A resposta é sim!
Muitas redes de franquias surgiram a partir de um projeto piloto do próprio franqueador, que após início da expansão através do franchising perfeitamente pode permanecer na qualidade de dono ou não desta unidade, podendo optar pelo repasse a um novo investidor, o qual se tornará franqueado de uma unidade já em operação, focando suas energias exclusivamente no processo de vendas de novas unidades.
Há também casos em que a empresa franqueadora atua exclusivamente na expansão, não sendo a idealizadora do projeto. Nestes casos o sócio da franqueadora pode perfeitamente vir a possuir uma unidade própria.
O contrário também é possível: um franqueado se tornar sócio da franqueadora!
Exemplo disso podemos citar o caso do empresário Alexandre Rodrigues Diniz, sócio do Grupo Acerte, responsável pelas redes de lavanderias Prime Clean e Quality Lavanderia, o qual iniciou na rede como franqueado e após muito trabalho e dedicação foi convidado pelos sócios da franqueadora a unir forças ao time.
Ah, mas o fato do franqueador também ser sócio de uma franquia não caracteriza concorrência desleal?
O fato por si só não.
Neste ponto, vamos nos aprofundar ao que o artigo 1 º da Lei de Franquias:
Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.
§ 1º Para os fins da autorização referida no caput, o franqueador deve ser titular ou requerente de direitos sobre as marcas e outros objetos de propriedade intelectual negociados no âmbito do contrato de franquia, ou estar expressamente autorizado pelo titular.
Da leitura do referido artigo podemos concluir que qualquer investidor (terceiro interessado), com exceção do próprio criador do projeto/negócio, pode se tornar franqueado de uma rede, o que não se aplica no caso citado acima em que o sócio da franqueadora atua única e exclusivamente na expansão (vendas de franquias), não sendo ele nem a empresa franqueadora verdadeiros donos da marca nem idealizadores do negócio original.
Caso contrário, não estaremos falando de “socio franqueador que também e dono de uma franquia” e sim de uma mera filial, não sendo qualquer das modalidades contrária ao que permite o ordenamento jurídico em vigor.
O problema surge quando o sócio franqueador que possua um unidade própria ou, no caso de filial, deixa de obedecer as próprias diretrizes estabelecidas pra toda rede em detrimento da padronização (um dos pilares do franchising).
Ou, ainda, quando passa a adotar conduta parasita (exemplo de franqueadores que utilizam o fundo de marketing e propaganda em benefício de sua própria unidade franqueada/filial e não em ações institucionais), ou passa a usufruir de privilégios ou vantagens em relação aos demais franqueados (exemplo de franqueadores que recebem bônus de compras dos fornecedores em razão dos pedidos em escala ou promovem a venda direta de produtos em preço abaixo da própria tabela).
Com exceção do primeiro exemplo, tais situações vão muito além do que permite a livre concorrência, pois vão na total contramão da liberdade de competir de forma correta e honesta e a depender das circunstâncias do caso podem sim vir a caracterizar concorrência desleal.
Nesse sentido, podemos citar casos em que diante da constatação de possíveis práticas de concorrência desleal por parte do franqueador com decisões em favor do franqueado:
Cuida-se de ação declaratória de anulabilidade ou resilição contratual, onde as autoras pedem, liminarmente, que seja desde logo declarada a anulabilidade da avença, ou sua rescisão. Também, querem o afastamento da cláusula de barreira, inerente ao contrato de franquia, que as impede de vender mercadorias de outras marcas, bem como, a suspensão de cobrança de royalties ultimamente imposta por ação da empresa ré.
Sustenta a parte autora que o contrato de franquia firmado entre as partes é anulável porque a carta de oferta de franquia que ensejou a contratação não foi feita com respeito ao parágrafo único , do art. 4º , da Lei 8.955 /94.
Afirma não tem mais interesse no negócio firmado entre as partes, qual seja, o contrato franquia, pois a franqueadora exigiu, na realização do empreendimento pela franqueada, investimento superior ao pactuado. Invoca a exceção de contrato não cumprido, falando que a franqueadora tem sido omissa com suas obrigações contratuais, ao deixar a franqueada desguarnecida de mercadorias de boa vendagem, enviar roupas e calçados com defeitos, além de retirar o caráter de exclusividade da franquia ao realizar vendas diretas, por preço inferior àquele suportado pelos franqueados, através da internet.
Argumenta que a ré tem imposto o injusto pagamento de royalties mesmo sem transferir o know how necessário ao desenvolvimento da atividade.
Acrescenta que, em virtude da atitude danosa da ré, tem passado por graves dificuldades na continuidade do empreendimento e necessita de mercadorias de qualidade para aparelhar sua loja, coisa que a ré não tem logrado apresentar...
Todavia, independentemente da alegação de descumprimento contratual por qualquer das partes, os contratantes tem total liberdade para realizar um negócio jurídico, bem como para desfazêlo, se assim for de sua vontade, bastando efetuar a notificação à outra parte, conforme dispõe o art. 473 do CC ...
Contudo, no que concerne ao pedido de suspensão das cobranças de royalties futuros, entendo possível o pleito, dado que aqui foi manifestada a intenção de rescisão contratual, ante a existência de excessiva onerosidade na continuidade do contrato.
Concernente a cláusula de bloqueio (cláusula 2.2.1 do contrato), sua vigência pode ser suspensa desde que a parte autora deixe de operar com o nome da marca da franqueadora.
De efeito quanto a estes pontos estaria presente presente o fumus boni iuris, a justificar o deferimento da medida liminar, devendo, no mais ser observadas as cláusulas do contrato de franquia pactuado até que seja definitivamente rescindido.
Vejo também possível que as mercadorias ainda presentes na loja sejam vendidas, até porque, a própria ré teria retirado a exclusividade das franquias ao operar com vendas na internet (fls. 237/245).
Dessa forma, defiro parcialmente o pedido liminar, somente para determinar que a ré se abstenha de cobrar das autoras futuros royalties do contrato rescindendo, bem como, permitir que a parte autora comercialize mercadorias de outras marcas, desde que deixe de girar sob a denominação da marca...
001/1.15.01604806., PORTO ALEGRE, 4 DE NOVEMBRO DE 2015.
O importante é saber que sendo ou não o sócio da franqueadora também dono de uma unidade própria da franquia ou, filial, tal informação deverá constar da COF – Circular de Oferta de Franquia, conforme preconiza o art. 2. º da Lei de Franquias.
Fontes
BRASIL. Lei n. 13.966, de 26 de dezembro de 2019, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13966.htm. Último acesso em 23 de dezembro de 2020.
De Franqueado a sócio. Disponível em https://www.portaldofranchising.com.br/historias-do-franchising/de-franqueadoasocio/. Último acesso em 23 de dezembro de 2020.