INTRODUÇÃO
O iminente estudo possui como norte a disponibilização da problemática decorrente da atuação arbitrária do indivíduo em relação ao seu semelhante, conforme disposição doutrinária e regulamentadora.
Em um primeiro momento, há de se falar a respeito do tema central do presente trabalho monográfico, o direito penal paralelo, mais especificamente, a justiça com as próprias mãos. Está previsto no Código Penal, artigo 345, sendo definido como exercício arbitrário das próprias razões, com a pena de 15 dias a 1 mês, além da pena pela violência.
A ideia do direito penal paralelo e da justiça com as próprias mãos, é algo já comum ao longo de toda a história da humanidade, os julgamentos durante a revolução francesa, as execuções durante a idade média, entre outros.
Existem muitas outras formas de direito paralelo, mas esta pesquisa centraliza-se no direito penal, ou seja, nas formas de os populares buscarem a justiça criminal sem a presença do Estado, afastando o processo e a jurisdição e, com isso, obstando a ampla defesa e o contraditório.
O tema não se afunila somente ao procedimento legal e aos julgamentos, mas abrange também às penas aplicadas, citando alguns casos já conhecidos e analisando as formas de punições.
A justiça no âmbito criminal, é um poder cuja jurisdição é do estado, é ele, por meio de seus agentes, o responsável por tentar esclarecer a verdade real dos fatos e decidir da maneira mais justa possível, por meio de um devido procedimento legal que dê a oportunidade de o acusado se defender de maneira eficaz.
Porém, a justiça é algo abstrato e difícil de ser atingida, o que pode resultar em uma sensação de injustiça nas decisões do Estado, cultivando um sentimento de vingança por parte das pessoas e desconfiança no poder público.
Muitas vezes o Estado acaba sendo, aos olhos de alguns, incapaz de promover a própria justiça, isso por conta de vários motivos, como a morosidade, falhas no procedimento legal, entre outros. Agravando a desconfiança, fazendo com que as pessoas busquem sanar seu desejo de justiça por outros meios, estes, muitas vezes violentos, arbitrários, mas eficazes em suprir este anseio.
A pesquisa não se baseia apenas em comentar acerca dos populares, mas também dos próprios agentes do estado que usam da justiça paralela, para promover jurisdição em benefício próprio, abusando de seu poder de autoridade.
É necessário também, analisar, além do procedimento, o lado sociológico do tema, entender o que leva as pessoas a tomarem esse tipo de atitude a qual o delineamento de quem a pratica. Observar também o perfil do “inimigo” e os motivos que o levam a ser caracterizado como tal.
Enfim, a pesquisa tem por objetivo primordial aclarar o entendimento sobre esse direito penal paralelo, que já se encontra em confronto com vários princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988.
1. EVOLUÇÃO DO DIREITO DE PUNIR
O direito de punir é uma instituição necessária à humanidade, desde os primórdios das civilizações e da racionalidade o homem tem aprendido a viver em uma “societas criminis”, sendo necessário que se cultive um conjunto de normas, mesmo que consuetudinárias, para harmonizar as relações “inter homines”.
Com a constituição da racionalidade, o homem se viu livre das leis da natureza, não há mais a necessidade de seguir seu instinto, sendo assim, independente para construir seu próprio pensamento e edificar uma nova sociedade de animais pensantes.
Tamanha liberdade gerou um impasse na nova sociedade racional, a diversidade de pensamentos semeou conflitos, estes muitas vezes violentos e/ou prejudiciais, ademais, algumas pessoas passaram a tomar atitudes e comportamentos, considerados nocivos à sociedade, suscitando um meio de coibir e puni-las, baseado, inicialmente, em crenças e culturas lavradas pelo grupo em que se encontram.
TELLES, Thiago da Nova vem a dispor sobre a ideia, afirmando que:
O pensamento sobre as teorias da pena não se iniciou na modernidade. Desde os primórdios da filosofia, este tema é pensado e repensado, haja vista sua relevância social, filosófica, política, psicológica e, até mesmo, econômica (2008, p. 16).
