil institucional do Ministério Público traçado pela Carta Magna de 1988 e frente ao princípio – e direito fundamental – do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF). Verificaram-se três posições: a) o parquet não pode realizar inquirições no âmbito criminal, por existir óbice constitucional; b) o parquet não pode realizar inquirições no âmbito criminal, por não existir previsão constitucional e c) pela viabilidade das investigações criminais realizadas pelo Ministério Público. A metodologia adotada é de cunho bibliográfico e jurisprudencial. A análise minuciosa das correntes acerca do tema induz à possibilidade da investigação criminal pelo Ministério Público, que como órgão responsável pela defesa da sociedade (art. 127, I) resguarda seus direitos fundamentais, como a dignidade, a segurança e o devido processo legal.
Palavras-chave: Ministério Público. Investigação criminal. Devido processo legal.
1 INTRODUÇÃO
A (im)possibilidade da investigação criminal por membros do Ministério Público (MP) frente ao princípio constitucional do devido processo legal é o centro do presente estudo, haja vista o interesse da sociedade brasileira na defesa de seus direitos basilares, principalmente no que concerne à segurança. A temática da investigação criminal é bastante abordada em livros de Direito Processual Penal, tais como os estudos de Tourinho Filho, Guilherme Nucci, Damásio de Jesus, Eugênio Pacelli de Oliveira e Clèmerson Merlin Clève, servindo todos, portanto, como referência para a elaboração do presente texto.
Além da consulta à clássica doutrina processual penal, foi feita uma análise legal, por meio da consulta à Constituição Federal, bem como à legislação infraconstitucional, decretos e resoluções que disciplinam a persecução criminal e um exame jurisprudencial abrangendo os principais julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) especificamente sobre o cerne do presente trabalho. Assim, cada um dos tópicos a seguir abordados foi devidamente fundamentado.
Pretende-se com este artigo contribuir para a compreensão do problema, bem como dos resultados esperados. A sociedade brasileira clama por respostas, visto que as questões levantadas têm como ator principal o órgão responsável por sua defesa (art. 127, caput, CF).
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O termo investigação deriva da palavra latina investigare, e representa: 1. Ato ou efeito de investigar. 2. Pesquisa atenta e continuada. 3. Sindicância[1]. Criminal[2], também derivado do latim - criminalis - é o adjetivo que denota algo relativo a crime.
Maria Helena Diniz, citando José Frederico Marques, define investigação criminal como:
O conjunto de atos praticados sob a direção dos agentes estatais da persecução penal, para colheita de dados e elementos de convicção indispensáveis à preparação da ação penal, quer, desde logo, instruindo a denúncia ou a queixa, quer, ainda, ofertando ao julgador a base provisória dos fundamentos da sentença a ser, oportunamente, proferida[3].
Embora toe claro, o conceito de investigação criminal é facilmente confundido com o de inquérito policial. Geralmente tais conceitos são utilizados como sinônimos, mas investigação criminal difere de inquérito policial. O primeiro é gênero do qual o segundo é espécie. O inquérito policial nada mais é do que uma das manifestações da busca criminal.
Para Tourinho Filho, “Inquérito policial é o conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”[4].
A diferença entre os dois institutos de inquirições criminais faz-se notar em razão da pessoa que os exerce. Na investigação criminal os agentes públicos determinados em lei são competentes para inquirir crimes, enquanto no inquérito policial apenas a Polícia Judiciária pode fazê-lo.
Para o citado autor, “a presidência do inquérito policial cabe à autoridade policial, embora as diligências realizadas possam ser acompanhadas pelo representante do Ministério Público, que detém o controle externo da polícia. Outras investigações criminais podem ser presididas, conforme dispuser a lei, por outras autoridades”[5].
Guilherme Nucci acrescenta:
O inquérito policial não é o único e exclusivo sustentáculo à ação penal. Admite-se que outros segmentos sejam seus alicerces, desde que prevista em lei a função investigatória da autoridade. Logo, não é qualquer pessoa habilitada a colher provas, produzindo elementos destinados à formação da opinio delicti do órgão acusatório (...). São autoridades capazes de produzir provas pré-constituídas para fundamentar a ação penal os oficiais militares (inquérito militar), os chefes de repartições públicas ou corregedores permanentes (sindicâncias e processos administrativos), os promotores de justiça (inquérito civil, voltado a apurar lesões a interesses difusos e coletivos), os funcionários de repartição florestal e de autarquias com funções correlatas, designados para atividade de fiscalização (inquérito da polícia florestal), os parlamentares, durante dos trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito, entre outras possibilidades legais[6].
