Justiça com as próprias mãos.

Limites de atuação do indivíduo frente às imposições do Estado

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04/01/2021 às 21:09

Resumo:


  • A política criminal é a base para a regulamentação das penas e controle social, sendo influenciada por escolas penais e diretrizes de prevenção do crime.

  • Os princípios constitucionais e processuais do Direito Penal, como presunção de inocência, igualdade processual, contraditório e ampla defesa, são essenciais para garantir a justiça no sistema legal.

  • Existem diferentes modelos de política criminal, como o abolicionismo penal, minimalismo penal e eficientismo penal, que buscam adequar a intervenção do Estado no combate à criminalidade de acordo com diferentes perspectivas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2. O DIREITO PROCESSUAL PENAL E O DIREITO PENAL

Para compreender melhor o tema pesquisado, é eminente comentar acerca da lei penal e processual penal, haja vista ser esta a forma com a qual o Estado trata da questão da segurança, julgamento, punição e reeducação dos criminosos. Sendo assim, para um melhor entendimento acerca dos motivos, fundamentos e procedimentos do direito penal paralelo, é necessário entender como é o procedimento do Estado.

O presente trabalho se inicia, neste capítulo, versando à respeito dos princípios correlatos, que são as concepções nas quais se baseiam a lei e o procedimento criminal.

2.1. Princípios correlatos

Os princípios que permeiam o processo penal, podem ser divididos em duas classes, sendo os princípios constitucionais e os princípios processuais propriamente dito. O presente trabalho pretende apresentar um resumo geral e específicar os princípios mais importantes. Conforme dispõe Leonardo Barreto Moreira Alves:

Por seu turno, os princípios constitucionais subdividem-se em princípios constitucionais explícitos (aqueles expressos na Constituição Federal) e em princípios constitucionaisimplícitos (aqueles extraídos a partir dos princípios, ideias e valores consagrados na Constituição Federal).

De outro lado, os princípios do processo penal propriamente ditos são aqueles inerentes ao próprio estudo da disciplina , (p 31 e 32).

Analisando, em um primeiro momento, os princípios constitucionais, frisam-se alguns já bastante famigerados entre os estudantes e operadores do direito, principalmente por serem básicos em se tratando de procedimentos penais. Dentre eles, tem-se o princípio da presunção de inocência, muito representado pela máxima, “inocente até que se prove o contrário”. Se trata de um princípio protegido pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII, que diz, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Ressalta-se a presença do princípio da igualdade processual, assim como o princípio comentado anteriormente, está.disposto no artigo 5º da Constituição Federal, em seu caput, o qual decorre do mandamento em que todos são iguais perante a lei, segundo Ada Pellegrini Grinover:

A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões (2004, p.53):

Em outras palavras, o princípio da igualdade trata de dar, às partes, as mesmas oportunidades de fazerem valer as suas razões, sendo tratadas de modo igualitário, na medida de suas igualdades, e desigualitário, na proporção de suas desigualdades.

Na mesma base, para que haja tal igualdade dentro do processo, é necessário dar às duas partes, seu direito de contradizer e argumentar frente às acusações e contestações do polo contrário, assim nasce o princípio do contraditório, descrito na Constitução Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes." (BRASIL, online)

Paulo Rangel afirma (2013, p. 17/18):

A instrução contraditória é inerente ao próprio direito de defesa, pois não se concebe um processo legal, buscando a verdade processual dos fatos, sem se dê ao acusado a oportunidade de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu substituto processual) em sua peça exordial.’ .[...]

[...] Ressalta-se que o contraditório é inerente ao sistema acusatório, onde as partes possuem plena igualdade de condições, sofrendo o ônus de sua inércia no curso do processo.

Associado ao contraditório está sempre o princípio da ampla defesa. Estes são dois princípios os quais sempre são citados juntos, visto que de uma maneira generalizada, um princípio completa o outro.

A ampla defesa se trata de dar às partes todas as informações, documentos e atos processuais realizados dentro do processo, além de garantir que todas as considerações e argumentos ditos pelas partes sejam ouvidos e considerados pelo julgador. Em outras palavras, se trata de dar às partes, a oportunidade de se defender da maneira mais eficaz possível. O ministro Gilmar Ferreira Mendes do Supremo Tribunal Federal, no voto do Mandado de Segurança n. 24268. / MG, disse:

Não é outra a avaliação do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamado 'Anspruch auf rechtliches Gehör' (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o 'Bundesverfassungsgericht' que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar [...].

Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:

Direito de informação, que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos deles constantes;

Direito de manifestação, que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;

Direito de ver seus argumentos considerados, que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas [...].

Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção pode-se afirmar que envolve não só o dever de tomar conhecimento como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas [...]

É da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de fundamentar as decisões [...].

Como se pode analisar, o direito processual penal, assim com o direito penal é baseado em diversos princípio, alguns constitucionais, enquanto que outros processuais específicos, conforme Nestor Távora, (2013, p. 5. e 6), os princípios aplicados no processo penal são:

Princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade [..], Princípio da imparcialidade do juiz [...] Princípio da igualdade processual [...] Princípio do contraditório ou bilateralidade da audiência [...] Princípio da ampla defesa [...] Princípio da ação, demanda ou iniciativa das partes[...] Princípio da oficialidade [...] Princípios processuais Penais [...] Princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade [...]Princípio da imparcialidade do juiz [...]Princípio da igualdade processual [...] Princípio do contraditório ou bilateralidade da audiência [...] Princípio da ampla defesa [...] Princípio da ação, demanda ou iniciativa das partes [...] Princípio da oficialidade.

Todos os princípios já citados, são de suma importância para que se haja a aplicação da justiça no Brasil, ao modo de ver dos legisladores e doutrinadores, logo, para se entender o objetivo do presente trabalho, assim como compreender as consequências de se promover a justiça com as próprias mãos, é importante entendê-los.

2.2. Sistema político criminal

Para que se torne possível uma melhor compreensão acerca dos motivos que levam o Estado a regulamentar e impor normas aos seus indivíduos, assumindo o poder e o dever de punir, imprescindível se faz demonstrar a seguir os fundamentos que sustentam a competência do Estado em poder interferir na sociedade.

Cesare Beccaria (1764, p. 08) leciona que o direito de punir do Estado surge de acordo com que as pessas abrem mão de certas liberdades, em prol de um bem maior. Em outras palavras, o conjunto de indivíduos de um Estado soberano se organiza para que um ente imparcial possa regulamentar penas a serem impostas àqueles que, de alguma forma, prejudicam o direito de terceiros.

Nas palavras do mesmo:

Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo (1974, p. 09).

Heleno Fragoso (2003, p. 18) elucida que o nome “política criminal” foi utilizado para homenagear um importante movimento doutrinário, devido a Franz Von Liszt, que por sua vez teve influência como:

[...] tendência técnica, em face da luta de escolas penais, que havia no princípio deste século [referindo-se ao Século XX] na Itália e na Alemanha. Essa corrente doutrinária apresentava soluções legislativas que acolhiam as exigências de mais eficiente repressão à criminalidade, mantendo as linhas básicas do Direito Penal clássico”. E continua o autor, afirmando que o termo passou a ser utilizado pela ONU para denominar o “critério orientador da legislação, bem como os projetos e programas tendentes a mais ampla prevenção do crime e controle da criminalidade.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2015, p. 12) a política criminal deve ser considerada tanto antes da criação da norma penal quanto em razão de sua aplicação. Assim, é possível compreender que o Direito penal se sujeita a uma certa política criminal, e toda política criminal é subordinada a política geral própria do Estado. Conforme entendimento do mesmo doutrinador:

Segundo nos parece, essa é a sua real importância, ao mesmo tempo em que é um problema para o Brasil. Os Poderes do Estado, particularmente o Legislativo e o Executivo, que elaboram as leis penais, não possuem uma política criminal definida. Não se sabe qual objetivo se pretende atingir, editando-se leis penais ora brandas demais, ora extremamente severas. O sistema legislativo brasileiro é capaz de inserir normas pertinentes ao abolicionismo penal, em determinada época, para, na sequência, criar normas equivalentes ao direito penal máximo [...]. A ausência de uma política criminal definida espelha um ordenamento penal desconexo, repleto de falhas, lacunas e contradições, acarretando ao Poder Judiciário maior volume de trabalho, em particular, buscando interpretar coerentemente as leis penais para evitar erros e injustiças.

Não obstante, Cleber Masson (2015, p. 27) afirma que “as leis penais são frutos de uma determinada vontade política manifestada pelos cidadãos por intermédio de seus representantes junto aos Poderes do Estado”. Quando se institui ou se adota princípios e normas que são consequência do sistema penal de um povo, ali é possível observar os aspectos frágeis de sua civilização e cultura, motivo pelo qual existem as “leis que pegam e as leis que não pegam como demonstração da afinidade ou do divórcio entre os interesses dos indivíduos e a vontade do Estado”.