1.1. Fases da Vingança
O direito de punir se iniciou, historicamente, pelo período vingativo ou primitivo, passando a seguir pelo período humanitário e logo depois o
científico, mas vale lembrar que, essas fases não se sucedem cronologicamente de uma maneira matemática, mas convivem entre si ao longo do tempo, conforme analisado no presente trabalho.
O período primitivo ou a fase da vingança foi a primeira fase do direito penal, sendo sua análise e compreensão estritamente necessárias para o entendimento do tema. Conforme supõe NIETSZCH, Friederich Wilhelm, “fazer sofrer era altamente gratificante, na medida em que o prejudicado trocava o dano, e o desprazer pelo dano, por um extraordinário contra prazer: causar o sofrer” (1877, p. 25).
Não havia um procedimento jurídico, como temos nos dias atuais, para julgar e aplicar a pena, além de que, não restava presente um limite na punição aplicada, especialmente durante as civilizações mais primitivas. A pena ia até onde o a vítima ou o grupo em que está envolvido se aliviava no contra prazer pelo dano.
Convém ressaltar, SILVA, Ageu Tenório aduz:
Esta fase confunde-se com a busca do homem em firmar-se como elemento modificador do meio em que vive. É um tempo em que os conflitos são tomados, inicialmente, como uma ofensa contra o grupo ao qual pertence o ofendido. Desta forma legitima-se a toda coletividade a buscar dar cabo do conflito. (2005, online).
Esse período que se segue até o século XVII, que se finda com o início do pensamento iluminista e do período humanista do Direito Penal, vale lembrar que alguns procedimentos da fase da vingança perduraram durante essa época e perduram até hoje, conforme veremos no desenrolar do presente trabalho, foi marcado pelas penas violentas e corpóreas, as quais não tinham o objetivo de trazer a justiça ou ressocializar o réu, mas apenas causar dor ao ofensor, saciar a ânsia por vingança da vítima ou da sociedade, e evitar que outras pessoas pratiquem a mesma conduta, educando exclusivamente pelo medo.
Para compreender melhor esse período, é necessário que seja dividido entre 3 classes, a vingança privada, divina e pública.
1.2. Vingança Privada
Apesar de muitos autores adotarem como sendo uma sazão dentro da história da vingança, tais fases não seguem uma ordem cronológica, visto que diferentes sociedades foram formadas ao longo da história, algumas, mesmo dividindo a mesma linha temporal, possuíam costumes e normas totalmente diferentes umas das outras.
A fase da vingança privada é a mais primitiva de todas, igualmente a mais instintiva, nela prevalecia o exercício arbitrário das próprias razões, conduta de fundamental análise para o entendimento do tema da presente pesquisa.
Conforme DUARTE, Maércio Falcão fundamenta:
Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo... foi um dos períodos em que a vingança privada constituiu-se a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos. (1999, online)
Foi uma época em que inexistia qualquer tipo de procedimento jurídico, as penas e julgamentos eram aplicados pela própria sociedade, por meio de linchamentos, apedrejamentos, etc.
LAURIA, Thiago também cita a respeito em seu curso online, segundo ele:
A vingança privada constituiu o principal instrumento de composição de conflitos dos povos antigos. Antes de existir um Estado organizado, com o monopólio da jurisdição, o poder punitivo se encontrava difundido entre os particulares, que exerciam a justiça com as próprias mãos. Não havia um poder que centralizasse o direito/dever de punir.