Exposto o elementar quanto à etimologia e ao conceito de investigação criminal, bem como sua distinção do inquérito exercido exclusivamente pela Polícia Judiciária, faz-se mister analisar seu histórico em nosso país.
Embora haja inúmeros estudos abordando o tema da investigação criminal, são poucos os textos que documentam seu histórico, que não raro se funde ao histórico do inquérito policial.
Pode-se extrair do texto de Edílson Santana Gonçalves o breve relato:
Historicamente, no Brasil, a investigação de crimes e de suas autorias, foi da alçada dos chamados Juízes de paz, agentes políticos, eleitos pelo povo, até o dia em que o imperador resolveu concentrar a função em suas mãos, transferindo-o à Polícia, o que perdura até os nossos dias, sem quaisquer garantias e independência dos seus agentes (Delegados de Polícia), sobretudo no tocante a inamovibilidade[7].
Segundo Eneida Orbage de Britto Taquary a raiz do inquérito policial encontra-se entrelaçada aos sistemas romano e germânico, disciplinadores da legislação portuguesa. No período colonial não havia normas disciplinadoras da apuração de crimes, sendo que esta acontecia no curso do processo. Não se buscava alcançar a verdade dos fatos, mas obter a confissão do delito a qualquer custo, inclusive, por meio da tortura[8].
O primeiro Código de Processo Criminal de 1832 veio a modificar tal sistema de investigação criminal, posto que a primeira Carta Imperial (1824) foi silente acerca do tema. Conforme a referida autora, “Esse diploma não atendeu às expectativas de criação do inquérito policial, apesar de prever a figura dos inspetores de quarteirão, com atribuições de zelar pelo cumprimento da lei e apontar seus infratores”[9].
A figura do delegado de polícia nasce com o advento da Lei n° 261 de 3 de dezembro de 1841, com o dever de investigar, apanhar dados e provas do delito, para então encaminhá-los ao juiz competente para as devidas providências. Tal lei vigeu por quase 30 anos e foi recepcionada pelo Processo Penal brasileiro (1871), que deu o nome de inquérito policial às “diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito” (art. 42 do Decreto-Lei n° 4.824 de 1871).
O inquérito policial permaneceu imutável mesmo com a promulgação da primeira Constituição Republicana, em 1891 e, após, com o surgimento da Constituição de 1934, que atribuiu à União a competência para legislar em matéria processual penal.
O novo CPP (Decreto-Lei n° 3.368 de 3 de outubro de 1941) é marcado pelo sistema acusatório, por assegurar o contraditório na etapa judicial e por atribuir o inquérito policial nas mãos da Polícia Judiciária em seu art. 4°. A Constituição de 1946, bem como as Cartas Magnas posteriores a esta, mantiveram o aludido Código em vigor.
Além de recepcionar o CPP de 1941, a CF de 1988 garantiu à persecução criminal uma série de garantias fundamentais, tais como as previstas nos incisos XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) do art. 5°.
A promulgação da Lei n. 8.625 de 12 de fevereiro de 1993 e da Lei Complementar (LC) n. 75 de 20 de maio de 1993, mudaram a realidade da persecução criminal: ao tempo que consolidaram a regulamentação do art. 127 da CF, conferiram aos membros do MP o poder de realizar diligências investigatórias no âmbito criminal[10].
Sabe-se que a realização de diligências investigatórias pelo MP reiterou-se pela Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347 de 24 de julho de 1985) no intuito de defesa dos direitos metaindividuais, após estendeu-se à tutela de direitos difusos e coletivos até chegar à esfera criminal.
A Lei n. 9.043 de 09 de março de 1995 modificou a redação do art. 4° do CPP, acrescentando-lhe o parágrafo único que dispõe: “A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja acometida a mesma função”.