O mencionado Autor prossegue:

Em suma, essa ciência analisa de forma crítica a dinâmica dos fatos sociais e, comparando-a com o sistema penal vigente, propõe inclusões, exclusões ou mudanças, visando atender o ideal de justiça, colaborando, pois, com a Dogmática Penal (MASSON, 2015, p. 27).

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No mesmo sentido, Rogério S. Cunha (2015, p. 34) argumenta que a política criminal possui, essencialmente a finalidade de trabalhar as estratégias e meios de controle social da criminalidade, sendo uma importante característica a “posição de vanguarda em relação ao direito vigente, vez que, enquanto ciência de fins e meios, sugere e orienta reformas à legislação positivada”.

Conforme dispõe Fernando Capez (2015, p. 155) “a política criminal é traçada a partir das conveniencias do sistema”. A maior relevância da existência das normas penais é no sentido de que elas ordenem e regulem o funcionamento civilizado da sociedade, cabendo ao Estado encontrar, partindo desta necessidade, “os valores a serem traduzidos em tipos legais incriminadores”. Nestes termos, Capez afirma que:

A norma pode, perfeitamente, incriminar condutas de perigo abstrato, infracóes de mera desobediencia, tais como dirigir sem habilitacáo, independentemente de resultar qualquer perigo concreto leste comportamento, pois o motorista que assim se conduz desatende urna determinacáo coletiva, confundindo os padrees de permitido e proibido.

Assim, Rogério Greco (2015, p. 328) afirma que a desistência voluntária, por exemplo, é uma clássica hipótese onde o agente se utiliza de política criminal para não responder pela tentativa dos atos ainda não consumados, ainda que iniciada a tentativa, respondendo o réu pelos atos já prativados. Nestes termos, salienta o mesmo:

Contudo, a lei penal, por motivos de política criminal, prefere punir menos severamente o agente que, valendo-se desse benefício legal, deixa de persistir na execução do crime, impedindo a sua consumação, do que puni-lo com mais severidade, por já ter ingressado na sua fase executiva. É preferível tentar impedir o resultado mais grave a simplesmente radicalizar na aplicação da pena.

A preocupação com a eficácia das penas impostas em razão do dano causado, assim como as ações provocadas por agentes que são imputadas como crime, é de tamanha importância a ser discutida que, consoante aos estudos de Nestor Távora (2015, p. 1.583), nos termos do art. 64, da Lei de Execução Penal, um dos órgãos responsáveis pelo bom funcionamento da execução penal é o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que possui as seguintes atribuições:

1) propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança; 2) visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; 3) entrevistar presos; 4) apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; 5) diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

Com fulcro nos conhecimentos de Marcelo André de Azevedo e Alexandre Salim (2015, p. 47), a doutrina apresenta três modelos de Política Criminal. O primeiro, chamado de abolicionismo penal, também conhecido como Política Criminal Verde, defende a extinção do sistema penal, uma vez que seus efeitos tendem a piorar o indivíduo.

Além disso, existe ainda o modelo conhecido como abolicionismo moderado ou minimalismo penal, que não admite a extinção do Direito Penal, pois o interpreta como uma forma de manifestação social legítima, entretanto, a sua intervenção deve ser mínima. Por fim, é possível destacar o modelo de política criminal do direito penal máximo, também denominado eficientismo penal, que defende o direito penal como sendo um instrumento eficaz ao combate à violência (AZEVEDO; SALIM, 2015, p. 47).

Alfred Büllesbach (2009, p. 488) sustenta que uma política criminal se constitui, portanto, em discutir estratégias administrativistas com o fulcro de gerenciar o norte dos ajustes a serem feitos. “Não significaria ignorar a latência de todos dispositivos não evidentes ou mesmo pluralistas que direcionam e muitas vezes conduzem o modus vivendi social de forma mais notável e profícua que a pretensamente superior ‘ordem jurídica’”.

No mesmo sentido, Gabriel Divan (2015, p. 72) não restam dúvidas acerca da proposta centralizadora ser do conceito de política criminal ao redor do núcleo, que é composto pelas escolhas legislativas e pelo exercício político de ideias de um ou outro mote não pode se dar o luxo de, por redução metodológica de complexidade, simplesmente ignorar os fatores não diretamente ligados à promulgação e vigência de leis como simples elementos de influência.

