A HERMENEUTICA NAS DECISÕES DO CARF. O CASO DA TRIBUTAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS DOS COLABORADORES DAS EMPRESAS

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O artigo aborda questões hermenêuticas relevantes nas decisões do CARF tendo como base um julgado sobre o PLR

O Banco Itau S/A foi atuado recentemente em razão de ter dividido os valores dos Lucros e Resultados em desacordo com a Lei nº 10.101/00. A questão foi levada ao CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).  O processo administrativo foi o de nº 16327.720779/2014­44. A ementa da decisão foi:

“ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS Período de apuração: 01/02/2010 a 30/11/2011 PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PERIODICIDADE MÁXIMA. DESCUMPRIMENTO. NATUREZA REMUNERATÓRIA DE TODAS AS PARCELAS. O descumprimento do § 2º, do art. 3º, da Lei nº 10.101, de 2000, que veda o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) em periodicidade inferior a um semestre civil, ou mais de duas vezes no mesmo ano civil, implica incidência de Contribuições Previdenciárias sobre todos os pagamentos efetuados a esse título e não apenas sobre as parcelas excedentes. Inaplicável a Medida Provisória nº 905, de 2019, a fatos geradores pretéritos. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS OU RESULTADOS. DIRETORES NÃO EMPREGADOS. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. A participação nos lucros e resultados paga a diretores não empregados tem a natureza de retribuição pelos serviços prestados à pessoa jurídica, ensejando a incidência de contribuição previdenciária, por não estar abrigada nos termos da Lei nº 10.101/00.”

            Tudo porque quando da distribuição os lucros e resultados dos anos de 2010 e 2011 a empresa optou por adotar uma alternativa em relação ao que prevê o texto de lei, dentre elas o parcelamento em mais de 02 vezes por ano na divisão dos Lucros, além dividir lucros com os diretores não empregados e com vinculo por meio de suas pessoas jurídicas. O Fisco entendeu que estas hipóteses implicaram em desvirtuamento da lei e assim, gerou a incidência tributária da contribuição previdenciária.

            Em que pese o posicionamento do Banco, que não observou a estrita legalidade e assim, acabou sendo condenado administrativa e também judicialmente (processo judicial nº  1026902-89.2020.4.01.3400, perante a 14ª Vara Civel Federal do TRF da 1ª Região), é inequívoco que do julgamento do CARF ou mesmo a sua manutenção pela Vara Federal é possível abstrair aprendizados. Dentre eles temos:

  1. A necessidade de se ter um compliance muito técnico que tenha uma visão ampla dos riscos e das alternativas de se adotar determinadas posições não previstas em lei, além do órgão ser independente;
  2. A importância da matéria trabalhista-tributária (e previdenciária) para a empresa, sendo que o custo operacional e empresarial passa necessariamente por esta seara, uma vez que as atuações originárias contra o banco neste caso foram de aproximadamente R$ 500 milhões;
  3. A necessidade de que decisões cujo o impacto econômico-financeiro seja muito expressivo para a empresa se tornem sempre transparentes e levadas a conhecimento dos órgãos gestores de cada empresa;
  4. A necessidade de atuação do profissional do direito não apenas no contencioso judicial, mas também no administrativo e no preventivo;
  5. E sobretudo, que as decisões do órgão administrativo sejam alicerçadas não apenas na estrita legalidade, mas também na teleologia da norma, dos princípios e dos fundamentos tributários envolvidos.

      O posicionamento deste autor, no caso em particular, é contrário ao Órgão Colegiado, por questões que não serão esgotadas neste texto uma vez que o objetivo é analisar o alcance hermenêutico da decisão. Contudo é importante reconhecer que o posicionamento do CARF foi emblemático, pois além de reconhecer e advogar a estrita legalidade para aplicação da lei nº 10.101/00 coibiu com que o Banco praticasse inovações em sua área interna de politica de premiações, salários e remunerações.