O ofensor não era o único ser punido. Sua família, seus amigos, outros membros de seu clã, enfim, todas as pessoas de seu círculo de convivência poderiam acabar sendo alvo da vingança privada. Dessa forma, uma desavença pessoal poderia acabar se tornando uma verdadeira guerra tribal. Não havia limites para a vingança privada. (2015, online)
Devido ao fato de não haver uma regra, norma ou lei que previsse a punição, o crime e o procedimento para identificar o culpado. Tal processo ocorria de maneira bastante aleatória, injustiças eram passíveis de acontecer, sem falar no fato de não haver um limite à pena, que muitas vezes acabava sendo excessivamente cruel, para os padrões atuais, e improporcionais ao crime cometido.
Outro ponto importante a ser analisado, é que, conforme a citação de LAURIA, supra, a pena muitas vezes transpassava da pessoa do condenado, respingando em seus familiares ou amigos, as vezes até na tribo ou grupo social.
Vale lembrar que era um época primitiva, onde os crimes ainda não eram tão bem elaborados como hoje em dia, nem mesmo bem estabelecidos, sem falar que a ciência, o raciocínio e a filosofia ainda eram incipientes, resultando em formas de julgamento e investigação bem mais rudimentares do que as atuais, se é que existiam.
1.3. Vingança Divina
A vingança divina, diferente da privada, é um comportamento no qual a punição do condenado é determinada pelos deuses, os quais tem sua vontade representada na pessoa de um sacerdote, que dirigia o julgamento e sancionava a pena.
Nesta fase o comportamento desviante era tido como uma ofensa aos deuses. Estas regras são encontradas nos códigos da Índia, China, Babilônia, Pérsia, Israel, etc. A administração e aplicação das penas, geralmente ficava a cargo dos sacerdotes (SILVA, online).
Nesta fase, era menos frequente o exercício das próprias razões, a administração das penas era feita pelo sacerdote, além de que em algumas sociedades, havia uma norma ou regra, escrita ou consuetudinária, que ditava o procedimento de sanção da pena e de julgamento do acusado.
Apesar disso, ainda prevaleciam as penas corporais e cruéis, que, quase sempre, resultavam na morte do acusado, como podemos ver na Bíblia Sagrada, no livro de Josué, capítulo 7:
Então Josué e todo o Israel com ele tomaram a Acã filho de Zera, e a capa, e a barra de ouro, e a seus filhos e a suas filhas, e a seus bois, e a seus jumentos, e a suas ovelhas, e a sua tenda, e tudo quanto tinha, e levaram-nos ao vale de Acor. Disse Josué: Por que nos conturbaste? O Senhor hoje te conturbará. E todo Israel o apedrejou; e depois de apedrejá-los, queimou-os a fogo. E levantaram sobre ele um monte de pedras, que permanece até ao dia de hoje; assim o Senhor apagou o furor de sua ira... (ALMEIDA, 1969, p. 238. e 239).
Como pode ser visto, as penas consideradas, nos dias atuais, como desproporcionais se mantem assim como na vingança privada, ademais, o costume de a punição transpassar da pessoa do acusado se perpetuou.
Quanto aos julgamentos, a aleatoriedade deu lugar à regra, determinada pelas escrituras religiosas ou costumes, geralmente era feito também pelo sacerdote e nem sempre poderia ser considerado justo, visto que a religião tinha muito mais força antigamente e a laicidade dos julgamentos era algo jamais imaginado à época.
A respeito disso:
O direito islâmico não pode de forma alguma se visto como um sistema apartado da religião em que se funda, exatamente por dela depender quase que em sua totalidade. A doutrina tende à unanimidade em se tratando da (não) autonomia da ciência do direito muçulmano. (SILVA, 2009, p. 58)
A charia, é um exemplo que se perdura até hoje, se trata do direito islâmico, que permanece fundamentado nas escrituras sagradas de Maomé, como o Corão, a Suna, a fiqh e a ijma.
Conforme fundamenta NORONHA, Edgar Magalhães “O direito e o poder de punir emanavam de Júpiter, o criador e protetor do universo. Dele provinha o poder dos reis e em seu nome se procedia a o julgamento do litígio e a imposição do castigo” (1997, p. 21).