Não obstante a promulgação da Resolução n. 13 de 02 de outubro de 2006 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que regula o art. 8º da LC 75/93 e o art. 26 da Lei n. 8.625/93, Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn’s), foram impetradas questionando o poder investigatório do MP e aguardam juízo[11].
O entendimento acerca da possibilidade do membro do MP realizar investigações criminais ainda não está pacificado, sendo que no STF os julgados manifestam-se em posição dominante pela impossibilidade do MP realizar diligências investigatórias[12], enquanto que no STJ, a prevalência é pela autorização das mesmas[13].
Doutrinariamente, segundo Damásio de Jesus, existem três posições a respeito do assunto[14]. A primeira afirma que o membro do MP não poderia realizar inquirições no âmbito criminal, por existir obstáculo constitucional. Tratar-se-ia de função exclusiva das Polícias, atribuída pela interpretação literal do artigo 144 da CF. Neste sentido, houve decisão do STF, em acórdão relatado pelo ex-ministro Nelson Jobim[15].
Para os defensores desta posição, é evidente que a investigação, como primeira etapa da persecução criminal, é de responsabilidade e pertinência da Polícia Judiciária (art. 144, CF), necessitando ser produzida convencionalmente por esta, registrada e acompanhada por juiz e representante do MP.
Diz-se que é cabível ao delegado de polícia administrar as investigações e juntar as provas encontradas aos autos, tendo como único intento apurar a verdade fatídica. A atuação do MP na investigação criminal, segundo esta corrente, afeta o princípio do devido processo legal, já que, conforme com o processo brasileiro, está acumulando as funções de investigar e desencadear a ação penal. Atender o citado princípio nada mais é do que deixar que a investigação seja realizada pelas Polícias, órgãos destinados pela CF para tanto.
O segundo juízo reitera o entendimento de que não poderia o membro do MP realizar inquéritos criminais, por falta de previsão constitucional. Para os que defendem esta corrente, não há impedimento para que o parquet recolha indícios e provas de delitos, porém, estes se tornam inválidos, pois não há regulamento legal a respeito da forma e procedimento a serem adotados (art. 5º, LVI, CF). Neste sentido ponderou Celso de Mello no STF[16].
“O art. 129 da Constituição conferiu ao Ministério Público, em caráter privativo, a titularidade da ação penal (inciso I), mas não cuidou de lhe conferir, expressamente, poderes investigatórios substitutivos da Polícia Judiciária”[17], diz Guilherme Nucci. Nesse sentido, pronunciou-se Luiz Flávio Gomes:
(...) sob o aspecto jurídico, as interpretações sistemática, lógica e, até mesmo, gramatical do art. 129 da CF não permitem extrair outra conclusão exceto aquela de que o Ministério Público não possui poderes de investigação criminal. O texto é claro e expresso em indicar, como função institucional ministerial, a promoção da ação penal pública, do inquérito civil e da ação civil pública. Quanto ao inquérito policial, limita-se a atribuir ao Ministério Público a requisição de sua instauração. Nesse particular, não tem lugar de hermenêutica dos poderes implícitos [18].
Ao Ministério Público é permitido o controle externo da atividade policial, a requisição de fundamentadas diligências no inquérito policial, bem como a proposição de ação penal (arts. 129, VII, e 144, VII da CF). Logo, não poder presidir inquéritos, somente acompanhá-los. O inverso é exercer o controle interno da polícia, não aprovado pela CF. Ademais, caso lhe fosse permitida a investigação, quem controlaria seus atos?
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 233.072-4-RJ, o Ministro Marco Aurélio disse textualmente em seu voto: “O Ministério Público não pode fazer investigação, porque ele será parte na ação penal a ser intentada pelo Estado e, também não pode instaurar um inquérito no próprio âmbito”[19].
Nos âmbitos contrários discute-se a “seletividade” das investigações criminais promovidas pelo parquet, alegando-se que o mesmo não se ocupa – nem poderia se ocupar - da apuração de todos os crimes. Diz-se que haveria uma “escolha” de casos mais importantes, e em geral, os escolhidos conteriam maior apelo midiático.
Afirma-se, em suma, que o MP evidencia extrapolamento de suas funções institucionais ao substituir a Policia Judiciária, bem como fere o devido processo legal ao formular investigação e denúncia. Não lhe é exigido a imparcialidade, pois o mesmo é parte na lide. Quando investiga, afasta-se a paridade de armas: o cidadão fica desprotegido e o Estado-acusação imperioso.
