BLINDAGEM PATRIMONIAL
Aspectos práticos sobre as ações do devedor e do credor e métodos para a negociação da dívida civil, tributária e trabalhista
Resumo: O presente trabalho tem por objetivo explicar e conceituar o que é blindagem patrimonial, e se a adoção deste tipo de estrutura societária pode ser entendida como fraude à execução de credores no âmbito do processo de execução civil, tributária e trabalhista.
Palavras-Chave: Blindagem patrimonial. Direito societário. Direito trabalhista. Direito Civil. Direito Tributário.
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Practical aspects of debtor and creditor actions and methods for negotiating civil, tax and labor debt
Abstract: The purpose of this paper is to explain and conceptualize what is the patrimonial shield, and if the adoption of this type of corporate structure can be understood as fraud to the execution of creditors in the scope of the civil, tax and labor enforcement process.
Keywords: Asset shielding. Corporate law. Labor law. Civil right. Tax law.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os regimes tributários. 2.1. Microempreendedor individual (MEI). 2.2. Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP). 2.3. Lucro Presumido. 2.4. Lucro Real. 3. Os tipos societários. 3.1. O empresário individual. 3.2. Empresa individual de responsabilidade limitada. 3.3. Sociedade limitada. 3.4. Sociedade anônima. 3.5. Sociedade em comandita simples. 3.6. Sociedade em comandita por ações. 3.7. Sociedade em nome coletivo. 3.8. Contrato em conta de participação. 4. Responsabilidade no âmbito civil, tributário e trabalhista. 5. A desconsideração da personalidade jurídica. 6. Fase judicial de execução de dívidas. 6.1. Diligências do credor. 6.1.2. Sistemas judiciais para localização de patrimônio. 6.1.3. Medidas extrajudiciais. 6.1.4. Medidas controvertidas. 6.1.5. Falência. 6.2. Fraude contra credores. 6.3. Cooperação internacional. 7. Blindagem patrimonial: aspectos práticos. 8. Negociação da dívida por parte do devedor. 8.1. Dívidas cíveis. 8.2. Dívidas trabalhistas. 8.3. Dívidas tributárias. 9. Conclusão. 10. Bibliografia
1. Introdução.
Nos primórdios comerciais, as pessoas que desenvolviam determinado tipo de atividade econômica observaram que, unindo esforços, era possível expandirem os seus negócios, aumentando, desta forma, o lucro sobre as operações mercantis realizadas. Nasce, portanto, deste primeiro ideal, uma forma rudimentar de sociedade, que é, justamente, a união entre duas ou mais pessoas em busca de um fim específico: o lucro.
Cita-se a doutrina, que explica certos teores historiográficos sobre o contorno da criação das primeiras sociedades, até a evolução pelos moldes que hoje possuímos.
A sociedade, em sua forma mais rudimentar, é tão antiga quanto a civilização. No momento em que duas pessoas somaram seus esforços para obter resultado econômico comum, a sociedade começava a despontar.
Os povos primitivos que se dedicaram ao comércio tiveram, naturalmente, que formular, ainda que de modo costumeiro, as normas aplicáveis aos negócios associativos.
Os primeiros documentos legislativos conhecidos, nos quais já se vislumbra a origem do direito societário, situam-se, contudo, no direito romano. Vestígios do contrato de sociedade podem ser identificados na indivisão, entre os herdeiros, do patrimônio constitutivo da herança, para o efeito de uma administração comum – sociedade familiar. Posteriormente ocorreriam as sociedades de publicanos, as quais tinham por escopo explorar atividades ligadas ao Poder Público, inclusive o recolhimento de rendas do Estado.
O desenvolvimento maior das sociedades, de sorte a aproximá-las de sua configuração moderna, somente se verificaria na Idade Média, quando a noção da separação entre o patrimônio da sociedade e o dos sócios passou a se definir. Foram-se tornando comuns sociedades que tomavam o contorno da sociedade em nome coletivo e da sociedade em comandita simples, e que, por desenvolverem atividades de natureza mercantil, eram consideradas comerciais.
No início do século XVII surgiriam as companhias de comércio, destinadas à exploração colonial, com características semelhantes às das sociedades por ações. A companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602, teria sido a primeira dentre estas. A Revolução Industrial, dois séculos após, faria da sociedade anônima o grande instrumento de sua realização.[1]
Sem adentrar em maiores contornos no tocante às relações societárias específicas, o marco mais relevante alcançado, foi, justamente, a separação do patrimônio do empresário com o da sociedade.
Esta separação veio justamente para fomentar a atividade mercantil e estimular novos empreendimentos por parte das pessoas, que passariam ter a segurança jurídica que, caso os seus intentos e ideias falhassem, o seu patrimônio pessoal não seria prejudicado, mas, tão somente, o da pessoa jurídica que se responsabilizou pelas referidas atividades.
Tal ideal serviu como inspiração para a criação dos institutos hoje conhecidos como falências e recuperações judiciais ou extrajudiciais.
Contudo, para se dirigir uma pessoa jurídica, com legítimos direitos da personalidade e capacidade de representatividade comercial, e que busca o atingimento de lucro, o responsável pela tal deve ser dotado de características de empresário.
Nos termos do art. 966 do Código Civil, considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção de bens ou de serviços[2], ou seja, a exigência de que o empresário exerça esses tipos de atividade são de rigor para a proteção do mercado e da economia como um todo, desestimulando, através da não divisão patrimonial entre as pessoas física e jurídica, o ingresso de pessoas que não desenvolvam as ditas atividades econômicas organizadas e profissionais.
Ou seja: tudo isso para se enfatizar que a pessoa jurídica é dotada de personalidade jurídica, possuindo patrimônio, responsabilidades e direitos próprios que, em regra, não devem ser confundidos com os da pessoa do proprietário, empresário, desta sociedade.
Antes da Lei n.º. 12.441, de 11 de julho de 2011, existiam certas anomalias societárias, pois, à época, o empresário que desejasse constituir uma pessoa jurídica deveria se obrigar a incluir no mínimo um sócio nos quadros da empresa. Isso acabava forçando a constituírem, como sócios, pessoas com participação societária mínima, e que, ainda por cima, sequer participavam do objetivo final da sociedade[3].
Ante este cenário, o legislador abrangeu o espectro da proteção garantida pela personalidade jurídica também a empresários que quisessem formar sociedades individuais, sendo que a sua formalização se dá conforme as regras pressupostas no art. 980-A do Código Civil.
Tal inovação jurídica é de salutar, mas não de forma definitiva, pois, conforme previsão expressa do §2º do mesmo artigo, a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade, ou seja, os ditos laranjas continuarão existindo com participações mínimas de 0,1%, ou 1%, caso o empresário, proprietário de uma EIRELI, deseje constituir nova sociedade, para se beneficiar das proteções garantidas pela personalidade jurídica.
Aqui registra-se a crítica ao legislador: ora, que se permita ao empresário constituir quantas EIRELI’s desejar, pois, se o objetivo da lei é a prevenção a fraudes, o malfeitor simplesmente poderia constituir um sujeito qualquer e perseguir este ardil intento. Ou seja: o excesso burocrático apenas dificulta o crescimento econômico através das atividades empresariais, pois isto não dificulta, em nada, a prática de ilegalidades e fraudes diversas.
Tudo isto para ressaltar a importância da proteção à personalidade jurídica empresarial como um legítimo chamariz às pessoas para exercerem atividades profissionais e organizadas, que é almejada por todos aqueles que decidam empreender em novos negócios.
Sabe-se que, em tempos de crise econômica, naturalmente há o aumento do inadimplemento de obrigações, sejam elas de natureza comercial, fiscal ou trabalhista, contudo, será que o mero inadimplemento deveria ser capaz de desconstituir a tal personalidade jurídica, com o intuito de se atacar diretamente os bens do empresário que está difundindo as atividades profissionais e organizadas, tão almejadas pelo mercado e pela economia? Será que, adotar este tipo de posicionamento não seria um regresso em termos de desenvolvimento histórico?
Será, igualmente, que a adoção de planejamentos societários, administrativos ou mercantis, que visem, justamente, a asseguração da referida personalidade jurídica empresarial constituiria algum tipo de fraude ou ilícito por parte da sociedade, ou por parte do empresário?
Serão justamente esses posicionamentos que o presente trabalho intentará em responder: quais são os limites da blindagem patrimonial, com o intuito de se considerá-la legítima ou fraudulenta, bem como algumas formas mais usuais, sem descartar o potencial criativo do empreendedor ou do consultor empresarial para a criação de outros modelos, de se proteger, legalmente, o patrimônio do sócio de eventuais crises que venham acometer as suas atividades.
2. Os regimes tributários.
É importante não confundir os tipos societários com os tipos de tributação societária.
Os primeiros são justamente as formas que uma sociedade pode assumir, com o intuito de assumir as suas responsabilidades perante o mercado, e, as segundas, são, justamente, a forma de tributação dos tipos societários, com relação à simplificação contábil e tributária a depender do porte e da quantidade de entrada e saída de recursos.
2.1. Microempreendedor individual (MEI).
Basicamente existem três espécies de tributação societária: Simples Nacional (no regime de microempresas e empresas de pequeno porte), Lucro Presumido e Lucro Real, e, uma quarta espécie sui generis que reúne contornos de tipos societários e de tributação distintos dos demais, que é, justamente, o Microeempreendedor Individual – MEI.
Iniciando-se pelo menor e com traços mais diferenciados, o MEI é uma espécie mista e única de tipo societário com tipo de tributação unificado e diferenciado dos demais, eis que poderá optar por uma tributação em prestações fixas e mensais, e não com base em seu faturamento. Esta configuração, nos termos do inciso V, do §3º, do art. 18-A, da Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006[4] somente pode ser aplicada àqueles que tenham como receita bruta anual igual ou inferior a R$ 81.000,00, e pagará uma parcela mensal no valor de até R$ 51,65, que perfazem a soma de R$ 45,65 a título de contribuição para a seguridade social (o que lhe dará o direito de se aposentar com um salário mínimo, se cumprir os requisitos previstos em lei), R$ 1,00 a título de ICMS, caso seja contribuinte de ICMS e R$ 5,00 a título de ISS, caso seja contribuinte de ISS. Por fim, importante ressaltar que a contabilidade do MEI poderá ser feita independentemente de profissional contábil inscrito no Conselho Regional de Contabilidade, ou seja: ele mesmo poderá realizar a apuração dos seus próprios tributos e emitir as suas próprias notas fiscais, sem qualquer impedimento ou embargo legal quanto a isto, deste que seja feita de forma correta[5].
Infelizmente o acesso aos benefícios tributários do MEI não é disponível a todas as profissões. De acordo com o art. 18-A, §§4-B e 17, da LC 123/06, apenas poderá aderir a este regime de tributação as ocupações previstas em regulamentação expedida pelo Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), e as tais ocupações estão previstas no Anexo IX, da Resolução CGSN n.º. 140, de 22 de maio de 2018.
2.2. Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP)
A referida Lei Complementar, do Simples Nacional, também traz outras duas formas de tributação e contabilização simplificadas: as aplicáveis às microempresas e empresas de pequeno porte.
Antes de adentrarmos em questões técnicas, é oportuno traçar breves prolegômenos deontológicos histórico-legais, ao salientar-se que este regime de tributação e contabilização facilitados não foi ideia do legislador, eis, que, de acordo com o art. 146, III, d, da Constituição Federal, de 1988, cabe à lei complementar propor a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados[6] de tributação incidente sobre o ICMS, bem como de contribuições sociais e ao Programa de Integração Social – PIS, e ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP.
De fato, não houve morosidade por parte do legislador: houve uma preocupação real com o desenvolvimento econômico do país, principalmente ao observar que a maioria das atividades empresariais brasileiras são, justamente, as desempenhadas pelas microempresas e pelas empresas de pequeno porte.
A referida disposição foi incluída ao texto constitucional através da Emenda Constitucional n.º. 42, de 19 de dezembro de 2003, e a Lei do Supersimples, foi instituída em 14 de dezembro de 2006, ou seja: aproximadamente apenas três anos após a sua aprovação no texto constitucional. Realmente interessante e oportuno trazer à baila alguns trechos da exposição de motivos da PEC 41/2003, que acabou se tornando na EC 42/2003 que instituiu a LC 123/06, pois estes somente reforçam o ponto de vista que está sendo trazido:
O tema “Reforma Tributária” tem sido recorrente nos debates nacionais, do ponto de vista do plano político, econômico ou social brasileiro, sem, entretanto, lograr-se êxito na efetivação das mudanças almejadas para a simplificação e a racionalização do Sistema Tributário Nacional.
Todavia, está claro que o Brasil necessita dessa reforma estrutural para elevação de sua eficiência econômica, estimulando a produção, o investimento produtivo e a geração de emprego e de renda.
(...)
A maior eficiência será alcançada pela simplificação do sistema impositivo, reduzindo-se, inclusive o custo do cumprimento das obrigações e do controle pelas administrações tributárias.
(...)
A superação desse desafio passa necessariamente pelo aumento da eficiência geral do sistema. Ou seja, arrecadar o mesmo, mas de forma mais justa, distribuída e eficiente, não causando impacto na disponibilidade dos entes federativos.[7]
Passados esses breves apontamentos, debrucemo-nos quanto aos requisitos objetivos dos regimes tributários aplicáveis às ME e as EPP.
Para ser considerada microempresa, nos termos do inciso I do art. 3º da LC 123/06, esta deve auferir receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00, e, para ser considerada empresa de pequeno porte, a receita bruta deve ser superior a R$ 360.000,00 e inferior a R$ 4.800.000,00. Importante salientar que toda a tributação de ambas as configurações empresariais ocorrerá mediante arrecadação em documento único, denominado Documento de Arrecadação Simplificada (DAS), e englobará uma série de tributos. A lei elenca, ainda, alguns outros tributos que não deixarão de serem observados pela empresa incluída nesses regimes de tributação simplificada.
O valor das alíquotas será estipulado conforme certas faixas que relacionam o valor da receita bruta anual com determinada porcentagem, em anexos trazidos no corpo da própria lei. Traz-se, para fins didáticos, o Anexo IV da referida lei, que engloba, por exemplo, os serviços advocatícios:
Receita Bruta em 12 Meses (em R$) |
Alíquota |
Valor a Deduzir (em R$) |
|
1a Faixa |
Até 180.000,00 |
4,50% |
- |
2a Faixa |
De 180.000,01 a 360.000,00 |
9,00% |
8.100,00 |
3a Faixa |
De 360.000,01 a 720.000,00 |
10,20% |
12.420,00 |
4a Faixa |
De 720.000,01 a 1.800.000,00 |
14,00% |
39.780,00 |
5a Faixa |
De 1.800.000,01 a 3.600.000,00 |
22,00% |
183.780,00 |
6a Faixa |
De 3.600.000,01 a 4.800.000,00 |
33,00% |
828.000,00 |
2.3. Lucro Presumido.
O lucro presumido é também uma hipótese de simplificação contábil e tributária, principalmente quanto a incidência do IRPJ, porém, mais complexa e com mais obrigações acessórias que as previstas pelo supersimples.
De acordo com o art. 587 do Decreto n.º. 9.580, de 22 de novembro de 2018, a pessoa jurídica cuja receita bruta total no ano-calendário anterior tenha sido igual ou inferior a R$ 78.000.000,00 ou a R$ 6.500.000,00 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a doze meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido[8].
Ou seja, inicialmente a legislação impôs uma restrição quanto ao faturamento anual da empresa, que não pode ser superior a R$ 78 milhões de reais, ou quanto ao faturamento mensal, que não pode ser superior a R$ 6,5 milhões de reais, sob pena de ser obrigada ser tributada com base no lucro real, conforme será melhor delineado no próximo tópico.
A alíquota do IRPJ será de oito por cento sobre a receita bruta auferida pela empresa, e será exigida e apurada em cada trimestre, que serão encerrados, respectivamente, nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário.