Assim como argumenta um artigo na Wikipedia a respeito:
Uma crença amplamente difundida pelo oriente próximo era a de que os deuses poderiam criar apenas pelo poder da palavra. A palavra dos deuses também funcionava no sentido de estabelecer o "me", a lei cósmica (online).
Os deuses não eram apenas seres de outro plano que somente influenciavam na natureza, eles tinham grande influência em algumas sociedades e ainda tem. Além de responsáveis pelo julgamento, aplicação e sanção da pena, também tinham a função de legisladores, determinando todas as regras de condutas a serem seguidas pelos humanos.
Os julgamentos com base na vingança divina eram uma prática comum entre os povos do mundo inteiro na antiguidade, com algumas poucas excessões, sendo que alguns povos islâmicos, mantêm a tradição de julgamentos divinos até os dias atuais.
1.4. Vingança Pública
A vingança pública é uma primícia do pensamento a respeito do direito penal atual, comum entre os povos egípcios, mesopotâmios entre outros, também entre civilizações clássicas, como gregos, romanos e macedônicos.
O procedimento, as leis, sanções e práticas penais passaram a ser promulgadas por uma entidade pública, ou seja, do estado, seja ela por um soberano, ou por um funcionário empossado por este.
A autonomia da justiça como ramo independente do Estado, no Egito, tem como marco inicial a instituição de um tribunal composto de trinta e um membros, no Médio Império (2050-1800 a.C.), para julgamento das causas de maior importância. As causas de menor dimensão eram julgadas pelos juízes singulares. Isso foi possível em consequência de a administração das cidade e distritos ter passado dos funcionários régios para a nobreza feudal.
A aplicação da Lei era feita por meio de juízes locais, que julgavam em nome do faraó, orientados por um funcionário da corte, que dirigia o julgamento. A tortura era um meio de prova usualmente empregado não só para os acusados como também para as testemunhas.
O processo no Egito orientava-se por juízes singulares, sendo caracterizado por um sistema excessivamente simplificado:
a) As alegações eram produzidas pelas partes que compareciam pessoalmente em juízo;
b) Após as alegações, podia haver réplica e tréplica;
c) As sentenças declaravam “sim”ou “não”, as decisões do Tribunal eram proferidas após reunião secreta com seus membros (CARRILHO, 2009, p.36).
Os julgamentos agora são providos por uma autoridade pública, investida de poder para a função específica de julgar, não mais era promovida por sacerdotes representando alguma divindade, ou por populares furiosos. Ademais, os veredictos se baseiam em buscar uma justiça lógica e a dirimir conflitos, tanto na área penal quanto na cível, excluindo, em partes, a ideia de a resposta vir dos deuses, apesar de a religião ainda se manter como um ponto forte no direito, visto que até no Egito, o responsável por nomear os juízes e quem tinha a última palavra nos julgamentos era o Faraó, este nomeado pelos deuses, segundo a mitologia.
Os mesopotâmios ainda, desenvolveram, após o código de Hamurabi e Ur-Nammu, um complexo sistema jurídico, conforme cita POZZER, K. M. P.
O estabelecimento da justiça não era uma prerrogativa exclusiva dos juízes. Diversas categorias profissionais faziam parte desse sistema, incluindo o chefe de família na sociedade patriarcal mesopotâmica. Contudo, documentos encontrados em escavações arqueológicas confirmaram a existência dos juízes, enquanto juristas profissionais. Estes eram chamados de DIKU , em sumério, e de dayyânu, em acádio, e há documentos que fazem referência a esses especialistas desde a época suméria. Os juízes eram homens letrados, que teriam freqüentado a escola de escribas . Sabe-se, ainda, que existia um centro de aperfeiçoamento de futuros juristas em Nippur, a cidade do direito e o centro religioso do sul mesopotâmico. Um exemplo dessa atividade no período paleobabilônico apresenta-se no §5 do Código de Hammu-rabi, segundo o qual a prevaricação do juiz deveria ser punida com a destituição do magistrado de seu cargo(2008, online).
