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A desoneração da folha e o limite fiscal

18/12/2020 às 13:28
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Governo Bolsonaro quer reverter decisão do Congresso de prorrogar desoneração da folha de pagamento, alegando impacto no orçamento e gerando preocupação com empregos.

O governo Jair Bolsonaro quer reverter no Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão tomada pelo Congresso de garantir a prorrogação da desoneração da folha de pagamento até o fim do ano que vem. Parlamentares e líderes dos setores afetados alertam que uma eventual revogação custaria milhares de empregos.

A desoneração não significa que a empresa deixa de pagar tributo. Ela apenas adota outro modelo de pagamento considerado mais adequado. A medida permite que empresas de 17 setores intensivos em mão de obra substituam a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

Essas empresas são as que mais empregam no país: 6 milhões de trabalhadores.

Na ação apresentada ao STF, o governo diz que a derrubada do veto do presidente Bolsonaro à prorrogação da medida, no início de novembro, teria sido irregular porque deputados e senadores não teriam apresentado os impactos que a manutenção da desoneração teria sobre o Orçamento.

O governo argumenta que a prorrogação representaria perda de R$ 10 bilhões.

Medidas legislativas aprovadas sem a devida adequação orçamentária e financeira devem ser suspensas. Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu trecho de lei que aumentou o piso a partir do qual se concede o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a famílias de idosos ou pessoas com deficiência.

Na decisão datada de 3 de abril do corrente ano de 2020, ,o ministro aponta que, enquanto não houver a indicação da fonte de custeio, não será possível viabilizar a execução da norma.

Ao analisar a matéria, o relator buscou estudiosos da doutrina constitucional e concluiu pela impossibilidade de validade de norma que contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Em seu julgamento o ministro Gilmar Mendes fala sobre o fenômeno das chamadas leis reforçadas.

Nesse aspecto, as relações estabelecidas entre o texto constitucional e as legislações financeiras amoldam-se com precisão ao chamado fenômeno da Leis Reforçadas, desvendado na doutrina constitucional portuguesa por Carlos Blanco de Morais que, ao se referir à existência de uma relação de ordenação legal pressuposta, implícita ou explicitamente na Constituição, aduz que: “As leis reforçadas pontificam num momento em que os ordenamentos unitários complexos são confrontados com uma irrupção poliédrica de actos legislativos, diferenciados entre si, na forma, na hierarquia, na força e na função, e cujas colisões recíprocas não são isentas de problematicidade quanto à correspondente solução jurídica, à luz dos princípios dogmáticos clássicos da estruturação normativa” (MORAIS, Carlos Blanco de. As leis reforçadas: as leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos.Coimbra Editora, 1998, p. 21).

Ainda em âmbito doutrinário, a propósito, a tese das Leis Reforçadas logrou franco desenvolvimento na obra de J. J. Gomes Canotilho, ao explorar justamente a função parametrizadora que as leis de Direito Financeiro exerciam sobre a legislação ordinária do orçamento. Como destacado pelo autor, a contrariedade da atuação do legislador ordinário na edição da lei orçamentaria em relação às leis-quadro que extraem a sua validade da Constituição Federal suscita a inconstitucionalidade indireta da norma. Nesse aspecto, destacam-se as considerações do autor: Se considerarmos a possibilidade de a lei do orçamento poder conter inovações materiais, parece que o problema não será já só o de uma simples aplicação do princípio da legalidade, mas o da relação entre dois actos legislativos e quiordenamentos sob o ponto de vista formal e orgânico. A contrariedade ou desconformidade da lei do orçamento em relação às leis reforçadas, como é a lei de enquadramento do direito financeiro, colocar-nos-ia perante um fenômeno de leis ilegais ou, numa diversa perspectiva, de inconstitucionalidade indireta. (CANOTILHO, J. J. Gomes. A lei do orçamento na teoria da lei. In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. J. J. Teixeira Ribeiro. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, número especial, 1979, v. II, p. 554).”