Importante ressaltar que existem algumas atividades que serão tributadas com uma alíquota inferior ou superior à regra geral de oito por cento, que serão colacionadas na tabela abaixo:
Atividade |
Alíquota |
Revenda para consumo de combustível derivado de petróleo, álcool etílico carburante e gás natural |
1,6% |
Prestação de serviço de transporte, exceto o de carga |
16% |
Prestação de serviços em geral, exceto os que estejam sob vigilância da ANVISA |
32% |
Intermediação de negócios |
32% |
Administração, locação ou cessão de bens, imóveis, móveis e direitos de qualquer natureza |
32% |
Prestação de serviços de construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento de infraestrutura vinculados a contrato de concessão de serviço público |
32% |
Prestação de serviços hospitalares e congêneres sob vigilância da ANVISA |
8% |
Importante ressaltar que, sob as atividades prestadas pela empresa enquadrada no lucro presumido, haverá a incidência, igualmente, de CSLL, PIS e COFINS, cujas alíquotas serão, respectivamente, 12% sobre o lucro líquido, 0,65% e 3% sobre o faturamento, e, a depender do ramo, ISS e ICMS, cujas alíquotas serão determinadas pelo Estado-Federado ou pelo Município.
Assim, sem adentrar em maiores contornos contábeis e fiscais, o lucro presumido regula-se, basicamente, desta forma.
2.4. Lucro Real.
Por fim, a última modalidade de enquadramento tributário é a apuração mediante o lucro real, que é, sem sombra de dúvidas, a mais complexa de todas.
Importante ressaltar-se que, em que pese a complexidade da apuração nesta modalidade, trata-se de um direito da pessoa jurídica em optar por esta tributação ou por outras, ou seja, se houver um planejamento tributário com vistas a promover elisão fiscal, por vezes a utilização do lucro real pode ser mais benéfica. Se, por exemplo, uma pessoa jurídica estiver obtendo um lucro real de 20% em suas atividades e tiver direito de optar pelo lucro presumido, então, seria mais benéfico que ela mantivesse as suas atividades nesta última, pois estaria pagando IRPJ a uma alíquota de 8% sobre o seu faturamento. Caso estivesse no lucro real, a alíquota seria de 15% sobre o seu lucro líquido. Por sua vez, o reverso também pode ser aplicado: se uma empresa, optante do lucro presumido estiver com lucro inferior a 8% sobre o seu faturamento, seria mais vantajoso que aderisse ao lucro real, pois seria tributada tão somente pelo seu lucro líquido, e não necessariamente sobre o seu faturamento bruto.
Isto posto, torna-se perfeitamente discutível em âmbito judicial a restrição trazida pelo §1º do art. 587 do referido Decreto, dispondo que a opção pela tributação com base no lucro presumido será definitiva em relação a todo o ano-calendário. Ora, podem existir períodos em que a empresa lucre mais ou menos a depender de suas atividades. Por exemplo, uma fábrica de protetores solares certamente lucrará mais no verão e na primavera, sendo mais vantajoso que faça adesão ao lucro presumido, e, igualmente, lucrará menos no inverno e no outono, sendo mais vantajoso que faça adesão ao lucro real.
O conceito de lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pelo Regulamento do IR[9], e estão obrigadas, nos termos do art. 257, a apuração por esta modalidade, as pessoas jurídicas:
I - cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a doze meses (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso I);
II - cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, agências de fomento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores mobiliários e câmbio, sociedades de crédito ao microempreendedor e à empresa de pequeno porte, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização e entidades abertas de previdência complementar (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso II; Lei nº 10.194, de 2001, art. 1º, caput, inciso I; Lei Complementar nº 109, de 2001, art. 4º; e Lei nº 12.715, de 2012, art. 70);
III - que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso III);
IV - que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou à redução do imposto sobre a renda (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso IV);
V - que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento mensal pelo regime de estimativa, na forma estabelecida no art. 219 (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso V);
VI - que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultante de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring) (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso VI);
VII - que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio (Lei nº 9.718, de 1998, art. 14, caput, inciso VII);
VIII - que tenham sido constituídas como sociedades de propósito específico, formadas por microempresas e empresas de pequeno porte, observado o disposto no art. 56 da Lei Complementar nº 123, de 2006 (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 56, § 2º, inciso IV); e
IX - que emitam ações nos termos estabelecidos no art. 16 da nº Lei 13.043, de 2014 (Lei nº 13.043, de 2014, art. 16, § 2º)
Sendo o lucro real determinado pelo lucro líquido correspondente a determinado período, isso significa que se a empresa tiver prejuízo haverá a exclusão da incidência de IRPJ, podendo este resultado ser compensado, até o limite de 30%, no trimestre subsequente. Para uma entidade existem duas modalidades de prejuízo, o que é obtido através da Demonstração de Resultados do Exercício – DRE, que é chamado de prejuízo contábil, e outro obtido, justamente, na apuração da Demonstração de Lucro Real, que é denominado como prejuízo fiscal. É justamente neste último que a análise do prejuízo se debruçará, com o intuito de promover a exclusão do débito tributário com lucros efetivamente auferidos no trimestre subsequente, mediante compensação.
Os períodos de apuração dos resultados, com base no lucro real, serão os mesmos que os apurados pelo lucro presumido, ou seja, nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário.
Basicamente é assim que funciona o lucro real.
A explicação dos regimes tributários aplicáveis às entidades serve para complementar o entendimento de que os tipos societários não estão necessariamente fixados com um ou outro regime tributário de forma específica. Ora, uma EIRELI, por exemplo, não necessariamente precisa estar vinculada ao supersimples, ou ao lucro presumido, mas, se houver faturamento bastante para não se enquadrar em nenhuma dessas hipóteses, deverá ser tributada com base no lucro real. Ou seja: a opção por determinado regime tributário não interfere, em nada, as diretrizes em torno das limitações quanto à responsabilidade civil do sócio em cada tipo societário, que passarão a ser estudados.
3. Os tipos societários.
Passados, de forma breve e sucinta, os contornos sobre as modalidades de regimes tributários aplicáveis às entidades, passar-se-á, a análise dos tipos societários, que constituem fundamental importância para determinado planejamento com vistas a proteção patrimonial dos sócios.
Os tipos societários foram designados para determinar o potencial risco que o empreendedor assume, com o seu patrimônio individual, para com as atividades que exerce por intermédio da pessoa jurídica. Ou seja, alguns tipos societários garantem maior proteção do sócio, e, outros, menor proteção.
Aos olhos do mercado, um credor se sentiria muito mais confortável ao negociar transações comerciais com uma pessoa jurídica que garantisse a menor segurança possível aos seus sócios, pois, em caso de inadimplemento, este teria o direito de exigir tanto o patrimônio da entidade, quanto o dos sócios. Ou seja: quanto maior a exposição do sócio aos riscos da atividade de sua pessoa jurídica, mais facilidade terá ao negociar melhores condições de crédito ou, até mesmo, de produtos ou de serviços, e, quanto menor a sua exposição, menor, obviamente, as suas condições de negociação.
Basicamente existem oito tipos societários, e o consultor que proporá algum tipo de estruturação de proteção patrimonial deverá se debruçar sobre aqueles que garantem maior proteção ao patrimônio dos sócios.
3.1. O empresário individual.
O empresário individual, nos termos do art. 966 do Código Civil, é aquele quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
É muito comum confundir-se o Empresário Individual – EI, com o Microempreendedor Individual – MEI, dada a nomenclatura semelhante que possuem. Contudo, conforme visto anteriormente, o MEI é um tipo de enquadramento tributário, e não um tipo societário. Isso significa que o Empresário Individual tanto pode ser um MEI, como, igualmente, pode se enquadrar nos regimes previstos na lei do Simples Nacional, bem como ao lucro presumido ou ao lucro real. Além do mais, as mesmas restrições de atividades do MEI são aplicáveis ao EI, ou seja: nem todo o Empresário Individual pode ser configurar como MEI.
O Empresário Individual deverá inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis da sua respectiva sede, antes do início de sua atividade, sob pena de o exercício das suas atividades ser enquadrada como uma pessoa física natural, sujeita a tributação do IRPF à alíquota de 27,5% e a todas as regras atinentes à deduções, isenções e exclusões quanto a essa modalidade.
Como o Empresário Individual, nos termos do Código Civil, é a própria pessoa que exerce a atividade, logo, não pode ser considerado como uma pessoa jurídica. Inexistindo essa característica, eventuais prejuízos decorrentes de sua atividade deverão ser suportados pela própria pessoa física que exerce as atividades, além disso, a responsabilidade, tanto da pessoa física, quanto do empresário individual (que são a mesma pessoa), é solidária, eis que o patrimônio de ambas de confunde.
O STJ possui entendimento pacífico neste sentido:
Processual civil. Recurso especial. Ação rescisória. Agravo retido. Inviabilidade. Embargos de declaração. Não demonstração da omissão, contradição ou obscuridade. Patrimônio do empresário individual e da pessoa física. Doação. Invalidade. Ausência de outorga uxória. Erro de fato. Tema controvertido. Violação a literal disposição de lei.
Em ação rescisória, da decisão unipessoal que causar gravame a parte, não é cabível o agravo retido.
Não se conhece do recurso especial na parte em que se encontra deficientemente fundamentado.
Se o alegado erro foi objeto de controvérsia na formação do acórdão, incabível a ação rescisória.
Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis quer comerciais.
Indispensável a outorga uxória para efeitos de doação, considerando que o patrimônio da empresa individual e da pessoa física, nada mais são que a mesma realidade. Inválido, portanto, o negócio jurídico celebrado.
Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp 594.832/RO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 01/08/2005, p. 443)[10]
Sendo o empresário individual solidariamente responsável com a sua pessoa física correspondente pelas dívidas do negócio, a utilização deste tipo societário para promover algum tipo de proteção às atividades comerciais à pessoa do sócio observa-se temerária e deve ser desaconselhada, sendo este enquadramento observado com bons olhos em casos de planejamento tributário com vistas a promoção de elisão fiscal.
3.2. Empresa individual de responsabilidade limitada.
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI está prevista no art. 980-A do Código Civil, e, como o próprio nome diz: 1) será constituída por uma única pessoa; 2) terá responsabilidade limitada.
Um ponto é de extrema importância: o capital social deve estar efetivamente integralizado para que haja a consideração da personalidade jurídica. Ou seja: se há a previsão, no contrato social, de que o capital social da EIRELI é de R$ 500.000,00, tal patrimônio deve estar disponível para a sua utilização. A ausência de integralização do capital social, por sua vez, descumpre o requisito para a formalização da EIRELI, e é capaz de transferir as dívidas mercantis à pessoa do sócio.
A intenção da norma é evitar que a pessoa física se utilize da jurídica para fraudar interesses creditórios de terceiro. Se, por exemplo, no contrato social de uma EIRELI está previsto que o sócio unitário detém R$ 100.000,00 em cem mil quotas no valor de R$ 1,00, caso a referida entidade esteja inadimplente com as suas obrigações, as tais cotas poderão ser perfeitamente penhoradas pelo credor, e, se a integralização deste capital social inexistir, não estando a referida disposição contratual lastreada em pecúnia, haverá o desvio da execução em face do patrimônio pessoal do sócio.
É o entendimento, conforme se verifica da maioria dos precedentes:
AÇÃO MONITÓRIA. LOCAÇÃO DE BEM MÓVEL.
Pleito de bloqueio de ativos financeiros e penhora de bens de propriedade do sócio da executada. Admissibilidade, eis que, mesmo em se tratando de empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), o capital social não foi integralizado pelo único sócio, situação que equipara a devedora à empresa individual. Expedição de carta precatória para penhora do veículo de propriedade da executada. Providência prematura, tendo em vista que o bem sequer foi localizado. Recurso parcialmente provido.
(Ag. Inst. n.º. 2188403-60.2016.8.26.0000, Rel. Dimas Rubens Fonseca, 28ª Câmara de Direito Privado)[11]
Assim sendo, existindo proteção legal quanto à responsabilidade do sócio na EIRELI, é perfeitamente possível utilizar-se deste tipo societário para o planejamento de eventual proteção patrimonial. Contudo, o mesmo dispositivo legal permite apenas a instituição de uma EIRELI por pessoa física, logo, a proteção garantida por esta empresa dificilmente serviria para proteger o patrimônio dos sócios de execuções mais complexas, que envolvam a desconsideração da personalidade jurídica por outros motivos.
3.3. Sociedade limitada.
A Sociedade Limitada – LTDA está prevista no artigo 1.052 do Código Civil e se assemelha, e muito, com a EIRELI, eis que todas as disposições que são aplicadas a esta, também se aplicam àquela, ou seja: a mesma regra da necessidade de se integralizar o capital social é aplicável à LTDA.
A única diferença entre ambas é que na LTDA faz-se necessária a instituição de dois ou mais sócios, e não há a limitação de quantas empresas enquadradas neste tipo a pessoa física poderá ter, bastando que sempre constitua um sócio para a sua existência. Importante salientar que o sócio poderá ser tanto uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica, e não necessariamente duas pessoas físicas.
Ora, se é assim, e sendo a legislação omissa nesse sentido, nada impede que a LTDA seja constituída por um sócio e uma EIRELI, de titularidade deste mesmo sócio.
A constituição de uma LTDA com a pessoa física do sócio em conjunto com a sua EIRELI não criaria barreiras tão robustas para a proteção do seu patrimônio, eis, que, bastaria uma breve consulta para identificar que o sujeito também integra a LTDA, e pedir a constrição de suas cotas nesta empresa.
Contudo, se existirem pessoas físicas diferentes, então, começa-se a vislumbrar certas possibilidades de proteção patrimonial.
3.4. Sociedade anônima.
Nos termos do art. 1.088 do Código Civil, a Sociedade Anônima divide-se em ações, sendo que o sócio ou acionista possui responsabilidade civil limitada ao valor destas.
Na S.A. não há o requisito do affectio societatis, ou seja, trata-se de uma instituição puramente de capital, bastando que haja o aporte financeiro para que a pessoa física também se constitua como sócio desta. Também não há a divisão do capital social por cotas, mas sim por ações.
Trata-se, portanto, de uma sociedade que visa a captação de recursos por investidores, para o impulsionamento de determinada atividade, ou seja: ela remunerará os sócios que aportarem recursos em suas atividades. Não se vislumbra brandas hipóteses de proteção patrimonial de sócios de outras sociedades através da aquisição de ações de sociedades anônimas, eis que essas são meros valores mobiliários, sendo lastreados em valor de mercado, sendo facilmente penhorados pelo credor que as descobrir.
Outra hipótese seria, justamente, a transformação de uma sociedade limitada em sociedade anônima, para dificultar-se a desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, conforme dispõe o art. 117 da Lei n.º. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder[12], sendo perfeitamente possível, então, a desconsideração da personalidade jurídica revertido aos acionistas controladores.
3.5. Sociedade em comandita simples.
A sociedade estabelecida através de comandita observam no mínimo dois sócios com funções distintas: um com a função de administração das atividades da sociedade, cuja responsabilidade será solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, e outro, que funcionará como investidor das atividades, respondendo tão somente pelo capital que decidiu aplicar na sociedade em comandita.
O sócio que exerce a administração das atividades será denominado sócio comanditado, e o que realiza os investimentos é denominado comanditário.
Para elucidar este tipo societário, não usual nos dias atuais, traz-se a doutrina:
Comanditar é fornecer fundos para uma atividade negocial, simples ou empresária, que será gerida por terceiros. Um investidor comandita para que outrem administre. Esse investidor é chamado de comanditário; quem recebe os fundos é o comanditado, a quem cabe aplicá-los e administrá-los corretamente. Essa lógica dual, compreendendo dois tipos diversos de sócios, caracteriza-se a sociedade em comandita simples, tipo societário de aplicação rara na atualidade, mas bastante útil em seu conceito central, servindo a estratégia específica de investimento: na distinção dos tipos de sócios, como se estudará, protege-se o investidor (comanditário) e remarca-se a responsabilidade do administrador (comanditado) que, assim, tende a ser mais operoso e cauteloso, face ao risco experimentado por seus ativos pessoais. Isso viabiliza uma maior segurança para o investimento. A fórmula, contudo, não caiu no gosto do mercado brasileiro.[13]
A disposição legal referida a este tipo de sociedade está prevista nos arts. 1.045 a 1.051 do Código Civil.
A constituição desse tipo de sociedade tem o propósito de garantir maior segurança ao investidor comanditário, eis que o administrador comanditado responderá com os seus próprios bens pessoais pelos inadimplementos que porventura ocorrerem da atividade, forçando que este seja mais cauteloso e prudente em suas decisões.
3.6. Sociedade em comandita por ações.
A sociedade em comandita por ações, prevista nos arts. 1.090 a 1.092 do Código Civil, e regulamentada pelos arts. 280 a 284 da Lei n.º. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 apenas difere quanto a sua disposição ao capital social, que, ao invés de ser por cotas, será por ações, e quanto a responsabilidade do comanditado, que será subsidiária ao invés de solidária, mas, mesmo assim, responderá ilimitadamente, inclusive com os seus bens pessoais pela assunção de obrigações nesta sociedade.