O mesmo complementa que:

A política criminal tem (ou precisa ter) caráter estratégico de gestão. Há elementos que importam para o debate político-criminal de forma indispensável, mas que, ao mesmo tempo, não podem compor o bojo nuclear do conceito de política criminal, uma vez que são sua ferramenta de trabalho e discussão ou mesmo objetos de uma “ciência” individualizada (para alguns) e não parte do que seria a política (policy) em si. (DIVAN, 2015, p. 55)

Destarte, restando lúcidos os fundamentos que dão supedâneo ao Sistema Político Criminal, na óptica de diversas doutrinas, diante do que propõe o complexo normativo pátrio, imperioso se faz destacar adiante as atuais tendências que tangem ao Direito Penal, no que concerne à aplicação da justiça com as próprias mãos.

2.3. Atuais tendências do direito penal

Como pôde ser observado no transcurso deste trabalho, o mundo experimentou uma evolução extremamente positiva, numa óptica neoconstitucionalista, acerca dos direitos dos indivíduos, essencialmente no que se observa no período pós-revolução francesa – e conseguinte publicação da Carta dos Direitos Humanos, em 1948, conforme poderá ser melhor analisado em momento oportuno. Desta forma, será realizado um breve estudo acerca das atuais concepções pacificadas no direito penal, sob um prisma geral.

Daniel Camargo (2014, online) menciona em seus estudos uma situação em que o Código Penal, a despeito da evolução em resolver “conflitos exsurgentes das relações sociais do dia a dia”, excepcionalmente utiliza-se da autotutela “como meio de defesa do indivíduo ao mal injusto causado.

Desta forma, não se configura crime a prática do fato cometido em estado de necessidade, legítima defesa ou no estrito cumprimento do dever legal, bem como no exercício regular de direito, consoante previsão do art. 23. do Código Penal, além da própria prisão em flagrante delito que pode ser realizada por qualquer do povo, conforme se denota da leitura do art. 301. do Código de Processo Penal, conforme se observa adiante:

Art. 23. - Não há crime quando o agente pratica o fato:

I - em estado de necessidade;

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. (BRASIL, 1940, online)

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. (BRASIL, 1941, online)

Neste mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, em Apelação Criminal nº 20120111483982 DF 0028453-68.2012.8.07.0016, chegou ao seguinte entendimento:

PENAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÕES CORPORAIS - LEGÍTIMA DEFESA - VÍTIMA AGIU EM AUTOTUTELA LÍCITA - AUSÊNCIA DE AGRESSÃO INJUSTA. I. NÃO PROSPERA A EXCLUDENTE DE ILICITUDE QUANDO AS PROVAS INDICAM QUE A TENTATIVA DE AGRESSÃO PRATICADA PELA VÍTIMA FOI REALIZADA NO LÍCITO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA. II. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-DF, 2013, online) (grifo nosso)

Seguindo o mesmo entendimento, em análise de caso prático diferente, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que na Apelação de nº 00470404820128120001 MS 0047040-48.2012.8.12.0001, cuja ementa pode ser observada a seguir:

EMENTA - APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO - PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DO ESTADO DE NECESSIDADE - IMPOSSIBILIDADE - REGIME PRISIONAL ABERTO - INVIABILIDADE - REINCIDÊNCIA - SÚMULA 269 DO STJ - RECURSO NÃO PROVIDO. Não configura estado de necessidade a alegação de transitar com arma de fogo com a finalidade de garantir a própria segurança. A justificativa apresentada pelo apelante consiste na pretensão de fazer justiça com as próprias mãos, prática esta vedada no Estado Democrático de Direito. Nosso ordenamento jurídico atribui a função de prevenir e reprimir crimes aos órgãos enumerados no art. 144. da Constituição Federal. Ausentes os requisitos para configurar o estado de necessidade. Embora o recorrente possua a análise positiva de todas as circunstâncias judiciais e a pena tenha sido fixada em 02 anos de reclusão, não se pode desprezar a reincidência, a qual reclama a imposição de maior repressão estatal, não se mostrando cabível, assim, a fixação de um regime prisional mais brando do que o semiaberto, nos termos da Súmula 269 do STJ. (TJ-MS, 2014, online)

Entretanto, ainda que tenha havido uma significativa melhoria, de forma genérica, no Direito Penal, como se verifica nas jurisprudências acima colacionadas, é necessário destacar que algumas pessoas se esforçam em prol do retrocesso, como acontece, por exemplo, no projeto de lei que pretende reduzir a maioridade penal. Segundo a revista Carta Capital (2015, online), a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, no dia 31 de maio deste ano, aprovou o mencionado projeto, consoante ao que se observa:

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta terça-feira 31 o voto em separado do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), favorável à admissibilidade da PEC 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Foram 42 votos a favor e 17 contra.