A terceira orientação é pela viabilidade de investigações criminais realizadas pelo MP. Para essa corrente, o art. 144 da CF teve como singular finalidade assinalar as atribuições investigatórias das polícias para que não existisse aposição entre as atividades competentes de cada uma. Em nenhum momento o constituinte pretendeu afastar a possibilidade de que outros órgãos perquirissem as infrações penais[20].
Diz-se que o CPP deve ser visto à luz da CF, e esta garantiu a legitimidade das atividades de investigação criminal pelo parquet (arts. 129, I, VI e VIII). Assenta-se que a apuração criminal é atividade típica da Polícia Judiciária, mas não exclusiva. Tanto é que o CPP prevê a hipótese da apuração criminal ser realizada por outros órgãos administrativos, além das Polícias.
Não há lógica para que o MP possa requisitar diligências e não realizá-las por conta. Para Cristiano Chaves de Farias, “não se vislumbra hipótese impeditiva ou de suspeição no taxativo rol elencado nos arts. 252 e 254 do Pergaminho Adjetivo Penal – extensivo ao Ministério Público ex vi do disposto no art. 258 do mesmo Codex”[21].
Afirmam os defensores desta posição que estando o MP interessado na propositura da ação penal, bem como na realização de provas para sua propositura, poderá atuar de forma direta nas investigações, o que derroca a alegativa de que seria o parquet parcial. Ora, sua participação nas diligências não o tornaria impedido ou suspeito, mas mais habilitado para o oferecimento da denúncia. Em amparo, reza o enunciado 234 do STJ: “a participação do membro do MP na fase investigatória não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”[22].
Em pugna ao argumento contrário que atesta não haver poder fiscalizatório da investigação exercida por representante do MP, diz-se que caberá ao órgão ministerial o autocontrole de seus atos, bem como ao Poder Judiciário o controle dos mesmos de forma externa. Grecianny Carvalho Cordeiro, acresce ainda que
A realização da função investigativa pelo “parquet” também não torna este órgão dotado de um superpoder, impassível de controle, pois seus agentes públicos – promotores e procuradores de justiça – estão sujeitos a um controle sempre que vierem a incorrer em excessos, abusos ou mesmo omissões, tal como acontece em relação a qualquer outro servidor público[23].
Quanto ao controle externo da atividade policial atribuído ao parquet, este não o torna incompatível com a função investigatória, bem como poderá ser em muitas situações o argumento de sua realização. Para Fernando Célio de Brito Nogueira,
O exercício efetivo deste controle externo da atividade policial poderá revelar fatos que imponham ao representante do Ministério Público o dever de ofício de instaurar e presidir procedimentos investigativos voltados à apuração de abusos, omissões ou desvios que encontrem adequação em ilícitos penais. Ou seja, o controle externo resultará em investigação, sob pena de ser ineficaz. Mas jamais desembocará na vedação da atividade investigatória, por simples exercício de lógica[24].
Clève itera este entendimento, acrescendo que “o órgão ministerial, sem poder interferir diretamente na ação policial, não dispõe de instrumentos, a não ser reflexos (controle externo), para garantir a qualidade das diligências providenciadas em virtude de requisição”[25].
No juízo do citado autor, apenas em casos excepcionais e devidamente fundamentados o parquet realiza investigações criminais[26]. Ressalta-se que o MP atua livre de pressões, em virtude de lhe ter sido garantida a independência funcional. Em razão de seu dever e fruindo de suas garantias, eventualmente apura indícios de crimes abstrusos e atrai a atenção da mídia.
Para Alex Sandro Teixeira da Cruz, a postura do parquet não contém modos que possam ser interpretados como “assenhoramento” de atividades primordialmente deferidas a outras instituições. Ao invés, percebendo o extenso rol de organismos destinados à investigação criminal, o MP dispõe-se a integrá-lo, ativamente, cumprindo de forma mais satisfativa sua função de defender a sociedade[27].
Mantendo-se imparcial, o MP garante um dos pilares do devido processo legal. Desta forma, assegura que os litigantes gozem de todos os poderes e faculdades processuais, essenciais ao correto exercício da jurisdição.