O §5 do Código de Hamurabi aduz:
Se um juiz fez um julgamento, tomou uma decisão, fez exarar um documento selado e depois alterou o seu julgamento: comprovarão contra esse juiz a alteração do julgamento que fez; ele pagará, então, doze vezes a quantia reclamada nesse processo e, na assembléia, fá-lo-ão levantar-se de seu trono de juiz. Ele não voltará a sentar-se com os juízes em um processo. (BOUZON, Emanuel, 2000, p.49)
O sistema jurídico mesopotâmico possuia uma inovação de extrema importância para todos os sistemas jurídicos no mundo, conforme citação do Código de Hamurabi supra, era possível a revisão das decisões dadas pelo juíz, assim, havendo a presença de um duplo grau de jurisdição.
Ademais, o procedimento sumério previa a necessidade de perítos à assuntos dos quais o juiz não saberia de ofício, como podemos analisar no trecho de um julgamento talhado em cuneiforme, traduzido por JOANNES, F., a seguir:
Madânu-ahhê-iddin, filho de Gimillu, descendente de Šigûa, chefe dos prébendiers cervejeiros de Ištar de Uruk e Balâtu, filho de Sîn-ibni, escriba de Eanna, levaram Nanaia-hussini, escrava6 cuja mão direita é marcada com a estrela e escrito ‘Para Nanaia’ e Tattannu, o filho de Nanaia-hussini, com Nûrea, filho de Kabtiya, diante dos juízes de Nabinida, o rei de Babilônia e fizeram a seguinte declaração: ‘Esta escrava que é uma alforriada de Nanaia está aos serviços de Nûrea’. Nûrea respondeu assim: "Eu comprei Nanaia-hussini com prata (dinheiro); durante o reinado de Amêl-Marduk, o rei de Babilônia, ela fugiu de minha casa e se fez tatuar sua mão direita com a estrela, depois ela se fez inscrever sobre sua mão direita a inscrição ‘Para Nanaia’.’ Os juízes interrogaram Nanaia-hussini e ela fez a seguinte declaração: "Antes que Nûrea tenha levado-me por prata, Mâr-Esagil-lumur, meu primeiro mestre havia me dedicado à Nanaia.’ Os juízes tendo ouvido suas palavras, convocaram um escriba de pergaminho e ele vistoriou a mão direita de Nanaiahussini. Ele declarou: ‘sua mão direita possui uma inscrição antiga de muito tempo: ‘Para Nanaia’; mas há uma outra inscrição sob a primeira, que está escrito: ‘Para Ištar de Uruk’. Os juízes disseram a Nûrea: ‘Por que, então, tu levaste, em troca de prata, uma serva que havia sido dedicada a Ištar de Uruk, que tinha sido marcada com a estrela e em cuja mão direita estava escrito: ‘Para Ištar de Uruk’ e ‘Para Nanaia’? ...” (Joannès, 2000, p.224-225)
Porém, apesar dos grandes avanços nos procedimentos judiciais nas sociedades antigas, as penas cruéis se mantiveram, o próprio Código de Hamurabi por exemplo se baseava na máxima "olho por olho, dente por dente", famoso jargão criado na antiga Lei de talião.
O Código de Hamurabi foi escrito em Cuneiforme e era exposto em praça pública, em 12 colunas, continha 282 artigos e tratava de assuntos diversos, sejam leis criminais, cívis, comerciais, assim como processuais. A pena de morte era amplamente aplicada, seja na fogueira, na forca, por afogamento, entre outras, as penas de multilação também eram inflingida, de acordo com a ofensa praticada.
As penas cruéis e o princípio de talião podem ser observados em alguns trechos do código de Hamurabi, conforme segue abaixo:
I - SORTILÉGIOS, JUÍZO DE DEUS, FALSO TESTEMUNHO, PREVARICAÇÃO DE JUÍZES
1º - Se alguém acusa um outro, lhe imputa um sortilégio, mas não pode dar a prova disso, aquele que acusou, deverá ser morto.