E conclui o ministro Gilmar Mendes:

“A partir de uma leitura sistemática dessas normas, tem-se que a efetivação de despesas relacionadas a esses benefícios requer (a) demonstração da origem dos recursos para o seu custeio total; (b) instituição da despasse com a estimativa trienal do seu impacto; (c) demonstração de que o ato normativo não afetará as metas de resultados fiscais e (d) demonstração de que seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes serão compensados pelo auto permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 8ª Ed. São Paulo, Editora JusPODIVUM, 2019, p. 531). A jurisprudência do STF é uníssona em reconhecer a constitucionalidade dos requisitos de majoração de benefícios de assistência social contemplados nos arts. 17 e 24 da LRF. No julgamento da Medida Cautelar na ADI 2.238, de relatoria do eminente Min. Ilmar Galvão, em que se discutia se as limitações legislativas à majoração de benefícios continuados seriam aplicados ao benefícios de assistência social, o Plenário da Corte concluiu que “as exigências do art. 17, da LRF, são constitucionais, daí não sofrer nenhuma mácula o dispositivo que determina sejam atendidas essas exigências para a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço relativo à seguridade social”. (ADI 2.238 MC, Rel. Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, Dje12.09.2008).”

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Apesar de a Constituição não impor expressamente o equilíbrio orçamentário, o art. 167, especialmente o inciso III, a chamada “regra de ouro”, proíbe “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”. No plano infraconstitucional, as diretrizes dos arts. 113 e 114 do ADCT têm elementos em comum com o conceito de gestão fiscal preconizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. (CORREIA NETO, Celso de Barros, in Comentários à Constituição do Brasil. J. J. Gomes Canotilho e outros. 2ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 2379 e 2380.) Para o autor, o art. 113 do ADCT regula o processo legislativo e tem como destinatário o autor da proposição legislativa.

A Emenda Constitucional 95/2016, por meio da nova redação do art. 113 do ADCT, estabeleceu requisito adicional para a validade formal de leis que criem despesa ou concedam benefícios fiscais, requisitos esse que, por expressar medida indispensável para o equilíbrio da atividade financeira do Estado, dirige-se a todos os níveis federativos. É o caso de princípios constitucionais estabelecidos.

Essa regra também significa, por outro lado, que a receita corrente deve cobrir as despesas correntes (não pode haver déficit corrente). A Regra de Ouro vem sendo adequadamente cumprida nos últimos orçamentos, exceto nos dois últimos (2003 e 2004).

Ainda com relação ao princípio do equilíbrio, um terceiro conceito surge a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal o chamado Equilíbrio Fiscal. Na verdade, exige-se mais que o equilíbrio, exige-se um superávit (fiscal), ou seja, a receita (primária) deve superar a despesa (primária) de forma que o saldo possa ser utilizado para pagamento do serviço da dívida pública.

Essa variação do princípio do equilíbrio faz parte das orientações orçamentárias constantes das leis de diretrizes orçamentárias. O art. 15 da Lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003 (LDO 2004) dispõe, por exemplo, que:"Art. 15. A elaboração do projeto da lei orçamentária de 2004, a aprovação e a execução da respectiva lei deverão levar em conta a obtenção de superávit primário em percentual do Produto Interno Bruto - PIB, conforme discriminado no Anexo de Metas Fiscais, constante do Anexo III desta Lei."

Sobre a situação excepcional por que vive o país lembra-se lição de Hesse: necessidade não conhece princípio.

Mas, fica a lição de Andrea Malhães (Jurisprudência da Crise: uma perspectiva pragmática. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2017, p. 247) assim resumida:

“As Cortes Constitucionais não podem fechar os olhos para vícios de inconstitucionalidade pelo simples fato de o controle recair sobre uma política de ação afirmativa. Em outros termos, nem todo o programa social é constitucional, po rmais inclusivo que seja. No entanto, caso haja dúvida razoável sobre a constitucionalidade do referido programa, deve ser considerada, dentre os demais fatores, a relevância da proteção do grupo vulnerável.”

Aí está o fulcro do problema que determina que a solução se dê diante dos limites do possível que o orçamento e as finanças públicas determinem para isenções e mitigações de carga tributária.

Penso que este será o norte da atuação do Supremo Tribunal Federal para o caso, pois se trata de matéria de responsabilidade fiscal.

Quanto aos empregos eles virão a depender da política pública que o executivo federal vier a adotar.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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