Ou seja, trata-se de sociedade que deve ser muito mais séria quanto a sua administração, eis que receberá um aporte financeiro muito maior, haja vista que os valores mobiliários estarão sendo livremente comercializados junto a B3 (Brasil, Bolsa, Balcão: antiga BOVESPA).
Por conta dessas peculiaridades, trata-se de uma sociedade mais rara do que a comandita simples.
3.7. Sociedade em nome coletivo.
A Sociedade em Nome Coletivo está prevista nos arts. 1.039 a 1.044 do Código Civil, diz que somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais.
Ou seja: trata-se de sociedade que em muito se assemelha com a configuração do empresário individual – EI, eis que este também responde com a totalidade dos seus bens. A diferença entre ambas as sociedades é que a Sociedade em Nome Coletivo permite a inclusão de mais sócios, sem eximir estes da responsabilidade com o seu patrimônio pessoal pelas dívidas assumidas. Importante ressaltar-se que os sócios podem, no contrato social, estipular, entre si, a responsabilidade pelas dívidas de cada um.
A denominação sociedade em nome coletivo é historicamente justificada pela antiga prática de usar como firma o nome completo de todos os seus sócios, como no exemplo José Maria da Silva, Geraldo Magela de Souza & João Carlos Oliveira. A sociedade, nesse contexto, é tomada literalmente como uma coletividade, um grupo; para a segurança da comunidade e do mercado indicam-se seus sócios. Assim, a aceitação do todo (a sociedade) estava diretamente ligada ao reconhecimento de cada unidade (cada sócio), mesmo aceitando-se o princípio de que a coletividade é distinta das singularidades (universitas distat a singuli), ou seja, de que a pessoa da sociedade não se confunde com as pessoas de seus sócios. Obviamente, essa estrutura inicial evolui muito até chegar ao modelo que se encontra nos artigos 1.039 a 1.044 do Código Civil, embora o núcleo conceitual se mantenha.
Só pessoas físicas podem ser sócias de uma sociedade em nome coletivo (artigo 1.039) e o nome societário será obrigatoriamente uma firma social (artigo 1.041), isto é, uma razão social, composta pelo nome civil de um, algum ou todos os sócios, no todo ou em parte. Note-se que Justino de Vasconcelos, citando farta doutrina, chega a afirmar ser possível a formação da firma utilizando-se apenas do prenome, o que, devo confessar, causa-me certa estranheza, parecendo corromper a finalidade específica de demonstração da razão social. Se o nome de algum ou alguns dos sócios é omitido, torna-se obrigatório indicar a existência de membros não citados na firma, o que se faz pelo uso da expressão e companhia, por extenso ou abreviada (e Cia. ou & Cia.), necessariamente colocada ao final do nome, aceitando-se variações coloquialmente reconhecidas, a exemplo de & filhos, & irmãos (desde que os sócios omitidos na firma sejam, efetivamente, filhos ou irmãos, respectivamente) e, até, & sócios. Se não há sócios omitidos, o uso de tais expressões é vedado, respeitando-se o princípio da veracidade.
A sociedade de advogados é, por força dos artigos 15 a 17 da Lei 8.906/94, uma sociedade simples em nome coletivo, mas com registro específico, a cargo das Seções da Ordem dos Advogados do Brasil.
3.8. Contrato em conta de participação.
A Sociedade em Conta de Participação, ou Contrato em Conta de Participação, está previsto nos arts. 991 a 996 do Código Civil, e em muito se assemelha com a sociedade em comandita, eis, que, haverá um sócio administrador e um sócio investidor nas atividades.
Um será o sócio ostensivo, que constará no contrato social da empresa, e o outro, será o sócio participante, ou o sócio oculto, que integrará a sociedade, sem, contudo, integrar o contrato social da empresa. Este sócio integrará a sociedade pela simples edição de um contrato, assinalado por ambas as partes, eis que a constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.
Este tipo de sociedade foi modelada para promover certo sigilo quanto ao sócio investidor, sendo certo que a contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.
Trata-se, portanto, de sociedade a ser levada em consideração, em casos de blindagem patrimonial, principalmente quando o sujeito deseja ter investimentos em sociedades empresariais diversas.
4. Responsabilidade no âmbito civil, tributário e trabalhista.
A convivência em sociedade acarreta, por si só, a existência do risco de causar danos juridicamente relevantes a terceiras pessoas.
Pela análise da juridicidade da conduta, deve se analisar se realmente houve decréscimo patrimonial bastante para se imputar uma obrigação ao sujeito que efetuou determinada conduta. Por exemplo, ao andar na Avenida Paulista, sabe-se que, por aquele lugar, transitam diversos veículos automotores que emitem gases poluentes nocivos à saúde, contudo, será que este fato é juridicamente relevante a ponto de se imputar a responsabilidade pelo prejuízo na saúde aos condutores?
Neste caso, trata-se de uma externalidade, que, em síntese, trata-se da inexistência de compensação entre as pessoas envolvidas. Se quem tem a situação piorada pela ação alheia não é compensado por ela, ou, se aquele que obteve benefícios não compensa ninguém pela melhora experimentada, estamos diante de uma mera externalidade. Ou seja, no caso, o sujeito que respirou os gases nocivos à saúde, na Av. Paulista, não possui direito de pleitear a indenização, eis, que, em que pese realmente estar tendo um prejuízo, de fato, os condutores que estão nos veículos estão lhe proporcionando um benefício, ao desobstruir as calçadas, proporcionando um caminhar mais calmo. Há, neste caso, compensações mútuas de prejuízos e benefícios, não havendo em se falar, portanto, em indenização.
Diferente seria, se, por exemplo, o pedestre fosse atropelado por um motorista. Neste caso o direito haveria de internalizar esta externalização, eis que, neste caso, houve uma interação direta entre o autor e a vítima do dano, havendo-se a pressuposição, dado o fato da convivência em sociedade, de obrigar quem causou um prejuízo de reparar os danos sofridos pela vítima.
Vivendo em sociedade, estamos todos interagindo. A ação ou omissão de qualquer pessoa interfere com a situação, interesses e bens de outras, para pior ou melhor. Estas interferências por vezes são chamadas de externalidades, conceito adotado por alguns economistas que se revela útil também à tecnologia jurídica. O que caracteriza a interação como externalidade é a inexistência de compensação entre as pessoas envolvidas. Se quem tem a situação piorada pela ação alheia não é compensado por isso, ou se aquele que ganhou não compensa ninguém pela melhora que experimentou, a interferência é uma mera externalidade. Caso contrário, isto é, na hipótese de compensação dos prejuízos ou ganhos, dá-se a internalização da externalidade. A externalidade é negativa se a ação de uma pessoa prejudica outra; e positiva, se beneficia.
Se alguém intencionalmente causa dano ao patrimônio de outrem, a convivência em sociedade pressupõe a obrigação de aquele repor a este os prejuízos causados. Esta interação é externalidade negativa que deve ser internalizada. Se o será de fato ou não, é questão diversa relacionada à efetividade da norma jurídica. Na hipótese, por exemplo, de o causador do dano não titularizar em seu patrimônio bens de valor suficiente à recomposição devida, a vítima quedará prejudicada. Isto, porém, não altera a natureza da interação – permanece sendo uma externalidade que deve ser internalizada. Há, de outro lado, uma infindável lista de externalidades que não comportam internalização. São ações ou omissões de algumas pessoas que prejudicam ou melhoram a situação, interesses ou bens de outras e que não devem ser compensadas. É também a convivência em sociedade que pressupõe a inexistência, neste caso, da obrigação de repor prejuízos ou restituir ganhos.[14]
Os elementos para constituir a responsabilidade civil são três: conduta juridicamente relevante, nexo de causalidade e dano, que são justamente os mesmos aplicáveis às searas tributária e trabalhista.
A conduta juridicamente relevante deve ser aquela externalidade negativa que deve ser internalizada pelo ordenamento jurídico. O dano, por sua vez, é o decréscimo patrimonial sofrido pela parte. Por fim, o nexo de causalidade é a relação entre a conduta juridicamente relevante e o dano sofrido. Ambos os três elementos devem coexistir simultaneamente para que possa ser possível imputar a responsabilidade a outrem.
De acordo com o art. 186 do CC, aquele que, por omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, e, de acordo com o art. 927 do mesmo códex, temos que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. O art. 187 do mesmo código diz que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Trata-se, portanto, da teoria da causalidade direta e imediata, visivelmente pelo Código Civil, que pressupõe que o antecedente fático deve necessariamente estar ligado ao dano, como uma consequência direta e imediata. Se, por exemplo, um condutor estiver trafegando na chuva e sofrer o fenômeno da aquaplanagem, perdendo o controle e atingindo um pedestre, não poderá pleitear a exclusão de sua responsabilidade dadas as externalidades havidas no ambiente, mas deverá promover a indenização pelo prejuízo causado à vítima, muito menos terá direito de regresso contra a montadora do veículo, que não produziu um sistema que evitasse este fenômeno de perda de estabilidade, eis que, frise-se, de acordo com o Código Civil, a teoria para a análise do nexo causal é a da causalidade direta e imediata.
Na órbita empresarial, a responsabilidade, nesses fundamentos, pode ser analisada sobre três óticas: a civil, trabalhista e tributária.
Na órbita cível, a responsabilidade será subjetiva, ou seja, dependerá de aferição de culpa do autor do dano. Na órbita trabalhista, em muitos casos, adota-se a responsabilidade objetiva, no sentido de que, se um empregado causar dano a outrem, é o seu empregador que deverá indenizar pelo prejuízo causado, tendo o direito de regresso contra o real causador do dano.
Por sua vez, na órbita tributária, temos uma relação um pouco diferenciada, eis que a cobrança de tributos não pode ser considerada como sanção por ato ilícito, mas sim como uma prestação pecuniária compulsória, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Assim sendo, na relação jurídico-tributária existe a prática de um determinado fato que ensejará a exigência de determinado tributo.
Se, por exemplo, o sujeito auferir renda, de acordo com as disposições legais, ser-lhe-á exigido Imposto sobre a Renda, sem que isso seja interpretado como uma sanção por ato ilícito, até porque, inexiste legislação criminalizando ou impedindo que o indivíduo aufira renda.
5. A desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica é o ato de se ignorar a existência da entidade empresarial para buscar diretamente o patrimônio dos sócios, e é interpretada de modo diverso nas áreas do direito civil, trabalhista e tributário. Tal medida só é tomada quando há o abuso da referida personalidade jurídica para fins escusos e que objetivam lesar direitos alheios.
O século XXI, já na sua abertura, assistiu a uma valorização da arquitetura societária, ou seja, esforços de planejamento patrimonial e empresarial com o objetivo de constituir estruturas que pudessem atender melhor aos desafios de uma economia mais dinâmica. Nalguns casos, essa engenharia jurídica foi – e é – empregada com fins escusos, buscando constituir um ambiente impróprio para a correta realização dos princípios jurídicos e ditames legais. Não raro, estruturas societárias foram urdidas apenas para romper com o princípio da garantia geral que é inerente à universidade de direito, ou seja, ao patrimônio jurídico: faculdades jurídicas são mantidas no patrimônio de certas pessoas jurídicas, ao passo que as obrigações jurídicas são constituídas no patrimônio de outra pessoa, natural ou jurídica, controladora daquela.[15]
No âmbito do direito civil, o art. 50 elenca que se adota a teoria maior para que haja a desconsideração da personalidade jurídica empresarial, no sentido de que esta somente será efetivada em casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Já no âmbito do direito tributário, também se adota a teoria maior, pois, de acordo com o art. 135 do Código Tributário Nacional, são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, as pessoas dos sócios, os mandatários, prepostos e empregados ou, inclusive, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Já no âmbito do direito trabalhista se aplica a teoria menor, curiosamente elencada no §5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, bastando que seja evidenciado o mero inadimplemento da referida obrigação para que se promova a execução dos bens do sócio até o limite exequendo.
Para que se efetive a desconsideração tanto em âmbito cível quanto em âmbito trabalhista, faz-se necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, elencados nos arts. 133 à 137 do Código de Processo Civil, que será instaurado à pedido da parte ou do Ministério Público, sendo cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença, e, inclusive, na execução fundada em título extrajudicial.
A criação legal de um incidente processual afasta dúvida doutrinária a respeito da forma processual adequada à desconsideração da personalidade jurídica e à sua natureza: trata-se de um incidente processual e não de ação autônoma.
A desconsideração tem natureza constitutiva, considerando-se que por meio dela tem-se a criação de uma nova situação jurídica. Sempre houve intenso debate doutrinário a respeito da possibilidade da criação de uma nova situação jurídica de forma incidental no processo/fase de execução, ou se caberia ao interessado a propositura de uma ação incidental com esse propósito.
Havia corrente doutrinária que defendia – e mesmo com o texto legal pode continuar a defender, mas apenas num plano acadêmico – a existência de um processo de conhecimento com os pretensos responsáveis patrimoniais secundários compondo o polo passivo para se discutir os requisitos indispensáveis à desconsideração da personalidade jurídica.
Por outro lado, havia doutrina que afirmava que, estando presentes os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, e conseguindo o credor prova-los de forma incidental, seria desnecessário o processo autônomo, sendo esse entendimento prestigiado pelo Superior Tribunal de Justiça.
É compreensível que o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça esteja fundado nos princípios da celeridade e da economia processual, até porque exigir um processo de conhecimento para se chegar à desconsideração da personalidade jurídica atrasaria de forma significativa a satisfação do direito, além de ser claramente um caminho mais complexo que um mero incidente processual na própria execução ou falência. E tais motivos certamente influenciaram o legislador a consagrar a natureza de incidente processual ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica.[16]
Já no âmbito do direito tributário, basta a inclusão do sócio na Certidão de Dívida Ativa que lastreará a exação fiscal competente, que será discutida, posteriormente, quando for recebida pelo juízo competente.
6. Fase judicial de execução de dívidas.
A fase judicial de execução de dívidas traduz-se na última instância que o credor pode valer-se para constranger o devedor a honrar com as obrigações assumidas e não adimplidas. Trata-se da utilização de todo o aparato de coerção estatal com o único intuito de que possa receber valores que lhe são devidos.
Sendo assim, ao credor é dado o direito de requerer quaisquer tipos de diligências que se fizerem necessárias, desde que essas não ofendam princípios basilares do direito, como os da liberdade e o da dignidade da pessoa humana, bem como princípios processuais como o da menor onerosidade ao devedor, por exemplo.
Esta fase pode iniciar de duas formas.
A primeira forma é através da discussão de uma expectativa de direito perante o poder judiciário, com a sua efetiva concretização após uma decisão (sentença), com trânsito em julgado (sem possibilidades de outros novos recursos). Não necessariamente deve ser uma coisa julgada soberana ou absoluta, que impede, inclusive, o ajuizamento de uma ação rescisória, bastando que esta seja material, de acordo com a legislação processual civil.
A segunda forma ocorre quando o credor traz documentações tão robustas e evidentes do inadimplemento que não é necessário sequer passar pela fase de conhecimento e instrução judiciais. Tratam-se dos títulos executivos extrajudiciais, que revestem-se de certeza, liquidez e exigibilidade perante o devedor, como os títulos de crédito, por exemplo.
É preciso afirmar, primeiramente, que toda a análise entre execução autônoma e fase executiva só tem sentido no tratamento da execução dos títulos executivos judiciais, considerando-se que no tocante à execução de títulos extrajudiciais será sempre necessária a instauração de um processo autônomo de execução. É no tocante à execução do título executivo judicial que o direito brasileiro ingressou recentemente em uma nova era, que demanda breves explicações históricas para determinar de onde viemos, aonde chegamos e por que aí chegamos.
Tradicionalmente, o direito brasileiro exigia para a execução de títulos executivos judiciais um processo autônomo, de forma que a parte, após a obtenção do título executivo no processo de conhecimento, via-se obrigada a propor um novo processo, agora de natureza satisfativa. A era da autonomia exigia a existência de dois processos distintos e sucessivos: primeiro se declarava o direito e se condenava o réu ao cumprimento de uma obrigação (processo de conhecimento) e, posteriormente, se buscava a satisfação da obrigação (processo de execução).[17]
6.1. Diligências do credor.
De acordo com o art. 139, IV, do Código de Processo Civil, ao juiz incumbe determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. O dispositivo trouxe as medidas atípicas que levam a entender que o credor possui, agora, o direito de requerer o que entender perante o juiz para que haja a satisfação de sua dívida.
