COVID-19. O conservadorismo pode salvar milhões de vidas pela vacinação

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Pelo conservadorismo, a unidade não sobrevive sem a coletividade. E são as virtudes, das gerações, que repassadas, permitem à coletividade existir

O Brasil vivencia, em boa parte da sociedade, a ideia de vida "melhor para todos” (utilitarismo). Da defesa do conservadorismo no Brasil, sim, a vacinação em massa é uma condição de pertencimento à pátria brasileira, a responsabilidade individual pela coletividade.

As leis derivam das vontades dos cidadãos, os representantes, então, devem agir pelo bem de todos os cidadãos. A tradição é uma das máximas de existência da comunidade, os valores familiares, religiosos, as instituições políticas.

A “condição lupa”, termo criado por mim, designa o foco em determinado assunto de um contexto. Nesta concepção de focalizar determinada circunstância, o conservadorismo no Brasil, e nos demais países, ganhou força política ao focar, pela “condição lupa”, em temas como aborto, sexualidade humana, casamento, religião. Assim, pela tradição, pelos valores religiosos, não é possível conceber o casamento entre seres humanos do mesmo sexo, muito menos adoções  de crianças por casais LGBTs, religiões e seus cultos incompatíveis com a tradição religiosa inerente a propria cultura, a igualdade entre homens e mulheres, a condição da emancipação da mulher no mercado de trabalho — quem educará os filhos para serem adultos responsáveis, cientes de suas ações para a preservação dos valores coletivos?

Lançando mão da “condição lupa”, isto é, focar em determinado segmento do arcabouço do que seja “viver bem”,a vida como deve ser, o artigo foca na responsabilidade individual para o bem da coletividade, no caso em tela, o ato de participar da vacinação para o enfrentamento do COVID-19. 

A RELIGIÃO

O legado da religião entre os conservadores é promover a união, jamais a desunião. Ainda que haja recomendações doutrinárias quanto ao aborto, por exemplo, o valor da vida humana também se estende para a responsabilidade individual perante a comunidade. A tradição religiosa preconiza a responsabilidade individual para o bem-estar da comunidade. Neste aspecto, nenhum religioso conservador irá incentivar os seus fiéis para o negacionismo da vacinação. Deus no céu, os homens na Terra. Ainda assim, a responsabilidade de todos os seres humanos para materializarem os princípios de Deus, dentre eles, a paz, a cooperação para a saúde de todos na comunidade. Nenhum chefe religioso pediria para os seus fiéis ingerirem algum veneno, como aconteceu nos EUA, a seita do pastor Jim Jones. 

A FIDELIDADE COM A COMUNIDADE

 Assim como a fidelidade dos filhos aos pais deve ser a base da relação familiar, e não a ideia de Alcova de que os filhos nada têm de obrigações aos pais idosos, pelas virtudes aprendidas, os valores da família, cada indivíduo deve, em respeito à própria comunidade, também lhe deu condições de sobreviver, como as virtudes aprendidas sobre tolerância e cooperação, não há lugar para a virtude do egoísmo. Agir de forma egoística, como centro do universo, como um ser desvinculado do todo e da comunidade, é, sim, irracional. Nenhum ser vivo sobrevive sem a cooperação entre os seres que compõem a comunidade. É possível verificar isso entre os animais não humanos. “Somente o mais forte sobrevive”, a concepção é um ideal fantasioso, desprovido de veracidade. Os animais não humanos, na maioria, até o animal considerado “o rei da selva”, caçam em grupo. Quando algum animal caça sozinho, a sua caça é mais frágil. Único leão, ou única leoa, jamais se atreveria a caçar único elefante. Entretanto, mais de um leão, ou mais de uma leoa, sim, caçariam único elefante. Entre os primeiros agrupamentos humanos, a cooperação era fundamental para a sobrevivência individual e do próprio grupo. Na natureza há cooperação entre as espécies. É possível afirmar, a cooperação é lei natural. 

As tecnologias atuais, algumas claro, dão a falsa condição “natural” de individualismo. A água potável canalizada necessitou de inúmeros seres humanos para o fornecimento para os demais seres humanos. O pão de cada dia, nos lares, nos bares, enfim, o alimento básico para se iniciar o dia, ainda que produzido por máquinas, é o resultado de esforços mútuos, desde o agricultor, do transportador, até o vendedor.

A noção de egoísmo, de que a comercialização de produtos é de interesse unicamente do vendedor, é errônea e absurda. O valor do produto depende do interesse alheio, das circunstâncias entre o vendedor e o comprador. Por mais que se ratifique que a relação entre ambos seja puramente egoísta, o núcleo da negociação é o próprio ser humano. Nenhum ser humano, em sã consciência, negociaria o que possui com um sapo, jacaré. Estes seres, para viverem, independem da existência humana. Os seres humanos, enquanto espécie recente, já encontraram todos os recursos disponíveis para a sua própria sobrevivência. Apesar das transformações dos recursos naturais, o meio ambiente já possuía os recursos necessários para a sobrevivência e o desenvolvimento humano. Das pesquisas científicas, a profilaxia é a consequência da causa, a existência de patógenos.  