2º - Se alguém avança uma imputação de sortilégio contra um outro e não a pode provar e aquele contra o qual a imputação de sortilégio foi feita, vai ao rio, salta no rio, se o rio o traga, aquele que acusou deverá receber em posse à sua casa. Mas, se o rio o demonstra inocente e ele fica ileso, aquele que avançou a imputação deverá ser morto, aquele que saltou no rio deverá receber em posse a casa do seu acusador.
3º - Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de acusação e, não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele deverá ser morto.
4º - Se alguém se apresenta como testemunha por grão e dinheiro, deverá suportar a pena cominada no processo.
5º - Se um juiz dirige um processo e profere uma decisão e redige por escrito a sentença, se mais tarde o seu processo se demonstra errado e aquele juiz, no processo que dirigiu, é convencido de ser causa do erro, ele deverá então pagar doze vezes a pena que era estabelecida naquele processo, e se deverá publicamente expulsá-lo de sua cadeira de juiz. Nem deverá ele voltar a funcionar de novo como juiz em um processo (JUNIOR, 2014, p. 2. e 3)
1.5. O direito penal na modernidade
Após o ano 1750 d.C., surgiu o chamado período humanitário, iniciando-se durante o final da baixa idade média e início da idade moderna, as vinganças agora, em algumas sociedades, se tornaram defasadas, filósofos iluministas fizeram seu pensamento baseado no que realmente é a justiça e como promove-la.
Por muito tempo na Idade Média, a vingança privada, divina, e em alguns casos até a pública se mantiveram como a principal maneira de se promover a justiça nos castelos. Os ideais absolutistas, combinados com reis displicentes, forçando as pessoas a buscarem justiça com as próprias mãos.A religião assumindo um papel extremamente forte na vida e cotidiano das pessoas, criando tribunais de inquisição, ditando leis, costumes e atitudes a serem seguidas, tendo poderes as vezes maiores que os do estado.
As pessoas começaram a se cansar de tamanha barbárie. Conforme cita PACHECO, Eliana Descovi:
Os povos estavam saturados de tanta barbárie sob pretexto de aplicação da lei. Por isso, o período humanitário surgiu como uma reação as arbitrariedade praticadas pela administração da justiça penal e contra o caráter real das sanções (2015, online).
Os pensadores iluministas não só dispuseram à respeito do direito penal e das práticas penais, mas também desenvolveram princípios que fazem parte da base estrutural de todo direito no mundo inteiro, como o positivismo, a separação dos três poderes, proposto por Montesquieu, entre outros.
Dentro do direito penal, os iluministas fizeram duras críticas às penas cruéis aplicadas aos acusados, alegavam serem essas penas desumanas e inúteis. Nesse ramo do direito, destaca-se o filósofo Cesar Bonesana, conhecido com Marquês de Beccaria.
Em 1764, imbuído dos princípios iluministas, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria, fizeram publicar a obra "Dei Delitti e Delle Pene", que, posteriormente, foi chamada de "Pequeno Grande Livro", por ter se tornado o símbolo maior da reação liberal ao desumano panorama penal até então vigente.
Os princípios básicos pregados pelo jovem aristocrata de Milão firmaram o alicerce do Direito Penal moderno, e muitos desses princípios foram, até mesmo, adotados pela declaração dos Direitos do homem, durante a Revolução Francesa.
Segundo ele, não poderia o magistrado aplicar penas que não estivessem previstas em lei. A lei seria uma obra exclusiva do legislador ordinário, que "representa toda a sociedade ligada por um contrato social". Quanto a crueldade das penas referia que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça.
Sobre as prisões de seu tempo dizia que "eram a horrível mansão do desespero e da fome", faltando dentro delas muitas coisas, mas principalmente a piedade e a humanidade.