Mesmo assim, dificilmente será visto, no complexo regulamentar nacional, algum retrocesso que poderia ser maior do que a regressão dos poderes entregue ao Estado para que este tenha a competência jurisdicional de fiscalizar e punir. Desta maneira, tendo sido realizada uma breve análise acerca das novas tendências do direito penal, necessário se faz detalhar o estudo acerca da justiça com as prórpioas mãos, bem como suas particularidades.

Como visto, as razões individuais ou coletivas que levam determinadas pessoas a agirem por seus próprios fundamentos, impedem uma análise correta, e portanto justa e imparcial, acerca da situação no caso concreto. Outra situação, também trágica, ocorreu no Brasil, numa situação em que um menor, de 15 anos de idade, acusado de ter cometido um crime por populares, teria sido amarrado, despido, a um poste e espancado, conforme notícia a seguir:

Um adolescente foi espancado e preso a um poste por uma trava de bicicleta, nu, na noite da última sexta-feira, na Av. Rui Barbosa, no Flamengo, Zona Sul do Rio. Ele teria sido atacado por um grupo de três homens, a quem chamou de “os justiceiros”, segundo a coordenadora do Projeto Uerê, Yvonne Bezerra de Melo, de 66 anos. A artista plástica foi chamada por vizinhos que flagraram a cena, registrou a situação e compartilhou em sua página no Facebook. Internautas sugerem que ele seja um ladrão.(POLÍTICO, 2014, online)

Como se não bastasse tamanha barbárie, o ato ainda foi endossado por parte da mídia, a exemplo de Rachel Sherazade – até então, jornalista do canal aberto de TV (SBT), que a respeito do assunto publicou o seguinte comentário: “O marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que, ao invés de prestar queixa contra seus agressores, preferiu fugir antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro”. (GLOBO, 2014, online)

Numa breve análise das duas situações polêmicas acima relatadas, é possível depreender que outras situações cotidianas são mais razoáveis, em que se faz o uso da justiça com as próprias mãos, consoante ao que dispõe a própria legislação vigente, conforme pode ser observado no caso adiante relatado:

Um funcionário de uma banca de jornais em Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais do Paraná, reagiu a um assalto e matou o ladrão, de 18 anos, nesta quinta-feira (26). Segundo a Polícia Militar (PM), o assaltante disparou um tiro dentro da banca após pegar o dinheiro do caixa. Em seguida, o ladrão pediu mais dinheiro, entretanto, o funcionário não deu. O suspeito tentou dar o segundo tiro, mas a arma falhou. Conforme os policiais, o rapaz que trabalha na banca aproveitou a situação, pegou uma faca e golpeou o peito do ladrão. O assaltante saiu correndo da banca e caiu na calçada. O socorro foi chamado, e o rapaz foi levado a um hospital de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. (ONU, 1948, online)(grifo nosso)

Desta maneira, observando o ato da justiça com as próprias mãos, percebe-se que vão em desencontro com qualquer ato que envolva violência, de antemão, pois, qualquer ato eivado de violência iria em frontal desencontro com o princípio da fraternidade, acima destacado. Os artigos 10º e 11º podem ser destacados de forma mais específica, pois tangem de forma clara à matéria penal, consoante ao que pode ser observado:

Artigo 10° Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

Artigo 11° 1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido. (ONU, 1948, online)

O supra indicado artigo 10º possui uma grande abrangência e pode ser facilmente encontrado em dois distintos dispositivos elencados na Constituição Federal de 1988, dentre as cláusulas pétreas do art. 5º, conforme se vê: “XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988, online)

Como visto, as normas que garantem mais direitos individuais ao seres humanos buscaram tornar a justiça mais eficaz, garantindo que qualquer pessoa que seja acusada de um crime tenha direito a um julgamento justo, onde todos são julgados, não havendo fundamentos que sustentem que uma ou mais pessoas se reúnam para julgar e condenar uma pessoa, como ocorreu nos casos acima trazidos. O art. 11º da norma internacional em questão, por sua vez, agrega vários dispositivos constitucionais, dos quais se destacam:

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

[...]

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[...]

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (BRASIL, 1988, online)

Destarte, não havendo pena sem prévia cominação legal, sendo garantido a todos a ampla defesa e ao contraditório, e ainda, não podendo ninguém ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não existe razão lógica, normativa ou científica em agir com violência, “no calor da emoção”, com o intuito de reparar um dano sofrido ou de alcançar direito legítimo.