Ocorre que, conforme dito anteriormente, as tais medidas atípicas, requeridas pelo credor devem sempre ser sopesadas às luzes de princípios basilares, como os da liberdade e os da dignidade da pessoa humana, bem como os processuais, como os da menor onerosidade ao devedor, lealdade, boa-fé processual, utilidade, disponibilidade da execução, dentre outros.
Assim sendo, mesmo que o credor possa, em tese, requerer todas as medidas para a concretização de seu crédito, de fato, a letra de lei deve ser interpretada perante os moldes deontológicos do ordenamento jurídico. Assim sendo, não poderia determinar que o juiz promovesse uma prisão preventiva contra o devedor, para que isto sirva de temor bastante para a promoção do adimplemento, eis que tal medida iria ferir o princípio da liberdade da parte contrária.
Logo, passar-se-á a análise das medidas típicas e atípicas mais comuns requeridas em âmbito judicial, bem como as controvertidas e, inclusive, as extrajudiciais.
6.1.2. Sistemas judiciais para localização de patrimônio.
Os sistemas disponibilizados pelo poder judiciário para a localização de informações e de bens em face dos devedores são:
a) Bacenjud
Foi desenvolvido por volta de 2001, sendo um dos principais sistemas para a satisfação do crédito exequendo. Este sistema possui o condão de acessar as contas bancárias e restringir o montante que existe em pecúnia naquele momento. É importante ressaltar que o sistema bloqueia os valores apenas naquele momento, não sendo possível uma ação prolongada deste.
b) CCS-Bacen
Este sistema possui o objetivo de oferecer informações quanto a outros tipos de informações financeiras do devedor, principalmente quanto aos valores que este possui em suas contas correntes, cadernetas de poupança, contas de depósitos a prazo e outros bens, direitos e valores, dentre outros.
c) Bacenjud 2.0
Criado de forma recentíssima, no ano de 2018, o Bacenjud 2.0 é uma junção dos sistemas Bacenjud com CCS-Bacen, fazendo com que o credor realize dois atos (penhora de dinheiro na conta corrente e pesquisa de aplicações financeiras). Além do mais, de acordo com as novas normativas, as instituições financeiras deverão manter constante monitoramento das contas, com o intuito de repassar ao juízo qualquer valor que ficar disponível. Ou seja, trata-se de uma urgente tentativa de dar mais efetividade ao sistema Bacenjud, eis que, para se esquivar de uma penhora nas contas, bastava que o devedor retirasse os valores que possuísse de sua conta corrente e os alocasse em outro lugar, até o termino da requisição, ocasião em que poderia retornar esses valores e utilizá-los normalmente.
d) Infojud
Este sistema, administrado pela Receita Federal, possui o objetivo de acessar as informações contidas nas declarações de imposto de renda realizadas pelo devedor, com o intuito de munir o credor de informações, para requerer outros tipos de diligência que tentem satisfazer o seu crédito.
e) Renajud
Este sistema, administrado pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatram), possui o intuito de permitir a consulta de eventuais veículos cadastrados em nome do devedor, para que o credor possa requerer a sua penhora e ulterior leilão destes. É importante ressaltar-se que, no Estado de São Paulo, os despachantes documentalistas credenciados no CRDD/SP e autorizados a trabalhar perante o DETRAN-SP, podem, igualmente, realizar a pesquisa de RENAJUD, eis que, comumente, a realizam para assessorar investidores de automóveis, principalmente de caminhões, a conhecerem eventuais bloqueios judiciais que existem nos veículos.
f) SREI
O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), é, igualmente, uma novidade disponível ao poder judiciário, que possui o intuito de obter informações quanto a existência de bens imóveis existentes em nome do devedor, interligando os sistemas do próprio poder judiciário com os disponibilizados pelos ofícios de registros de imóveis. Ou seja, é uma alternativa ao ARISP, que pode ser consultado de forma extrajudicial pelas partes.
g) Infoseg
Este sistema integra todas as informações contidas na Segurança Pública, Justiça e Fiscalização, sendo possível ter acesso a inquéritos, processos, armas de fogo, condutores, mandados de prisão, e outras informações de ordem relacionada à segurança pública. Para a execução de dívidas, é um sistema interessante, principalmente quando o credor tem dificuldades em encontrar o devedor para formalizar a sua citação.
h) Siel
O Sistema de Informações Eleitorais (SIEL), possui as informações dos dados constantes no cadastro dos eleitores, tais como RG, CPF, Título de Eleitor, nome dos pais, dentre outros, que podem ser úteis para verificar-se eventual existência de endereços disponíveis para citação, bem como eventual consulta, em nome dos pais, com o intuito de verificar-se eventual doação ou recebimento de herança em favor dos devedores, que podem ser penhoradas pelo credor.
i) Serasajud
O recente sistema possui o intuito de munir facilitar ao poder judiciário requisições que normalmente já eram feitas pelos credores: a inscrição dos devedores junto aos órgãos de proteção. No caso, a parceria foi firmada junto ao SERASA, um dos mais importantes órgãos de proteção ao crédito, sendo ferramenta bastante útil para informar ao mercado que o devedor efetivamente assumiu obrigações e não as honrou, servindo para restringir-lhe o crédito e forçar-lhe a proceder com o pagamento do quantum exequendo.
j) Penhora sobre o faturamento
Em execuções contra pessoas jurídicas que possuam faturamento, é perfeitamente possível que o credor peça ao juiz a penhora sobre o faturamento bruto da empresa, desde que credor tenha intentado outras formas de satisfazer o crédito. Importante ressaltar que esta penhora não pode ultrapassar o patamar de 30%, sob pena de configurar-se excessiva.
k) Penhora sobre o rosto dos autos
Por vezes o devedor possui algum direito creditício que está sendo discutido ou executado judicialmente. Neste caso, é possível que o credor peça ao juízo a penhora sobre o rosto dos autos, para habilitar-se neste crédito e reverter, em seu favor, o valor que o seu devedor receberia em determinada demanda judicial.
l) Penhora de outros bens
Além de automóveis e imóveis, o credor pode requerer que o oficial de justiça realize diligência junto à residência ou ao domicílio profissional do devedor, com o intuito de localizar, avaliar, e penhorar quaisquer tipos de bens, para serem levados à leilão judicial, e, sobre o valor arrecadado neste, ser repassado ao credor. Ou seja, bens como computadores, televisores e eletrodomésticos em geral, são perfeitamente penhoráveis. A exceção é a penhora de bens que são utilizados como meio de subsistência do devedor, como, por exemplo, penhorar a cadeira articulada de um dentista, ou a máquina de chaves de um chaveiro, etc.
Ou seja: o credor possui, além das medidas atípicas, uma série de medidas já regulamentadas para que consiga ressarcir o prejuízo causado pelo devedor.
6.1.3. Medidas extrajudiciais.
Além das medidas que o credor pode requerer diretamente ao poder judiciário, poderá, justamente, realizar outras, fora deste âmbito, para obter mais informações sobre os bens que o devedor possui.
a) Protesto da sentença que reconhece o direito ao credor
De acordo com o art. 517 do CPC, a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário. Ou seja, além de ter o direito de requerer a inscrição nos órgãos de proteção ao crédito, através do sistema SERASAJUD, o credor pode, ainda, requerer a expedição de certidão da sentença, para fins de protesto no âmbito dos cartórios extrajudiciais de notas e de títulos, com o intuito de dificultar, principalmente, a compra e venda de bens imóveis e outras transações comerciais mais complexas que exijam, principalmente, a emissão de certidões negativas de protesto, constituindo uma ferramenta fundamental para constranger o devedor a proceder com o pagamento do que lhe é devido.
b) ARISP
A Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo possui informações de praticamente todos os cartórios de registros de imóveis do Estado de São Paulo. O credor, ao acessar o sistema, pode obter informações sobre os imóveis registrados em nome do devedor, bem como em qual cartório foi inscrito (desde que esteja em algum dos existentes no Estado de São Paulo). Além do mais, pode emitir certidões pela própria rede mundial de computadores, o que facilita, e muito, a divulgação desta informação ao juízo, para proceder a penhora, avaliação e ulterior leilão deste bem.
c) Pedido de informações junto à SUSEP/CNSEG
O credor pode requerer ao poder judiciário que este defira a determinação de envio de informações para verificar se o devedor possui algum título de capitalização ou previdência privada que são perfeitamente penhoráveis.
d) Pedido de informações junto à CVM
O credor também pode requerer que o juízo proceda a determinação de envio de informações junto à CVM, com o intuito de verificar se o devedor possui ações, opções, títulos de renda fixa, debêntures, dentre outros valores mobiliários, investidos junto ao mercado de ações.
e) Pedido de informações junto às instituições financeiras em que o devedor possui cadastro
O sistema CCS-Bacen e o Bacenjud 2.0 veio, justamente, para facilitar o adimplemento por parte do credor, ao permitir que este requeira, judicialmente, informações como valores disponíveis em aplicações financeiras ou em poupança. Contudo, o credor pode, igualmente, requerer que o juízo expeça determinação para que as instituições financeiras procedam com a divulgação das tais informações, mediante quebra do sigilo bancário, e ele mesmo cumprir a referida diligência.
f) Consulta junto a bancos de dados
Uma importante forma de consulta em favor dos credores, que, infelizmente, é pouco utilizada, é, justamente, a realização de consultas junto a bancos de dados, com o intuito de saber, principalmente, se o devedor possui algum tipo de pessoa jurídica em seu nome. É muito comum, em execuções que são frustradas, o devedor simplesmente transferir todo o seu patrimônio para uma pessoa jurídica. Caso o credor não realize este tipo de consulta, jamais terá êxito em sua execução, eis, que, estará tentando encontrar bens passíveis de penhora em um sujeito que não possui bens, e que os transferiu para uma pessoa jurídica. O SERASA, por exemplo, possui um enorme banco de dados, que detalham, inclusive, a participação societária dos devedores, e disponibilizam outras informações úteis.
g) Consulta junto aos oficiais registros civis das pessoas naturais
A consulta nestes cartórios é de suma importância, pois, o credor, ao descobrir que o devedor é casado em comunhão parcial ou universal, pode requerer a penhora total, ou parcial, do próprio cônjuge-meeiro ou totalitário, para satisfazer o seu crédito, além do mais, é através deste mesmo ofício que é possível obter certidões de óbito de parentes próximos do devedor, com o intuito de verificar-se a possibilidade de habilitação em heranças. Há um portal[18] digital que congrega essas informações de forma unificada.
h) Expedição de ofícios às operadoras de cartão de crédito
Caso o devedor possua algum tipo de comércio e utilize a venda a prazo por intermédio de cartões de crédito, a penhora desses recebíveis é perfeitamente possível. Para isso, o credor deve requerer ao poder judiciário que este determine expedição de ofícios às principais bandeiras de cartão de crédito (VISA, Mastercard, ELO, American Express, Hipercard, Diners Club, etc.), devendo o próprio credor comprovar o protocolo da requisição junto às referidas instituições de crédito.
6.1.4. Medidas controvertidas.
Além das medidas acima, alguns credores requerem algumas diligências que acabaram se tornando controvertidas no meio de recuperação judicial de créditos.
a) Suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH)
A medida toma como ponto de partida justamente o fato de que, se o devedor possui condições de sustentar um carro, deveria utilizar esses valores para honrar as suas obrigações. A alegação contrária é a de que a suspensão da CNH, como forma de coagir o devedor ao pagamento fere o direito de ir e vir, e, além disso, fere o princípio da razoabilidade, eis que o credor pode solicitar outros tipos de medidas para reaver o seu patrimônio. Contudo, o STJ vem entendendo pela possibilidade de se suspender a CNH como forma de pagamento da dívida.
b) Suspensão do passaporte
Em decisão recente, o STJ entendeu não ser possível a suspensão do passaporte, e, no mesmo decisum, reafirmou pela possibilidade de retenção da CNH. Contudo, a decisão não foi definitiva, eis que deixou aberta a possibilidade de se analisar conforme o caso.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO.
1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais.
2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise.
3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa.
4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável.
5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica.
6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual.
7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.
8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir.
9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária.
10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência.
11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza.
12. Recurso ordinário parcialmente conhecido. [19]
Ou seja, a controvérsia nasce justamente do fato de que há a necessidade de se analisar caso a caso, não podendo a questão sobre a suspensão da CNH ou do passaporte ser limitada a um entendimento genérico de “poder” ou “não poder” ser utilizada pelo credor, para coagir o devedor ao pagamento. Assim sendo, é importante que o credor requeira ao poder judiciário e fundamente a adoção desta medida, pois, em muitos casos, o desconforto é suficiente para levar o devedor a negociar as condições de pagamento com aquele.
6.1.5. Falência.
A falência deve ser vista como a última tentativa do credor, pois, em que pese neste momento ocorrer a dissolução total da empresa para o pagamento de suas dívidas, é importante ressaltar que existe uma hierarquia para o pagamento, e, se a empresa tiver outros devedores e o privilégio do crédito do credor não estiver entre os primeiros, correrá o risco de que, ao contabilizar todos os bens existentes, algum deles acabe não recebendo o quantum devido.
Assim sendo, a falência deve ser vista mais como um direito ao devedor do que um direito ao credor, eis que permite o encerramento de uma atividade que não está sendo lucrativa, sem que os ônus sejam repassados às pessoas físicas dos sócios.
Os requisitos para a decretação da falência estão previstos no art. 94 da Lei 11.105/05:
Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;
III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:
a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.
§ 1o Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.
§ 2o Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar.
§ 3o Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9o desta Lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos da legislação específica.
§ 4o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.
§ 5o Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá os fatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serão produzidas.[20]
Assim sendo, a falência deve ser utilizada com cautela, pois, primeiramente, há o risco de liquidar a empresa sem o recebimento dos créditos, e, em segundo plano, há o risco de o recebimento ser demasiadamente demorado, ou parcelado, a depender do que for decidido na assembleia de credores.
A utilização do mecanismo da falência pode ser utilizada pelo credor como forma de negociação amigável da dívida. O credor pode muito bem dizer ao devedor que fará o pedido de falência de sua empresa caso esta não realize o adimplemento dentro das formas e prazos a serem pactuados pelas partes. Verifica-se a efetividade desta forma de cobrança, eis que um dos efeitos da falência é justamente a inabilitação dos sócios para exercerem atividades empresariais dentro de um prazo de 5 anos, ou 10 anos, se houver a prática de crimes falimentares.
6.2. Fraude contra credores.
A fraude contra credores está disciplinada nos artigos 158 a 165 do Código Civil, e disciplinam que os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos aos seus direitos.
Ou seja, tratam-se de atos e negócios jurídicos intentados pelo devedor com o intuito de fraudar o recebimento creditício por parte do(s) credor(es) realizados antes da execução judicial dessas dívidas.
A ação pauliana é o instrumento correto do credor para anular os atos praticados pelo devedor. Ou seja, se o credor descobre que, por exemplo, o seu devedor começa a realizar uma clara antecipação de herança, através de doação de seus bens aos seus herdeiros, poderá, certamente, intentar a referida ação pauliana, prevista no art. 158 do Código Civil, para anular os atos jurídicos, com o intuito de restituir-se o status quo da relação do devedor.
É importante ressaltar que a fraude contra credores não constitui infração penal, mas, a fraude à execução tipifica o incurso no art. 179 do Código Penal, que prevê detenção de seis meses a dois anos, ou multa.
A diferença entre fraude à credores e fraude à execução é justamente o momento em que ocorre a ação de natureza anulatória por parte do credor. Se for intentada antes do início da execução judicial da dívida, trata-se de fraude contra credores, a ser regida pela ação pauliana. Se for intentada após a execução judicial, então, trata-se de fraude à execução, a ser regida através de incidente processual a ser encaminhado, oportunamente, ao Ministério Público, para a adoção das medidas penais cabíveis neste tipo de caso.
O art. 792 do Código de Processo Civil elenca um rol exemplificativo sobre as alienações ou onerações de bens por parte do devedor são consideradas fraude à execução:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
§ 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
§ 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
§ 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Importante salientar-se que o prazo para a proposição da ação pauliana é decadencial, eis que trata-se de ação constitutiva de um direito, tendo em vista que a anulação possui o efeito de ocasionar uma modificação do ato jurídico, e não declará-lo nulo. Sendo assim, de acordo com o art. 178, II do Código Civil, este prazo será, justamente, de quatro anos.