A poluição ambiental é o resultado da atividade humana para a própria necessidade. Sendo produto da atividade humana, ainda que um ser humano não seja atingido pela poluição, por estar em local diverso da poluição produzida, o saber da possibilidade de ser atingido pela poluição de outro país, ou região, faz com que os indivíduos de outros países, ou regiões, preocupem-se com poluição que se aproxima. O esforço de ajudar o outro país, para acabar com a produção da poluição é ato de puro egoísmo? Ou seja, ajuda humanitária para não ser contaminado.  Por mais que a ajuda humanitária seja pelo interesse individual, da região, do país temeroso, pela poluição alheia, a preocupação quanto à sua própria coletividade. A cooperação entre os povos é uma condição natural, é uma lei natural, de que somente pela cooperação entre os povos é possível a sobrevivência da espécie humana em tempos catastróficos. Os exemplos são diversos, como no caso da Crise dos  Mísseis Cubanos e, agora, da pandemia causada pelo COVID-19. 

A premissa da individualidade, então, sobrevive enquanto é possível tê-la. Das transformações externas, sem o convite da espécie humana, a lei natural: cooperação.

GOVERNAR PARA A COLETIVIDADE

Qualquer governo existe pelas vontades dos soberanos. Eleito (s), o (s) representante (s) do povo age (m) para garantir a materialidade das vontades dos soberanos. Sendo a vida um direito natural, a todos o direito de existência. Por mais que seja sedutor o utilitarismo “maioria”, em questões das tradições de cada cultura, e não o multiculturalismo, quando a espécie humana está na iminência de inexistir, a cooperação se eleva às particularidades das próprias culturas, das diversas comunidades dentro do próprio país. Novamente cito o exemplo da iminência da Terceira Guerra Mundial na Crise dos Mísseis Cubanos.

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Sim, há divergências internas. Mesmo numa comunidade, das disputas pelas “verdades” das respectivas comunidades dentro de uma sociedade, a guerra, quando insuportável, a cooperação. No Brasil, por exemplo, os Anos de Chumbo (1964 a 1985) tornaram-se insuportáveis até para os anticomunistas. Não há como sustentar por muito tempo as guerras. Além disso, a fúria cega ao adversário ecoa entre os descendentes dos mortos. Das fúrias, dos algozes e dos descendentes das vítimas, não importando de qual lado esteja, ou a paz, ou aniquilamento de ambos os lados. 

Se existem  clãs, tribos, famílias, nações e Estados, nalgum momento, no ápice do confronto sanguinolento, das perdas consideráveis de ambos os lados, a razão: cessam-se disputas, os acordos são firmados, assim como “as regras de convívio”. A cooperação entre os povos, as comunidades.

Por tudo isso, por uma condição da lei natural, qualquer governante, ainda que eleito, não pode se afastar, descuidar-se de sua responsabilidade para com a coletividade. Os gestores públicos, prefeitos, governadores, chefe de Estado e chefe de governo, devem agir pelo bem-estar da coletividade. Do contrário, ao incitar contendas entre diversas comunidades locais, os resultados serão em prol de qual intenção? Não do bem-estar da coletividade, do município, do estado, do país. Das atuações dos gestores públicos dissociadas da lei natural, as responsabilidades inerentes aos seus atos.

DA RECUSA, DA INVOCAÇÃO DO INDIVIDUALISMO

Em momento de consternação geral, dentro dos lares, das comunidades diversas, a cooperação, ainda que entre comunidades ideológicas incompatíveis, representa uma das virtudes mais valorativas para a existência da espécie humana. A recusa quanto à vacinação, como condição de individualismo— autonomia da vontade e autopossessão contra a obrigação estatal — tem como compreensão, diante das inúmeras mortes no orbe terráqueo: a ignorância ideológica do individualismo é superior à percepção de que não se é Deus, entretanto, mortal. 

Quando da percepção, o ato de negacionismo à vacinação é o ato de suicídio, ainda que incosciente. Como é possível ter a certeza de que jamais será contaminado, ou se contaminado não sucumbirá pela ação do COVID-19? Não há certeza, a menos que seja Deus. Sendo mortal, a confiabilidade na ciência. Negar a ciência, é negar os conhecimentos de religiosos cientistas — 17 cientistas que eram também sacerdotes católicos, As contribuições dos cientistas muçulmanos para a Medicina.

Entre as diversas teses científicas, em qual confiar? Por não serem sólidas, as desconfianças e os movimentos antivacinas. Em todas as épocas da História, o novo assusta. Do medo à experiência, a resolução. Qual mãe negaria aos seus recém-nascidos a oportunidade de vacinação contra diversas patologias? Se tal mãe negar a tradição, os costumes, estará desacreditando os valores dos ascendentes que tomaram vacinas. Exemplo não distante, a Gripe Espanhola. Das experiências vivenciadas pelos ascendentes, a maioria usou equipamento de proteção individual, manteve o distanciamento social. O resultado, o aprendizado. Deste, o valor da transmissão da sabedoria. Sim, sabedoria é uma dentre várias virtudes.

Nenhum conservador “raiz” despreza os valorosos ensinamentos dos antepassados. A tradição, então, é a sabedoria, que é uma das virtudes humanas. Negá-la, ou desprezá-la, a sabedoria, é fomentar o individualismo, de escolhas desvinculadas da comunidade, dos valores, das sabedorias dos conservadores.

REFERÊNCIAS:

NISBET, Robert. O Conservadorismo. Copyright: © Robert Nisbet, 1986. Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1987.

SCRUTON, Roger. Conservadorismo [recurso eletrônico]: um convite à grande tradição / Roger Scruton; tradução Alessandra Bonrruquer. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Record, 2019.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

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