O Uso de Dados Pessoais no PIX como Aplicativo de Mensagens

07/01/2021 às 13:47
Leia nesta página:

O artigo examina um caso recente de envio de mensagens por meio de transferências de valores realizadas com a chave PIX e suas consequências jurídicas.

A chave PIX, criada para ser utilizada pelo novo sistema de pagamento instantâneo regulamentado pelo Banco Central do Brasil, em teste nas instituições financeiras desde o dia 05 de outubro de 2020 (e com funcionamento efetivo a partir de 16/11/2020), permite a transferência de valores de uma conta bancária para outra de forma mais rápida e sem custo (sobre a chave PIX e o princípio da necessidade no tratamento de dados pessoais, clique aqui).

Na realização da transferência por meio da chave PIX, o pagador deve indicar a chave do destinatário (número do CPF ou do CNPJ, número do telefone celular, endereço de e-mail ou chave aleatória), o valor a ser transferido e a descrição da transação.

Ao efetivar a transferência, o pagador pode escrever uma mensagem de até 140 caracteres para o recebedor do valor.

No início deste ano, noticiou-se um caso curioso na imprensa e nas redes sociais: após o fim do relacionamento, um homem bloqueou a ex-namorada em redes sociais e aplicativos de mensagens. Para conseguir manter contato com ele e tentar restabelecer o namoro, ela passou a realizar transferências de um centavo pelo PIX, com mensagens para o ex-namorado.

Existem várias questões jurídicas decorrentes dessa situação:

A LGPD aplica-se ao caso? A conduta da ex-namorada que usou o PIX com a finalidade principal de enviar mensagens viola alguma norma legal?

Existe o direito de bloqueio para o recebimento de valores via PIX de determinadas pessoas e, de outro lado, há limites para o direito da mulher de realizar transferências para enviar mensagens e de querer se comunicar com o ex-namorado?

O PIX pode ser utilizado como um aplicativo de mensagens? O desvirtuamento de seu uso pode ser cobrado pela instituição financeira?

Excepcionalmente, a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos (art. 4º, I, da LGPD).

Neste caso, o fim pretendido pela ex-namorada (reatar a relação) é particular e não é econômico, mas o meio utilizado para atingi-lo sim.

Logo, uma interpretação gramatical leva à conclusão de que a LGPD não se aplicaria a esse envio de mensagens com o uso de um dado pessoal do destinatário na chave PIX (o que compreende inclusive a chave aleatória, que também é um dado pessoal, porque identifica exclusivamente uma pessoa natural).

Porém, uma interpretação teleológica pode levar à conclusão contrária, de incidência da LGPD ao caso, ao se considerar que a intenção do art. 4º, I, seria a de afastar a lei de atividades sem qualquer conteúdo (e não apenas o fim) econômico. Consequentemente, a ex-namorada passaria a ter o dever de seguir as normas da LGPD e ser responsabilizada pelo descumprimento delas, especialmente pela inobservância da finalidade do tratamento do dado pessoal do ex-namorado (o fim do uso de e-mail, CPF ou outro dado é a transferência de um valor, de acordo com o art. 3º do Regulamento Anexo à Circular nº 4.027/2020 do Banco Central, e não o envio de mensagens).

Em princípio, o BACEN informou que não pretende restringir a inclusão de mensagens nas transferências realizadas com o PIX, mas seria possível uma regulamentação mais adequada, inclusive para evitar situações como esta (como, por exemplo, a impossibilidade de enviar mensagens para transferências reiteradas para a mesma chave PIX durante um período determinado, a partir do segundo envio).

Por fim, o bloqueio de uma pessoa determinada no PIX não é possível, mas as instituições financeiras podem rejeitar uma transferência com fundamento na suspeita de fraude ou de lavagem de dinheiro, ou de erro na autenticação do pagador ou do recebedor, ou de informações incompatíveis com o pagamento, entre outras hipóteses previstas no Regulamento Anexo à Circular nº 4.027/2020 do Banco Central e em outras normas regulatórias.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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