Já o prazo para o reconhecimento da fraude à execução é prescricional, e deve seguir as normativas previstas no Código Penal, eis que a ação penal é prejudicial da ação cível, de acordo com o art. 313, V, a e b, do Código de Processo Civil. Sendo a prescrição penal regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade, de acordo com o art. 109, tem-se que a pena máxima da fraude à execução atinge dois anos. Sendo de dois anos, então, o prazo prescricional para se intentar o incidente de fraude à execução é de quatro anos, de acordo com o inciso V, do art. 109, do Código Penal, eis que o máximo da pena é superior a um ano e não excede a dois.
Em síntese: ambas as medidas possuem um prazo de quatro anos para que o credor requeira a anulação/nulidade dos atos que visem a dilapidação ilícita de patrimônio por parte do devedor, sendo, para a ação pauliana um prazo decadencial, e, para o incidente de fraude à execução, um prazo prescricional.
6.3. Cooperação internacional.
Em algumas ocasiões, o devedor, principalmente os que devem pensões alimentícias, decidem se mudar com ânimo definitivo para outro país, deixando as obrigações que assumiram sem o cumprimento efetivo.
É certo que um dos direitos mais sagrados do indivíduo é, justamente, o de ir, vir e permanecer, em qualquer lugar que desejar. Sendo assim, o credor não pode, em hipótese alguma, requerer que seja impedido este direito do devedor.
Contudo, quando ocorre este tipo de situação, uma situação embaraçosa ocorre: como o credor pode exigir do devedor alguma prestação, sendo que está em outra nação? Ora, o poder judiciário brasileiro não pode interferir na vida de outra pessoa que encontre fora de sua jurisdição nacional, eis que isto feriria o princípio da soberania deste outro país. Logo, o credor deveria requerer, perante o poder judiciário da nação em que se encontra o devedor, o pagamento da referida prestação, que poderia ser deferido ou não, a critério daquela autoridade judiciária.
Logo de início, verifica-se a complexidade e o alto custo que este tipo de medida acarretaria. Primeiramente, pelo fato de que muito provavelmente o credor desconheceria o direito desta outra nação, e, segundo, pois necessitaria a contratação internacional de um profissional habilitado para exigir os seus direitos naquele juízo.
É pensando nisto que o Código de Processo Civil dispôs regras acerca da cooperação internacional, que possui como objetos, de acordo com o art. 27: I – a citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; II – colheita de provas e obtenção de informações; III – homologação e cumprimento de decisão; IV – concessão de medida judicial de urgência; V – assistência jurídica internacional; VI – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.
Tais medidas serão concretizadas por intermédio de Carta Rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça.
No exemplo acima, no caso dos alimentos, há a Convenção sobre a Cobrança Internacional de alimentos para Crianças e outros Membros da Família, regulamentado pelo Decreto n.º. 9.176, de 19 de outubro de 2017, que, de acordo com o seu artigo 34, prevê medidas de execução, como retenção do salário, bloqueio de contas bancárias ou de outras fontes, deduções nas prestações de seguro social, gravame ou alienação forçada de bens, retenção do reembolso de tributos, retenção ou suspensão de benefícios de pensão, informação aos organismos de crédito, denegação, suspensão ou revogação de certas permissões (como a de dirigir, por exemplo), recursos à mediação, conciliação ou a outros meios alternativos de solução de litígios que favoreçam a execução voluntária.
Assim sendo, mesmo que o devedor queira evadir do pagamento de suas obrigações mudando-se de país, o credor pode verificar se existe, a seu dispor, tratados internacionais que favoreçam a cobrança das suas dívidas.
7. Blindagem patrimonial: aspectos práticos.
Primordialmente é de suma importância haver um claro entendimento, no sentido de que blindagem patrimonial é toda e qualquer forma que o indivíduo possa utilizar, desde que prevista ou não proibida em lei[21], para resguardar e proteger o seu patrimônio de externalidades negativas, que visem a diminuí-lo.
Ou seja, a criação de uma pessoa jurídica, por exemplo, é, justamente, uma forma de blindagem patrimonial, pois, se for utilizada corretamente, repassando os lucros anuais às pessoas dos sócios e não havendo confusão patrimonial, esta conservará a sua personalidade jurídica para dívidas de caráter civil, e, mesmo na ocorrência de inadimplementos e de uma eventual falência, o sócio, ainda sim, preservará o seu patrimônio.
Assim sendo, para qualquer medida que o indivíduo queira tomar para preservar o seu patrimônio, deverá ficar atento para que a referida medida não constitua fraude à credores ou à execução, pois, conforme vimos anteriormente, nestes casos há a possibilidade de o credor declarar a nulidade ou pleitear a anulação destes atos, dentro de um prazo prescricional ou decadencial de quatro anos, sem prejuízo da sanção penal cabível. Obviamente que também é igualmente possível que o devedor se valha dos institutos para praticar eventual fraude contra credores ou contra à execução, contudo, no entendimento do autor, tais medidas não devem ser praticadas primeiramente por não condizerem com a boa-fé nas relações jurídicas, e, segundo, pelo risco de, a qualquer momento, tais atos serem anulados ou declarados nulos de pleno direito.
Além do mais, conforme vimos anteriormente, o credor também poderá pleitear a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, principalmente se a dívida possuir natureza trabalhista. Neste caso, por exemplo, seria possível que o indivíduo criasse uma estrutura prévia para evitar a dilapidação de seu patrimônio pessoal? É o que será estudado nos tópicos abaixo elencados, deixando a oportunidade para que o próprio leitor absorva as informações e crie o plano que lhe for mais conveniente, sempre lembrando-se de ficar atento para não cometer fraude à credores ou à execução, na hipótese de ser constatado o dolo em evadir-se com o seu patrimônio para frustrar as intenções do credor.
a) Aplicações financeiras
Orientamos, primeiramente, que o leitor faça uma análise completa do art. 833 do Código de Processo Civil, eis que neste dispositivo existem diversas hipóteses de impenhorabilidade de bens. Contudo, o que nos interessa, é, justamente, a questão das aplicações financeiras.
De acordo com o inciso X, do art. 833 do Código de Processo Civil, são impenhoráveis a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos. Em um primeiro momento, observa-se que somente a poupança é vista como impenhorável, contudo, é certo que a jurisprudência possui um entendimento majoritário de que, quando o legislador redigiu poupança, em verdade, quis dizer aplicações financeiras, ou seja, caso o devedor possua aplicações financeiras a título de CDB, LC, LCI, LCA, FI, Debêntures, ações, etc.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VALORES BLOQUEADOS EM CONTA-POUPANÇA VINCULADA À CONTA CORRENTE. IMPENHORABILIDADE. ART. 649, INCISO X, DO CPC. ALCANCE. LIMITE DE IMPENHORABILIDADE DO VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. MÁ-FÉ NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
1. “É possível ao devedor, para viabilizar o seu sustento digno e de sua família, poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta-corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda.” (REsp 1340120/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 19/12/2014).
2. “Reveste-se, todavia, de impenhorabilidade a quantia de até quarenta salários mínimos poupada, seja ela mantida em papel moeda, conta-corrente ou aplicada em caderneta de poupança, seja ela mantida em papel moeda, conta-corrente ou aplicada em caderneta de poupança propriamente dita, CDB, RDB, ou em fundo de investimentos, desde que a única reserva monetária em nome do recorrente, e ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias do caso concreto (inciso X).” (REsp 1230060/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/08/2014, DJe 29/08/2014).
3. A ressalva para aplicação do entendimento mencionado somente ocorre quando comprovado no caso concreto o abuso, a ma-fé ou a fraude da cobrança, hipótese sequer examinada nos autos pelo Colegiado a quo, visto que não aventada pela parte.
4. A parte recorrente não cumpriu o disposto no §2º do art. 255 do RISTJ, pois a demonstração da divergência não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, providências não tomadas.
5. Agravo regimental não provido.[22]
Isto posto, é perfeitamente possível que o devedor possua, a título de aplicações financeiras, valores até quarenta salários mínimos, que, nos dias atuais, perfazem a monta de R$ 39.920,00. O entendimento jurisprudencial obsta, todavia, que o devedor possua várias aplicações financeiras inferiores a este valor, ou seja, não poderá ter valores aplicados em poupança, CDB e Tesouro Direto, todos eles inferiores a quarenta salários mínimos, mas, que, em conjunto, superem este montante, esperando que todos eles possuam proteção legal e respaldo jurisprudencial. Deverá escolher um desses investimentos e realizar a aplicação financeira, ou aplicar em vários deles, sempre se lembrando de não ultrapassar este valor.
Se houver concurso de devedores, cada um deles terá o direito, igualmente, de ter este valor aplicado em determinado tipo de investimento.
É importante ressaltar que tal tipo de proteção não é aplicável a planos de previdência privada ou títulos de capitalização.
b) Casamento
O casamento é a união entre duas pessoas, que, com ânimo definitivo, decidem constituir uma família.
Como há o ânimo definitivo entre ambos os cônjuges, algumas formas de casamento foram pensadas pelo legislador, para que, em eventual rompimento, as partes não saiam prejudicadas, garantindo a divisão dos bens de forma equitativa, sejam os bens adquiridos somente após o casamento (comunhão parcial de bens), sejam os bens adquiridos tanto antes quanto depois do casamento (comunhão universal de bens), ou seja da forma que os nubentes decidirem para administrarem os seus bens (participação final nos aquestos). Há, inclusive, a hipótese de os nubentes decidirem que ambos os bens, sejam eles adquiridos antes ou depois do casamento, não sejam comunicados, e, nesta hipótese, não haveria a sua divisão em eventual rompimento do laço conjugal.
É importante salientar-se que, quando há algum tipo de casamento que preveja a divisão de bens entre os cônjuges, o credor poderia certamente entender que a determinada quantidade de bens de um cônjuge é, igualmente, de propriedade do outro, pois estes seriam divididos em caso de divórcio. Ou seja, o credor, ao localizar um imóvel no nome do cônjuge do devedor, poderia muito bem pedir ao juiz que este realizasse a penhora sobre 50% deste, caso os cônjuges tivessem casado em regime de comunhão parcial de bens, pois, frise-se: em caso de divórcio seria exatamente esta parte que iria para o devedor.
Como o casamento é realizado por escritura pública, as suas modalidades podem facilmente serem descobertas por um credor diligente.
Contudo, o que fazer se os cônjuges querem casar-se e querem ter o respaldo legal de eventual divisão de bens ocorridas em um divórcio? Ora, estes podem muito bem realizar um contrato de união estável prevendo a modalidade e o tipo de regime de divisão de bens que bem entenderem.
De acordo com o art. 1.725 do Código civil, na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se à relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Em que pese existirem entendimentos contrários, a lei não prevê que deve haver a escrituração pública deste contrato, bastando que os nubentes simplesmente o realizem na presença recomendada de quatro testemunhas com grau de parentesco em linha reta com os nubentes, ou colaterais em segundo grau. Além do mais, se houver celebração no âmbito religioso, tais provas poderão ser utilizadas em eventual processo judicial de separação com divisão de bens para comprovar, efetivamente, que, entre eles, houve união estável.
Tudo isto pode ser feito para evitar que o credor penhore os bens do cônjuge em sua integralidade (na hipótese de comunhão universal de bens), ou em sua parcialidade em até 50% (na hipótese de comunhão parcial de bens), em caso de cobrança de dívidas. Sendo a união estável prevista em lei, e não sendo necessário a escrituração pública para o seu reconhecimento judicial[23], esta modalidade de união poderia perfeitamente ser realizada para evitar que os bens do cônjuge sejam penhorados em eventual cobrança.
A escrituração pública, como pode se ver, é mera formalidade, que é incapaz de retirar os efeitos de uma união estável devidamente comprovada perante o poder judiciário, seja por contrato, seja por outros tipos de provas, como testemunhas, fotografias de um casamento religioso, etc.
Neste caso, se o devedor possuir uma dívida que não conseguir honrar com os seus bens, e, o seu parceiro tiver condições para arcá-la, o credor terá que produzir provas que não estarão disponíveis em registros públicos de pessoas para comprovar eventual união estável entre ambos, com o intuito de realizar a penhora de bens do parceiro, até porque, ambos manterão o status civil de solteiros e não de casados, o que dificultará, frise-se, a reversão da cobrança em desfavor do cônjuge.
É importante dizer que há a chance de que o credor pleiteie, via ação pauliana, que existe fraude contra credores, se houver transferência de bens do devedor ao seu cônjuge dentro do prazo decadencial de quatro anos, contados desta transferência (ultrapassado este prazo, ocorre a decadência do direito, nada havendo a se pleitear por parte do credor). Salienta-se, igualmente, que haverá a possibilidade de se pleitear, via incidente processual, fraude à execução, se tal medida for realizada no curso de uma ação de execução de dívidas, lembrando-se sempre do prazo prescricional de quatro anos (igualmente, se decorrer este prazo, nada poderá ser imposto ao devedor) para que se pleiteie o referido instituto, contados da data da celebração destes atos.
c) Registro de imóveis
De acordo com o art. 1.245 do Código Civil, transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Uma das formas mais usuais de dificultar o acesso do credor a informações quanto às propriedades de eventuais bens imóveis do devedor, é o mero não registro deste perante os cartórios de registros de imóveis. Ora, se o sujeito comprou um bem imóvel e não realizou o registro em seu nome, tendo, para comprovar a propriedade deste tão somente o contrato de compra e venda e o recibo de quitação, o credor não conseguirá localizá-lo mediante a utilização do SREI, ou do ARISP (no âmbito do Estado de São Paulo).
É importante ressaltar-se, todavia, que o não registro do imóvel em nome do comprador comportam alguns riscos, principalmente se este foi adquirido de desconhecidos. O principal deles é que, se não há a transferência de propriedade, o vendedor continuará sendo o atual dono deste, até que haja o registro da escritura pública competente. Sendo assim, por vezes, ocorre que este sujeito simplesmente realiza uma segunda venda deste mesmo imóvel a outro sujeito, e, este último, realiza a escrituração em seu próprio nome.
Neste caso, há alguns entendimentos jurisprudenciais no sentido de que haverá a perda de propriedade do imóvel (que, juridicamente falando, nunca existiu) por parte do primeiro comprador para o segundo, restando ao primeiro tão somente o direito de indenização contra o vendedor, para ressarcir-lhe dos prejuízos que foram causados. Ou seja: se duas pessoas distintas, por escrituras diversas, comprarem o mesmo imóvel, a que primeiro levar a sua escritura a registro é a que adquirirá o seu domínio.
Além do mais, corre o risco de o vendedor contrair dívidas e futuramente ter este bem penhorado, leiloado e arrematado por terceiros, que poderão, justamente, efetivar a inscrição deste em seus nomes, gerando o mesmo tipo de problema que citamos anteriormente.
Logo, mesmo sendo a não-escrituração de um bem imóvel uma excelente forma de dificultar o acesso desta propriedade por parte do credor, tal medida deve ser feita com cautela, pois, frise-se: o vendedor pode muito bem agir de má-fé e vender para várias pessoas, e, em algum momento, alguma delas poderá simplesmente realizar o registro deste e invocar o seu direito à propriedade do imóvel, exercendo de forma plena os direitos de usar, gozar e usufruir do bem, podendo praticar e intentar, perante o poder judiciário, ações de imissão na posse e de adjudicação compulsória.
É importante não confundir, neste tópico, a aquisição e o não registro do imóvel com a venda deste, pois, caso o imóvel seja vendido com o intuito de dilapidar patrimônio e dificultar a os interesses do credor, tal medida poderá ser entendida como fraude à credores ou à execução, a depender do momento em que foi realizada.
d) Registro de automóveis
O credor poderá pesquisar bens imóveis através do sistema SREI ou ARISP (se estiver no Estado de São Paulo), obtendo informações junto aos cartórios de registros de imóveis contra o devedor. Da mesma forma, o credor poderá utilizar o sistema RENAJUD, para pesquisar, junto ao DENATRAM, eventual propriedade de veículo automotor do devedor.
