UM PÉSSIMO EXEMPLO

22/12/2020 às 16:35
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A SITUAÇÃO EM ESPECIAL DA OPERAÇÃO GREENFIELD E SUAS CONSEQUÊNCIAS.

UM PÉSSIMO EXEMPLO  

Rogério Tadeu Romano  

Não há dúvidas de que os fundos de pensão, órgãos de previdência privada, revelaram-se verdadeiras fontes malignas de corrupção. Eles se revelaram uma verdadeira “mina de dinheiro”.  

Estão eles dentro do sistema previdenciário brasileiro. 

A previdência social está organizada em três modalidades: oficial (mantida pelo governo); complementar fechada (oferecida por empresas ou associações de classe); e complementar aberta (comercializada pelas instituições financeiras). A regulamentação da previdência complementar, baseada na constituição de poupança para garantir aposentadoria ou pensão de dependentes, iniciou-se em 1977 e foi aprofundada a partir de 1998. 

No que concerne à natureza jurídica das entidades de previdência fechada, dir-se-á que elas, reguladas que eram pela Lei nª 6.435, não quando não adotarem a forma de fundações, serão associações regidas pelas normas do Código Civil referentes aos contratos da sociedade, submetendo-se, quanto a extinção, às normas do mesmo diploma legal.  A matéria hoje está disciplinada pela Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que determina que as entidades fechadas organizar-se-ão sob forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos (artigo 31, § 1º). 

Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: 

I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e 

II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores. 

Sendo assim dispôs a lei que o regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário (artigo 2º). 

Volto-me à Operação Greenfield.   

A operação investiga possíveis fraudes que causaram déficits bilionários aos fundos de pensão.  

De acordo com os investigadores, as aquisições de cotas do FIP eram precedidas de avaliações econômico-financeiras irreais e tecnicamente irregulares, com o objetivo de superestimar o valor dos ativos da empresa, aumentando, de forma artificial, a quantia total que o fundo de pensão deveria pagar para adquirir a participação acionária indireta na empresa. 

O resultado é que os fundos pagavam pelas cotas mais do que elas de fato valiam, sofrendo um prejuízo “de partida”, independente do sucesso que a empresa viesse a ter no futuro. 

O prejuízo passa dos 11 bilhões de reais.  

Surge a notícia de uma ameaça a essa operação.  

Ela vem do próprio Ministério Público Federal.  

É deveras preocupante o trecho divulgado no site do Consultor Jurídico, em 18 de dezembro de 2020:  

“O procurador da República Celso Tres, coordenador da greenfield, sugeriu que sejam redistribuídos todos os feitos que não possuem relação com lesões diretas e imediatas aos fundos de pensão. A medida busca dar uma solução ao acúmulo de processos que ocorreu no decorrer dos anos e ao esvaziamento da operação.  

 Em ofício obtido pela ConJur, enviado à cúpula do Ministério Público Federal, Tres narra que atualmente apenas sete pessoas, incluindo ele, fazem parte da força-tarefa da greenfield. O baixo número de membros, aliado à grande quantidade de processos, estaria impossibilitando o andamento dos casos.  

"Fosse eu o exmo. PGR Aras simplesmente teria dissolvido a FT [força-tarefa], determinando a distribuição total entre os membros(a) da PR-DF [Procuradoria da República do Distrito Federal], sujeitando o procurador natural e chefia da PR-DF à Corregedoria em razão do abandono", afirma.  

Tres também destaca que, no caso da greenfield, a "criatura engoliu o criador". "Mercê das melhores intenções, ampliou-se em demasia o objeto. Hoje, uma das razões da rejeição da PR-DF é, precisamente, o fato de que não eram atribuição originária, sendo indevidamente assumidas pela greenfield. Pior dos mundos: trabalho hercúleo e magnífico agora sendo tocado a contragosto pelos membros(a) da PR-DF. Hoje, caso ajuizemos qualquer ação (penal, improbidade) seremos apedrejados por quem caiba levá-las adiante." 

O procurador sugere três soluções para resolver o problema. O primeiro leva em conta o fato de que boa parte dos feitos acumulados pela greenfield não se relacionam com sua proposta original, que é a de investigar desvios em fundos de pensão. 

"A primeira providência é cirurgia radical, retirando, declinando à PR-DF, tudo que não seja lesão direta e imediata aos fundos de pensão (Funcef, Petros, Previ, Serpro)", diz.  

A segunda providência é criar uma "linha de produção" de acordos de não persecução penal/improbidade (ANPP-I). Por fim, afirma que todas as investigações, incluindo as de improbidade, deveriam ser enviada à Polícia Federal.  