Neste sentido, Cleber Masson (2015, p. 899) sustenta que:

Ninguém pode, arbitrariamente, fazer justiça por si mesmo. Se tenho ou suponho ter um direito contra alguém, e este não o reconhece ou se nega a cumprir a obrigação correlata, não posso arvorar-me em juiz, decidindo unilateralmente a questão a meu favor e tomando, por minhas próprias mãos, aquilo que pretendo ser-me devido, ao invés de recorrer à autoridade judicial, a quem a lei atribui a função de resolver os dissídios privados. De outro modo, estaria implantada a indisciplina na vida social, pois já não haveria obrigatoriedade do apelo à justiça que o Estado administra, para impedir que os indivíduos, nas suas controvérsias, ad arma veniant.

Nestes termos, restaram demonstrados os dispositivos que sustentam a ideia da inviabilidade do uso das justiça das próprias mãos frente ao consolidado entendimento positivado dos direitos humanos, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Constituição da República Federativa do Brasil. Desta maneira, a seguir restarão elucidadas algumas peculiaridades que envolvem o tipo penal do exercício arbitrário das próprias razões.

2.4. Disposições gerais

Em razão das peculiaridade acerca do tema, aqui já alavancadas, diversos doutrinadores, como será demonstrado a seguir, nos disponibilizam variadas situações aplicáveis ao caso concreto com o fulcro de melhorar o entendimento dos operadores do direito e evitar que injustiças sejam cometidas.

Neste sentido, acerca da discussão do tipo penal em questão poder ser realizado na modalidade comissiva ou omissiva, Rogério Greco (2015, p. 662) leciona que a conduta de fazer justiça pelas próprias mãos pressupõe, sob uma primeira impressão, um comportamento comissivo por parte do sujeito. Contudo, o mencionado doutrinador destaca que “o delito poderá ser praticado via omissão imprópria, na hipótese em que o agente, garantidor, dolosamente, podendo, nada fizer para evitar a prática da infração penal em exame”.

Quanto ao crime poder ser consumado ou tentado Azevedo e Salim (2015, p. 403) destacam duas situações possíveis:

[...] a) o crime de exercício arbitrário das próprias razões consuma-se com a efetiva satisfação da pretensão. Posição de Hungria (Comentários ao Código Penal, vol. IX, p. 498), Fragoso (Lições de Direito Penal, Vol. li, p. 524), Mirabete (Manual de Direito Penal, vol. Ili, 23ª ed., p. 392) e Rogério Greco (Curso de Direito Penal, vol. IV, 8ª ed., p. 617).

b) como o delito disposto no art. 345. do CP é formal, a sua consumação ocorre com o emprego do meio arbitrário, ainda que a pretensão não seja satisfeita. É o nosso entendimento. Posição de Noronha (Direito Penal, vol. 4, p. 381), Regis Prado Marcelo André de Azevedo e Alexandre Salim (Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 4, 4ª ed., p. 651) e Damásio de Jesus (Direito Penal, vol. 4, 16ª ed., p. 359).

No que se refere ao concurso de crimes, Cleber Masson (2015, p. 900) assegura que se trata de um concurso material obrigatório, caso o exercício arbitrário das próprias razões seja praticado com emprego de violência à pessoa. Em outras palavras, neste caso a soma das penas entre o crime tipificado no art. 345. do Código Penal e o delito que gerou a violência, qualquer que seja ele “lesão corporal, leve, grave ou gravíssima, ou homicídio, consumado ou tentado”. Indispensável salientar que, segundo o referido doutrinador, existe uma exceção que merece ser destacada, conforme se vê:

No entanto, não se aplica a regra de concurso material obrigatório se da conduta resultarem vias de fato, pois esta contravenção penal, definida no art. 21. do Decreto-lei 3.688/1941, sempre é absorvida pelo crime de que é meio de execução (subsidiariedade expressa).

Diante do estudo aqui desenvolvido, restaram devidamente indicados os principais aspectos considerados relevantes pela doutrina, norma internacional e legislação interna acerca do que dispõe o tipificado ato de fazer justiça com as próprias mãos.

Sobre o autor
Lucas Uehara Pires

Pós graduado em Direito Civil e Processual Civil. Advogado associado ao Escritório Castelo Branco Advogados Associados em Anápolis, GO. Tradutor autônomo pelo Babelcube desde agosto de 2.019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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