Neste caso, o mesmo raciocínio poderá ser utilizado, eis que, ao conduzir um veículo, fatalmente haverá a chance de o condutor sofrer diversas multas, e, anualmente, este terá que arcar com tributos obrigatórios como o IPVA e o DPVAT, além do licenciamento anual obrigatório. Como não houve a transferência deste bem, quem deverá arcar com esses tributos e com essas multas será, justamente, aquele que detiver a propriedade formal do veículo.
Nada impede, entretanto, que a medida seja aplicada (somando-se a este tópico as advertências do anterior), e, somando-se ao fato de que o prejuízo de eventual pontuação será de encargo do proprietário, que, a cada multa sofrida, deverá acionar o DETRAN de sua jurisdição para realizar a indicação do condutor, para que o sujeito que de fato utiliza o veículo arque tanto com a pontuação quanto pelos valores oriundos destas. Além disso, o IPVA e o DPVAT, bem como o licenciamento anual obrigatório, serão cobrados em nome do proprietário formal, não sendo possível a transferência jurídica deste encargo ao que, de fato, está utilizando o veículo.
e) Usufruto vitalício
Com o intuito de preservar-se de eventuais riscos que sobrevenham de inadimplementos obrigacionais, o sujeito poderá realizar a doação de seus bens à terceiras pessoas, ou aos seus próprios herdeiros (e/ou cônjuge), mediante antecipação de herança.
Para que mantenha o direito de utilizar-se desta propriedade, poderá justamente gravar a doação e registrá-la perante o registro competente, com cláusulas de usufruto vitalício, evitando-se que o donatário possa vender ou dispor deste bem enquanto o doador ainda estiver vivo. Além do mais, poderá gravar o referido usufruto bem com cláusulas de imprescritibilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, evitando-se que situações externas coloquem a utilização deste bem em risco.
Tratando-se de bens imóveis, é possível gravar o bem diretamente na escritura deste, incluindo-se todas essas cláusulas. Para revogar-se o usufruto, deverá aquele que gravou a referida doação com o usufruto, comparecer pessoalmente junto ao cartório em que esta inclusão foi realizada e pleitear a revogação deste.
Assim sendo, caso o doador possua algum tipo de dívida, não poderá realizar a constrição deste bem doado (desde que não verificadas as hipóteses de fraude a credores e a execução), pois, a propriedade deste será repassada a uma outra pessoa, que não possui qualquer tipo de relação jurídico-obrigacional com o referido credor.
f) O testamento público
O testamento é a manifestação expressa da última vontade sobre o que ocorrerá, e de qual forma se dará a partilha dos bens cujas propriedades sejam do testador. O requisito elementar para que haja efetividade no testamento é justamente a vontade livre de vícios, ou seja, o testador deverá comparecer pessoalmente no cartório competente e declarar que não houve influências externas no tocante a divisão de seus bens.
Nada impede, todavia, que o testador seja instruído e orientado sobre como proceder com a declaração de seu testamento, desde que, frise-se, este não seja coagido, nem tampouco lançado em erro sobre a sua real vontade.
Se um herdeiro estiver endividado e detiver direitos sucessórios, e a vontade do predecessor seja, efetivamente, que seus bens sejam transmitidos a ele, caso este venha a receber este quinhão, fatalmente estes bens serão entregues ao credor da dívida. Sendo assim, nada impede que o sucessor realize testamento público, transmitindo esses bens, respeitando-se a legítima, ao cônjuge, herdeiros ou pessoas de confiança do sujeito que a receberia.
Ocorrendo este fato, e transferindo-se os bens do sucessor às pessoas por ele indicadas no testamento, essas pessoas poderão conceder o usufruto vitalício, com as cláusulas de imprescritibilidade, impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade ao que de fato recebesse o quinhão hereditário. Desta forma, seria possível respeitar-se a expressão de última vontade do testador de forma mais efetiva, na medida em que o seu sucessor realmente utilizaria os bens que lhe forem disponibilizados.
Se os bens do testador fossem exclusivamente em pecúnia, seria interessante que este os convertesse em bens móveis ou imóveis, pois não é possível realizar-se o usufruto sobre o dinheiro.
g) Holdings
A Holding nada mais é do que uma pessoa jurídica com fins de administração do patrimônio de determinado sujeito.
A forma mais comum de blindagem patrimonial é, justamente, a criação de uma pessoa jurídica para este fim, transferindo-se a totalidade, ou parcialidade, dos bens de determinada pessoa, com o intuito de livrar-se dos riscos de sua atividade empresarial, ou de eventuais desavenças comerciais ou de natureza cível/pecuniária.
De fato, a mera criação de uma pessoa jurídica, alocando-se a totalidade dos bens nesta e retirando-os da pessoa física do sócio de outra pessoa jurídica que realize as atividades comerciais, demonstra-se suficiente, na maioria dos casos que envolvam questões tributárias ou cíveis. Conforme explicado anteriormente, a desconsideração da personalidade jurídica na esfera cível ou tributária adota a teoria maior, ou seja, para que esta se efetive, o credor deverá demonstrar abuso da personalidade jurídica, eventual prática de fraude, confusão patrimonial, ou, inclusive, por desvio de finalidade (ou seja, quando a pessoa jurídica não está praticando as atividades descritas em seu objeto social). Por conta dessas exigências, se a pessoa jurídica que efetivamente exerce as atividades mercantis estiver contabilmente e societariamente regularizada, o credor não poderá requerer a desconsideração da personalidade jurídica desta, para encontrar os bens do sócio.
Neste caso em exemplo, a Holding poderia ser utilizada somente para fins fiscais, eis que, em uma pessoa jurídica, haverá a redução da alíquota de IR, bem como outros incentivos fiscais, bem como para formalizar as diretrizes de inventário e de partilha em caso de falecimento, bastando-se que haja a inclusão, na Holding, de todos os sucessores, e que haja a eleição de cláusulas que regulem justamente que os bens serão repartidos em cotas sociais, e que serão divididos na forma prevista em contrato social, esquivando-se, desta forma, do pagamento de ITCMD, bem como eventuais burocracias e restrições impostas pela realização de uma partilha pública.
A principal lacuna reside na hipótese da superveniência de uma desconsideração da personalidade jurídica da empresa que está praticando as ditas atividades mercantis, bem como com a penhora das cotas sociais do sócio contra a Holding que este possui em seu nome. Além do mais, o mais grave risco é de que a dívida seja de natureza trabalhista, pois, além de penhorar-se as cotas do sócio, o credor trabalhista poderá pleitear pelo reconhecimento de grupo econômico, e pleitear a penhora, inclusive, dos outros sócios desta Holding, que normalmente seriam os próprios entes familiares do empresário.
Assim sendo, o desafio é, justamente, dificultar a comunicabilidade entre o sócio da empresa que presta o serviço com a sua Holding que está guardando o seu patrimônio, retirando-se, de preferência, o seu nome do quadro societário desta.
O autor entende que a melhor forma para se realizar a blindagem patrimonial desta forma seja, primeiramente, que a Holding seja constituída em nome de seus familiares ou por pessoas de sua confiança, sendo estes, efetivamente, os sócios desta[24]. Em segundo plano, deverá o empresário constituir uma sociedade em conta de participação com esta Holding, constituindo-se como sócio oculto desta, com cláusulas para que a Holding somente possua o direito de alienar os seus bens com a expressa anuência do sócio majoritário desta, e do sócio oculto da sociedade em conta de participação, ou seja: para que haja a alienação de algum bem deve haver unanimidade entre o sócio majoritário/administrador da Holding com o sócio oculto. Em terceiro plano, após a eleição das cláusulas do contrato, haverá a transferência de bens do sujeito detentor da pessoa jurídica que exerce atividade remunerada (o sócio oculto) à Sociedade em Conta de Participação.
É importante que, em caso de divórcio ou rompimento da união estável, as cláusulas atinentes à divisão de bens esteja prevista no estatuto da sociedade em conta de participação, e, que, na superveniência da quebra do vínculo conjugal, haja a dissolução integral da sociedade, pois, ante a desnecessidade de registrá-la na junta comercial competente (o que dá publicidade a esta), o credor, principalmente o de natureza trabalhista, não terá acesso a localização dos bens do devedor.
No caso de falecimento de algum dos sócios da Holding, a distribuição dos bens se dará por intermédio da cessão de cotas, de um sócio para o outro, nos termos do estatuto. Já no caso de falecimento do sócio oculto, deverá constar a cláusula de que os bens integrantes do patrimônio especial formado pela Sociedade em Conta de Participação sejam transferidos à Holding, e que, após essa transferência, os referidos bens sejam divididos de acordo com os termos que estarão previstos no contrato em conta de participação, sendo desnecessária a intervenção judicial para a partilha desses bens, quando houver consentimento mútuo entre todos os sócios, pois, frise-se: aqui não está sendo utilizado o direito sucessório, mas sim o direito societário.
É recomendável, com o intuito de se evitar eventual alegação de fraude à credores ou à execução, que a referida estrutura societária seja feita 4 anos antes do início das turbulências comerciais junto à pessoa jurídica que, efetivamente, exerce as atividades remuneradas que geram o risco de inadimplemento.
h) Offshores
Offshore nada mais é do que uma pessoa jurídica constituída fora do país. A tradução do termo se refere a fora da costa, ou seja, trata-se de algo que não está sob a jurisdição local, mas sim de outra nacionalidade.
A utilização da offshore pode ser analisada por duas perspectivas: a de efetivamente transferir patrimônio para o exterior, e, para a constituição de uma estrutura societária que vise afastar e tornar incomunicável a pessoa do sócio quanto aos inadimplementos que eventualmente a pessoa jurídica venha sofrer.
Sobre a primeira perspectiva, é importante ressaltar-se que qualquer movimentação financeira, principalmente as que destinam o envio de capital ao exterior, devem ser autorizadas pelo Banco Central, sob pena da prática de infração penal de evasão de divisas, prevista no art. 22 da Lei n.º. 7.492, de 16 de junho de 1986, que prevê penas de reclusão de dois a seis anos e multa. Para tanto, faz-se necessária a contratação de uma empresa de câmbio autorizada a funcionar pelo Banco Central. Para que o credor possa requerer o arresto dessas quantias enviadas para o exterior, deverá requerer que o juízo redija carta rogatória, e, para localizar estes bens, deverá realizar consultas através do Banco Central, a serem deferidas pelo juízo de execução.
Sobre a segunda perspectiva, a que mais parece interessante, é a constituição de uma offshore para, tão somente, substituir a pessoa do sócio, com o intuito de conferir a incomunicabilidade entre a pessoa jurídica que exerce atividade remunerada com a pessoa física do sócio.
É perfeitamente possível utilizar-se de uma pessoa jurídica para substituir a pessoa física do sócio, bastando que, ao final da alteração, esta possua os poderes de administração e gestão da sociedade.
Para que isto seja possível, primeiramente, faz-se necessária a constituição desta estrutura empresarial em algum país que promova certo sigilo societário, ou, que, ao menos, constitua certos rigores para que se descubra quem são, de forma efetiva, os sócios desta. Os dois principais e mais utilizados países que possuem o sigilo societário é o Estado de Delaware, nos Estados Unidos, que permite a criação de sociedades de responsabilidade denominadas Limited Liability Company, ou as conhecidas, LLC. Além disso, há a Suíça, que, além de prometer tributação sobre a renda de forma favorecida, também possui, em sua estrutura jurídico-normativa, o sigilo, ou discrição societária.
Em Delaware, apenas para fins de curiosidade, é extremamente simples constituir uma LLC, que pode ser feita, inclusive, pela própria rede mundial de computadores (através dos agentes autorizados), sem a necessidade de se comparecer presencialmente aos EUA para formalizar este procedimento. Além do mais, é possível constituí-la, com todas as autorizações norte-americanas em cerca de 15 dias, e, inclusive, receber a documentação diretamente pelo serviço postal, pagando-se todo este serviço através de cartão de crédito internacional.
Superada a fase de constituição desta offshore, é necessário nacionalizá-la, para que seja possível inscreve-la perante o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), sendo necessária a passagem por algumas etapas burocráticas, como a realização de tradução juramentada dos atos societários, bem como da procuração do administrador da sociedade.
Após a atribuição de um CNPJ, a empresa deverá ser formalizada na junta comercial de sua jurisdição. Após esta formalização, será possível realizar a substituição da pessoa física do sócio por esta offshore, sendo o sócio substituído responsável pelas dívidas empresariais até dois anos, contados desta alteração.
Entretanto, alguns cuidados devem ser levados em consideração:
1) A procuração para o exercício de nacionalização desta offshore pode ser passada para pessoa diversa da do sócio que efetivamente a constituiu. Ou seja, se o sujeito X constituiu a Empresa X LLC, não é necessário que a procuração para o exercício desses atos seja repassada, justamente, ao sujeito X, mas pode, efetivamente, ser conferida a qualquer outra pessoa, que, com poderes específicos, possua autonomia para nacionalizá-la;
2) Caso a empresa seja de responsabilidade limitada e exista outro sócio, para que o patrimônio deste também esteja protegido, será necessário constituir-se uma Holding em nome do sócio substituído pela offshore e incluí-lo a esta, por intermédio de Sociedade em Conta de Participação, prevendo, nesta última sociedade, qual é a proporção que terá sobre os bens que efetivamente aportar na Holding, de acordo com as explicações contidas no tópico anterior.
3) Caso a substituição ocorra em uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI, não será necessária a constituição de uma Holding, pois, em caso de desconsideração da personalidade jurídica da entidade que exerce as atividades econômicas, será, justamente, a offshore a responsável por esses inadimplementos, e, como nestes países há o sigilo societário, dificilmente haverá possibilidades para se encontrar o sócio que a constituiu.
4) O representante da offshore que substituiu a sua pessoa física de sócio (ou seja, a mesma pessoa), poderá controlar a empresa que exerce a atividade remunerada através de procuração, conferida pela offshore à pessoa do sócio substituído, não sendo necessário registrar o instrumento de mandato perante a junta comercial competente, e, se for o caso, poderá este demonstrar, para fins de relações comerciais, que, efetivamente, é o dono da offshore, não sendo necessário revelar esta informação aos seus credores.
Frise-se: o sócio substituído terá responsabilidade pelas obrigações da empresa até dois anos contados de sua substituição pela offshore. Após este prazo, estará isento de responsabilidade perante as obrigações assumidas pela empresa. Além do mais, as mesmas regras de fraude à credores e à execução serão aplicáveis, caso o credor efetivamente consiga demonstrar o dolo em ocultar o seu patrimônio para não honrar com as suas obrigações, e, desde que sejam respeitados os prazos decadencial e prescricional de quatro anos, conforme já explicado.
8. Negociação da dívida por parte do devedor.
Passados os apontamentos sobre como o credor pode cobrar a sua dívida, bem como o devedor pode proteger o seu patrimônio de acordo com as diretrizes legais e jurisprudências, passemos, então, a análise sobre algumas formas práticas para que o devedor possa negociar a sua dívida perante o credor, sejam dívidas oriundas de relação cível ou trabalhista, seja o próprio Estado cobrando os seus tributos.
É importante ressaltar-se que a mera constituição de um planejamento que vise a proteção dos bens do sócio, por si só, já cria um ambiente favorável para a negociação de dívidas por parte do devedor, eis que este poderá utilizar a argumentação de que, se o credor não aceitar o acordo, a empresa pode vir a passar por necessidades financeiras (por conta das negativações e protestos que eventualmente restrinjam o seu crédito perante o mercado) que culminem no seu término, acarretando, desta forma, o fato de credor não receber qualquer tipo de importância, dado que este não conseguiria (ou teria um procedimento extremamente dificultado), cobrar a pessoa física do sócio desta entidade.
Todavia é importante ressaltar-se que dificilmente existirão tratativas com o poder público, pois, a administração pública é regida pelo princípio da indisponibilidade dos bens, que evita ao administrador propor transações que culminem em prejuízo, ou em arrecadação à menor. O que é possível ao devedor, nessas ocasiões, é utilizar-se de todos os meios disponíveis em lei para tornar o pagamento desses tributos o menos oneroso possível, ressaltando-se que não é admissível o pedido de falência por inadimplemento tributário.
8.1. Dívidas cíveis.
O processo executivo é extremamente custoso para o credor, pois, além de ter que pagar com altas custas iniciais para ajuizar a demanda, ainda tem que continuar pagando vários outros tipos de custas processuais para que se concretize a maioria das diligências que requerer. Por exemplo, se o exequente pedir a realização de diligências como BACENJUD, INFOJUD, RENAJUD e SERASAJUD, deverá pagar, para ambas, separadamente, o valor definido pelo Tribunal da jurisdição competente.