4 METODOLOGIA
Para a elaboração do presente artigo foi necessária a realização de levantamento bibliográfico e documental, sendo feitas consultas em livros de autores especialistas no assunto, artigos de revistas, periódicos, sítios e em documentos nacionais referentes à temática processual penal. Foi feito ainda um levantamento jurisprudencial, com uso de jurisprudências e súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o intuito de fundamentar de forma rica as posições quanto ao tema e os resultados esperados.
5 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Percebe-se que os entendimentos acerca do tema em análise resultam de diversas formas de interpretação das normas constitucionais e da legislação pertinente. Para Clève, “o texto é o universo sobre o qual se debruça o operador jurídico. A norma, não se confundindo com o texto, é o resultado da operação hermenêutica”[28].
A doutrina favorável à investigação criminal pelo parquet entende que a interpretação das normas deve ser feita de modo sistemático e teleológico, enquanto as posições contrárias à mesma valem-se da interpretação literal. Bonfim ressalva que “vedar ao Ministério Público a faculdade de, sem exclusividade, conduzir a investigação criminal em certos casos, equivale a ferir o Direito, que diversamente da norma, traz em si o sentido axiológico, o sentido do justo”[29].
O mencionado autor acrescenta que “a atuação do MP, contrariando grandes interesses econômicos e políticos, vem apresentando profícuos resultados no combate à corrupção administrativa, à sonegação, ao crime organizado, aos crimes de colarinho branco, à lavagem de dinheiro”[30].
O MP dispõe de setores dedicados à inquirição criminal, sobretudo à apuração do crime organizado, a exemplo do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) do Estado de São Paulo. É justa anulação de investigação realizada por membro(s) desse grupo ou faz-se necessário o aproveitamento de tais atos? Se a outros órgãos é confiada a busca criminal, porque não ao parquet? Indaga Pacelli: “A quem interessa o afastamento do Ministério Público da direção das investigações?”[31].
Polícia Judiciária e MP não são órgãos absurdamente dessemelhantes, posto que seus desígnios convergem no objetivo de paz social. Logo, a cooperação entre tais institutos faz-se elementar para garantir o direito fundamental à segurança e combater a impunidade que assola a seara criminal.
Espera-se, por fim, que o STF decida pela constitucionalidade da investigação criminal por membros do MP e que posteriormente tal atividade seja regulamentada por lei, pois como afirma Clève “a efetividade da Constituição Federal não pode ficar a mercê de contingentes interesses políticos, nem sempre concertados com os interesses sociais que legitimam os respectivos mandatos”[32].
CONCLUSÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a persecução criminal restou garantida por uma série de preceitos fundamentais, todos norteados pelo princípio do devido processo legal, que aponta basicamente que ninguém será privado de seus bens ou de sua liberdade sem o procedimento adequado, nem processado (tampouco julgado) senão pela autoridade competente. No ensejo, “nascia” a figura do Ministério Público, com a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Uma análise sistemática e teleológica das normas contidas nos arts. 127, 129 e 144 da Constituição Federal e no art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, induz à possibilidade dos membros do Ministério Público de não apenas realizar o inquérito civil e propor a ação penal pública, mas também presidir a investigação criminal, posto que esta que não se restringe ao inquérito policial, privativo da Polícia Judiciária e apenas uma de suas manifestações. Embora com a mesma finalidade de promover a paz social e minimizar a impunidade criminal, nota-se atualmente que as pretensões de classe e os interesses políticos prevalecem sobre o interesse público, visto que em algumas situações a sociedade é posta em risco, pois há quem pretenda subtrair do Ministério Público, um dos órgãos mais importantes órgãos responsáveis por sua defesa, a busca criminal. Espera-se que o Egrégio Tribunal decida pela constitucionalidade da investigação criminal pelo parquet, pois assim o fazendo atenderá à vontade da sociedade brasileira - que o elegeu uma das instituições mais acreditada do país[33] - e às vocações ministeriais, que são perseguir judicialmente a repressão e defender os interesses superiores e indisponíveis da sociedade.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Nestor Eduardo Araruna Santiago, pelo apoio e incentivo à produção científica na área processual penal.