Os acordos de não persecução teriam "como foco central a reparação do dano aos fundos (repondo prejuízo dos investimentos temerários e ruinosos), complementado por prestação pecuniária assistencial (entidades hoje barbaramente necessitadas, diga-se, as sérias, tradicionais, longevas, de práticas concretas, nunca as 'greenfield', apenas papel e propaganda) e prestação de serviços à comunidade".  

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"Urge tirar os fundos da zona de conforto. Não basta colaborar com a investigação. Isto é o básico. Quem não contribuir, além da responsabilização respectiva, deve ser objeto de nota pública do MPF aos aposentados e pensionistas, apontando a defecção", prossegue. 

Celso Tres assumiu a coordenação da greenfield em novembro deste ano, depois que Anselmo Lopes deixou o posto. Ele foi o único a manifestar interesse em chefiar a operação. 

Uma operação com essa envergadura não pode terminar assim. Ela exige uma força-tarefa que a ela se dedique, com prazo determinado e sujeita a resultados.  

Tem que haver, se não exclusividade, pelo menos desoneração de parte da carga de trabalho em favor daquele que pretende colaborar nos trabalhos do grupo de forma a racionalizar os serviços.  

A matéria precisa ser examinada não somente pelo procurador-geral da República como ainda pela Corregedoria da Instituição.  

Não resta dúvida que os fundos de pensão podem cobrar os prejuízos trazidos pelos responsáveis pelas operações que as prejudicaram.  

Em ofício de 14 páginas enviado à PGR, Celso Três, encarregado desde novembro de comandar as investigações sobre desvios milionários em fundos de pensão, afirma que ''decididamente, não estou aqui para trabalhar muito''. 

Disse ainda: ''Hoje, quero é jogar futebol'', revela o procurador no documento, que veio a público pelo jornal O Globo nesse fim de semana. 

Isso não é viabilizar a operação, mas, com o devido respeito, inviabilizá-la.  

Aliás, se há ideia de aplicar o artigo 28 – A do CPP, tal cogitação não pode envolver um trabalho de produção genérica. Falou o procurador na criação de uma "linha de produção" de Acordos de Não Persecução Penal. Cada caso é um caso, a exigir o necessário aprofundamento e análise de per si.   

Não é bom para a sociedade saber de frases como essa: ''decididamente, não estou aqui para trabalhar muito''. Isso é péssimo para o serviço público e para a Instituição.  

Ora, poderá ser caso de investigar se há conduta de prevaricação na conduta do agente ministerial por parte do órgão com atribuições correcionais se assim for entendido.   

Prevaricar é a infidelidade ao dever de oficio. É o descumprimento de obrigações atinentes à função exercida. 

Na forma do artigo 319 do Código Penal, de 3(três) maneiras o agente poderá realizar o delito. Duas delas de natureza omissiva(retardando ou omitindo o oficio). Outra, de feição comissiva, praticando ato contrário à disposição expressa de lei. 

O fato pode ser objeto, por certo, além de responsabilidade no âmbito penal, de condenação no campo civil da improbidade, à luz dos artigos 11(violação de lei ou de princípio) e 12, III, da Lei n. 8.429/92. 

O elemento subjetivo é o dolo genérico ou especifico. O primeiro consiste na vontade livremente endereçada à realização de qualquer das condutas referenciadas na norma. O dolo específico consiste na finalidade de o funcionário satisfazer interesse ou sentimento pessoal. 

Na forma comissiva pode ocorrer tentativa. 

O crime é de menor potencial ofensivo. 

Destaco aqui que a jurisprudência no sentido de que não se pode reconhecer o crime de prevaricação na conduta de quem omite os próprios deveres por indolência ou simples desleixo, se inexistente a intenção de satisfazer interesse ou sentimento pessoal(JUTACRIM 71/320) e ainda outro entendimento no sentido de que ninguém tem a obrigação, mesmo o policial, de comunicar à autoridade competente fato típico a que tenha dado causa, porque nosso ordenamento jurídico garante ao imputado o silêncio e até mesmo a negativa de autoria(RT 526/395). 

De toda sorte, há um desígnio administrativo da chefia da instituição em pôr fim às chamadas forças-tarefa.  

Segundo o DW, made for minds,   o procurador-geral da República Aras “quer uma maior centralização no órgão e não está sozinho nessa iniciativa. Ele conta com apoio de setores do próprio Ministério Público, que incluem procuradores mais antigos ou que acham que a força-tarefa passou dos limites, e do Palácio do Planalto, que tem interesse em controlar a Lava Jato para atender aos congressistas do Centrão que o apoiam no Congresso.” 

Há o risco de que há o risco, muito grave, de que a centralização buscada por Aras possa levar à mitigação das prerrogativas destinadas pela Constituição à Instituição.  

Isso é péssimo para a sociedade.  

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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