Somando-se ao fato de que o processo judicial é notoriamente moroso, o credor se observa em um cenário que teve um prejuízo, e, ainda, tem que arcar com custas processuais para dar andamento a um processo extremamente lento. Tudo isso cria um cenário favorável para que o devedor entre em contato com o credor e proponha algum tipo de proposta para pagamento de suas obrigações.
Além disso, muitas vezes ocorre a cessão desta dívida para empresas especializadas em cobrança, por um valor muito aquém do que é devido pelo credor. Ou seja, se, por exemplo, o Banco X possui um crédito contra o Consumidor Y, oriundo de financiamento não pago, no valor de R$ 100.000,00, normalmente a instituição financeira procede, primeiramente, com todos os meios extrajudiciais possíveis para reaver este valor, intentando negativações, envio de correspondências, limitando ou restringindo totalmente o crédito deste perante a instituição, etc.
Quando o consumidor não realiza o pagamento, a instituição financeira, na maioria dos casos realiza a cessão desta dívida para empresas que se dediquem à recuperação desses ativos. Obviamente que não seria interessante para a empresa adquirir este crédito pelo seu valor integral, e tentam, em casos práticos, adquiri-lo por um percentual de 10% a 30% sobre o seu valor total.
Por vezes há a formalização da comunicação desta cessão de crédito ao consumidor, por vezes, a própria empresa realiza a cobrança em nome do credor[25], já propondo descontos substanciais e condições extremamente vantajosas, sem que o devedor nada fizesse para reduzir o valor de sua dívida.
Se, neste caso hipotético, a Empresa Z adquiriu este direito creditório pelo valor de R$ 15.000,00, então, qualquer valor acima disto será lucro. Sabendo-se que, efetivamente, este tipo de prática é comum, quando o devedor percebe que a sua dívida foi transferida do setor principal de cobrança do credor para uma empresa especializada em cobrança, pode desconfiar, e com razão, de que houve uma cessão de crédito, e, neste cenário, poderá pleitear por condições muito beneficiadas, com possibilidade de se quitar este valor inicial de R$ 100.000,00, por volta de R$ 20.000,00 ou algo em torno disto.
Isto posto, passemos a análise de algumas formas que o devedor poderá se utilizar para criar um cenário extremamente vantajoso para reduzir ainda mais o montante que lhe é devido.
a) Recuperação extrajudicial.
A recuperação extrajudicial, prevista nos arts. 162 e 163 da Lei 11.101/05, prevê duas modalidades deste instrumento. A primeira é justamente uma negociação voluntária entre o devedor e os credores, e, a segunda, é a submissão deste pedido ao juízo, com o aval de 3/5 dos principais credores, englobando-se a integralidade destes junto ao plano.
O devedor poderá utilizar o plano de recuperação extrajudicial para mostrar ao seu credor que efetivamente não possui condições de arcar com a dívida nas formas e condições estipuladas em contrato, alegando-se que este não faz parte dos principais 3/5 dos credores, sob pena de, não aceitando a proposta, requerer a homologação judicial deste, causando-lhe prejuízos, no sentido de condições de pagamento mais elásticas do que as propostas inicialmente. Não raro é encontrar planos prevendo parcelamento das dívidas entre 180 a 360 parcelas, o que pode servir para que o credor repense e flexibilize a sua proposta, seja no sentido de reduzir o valor, seja no sentido de propor uma condição de pagamento com um número maior de prestações, reduzindo-se o ônus mensal.
b) Recuperação judicial.
A recuperação judicial é uma forma mais agressiva de negociação, por parte do devedor, pois não envolve a vontade dos credores de forma plena, tendo em vista que, se o plano de recuperação judicial for aceito, haverá imediatamente a nomeação de um administrador para concretizar as diretrizes daquele plano.
O principal benefício é, justamente, a utilização da forma de pagamento que assim foi estipulada no plano de recuperação judicial.
O prejuízo será a substituição da administração da empresa, colocando-a nas mãos de um administrador judicial imparcial, e, a alteração da razão social da empresa para que, ao final, conste, obrigatoriamente, a expressão em recuperação judicial. Ou seja, se a Empresa Z pedir recuperação judicial, a sua razão social será alterada, para, obrigatoriamente, Empresa Z em recuperação judicial, o que pode afastar certas relações comerciais que a empresa possui ou venha a captar.
c) Frustração do credor no processo executivo.
Conforme dito anteriormente, a frustração do credor no processo executivo pode ser utilizada pelo devedor para a negociação facilitada de sua obrigação, pois, neste cenário, o credor terá em mente que: 1) Teve prejuízo, através de inadimplemento; 2) Teve prejuízo, através do pagamento de custas processuais; 3) O processo de execução é extremamente moroso; 4) Com todos esses prejuízos, ainda por cima não conseguiu recuperar este crédito por vias judiciais.
Toda essa junção de acontecimentos cria um cenário de desconforto por parte do credor. Assim sendo, a proposta de um fluxo de pagamento pode surpreendê-lo positivamente, fazendo com que este aceite, mesmo com bons descontos e parcelamentos mais elásticos.
Além disso, se, por algum motivo, o credor estiver inacessível pelas vias extrajudiciais (correspondência, e-mail, telefone, etc.), o devedor poderá provocar o judiciário, no próprio processo de execução, para requerer a designação de audiência de conciliação perante o CEJUSC, para aumentar as chances de que receba a intenção do devedor em compor a dívida.
8.2. Dívidas trabalhistas.
As dívidas trabalhistas possuem duas peculiaridades:
1) São dotadas de caráter alimentar, tendo em vista que o empregado utiliza os valores recebidos pelo empregador para a sua própria subsistência, fazendo com que o processo, tanto de conhecimento como de execução, possua, em teoria, tramitação privilegiada, acelerando, desta forma, a marcha processual;
2) No âmbito do processo do trabalho, adota-se a teoria menor para a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, basta que o empregador não realize o pagamento para que a execução seja convertida contra as pessoas físicas responsáveis pela atividade do devedor (sócios).
Mesmo sendo possível, conforme visto anteriormente, dificultar o recebimento destes valores inclusive pelo credor trabalhista, é importante partirmos dessas duas premissas para propor algumas ideias sobre como se posicionar ante esses débitos.
a) Prevenção e compliance: É forçoso evitá-las.
Por conta de ambas as duas peculiaridades supracitadas, é interessante que a empresa, se estiver passando por dificuldades financeiras e não puder arcar com algum tipo de despesa, ao menos mantenha os encargos trabalhistas em dia, pois, fatalmente, sobrevirão reclamações trabalhistas.
Destaca-se, desta forma, a necessidade de alinhamento das diretrizes e governanças corporativas sustentadas por uma metodologia de compliance trabalhista, que possui o intuito de analisar os procedimentos empresariais para evitar o descumprimento da legislação, da jurisprudência ou dos princípios jurídicos aplicáveis a esta relação, trazendo mais segurança e menores incidências de prejuízos futuros.
Trata-se, sendo assim, de um setor preventivo e que deve ser levado em consideração por qualquer entidade, eis que, financeiramente falando, à depender do tamanho da entidade, seria mais vantajoso prevenir, do que atuar sempre de forma repressiva a estes conflitos, com o risco de ocorrer certas inseguranças jurídicas, ou, até mesmo, eventuais erros processuais, como, por exemplo, o não comparecimento em uma audiência de conciliação, acarretando a presunção de veracidade de todas as alegações e direitos requeridos pelo trabalhador.
b) O acordo mútuo trazido pela reforma trabalhista.
A lei 13.467, de 2007, conhecida como reforma trabalhista, trouxe uma série de flexibilizações que visam permitir o acordo e a negociação entre o empregado e o empregador. O mais notável deles, na opinião do autor, é, justamente, o art. 484-A, que trouxe uma espécie de acordo mútuo entre empregado e empregador, garantindo o pagamento, à metade, do aviso prévio (se indenizado), multa de 40% (que, se houver o acordo, será de 20%) sobre o FGTS, e a integralidade das demais verbas trabalhistas. Ao empregado que aceitar o acordo, terá direito de sacar, das suas contas atreladas ao FGTS, o valor de 80% dos valores ali contidos, contando com a multa de 20%, e não terá o direito de requerer ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.
É situação bem comum o empregado por vezes não estar mais interessado em trabalhar na empresa, e não pedir a demissão, pois, se pedir, perderá, quase que em sua integralidade, as suas verbas rescisórias, bem como não terá direito ao Seguro-Desemprego e não poderá sacar qualquer valor depositado em suas contas atreladas ao FGTS. Nesta senda, por vezes o próprio empregado pede que a empresa o demita sem justa causa, com o intuito de receber todos os direitos rescisórios previstos em lei.
Contudo, existem casos em que o empregado simplesmente não realiza este pedido ao seu empregador, e, simplesmente, começa a agir de forma inefetiva, com o intuito de provocar a atenção ao empregador, para que ele o demita sem justa causa. Nesta hipótese, será perfeitamente cabível que a empresa chame o empregado e proponha o acordo mútuo trazido pelo art. 484-A, pois, sabe-se que na maioria dos casos a maior parte das verbas rescisórias é composta, justamente, pela multa de 40% sobre os valores contidos na conta vinculada ao FGTS.
Não havendo vício nas vontades do empregado, nada haverá a ser reclamado, fazendo com que a entidade empresarial reduza os seus gastos nas hipóteses de rescisão injustificada nos contratos de trabalho em pouco menos que a metade do que efetivamente seria dispendido.
c) Comissão de Conciliação Prévia.
Mesmo que nos dias atuais não exista a necessidade de submissão prévia do conflito trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia, podendo o obreiro ajuizar a demanda independentemente de passar por este procedimento, a instituição desta, por parte da empresa, ainda sim, verifica-se extremamente oportuna e interessante.
Primeiramente, a CCP terá composição paritária, com representante dos empregados e dos empregadores, que tentarão conciliar os conflitos individuais de trabalho, e poderão ser constituídas por grupos de empresas ou possuírem caráter intersindical, de acordo com o art. 625-A da CLT. Isso, por si só, já serve de garantia para ambas as partes: a entidade empresarial, principalmente as de grande porte, estarão sendo representadas, e, igualmente, o empregado também assim o estará, por sujeitos que poderão defende-lo sem qualquer reserva quanto a eventuais sanções ou demissões por justa causa, eis que a esses membros é garantida a estabilidade empregatícia provisória, e não poderão serem demitidos sem justa causa (mas, tão somente, por justa causa).
Além do mais, quando ocorre a conciliação junto a CCP, de acordo com o art. 625-E, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da Comissão, e, além disso, o termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas. Ou seja: feita a conciliação o empregado terá a segurança jurídica, consolidada em um título executivo extrajudicial, para exigir que os valores acordados sejam efetivamente adimplidos. Por fim, o empregador também terá a segurança jurídica, no sentido de que, após quitada essas obrigações, o empregado não terá o direito de reclamar futuramente.
De acordo com um relatório feito pelo CNJ, em 2016, cerca de 40% das sentenças no âmbito trabalhista são solucionadas, em 1º grau, por homologação de acordo[26]. Ou seja: 40% das reclamações trabalhistas são resolvidas, por conciliação, após o seu ajuizamento, que pode levar alguns meses até que haja a primeira tentativa de acordo.
Isto posto, é de suma importância que a entidade empresarial deixe essa estrutura configurada para a celebração de acordos trabalhistas, convidando todos os empregados demitidos, que, de alguma forma, exprimirem a sua não concordância com os valores rescisórios, a comparecerem junto com seu advogado ou representante legal, para firmarem um acordo junto a CCP, citando os benefícios e a celeridade de prosseguir-se desta forma.
Caso exista um compliance trabalhista e uma governança corporativa voltada a entrar em contato com estes empregados, de acordo com as estatísticas trazidas pelo CNJ, poderá haver uma redução em, aproximadamente, 40% das reclamações trabalhistas ajuizadas contra a empresa.
d) Crise e demissões em massa: negociação sindical.
Antes da Reforma Trabalhista, para que a empresa pudesse realizar demissões coletivas, deveria comprovar, previamente, a negociação sindical, sob pena de nulidade das rescisões e prorrogação do contrato de trabalho. Este entendimento surgiu quando a Embraer, em 2009, demitiu cerca de 4.200 trabalhadores de forma injustificada.
RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea – sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada – é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por conseqüência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”. DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que “a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”, observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial.[27]
Contudo, tal entendimento não deve prevalecer, eis que, após a Reforma, houve a introdução do art. 477-A na CLT, trazendo que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Se, por exemplo, a empresa possui dois clientes: o Cliente A necessita, para que a empresa entregue o produto ou serviço, que a empresa tenha 100 funcionários; o Cliente B, que necessita de apenas 10 funcionários. Se eventualmente a empresa perder o Cliente A, por qualquer motivo, poderá, de acordo com o art. 477-A da CLT, demitir, sem justa causa e sem necessidade de autorização ou comprovação de submissão ao sindicato competente, todos esses 100 empregados.
Contudo, conforme o exemplo trazido, 100 demissões injustificadas trarão, efetivamente, 100 obrigações de pagar as verbas rescisórias. Sendo assim, mesmo sendo desnecessária a submissão destas demissões ao sindicato competente, ainda sim a negociação destas perante esta entidade pode trazer algumas vantagens. Realizado um acordo coletivo de todas essas rescisões, tanto a empresa quanto o sindicato poderão, de uma só vez, definir como ocorrerão os pagamentos, seja à vista, seja através de parcelamentos, a serem ponderados caso a caso.
Mesmo que não haja o impedimento do empregado em ajuizar a sua reclamação trabalhista individual, este terá um grande incentivo em aderir a este acordo coletivo, pois receberá os valores devidos nas formas e nos prazos ali estipulados, não necessitando aguardar pela conclusão e julgamento de todo um processo de conhecimento que pode demorar vários anos.
8.3. Dívidas tributárias.
As dívidas tributárias possuem uma peculiaridade em específico: a impossibilidade, pelo menos prática, de se negociar, perante a Fazenda credora, condições e formas de pagamento[28].
Logo, eventuais condições favorecidas de pagamento, como descontos, remissões ou parcelamentos, devem sempre estar previstos em lei. Primeiramente, porque a administração pública é regida pela legalidade em sentido estrito, ou seja, o administrador só pode agir quando há previsão legal para tanto, e, em casos de discricionariedade, esta deve estar vinculada previamente a determinado comando legal. Segundo, porque sobre a administração pública rege um meta-princípio denominado indisponibilidade dos bens, que impede ao administrador a negociação dos bens públicos.
Assim sendo, por negociação da dívida tributária, entenda-se como a utilização dos meios previstos em lei para a obtenção de condições favorecidas para o pagamento do débito tributário.
É importante ressaltar-se que a Fazenda Pública, além dos direitos específicos de credor (como, possibilidade de negativar perante os órgãos de proteção ao crédito e protestar os seus títulos de crédito, por exemplo), ainda sim possui direitos processuais privilegiados, como o aumento de prazo para contestar e recorrer, por exemplo.
a) Parcelamentos ordinários.
O parcelamento ordinário contém requisitos gerais e aplicáveis para qualquer tipo de débito fazendário. Importante dizer que cada ente federativo poderá legislar sobre o tema, assim sendo, para fins didáticos, será citada a legislação federal, aplicável à União, sobre o parcelamento ordinário, e, inclusive, quanto aos outros tipos de regime de negociação que serão tecidos.
A Lei n.º. 10.522, de 19 de julho de 2002, prevê, em seu art. 10º, que os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional poderão ser parcelados em até sessenta parcelas mensais, a exclusivo critério da autoridade fazendária, na forma e condições previstas nesta lei. Ou seja, caso o contribuinte possua algum tipo de inadimplemento tributário, poderá, com a aplicação das multas, parcelar o débito, pelas vias ordinárias, em até sessenta vezes.
Importante salientar-se que o parcelamento pode ser requerido inclusive para processos que já forem ajuizados, suspendendo-se o seu curso, e, inclusive, suspendendo eventuais negativações junto aos órgãos de proteção ao crédito e protestos junto aos cartórios de notas e de títulos.
b) Programas especiais de regularização tributária.
Além do parcelamento ordinário, tanto a Receita Federal quanto a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, normatizam, de tempos em tempos, programas especiais de parcelamento, com condições e requisitos diferenciados do parcelamento ordinário.