      Outro ponto muito sensível na decisão do órgão, foi considerar a totalidade das divisões de pagamentos dos valores como base de cálculo para as contribuições sociais incidentes. Trata-se na verdade de uma punição velada e contrária a ordem sistêmica, pervertendo a lógica da norma. Pois o intuito da norma previdenciária e trabalhista em cotejo é tributar de forma equalizada e seguindo um padrão, de forma a não tornar o custo do pagamento do beneficio algo que o inviabilize, já que o objetivo da divisão dos lucros e resultados é beneficiar os trabalhadores e ao mesmo tempo incentivar a empresa a partilhar os valores com uma redução tributária. Mas quando o órgão Administrativo considera que a o desvirtuamento da lei de divisão de lucros e resultados gera por si a hipótese de incidência remuneratória e com isso tributa todas as verbas pagas (a hipótese de incidência passa a ser a totalidade dos valores), cria problemas não apenas tributários, mas trabalhistas, previdenciários e sindicais.

      Ademais, como mencionava, o objetivo da norma (lei 10.101) não foi atendida, pois diferentemente de uma norma tributária simples, há um contexto social no pagamento da verba de participação dos lucros e resultados e a tributação em excesso é uma forma de desestimular a concessão do beneficio e  não permite com que justiça tributária seja aplicada. O fato do parcelamento do PLR  em mais hipóteses (do que as 2 parcelas anuais), pode ser objeto de negociação coletiva, nos termos da Constituição Federal, bem como a base de calculo, e a decisão do CARF de forma reflexa enfraquece o poder sindical (fere a autonomia privada coletiva).

      Inclusive  TST já decidiu desta forma:

A) AGRAVO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS - PLR. PARCELAMENTO. NORMA COLETIVA. POSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL TRANSITÓRIA Nº 73 DA SBDI-1. NÃO PROVIMENTO. 1. Inadmissíveis os embargos interpostos pelo reclamante, se a Terceira Turma desta Corte Superior, ao ratificar a improcedência do pleito de integração da parcela "Participação nos Lucros e Resultados" no salário do empregado, assim como das diferenças salariais postuladas com base na supressão da referida verba, proferiu acórdão em conformidade com a jurisprudência dominante neste Tribunal acerca da matéria. 2. Com efeito, o entendimento pacífico desta Corte, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial transitória nº 73 da SBDI-1, é no sentido de que , não obstante a vedação de pagamento em periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no ano cível, conforme previsto na Lei nº 10.101/2000 (artigo 3º, § 2º), o parcelamento mensal da verba Participação nos Lucros e Resultados, fixado mediante acordo coletivo celebrado entre o Sindicato profissional e a Volkswagen do Brasil Ltda., não retira a natureza indenizatória da referida verba, devendo prevalecer a diretriz constitucional que prestigia a autonomia privada coletiva. 3. Aplicação do óbice inscrito na parte final do artigo 894, II, da CLT. (...) 3. Embargos de que não se conhece, no particular. (TST - Ag: 349005520075020463, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 19/03/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 31/03/2015)

      Logo a decisão do CARF apresenta vicio constitucional (principiológico), fere a proteção normativa-sindical e ainda atenta contra a legalidade, tudo porque a decisão não observou regras hermenêuticas na interpretação do caso em tela (pois a decisão do órgão foi apenas e tão somente tributária).

Ora a critica feita a decisão e ao posicionamento do órgão é construtiva e demonstra e reforça o papel social do CARF, que nos últimos anos ganhou a importância de ser também protagonista nas decisões administrativas (sobre tributos) de grandes corporações.

      A negligência de uma decisão corporativa a uma decisão do CARF pode custar milhares de reais, mas a decisão do órgão, em enrijecer o sistema e não interpretar a norma tributária de forma sistêmica e pela teleologia jurídica, gera insegurança e involução social. O que não poderia ocorrer no processo de fortalecimento do órgão.

      Por sua vez, há a necessidade de que o órgão seja dotado de autonomia, mas isso significa autonomia para julgar sem se distanciar a segurança jurídica e econômica. Isso porque cada dia mais após a reforma trabalhista apresentada pela lei nº 13.467/2017 inúmeras questões trabalhistas geram repercussões tributárias que com o “andar da carruagem” podem sofrer revés na essência ante o posicionamento do órgão.