Não foi à toa que alguns autores o intitulavam de “Apóstolo do Direito”, pois o jovem marquês de Beccaria revolucionou o Direito Penal e sua obra significou um largo passo na evolução do regime punitivo (PACHECO, online).
As teorias defendidas pelo Marquês de Beccaria deram o nome à era humanitária do Direito Penal, pois versam a respeito da personalidade humana na aplicação da pena, diferente do que se entendia na época, a pena não seria apenas para punir e aliviar o sofrimento pelo dano na vítima e na sociedade, mas era um meio de reeducar o agressor, reintegrá-lo à sociedade e ao mesmo tempo impedir que outros cometam o mesmo crime.
FRAGOSO, Heleno dispõe que:
Beccaria parte do contrato social, afirmando que o fim da pena é apenas o de evitar que o criminoso cause novos males e que os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde na absoluta necessidade. Defendia a conveniência de leis claras e precisas, não permitindo sequer ao juiz o poder de interpretá-las, opondo-se dessa forma ao arbítrio que prevalecia na justiça penal ...
...ao movimento de Reforma que se inicia com a enorme repercussão que teve a obra de Beccaria, tem-se chamado de Humanitário, pois lança a idéia de respeito à personalidade humana e se funda em sentimentos de piedade e compaixão pela sorte das pessoas submetidas ao terrível processo penal e ao regime carcerário que então existiam(FRAGOSO, 2004, p. 48-49).
Por último veio o chamado período científico, com base nos princípios da escola positivista, é, juntamente com o modelo humanista, o modelo jurídico criminal que vigora na maioria das sociedades até a era contemporânea.
Alguns pensadores da era científica, sustentados pela escola clássica, acreditam que o crime não é um fenômeno puramente jurídico, mas biológico, ou uma manifestação da personalidade do agente.
MIRABETE, Júlio Fabrini afirma:
O movimento Criminológico iniciou-se com os estudos de César Lombroso, com a publicação da obra LuomoDelinqüentestudiato in rapporto, all antropologia, alla medicina legale e alle discipline carcerarie, expondo suas teorias e abrindo nova etapa na evolução das idéias penais. Aborda o crime como manifestação da personalidade humana e produto de várias causas. Lombroso estuda o delinqüente do ponto de vista biológico. Criou com seus estudos a Antropologia Criminal e, nela, a figura do criminoso nato. Esse pioneiro firmou alguns conceitos básicos, alguns ampliados, outros retificados por seus seguidores, que deram novas diretrizes e abriram novos caminhos no estudo do crime e do criminoso...
Apesar dos exageros da teoria lombrosiana, seus estudos abriram novas estradas na luta contra a criminalidade ( 2002, p. 40).
Em contrapartida aos pensadores positivistas e classistas, surgiram um novos movimento e escolas modernas, com filosofias menos positivistas e métodos menos rigorosos, um exemplo que ganhou muita força na Alemanha é a Escola Moderna, iniciada pelas teorias de Von Lizst.
Atualmente, os sistemas jurídicos no mundo, inclusive no Brasil, seguem como primazia, o princípio da dignidade humana. Os direitos humanos e a ampla defesa são amplamente defendidos por alguns juristas modernos, ademais, os próprios procedimentos criminais priorizam a proteção dos direitos individuais, como podemos observar no Pacto de São José da Costa Rica, que versa sobre alguns procedimentos criminais no Brasil.
Capítulo I - ENUMERAÇÃO DOS DEVERES
Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos
1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
Capítulo II - DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
Artigo 3º - Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica
Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.
Artigo 4º - Direito à vida
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.
3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.
4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos.
5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.
6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente.
Artigo 5º - Direito à integridade pessoal... (1991, p. 2).
Os direitos à dignidade humana e integridade pessoal, são amplamente defendidos, mas conforme estudaremos nos capítulos seguintes, no decorrer do trabalho, na prática, nem sempre tais direitos são respeitados.