Por exemplo, cita-se o último Programa de Regularização Tributária (PERT), normatizado pela Receita Federal, através da IN RFB n.º. 1.711, de 16 de junho de 2017, que prevê a inclusão de débitos vencidos até abril ou maio de 2017, citando-se os demais requisitos necessários para a sua inclusão.
O programa prevê condições muito mais vantajosas do que as previstas nos parcelamentos ordinários, como, por exemplo, o parcelamento em até 175 parcelas mensais e sucessivas, com redução de 50% dos juros de mora e 25% das multas de mora.
Este exemplo serve para salientar que o devedor tributário sempre fique atento a eventuais programas especiais para a regularização tributária, pois, sem sombra de dúvidas, possuem condições muito mais vantajosas do que a trazida pelo parcelamento ordinário (que inclui o valor das multas e dos eventuais honorários advocatícios).
c) Prescrição e decadência.
A análise sobre a prescrição e decadência tributárias é de suma importância, pois, não raras vezes, a Fazenda está exigindo algo que está prescrito ou decaído.
De acordo com o art. 174 do Código Tributário Nacional, a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva, interrompendo-se pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal, protesto judicial, qualquer outro ato judicial que constitua o devedor em mora ou por qualquer outro ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor (como a realização de um parcelamento por exemplo).
Por constituição definitiva entenda-se por lançamento tributário, ou seja, o prazo prescricional de cinco anos será iniciado após o Fisco, ao noticiar o fato gerador, tomar medidas para constituir em pecúnia este antecedente normativo. Se após cinco anos contados do lançamento tributário o Fisco quedar-se inerte ao intentar a exação judicial competente, o tributo estará prescrito.
Além do mais, existe a hipótese de prescrição intercorrente, evidenciada quando a Fazenda não dá andamento ao processo durante um longo prazo, fazendo com que o devedor se livre da dívida. De acordo com o art. 40 da Lei de Execuções Fiscais, o juiz suspenderá o curso da execução quando não forem encontrados bens em nome do devedor, e, sobre este prazo, não correrá a prescrição. Após o decurso de um ano mantendo-se este estado de infrutividade da execução, o juiz determinará o arquivamento do processo, e, nesta ocasião, o prazo para a prescrição intercorrente iniciará. Findo este prazo, o devedor não estará mais obrigado ao pagamento.
Além do mais, é importante analisar o processo administrativo que gerou a Certidão de Dívida Ativa, pois, em alguns casos, ocorre a hipótese de decadência tributária.
De acordo com o art. 173, I, do CTN, o direito de a Fazenda Pública constituir (realizar o lançamento) do crédito tributário será extinto após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetivado. Assim sendo, a análise do processo administrativo que gerou o lançamento é de suma importância, pois, por vezes, a Fazenda poderá simplesmente executar judicialmente um débito decaído, o que não poderá ser tolerado.
O conhecimento sobre prescrição e decadência tributárias é de suma importância, pois, de acordo com o art. 156, V do CTN, ambas extinguem o crédito tributário. Ou seja, mesmo que em eventual contrato de adesão a algum tipo de parcelamento, seja ordinário ou especial, haja a cláusula de renúncia à prescrição de eventuais débitos, tal disposição é nula de pleno direito por expressa ofensa a literalidade da lei, pois não é possível renunciar a algo que já foi extinto, conforme entendimento pacificado pela jurisprudência.
Assim sendo, há direito ao devedor pleitear a remoção de prestações prescritas ou decaídas junto ao parcelamento, bem como restituí-las, caso o parcelamento tenha sido quitado.
d) Pagamento indevido e compensação.
A compensação, conforme o art. 156, II, do CTN, é uma das modalidades de extinção do crédito tributário. O art. 170 prevê a possibilidade de que o sujeito ativo autorize a compensação de seus créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo, sendo vedada a compensação quando há contestação judicial da questão, antes do trânsito em julgado da lide.
Assim sendo, se, por exemplo, o contribuinte está incluindo ICMS, que incide sobre a circulação de mercadorias e serviços, sobre a base de cálculo de tributos como a PIS e a COFINS, que incidem sobre o faturamento da empresa, logo, está fazendo, de forma reiterada, o pagamento indevido, e, igualmente, gerando um crédito, líquido e certo, eis que este tipo de discussão já está pacificada no âmbito do STF.
Assim sendo, o contribuinte deverá exigir que o ente público não realize qualquer ato de constrição patrimonial quando não mais incluir o ICMS sobre a base de cálculo do PIS e da COFINS. Como ele tem um crédito, e, levando-se em consideração que o pedido de restituição destes ocorreria mediante o regime de precatórios, o contribuinte poderia valer-se do instituto da compensação, utilizando-se os seus créditos de PIS e de COFINS para abater de obrigações futuras de PIS e de COFINS que serão geradas com o decorrer de suas atividades.
Mesmo existindo o óbice legal, tanto o CARF quanto o próprio poder judiciário vêm aceitando a compensação de determinados créditos, já pacificados em sede de recursos repetitivos ou julgados em repercussão geral, a compensação antes do trânsito em julgado, como é o caso desses créditos de PIS e de COFINS.
e) Recuperação judicial.
Mesmo que o art. 187 do CTN preveja, de forma expressa que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento, fato é que legislações esparsas dão tratamento favorecido a empresas em recuperação judicial.
A própria Lei n.º. 10.522, de 19 de julho de 2002, que institui a regra geral dos parcelamentos ordinários, prevê, em seu art. 10-A:
Art. 10-A. O empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial, nos termos dos arts. 51, 52 e 70 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderão parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas, calculadas observando-se os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada
I - da 1a à 12a prestação: 0,666% (seiscentos e sessenta e seis milésimos por cento);
II - da 13a à 24a prestação: 1% (um por cento);
III - da 25a à 83a prestação: 1,333% (um inteiro e trezentos e trinta e três milésimos por cento); e
IV - 84a prestação: saldo devedor remanescente.
Além disso, uma empresa em recuperação judicial, poderia, por exemplo, aderir ao PERT previsto pela IN RFB n.º. 1.171, de 16 de junho de 2017. Assim sendo, caso a entidade necessite passar por uma recuperação judicial, tal fator não influenciará, mesmo que o CTN diga o contrário, a concessão de eventuais parcelamentos ou condições com melhores benefícios.
f) Reforma da LINDB: possibilidade de se pleitear remissão junto às Procuradorias?
O Decreto-Lei n.º. 4.657, de 4 de setembro de 1.942, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, teve uma alteração substancial em outubro de 2018, com a inclusão de 10 novos dispositivos em seu corpo (art. 20 ao 30).
O mais relevante para o foco do estudo, que é, justamente, o de encontrar formas para o pagamento da dívida tributária, está contido no novo art. 20:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
O dispositivo, que veio com o intuito de promover maior racionalidade e segurança jurídica às decisões administrativas, pode ser interpretado no sentido de, levando-se em consideração o direito de petição, o cidadão possuir a prerrogativa de requerer alguma iniciativa por parte do ente público e obter uma resposta com base nos aspectos práticos da decisão, motivando-se pela necessidade e adequação de medidas que eventualmente estão sendo impostas a este.
De acordo com o art. 172 do CTN, a autoridade passiva poderá conceder, mediante lei, remissão parcial ou total do crédito tributário, levando-se em consideração: 1) à situação econômica do sujeito passivo; 2) ao erro ou a ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato; 3) à diminuta importância do crédito tributário; 4) a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; 5) a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Com a análise do referido dispositivo, mesmo que não exista lei neste sentido, de acordo com o art. 20 da LINDB c/c art. 172, I, do CTN, o devedor poderá provocar a autoridade administrativa, com o seu direito de petição, requerendo que este analise um pedido de remissão do crédito tributário fazendário contra o sujeito passivo, desde que este demonstre, de forma objetiva, que não possui condições econômicas de arcar com a integralidade de seu passivo tributário.
A documentação mínima para que se demonstre a situação de crise empresarial pode ser obtida através do art. 51, II, da Lei 11.101/05: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua operação. Relatórios estes relativos a, no mínimo, os três últimos exercícios sociais, não se restringindo a estes, mas, podendo, inclusive, trazer outras demonstrações, como demonstrações de mutações de patrimônio líquido, demonstrações das origens e aplicações de recursos, demonstrações dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstrações do valor adicionado, e eventuais notas explicativas que se fizerem oportunas e necessárias.
Ora, caso a empresa consiga demonstrar, através de demonstrações emitidas por contabilista regularmente inscrito, que não possui condições financeiras de arcar com a verba tributária que o sujeito ativo está lhe exigindo, por conta de eventuais históricos de crises financeiras ou operacionais (sejam elas causadas pelo mercado, sejam elas causadas pelo próprio governo, através da instituição de burocracias ou aumento das alíquotas tributárias), não há justificativa plausível para que o administrador indefira o benefício. A norma prevista no art. 172, I do CTN é clara ao prever que o administrador poderá conceder a remissão total ou parcial de seu crédito tributário quando verificar a incapacidade econômica do contribuinte.
Ou seja, a partir desta interpretação do novo art. 20 da LINDB, verifica-se que há uma literal abertura para conseguir uma negociação da dívida tributária diretamente com o ente tributante, pois este deverá fundamentar levando-se em consideração os aspectos práticos de sua decisão, e não simplesmente indeferir sob a rubrica de ferir o princípio da indisponibilidade.
Fato é que, caso a administração recuse a concessão de remissão ou das formas de negociação propostas pelo contribuinte, ela própria estará dispondo de seu patrimônio, pois obteve provas concretas da condição de incapacidade econômica do contribuinte, e, mesmo assim, está insistindo em não aceitar. De acordo com a LINDB, o administrador, neste caso, deverá fundamentar a recusa prática de sua decisão de não concessão da remissão, ou das modalidades de negociação da dívida propostas pelo contribuinte, levando-se em consideração que: 1) está exigindo algo que o contribuinte não possui condições de pagar, nas modalidades legalmente previstas; 2) está recusando o recebimento de algo que o contribuinte, nas modalidades apresentadas, possui, efetivamente, condições de pagar; 3) está concordando que o contribuinte não terá condições de pagar, e continuará inadimplente com as suas obrigações tributárias, até que possua condições de arcar com o valor, ou que simplesmente venha a falência, fazendo com que o Estado nada venha a receber.
Colocadas essas premissas, oportuno é verificar se a Fazenda é competente legalmente para propor transações.
De acordo com o inciso XI, do art. 10, da Lei Orgânica da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, Decreto-Lei n.º. 147, de 3 de fevereiro de 1967, temos que:
Art 10. Ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional compete:
XI - Transmitir ao Procurador-Geral da República, quando expressamente autorizado, em cada caso, pelo Ministro da Fazenda, os elementos justificativos de transigência, desistência ou composição, por parte da União, em causas pendentes que interessem diretamente à Fazenda Nacional;
Ou seja, a referida lei garante, de forma expressa, que o Procurador-Geral da Fazenda Nacional pode realizar transações, e, inclusive, desistir de suas cobranças, ou compor os seus créditos, desde que transmita ao Procurador-Geral da República, mediante autorização pelo Ministro da Fazenda[29]. Assim sendo, se o PGFN pode realizar transações, o contribuinte poderá, efetivamente, requerê-las, e este não poderá negar o pedido com base em percepções jurídicas abstratas, conforme disposto no art. 20 da LINDB.
É importante salientar-se que este modelo de organização é adotado como uma espécie de regra em outras procuradorias. Cita-se por exemplo, a Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (Lei Complementar n.º. 1.270, de 25 de agosto de 2015), que, de acordo com o art. 4º e 7º, X, prevê:
Artigo 4º - A Procuradoria Geral do Estado, observado o disposto no inciso X do artigo 7º, poderá reconhecer a procedência de pedidos formulados em ações judiciais, deixar de propô-las, desistir das já propostas ou transigir em relação ao objeto litigioso, bem como deixar de interpor recursos ou desistir dos já interpostos.
Artigo 7º - Além das competências previstas na Constituição Estadual e em lei, cabe ao Procurador Geral:
X – desistir, transigir, firmar compromisso e confessar nas ações de interesse da Fazenda do Estado;
Na mesma lógica segue o município de São Paulo que, mesmo não tendo uma lei expressa sobre a organização de sua Procuradoria, possui a lei n.º. 10.182, de 30 de outubro de 1986, que dispõe sobre a nova composição da secretaria dos negócios jurídicos, cria a procuradoria geral do município e dá outras providências. Em seu art. 4º tem-se que:
Art. 4º O Procurador Geral é Chefe da Procuradoria Geral do Município - PGM, competindo-lhe:
VI - Confessar, desistir, transigir, firmar compromissos e reconhecer pedidos nas ações de interesse da Fazenda Municipal, podendo delegar estas atribuições;
Assim sendo, a LINDB, em seu art. 20, apenas conferiu maior racionalidade à máquina pública, que já previa a lógica de se pleitear uma espécie de negociação tributária, com literais propostas de acordo diretamente com o ente público. Havendo fundamentação legal para tanto, nada impede que o contribuinte demonstre as condições financeiras que possui e proponha um fluxo de pagamento perante o ente público, deixando em aberto a possibilidade de o administrador propor outras condições de pagamento.
9. Conclusão.
O presente estudo foi dividido em três partes:
1) As formas que o credor pode utilizar-se para conseguir o adimplemento de seu crédito;
2) As formas legalmente permitidas que o credor pode utilizar para proteger o seu patrimônio de riscos oriundos de sua atividade empresarial;
3) As formas e conselhos que o devedor pode utilizar-se para negociar a sua dívida, seja ela de natureza cível, trabalhista ou tributária, perante o seu respectivo credor.
As três partes servem para endossar a importância sobre a evolução do conceito de personalidade da pessoa jurídica.
O credor possui o direito de exigir, perante o devedor, que cumpra a obrigação pecuniária. Se este for uma pessoa jurídica, a pessoa que deve honrar esta obrigação deverá ser, justamente, esta pessoa jurídica. A racionalidade do ordenamento jurídico caminha neste sentido, ao permitir que a execução se reverta ao sócio desta entidade somente nos casos de abuso ou fraude.
Contudo, quando se depara com o processo trabalhista, existe um problema: o desrespeito ao instituto da personalidade jurídica, tendo em vista que, se esta foi criada com o intuito clarividente de proteger o patrimônio dos sócios dos riscos empresariais, por qual razão esta seara destoa de toda a lógica que o ordenamento jurídico possui? Ora, todas as áreas, com exceção da trabalhista, respeitam a personalidade da pessoa jurídica, pois esta é uma forma clara de fomentar a atividade mercantil por parte das pessoas.
A partir de um momento que o sujeito tem ciência de que poderá perder todo o seu patrimônio ao iniciar uma atividade econômica, muito provavelmente ele sopesará sobre esta decisão, pois, e se tomar uma decisão errada? Ou seja: não há estímulos para que ele empreenda neste negócio, principalmente em um país com demasiadas instabilidades econômicas e políticas.
A solução para fomentar a atividade empresarial é, justamente, o respeito à personalidade jurídica da empresa, pois, assim sendo, mesmo que o indivíduo falhe em sua atividade, se não for demonstrado que agiu mediante dolo, má-fé, ou que fraudou os seus credores, as dívidas serão consumidas pela pessoa jurídica e esta encerrará as suas atividades, mantendo o dono desta, os lucros que conseguir durante o período em que permaneceu em atividade, com uma sanção, no sentido de que não poderá empreender novamente antes de decorrido o lapso temporal previsto em lei.
É principalmente por conta do desrespeito à personalidade jurídica da empresa, praticados pela seara trabalhista, que houve a necessidade de se pensar em formas mais sólidas de se preservar o patrimônio do sócio desta entidade. Se, por um lado, é frustrante que o credor não receba as suas obrigações, é com absoluta certeza que o dano é muito maior ao sócio de uma empresa que perdeu todos os seus lucros, conquistados por anos de trabalho, por um entendimento fora do contexto que rege o ordenamento jurídico.
Sendo assim, trata-se de conferir direitos a ambas as partes: se o empregado possui direito a rescisão, o sócio possui o direito de falir a sua empresa e manter os lucros que acumulou durante a sua jornada.
Já nas outras searas o instituto da blindagem patrimonial sequer é levado em consideração, tendo em vista que, estas, respeitam a personalidade jurídica da empresa e entendem que o sócio, assim como qualquer outra pessoa, também possui o direito de conquistar as suas propriedades e mantê-las, mesmo que, eventualmente, a sua atividade venha não ser bem sucedida.
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