      O debate aqui é unicamente jurídico-econômico sem adentrar nas questões envolvendo os trabalhadores e seus direitos sociais. Assim, com o foco na economia, possível constatar que os prejuízos sociais são expressivos quando o julgador não acompanha a evolução social, lembrando que o papel do julgador não é aplicar a norma de forma estática (ou seja, não há que se aplicar a letra fria da lei), mas sim acompanhar a “mens legis” e o contexto social para o qual a norma foi criada.

      Interessante que esta decisão, em particular, como mencionado, violou os princípios interpretativos mais basilares do direito, como o estampado no art.  5º da Lei de Introdução  às Normas do Direito Brasileiro (dec. lei nº 4657/42) qual seja: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, além é lógico de questões constitucionais e principiológicas do direito coletivo do trabalho.

      Diante deste raciocínio a indagação é: a lei tributária deve atender os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum? Ou a lei tributária é um fim em si, no sentido de arrecadar os valores para o Estado? A resposta é certa, a lei nunca deve ser um fim em si mesmo, sob pena de invalidade sistêmica. O imperativo categórico normativo tem que ter o Ser Humano como fim e não na norma em si.

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      O vicio na origem pelo órgão administrativo foi usar o imperativo categórico (em alusão a teoria de Kant) como a formula de uma lei universal, qual seja: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”. Quando na verdade a lei tributária (ou de natureza econômica) deveria ser a lei em si, ou seja: “Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”.

Essa é a lógica do art. 5º da Lei de Introdução e ainda, ao nosso sentir, a melhor forma de aplicar e interpretar uma norma jurídica, além é logico de se verificar o contexto que a norma foi elaborada. O que implica, em tese, que a decisão do CARF tenha violado a essência e a finalidade da norma com uma interpretação literal  ou gramatical. Repisa-se o ideal é que o aplicador da norma deve primar pela interpretação teleológica (fins da norma) e sistêmica.

      A decisão ora apresentada e que serve como paradigma para esta análise ainda foi contrária ao próprio CTN que no art. 107 prevê a interpretação teleológica. A decisão ao considerar que toda a verba paga possui natureza tributária para fins de incidir a contribuição social, violou a literalidade também do art. 112, do CTN, prevê:

“Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto :  I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”

      O STF assim já decidiu sobre este tema, vejamos:

 

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA. AFASTAMENTO COM BASE EM SINGELO APELO À “SEGURANÇA JURÍDICA”. DECLARAÇÃO ESCAMOTEADA  DE INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO. NECESSIDADE DESCARACTERIZADA. Órgão julgador: Segunda Turma. Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 04/10/2011. Publicação: 21/10/2011. STF. RE 601088 AGR

      Insiste-se em afirmar que a interpretação teleológica gera segurança jurídica, economica e se apresenta como aquela mais afável a sociedade, já que levará em consideração  vontade do legislador e a necessidade social. Contudo a interpretação precisa observar algumas regras, que Carlos Maximiliano mencionava como regras auxiliares na consumação da teleologia[1]:

"a) As leis conformes no seu fim devem ter idêntica execução e não podem ser entendidas de modo que produzam decisões diferentes sobre o mesmo objeto.

b) Se o fim decorre de uma série de leis, cada uma há de ser, quanto possível, compreendida de maneira que corresponda ao objetivo resultante do conjunto.

c) Cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger.

d) Os títulos, as epígrafes, o preâmbulo e as exposições de motivos da lei auxiliam a reconhecer o fim primitivo da mesma"[2].

            Nesse ponto a critica ao positivismo é certeira e evidencia a necessidade de se ter, ver e ler o todo e não a parte. A compreensão do sentido do todo é a providência que se espera do órgão Julgador, administrativo ou judicial, isso é viver em um Estado de Direito para garantir a paz social e praticar o bem comum.

 

 

 

 

 

 

 


[1] https://ramiroferreira91.jusbrasil.com.br/artigos/406419560/o-metodo-teleologico-e-suas-implicacoes-juridicas, acesso em 27.11.20, às 23h

[2] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. Ed. 7. Tir. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 128

Sobre o autor
Aarão Ghidoni do Prado Miranda

Advogado sócio do escritório Miranda advogados, professor de cursos de graduação e pós-graduação, especialista e mestre em direito. Autor de diversos artigos e livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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