O novo prefeito e as providências iniciais de Administração Financeira

Leia nesta página:

1.Apresentação

            Escolhido para o quadriênio 2021-2024, o prefeito, quer o novo ou o reeleito, terá pela frente, em boa parte dos casos, um insuficiente crescimento da receita, despesas vencidas e sem cobertura financeira, gasto de pessoal acima ou muito próximo do limite máximo, baixa capacidade de investimento, menor ajuda financeira da União e do Estado (convênios), e, de outro lado, se defrontará com maior demanda por assistência social, saúde e educação, fruto do desemprego que atinge 14,1 milhões de brasileiros, um recorde equivalente a 14,3% da população economicamente ativa.

            A isso se acresça o maior rigor fiscalizatório dos tribunais de contas e do Ministério Público, o que têm gerado termos de ajustamento de conduta, ações de improbidade administrativa e a inelegibilidade do agente político.

            Conforme o jornal Folha de São Paulo[1], 70% dos municípios brasileiros serão comandados por prefeitos diferentes dos que ora encerram seus mandatos, ainda que os eleitos, em anos anteriores, já tenham comandado o Município.

            Diante desse quadro intrincado, o objetivo deste artigo é comentar, de forma objetiva, sobre o quê o novo dirigente deve logo se informar, no escopo de obter um prévio diagnóstico econômico-financeiro do Município e, a partir dele, adotar medidas de curto prazo.

2.Despesas vencidas sem cobertura financeira

A União financia seu déficit emitindo títulos públicos, quer dizer, os poupadores da sociedade, via intermediação bancária, amparam os descompassos federais entre receitas e despesas.

Impedidos de utilizar tal mecanismo e com dificuldade de obter empréstimos de longo prazo, grande parte dos municípios realiza parte da despesa sem efetiva receita, daí surgindo os Restos a Pagar sem amparo monetário, ou seja, um gasto descoberto que passa para o ano seguinte. Eis aqui a dívida que mais pesa nas finanças municipais.

Assim, quem banca, sem querer, o déficit municipal são as empresas que, nos prazos contratados, não recebem pelos materiais e serviços fornecidos e, também, os servidores com salários atrasados. Eis um financiamento irregular do déficit anual: o calote em fornecedores e servidores.

Nesse contexto, necessita o prefeito logo conhecer o estoque de Restos a Pagar já liquidados, sua data de vencimento e, óbvio, o tamanho da disponibilidade monetária e, em face de insuficiência financeira, interessante o prévio e cautelar congelamento de fração equivalente da despesa orçada para 2021, o que sinaliza rigor fiscal à sociedade, bem como a possibilidade de um ligeiro superávit já no primeiro ano de gestão, para quitar, ao menos, parcela dos gastos produzidos no mandato anterior.

Essa inicial providência facilita a execução do plano quadrienal de trabalho do prefeito eleito, visto que pendências extraorçamentárias de anos anteriores comprometem, em demasia, as futuras ações orçamentárias.

Na apuração das disponibilidades de caixa, necessário atentar para as respectivas fontes de receita; recursos atrelados a convênios federais, estaduais, fundos especiais ou operações de crédito, sob pena de desvio de finalidade, não podem financiar as despesas normais, de operação da máquina pública, custeadas que são pela fonte Tesouro.

Naquele contingenciamento de parte da despesa para 2021, o dirigente poderia se valer das seguintes medidas:

  • Restrição nas despesas com viagem, propaganda e representação oficial;
  • Adoção de limites para gastos com adiantamento;
  • Cumprimento das restrições da Lei Complementar 173, de 2020, sobretudo a proibição de reajustes salariais, de criar cargos e do pagamento de vantagens incorporadas após 27 de maio de 2020 (anuênios, triênios, quinquênios, sexta-parte, blocos de licença prêmio etc.); isso, até 31 de dezembro de 2021.
  • Proibição de compra de automóveis oficiais;
  • Desde que inserido o município no regime especial de precatórios judiciais, o pagamento de tal passivo, em 2021, não deveria superar o que foi desembolsado no ano de 2017, ou seja, o piso proporcional à receita corrente líquida, determinado na Emenda Constitucional 99.
  • Negociação no sentido de a Câmara de Vereadores também participar do esforço emergencial, cortando parte de seus próprios gastos;
  • Restrições ao pagamento de horas extras;
  • Corte no pagamento indenizatório de férias não usufruídas;
  • Exclusão de ações orçamentárias que, de fato, não vêm revelando interesse público, ou seja, as de baixa efetividade (ex.: ações recreativas para a terceira idade, com baixíssimo comparecimento de idosos), remanejando-se o valor para programas de maior interesse local;
  • Corte de parte da verba de órgãos que, tradicionalmente, muito gastam no final do exercício, para evitar “devoluções” orçamentárias;
  • Rigorosa e sistemática pesquisa prévia de preços em toda e qualquer compra governamental;
  • Reajustamento contratual nunca superior à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA);
  • Cancelamento de Restos a Pagar efetivamente não liquidados (menos os das emendas impositivas dos vereadores e os da Saúde que ingressaram no percentual mínimo – 15%);
  • Paralisação de obras não essenciais;
  • Renegociação de contratos de serviços;
  • Aumento da alíquota de contribuição funcional ao regime próprio de previdência (RPPS), conforme estabelecido na Emenda Constitucional 103/2019 (14%);
  • Severo controle de estoque de materiais, sobretudo os da Saúde;
  • Inscrição de 50% das emendas impositivas em Restos a Pagar não liquidados.

De dizer que a impontualidade nos pagamentos públicos faz com que as empresas, nos próximos fornecimentos, imponham sobrepreço que compensaria possíveis atrasos, o que, claro, contraria os princípios da legitimidade e economicidade do gasto público.

E, não pagar dívida vencida para custear despesa do próprio exercício corrente, tal inversão afronta a ordem cronológica de pagamentos (art. 5º, da Lei 8.666, de 1993), deixando o Prefeito à mercê de cassação, nos termos do Decreto-lei nº 201, de 1967:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

(........)

XII - Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário;

Neste particular, convém ressaltar que, ao vencer a eleição, o prefeito herda os ônus e bônus do Município, não cabendo preterir a dívida feita na gestão anterior.

De fato, em 2017, ano inaugural do anterior mandato, alguns municípios editaram decreto de calamidade financeira, sobretudo para inverter a ordem temporal de pagamentos, quitando as despesas de 2017, à custa daquelas assumidas em 2016 e anos anteriores.

            Nesse cenário, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) lançou, à época, Comunicado alertando para os riscos do tal decreto municipal:

COMUNICADO 06/2017

Alerta sobre decretos de calamidade financeira

O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO ALERTA sobre os riscos assumidos por Prefeituras Municipais quando da edição de decretos, sob o argumento de calamidade financeira, para suspender temporariamente pagamentos de despesas do exercício de 2016 e anteriores.

A utilização desses instrumentos não encontra amparo no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal e viola inúmeras regras do direito financeiro dentre outras, a quitação de Restos a Pagar e a ordem cronológica de pagamentos, o que poderá trazer implicações no exame de contas anuais.

SDG, 22 de fevereiro de 2017.

SÉRGIO CIQUERA ROSSI

SECRETÁRIO-DIRETOR GERAL

Caso entenda conveniente, o novo prefeito determinará auditoria nos Restos a Pagar de maior valor, certificando-se que estão realmente aptos a pagamento (liquidados), quer dizer, os bens e serviços foram mesmo entregues de acordo com o historiado nas notas de empenho e documentos fiscais.

Além disso, a Administração Municipal poderia negociar o parcelamento das pendências financeiras de maior magnitude.

3.A despesa com pessoal

Para a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Poder Executivo do Município não pode gastar com pessoal mais que 54% da receita, o que inclui salários, subsídios dos agentes políticos, encargos patronais, gratificações, adicionais por tempo de serviço, horas extras, aposentadorias, pensões, entre outras verbas remuneratórias (art. 18).

Não é demais recordar que o Poder Executivo engloba não somente a Prefeitura, mas também as entidades da Administração indireta do Município: as autarquias, fundações e as empresas dependentes.

Na superação daqueles 54%, aquela lei faculta um período de ajustamento, de dois quadrimestres; passado esse tempo e não havendo a conformação, fica o Município impedido de receber certas transferências voluntárias da União e do Estado (convênios), sem prejuízo de uma possível rejeição da conta anual do prefeito.

A pandemia de 2020, e o consequente impacto negativo sobre receitas e despesas, materializaram estado de calamidade pública, que, a mando da LRF, interrompeu a contagem do prazo de ajuste da despesa com pessoal (art. 65, I); isso, desde a edição do decreto municipal, reconhecido pela Assembleia Legislativa.

Em razão dessa excepcionalidade pandêmica, nenhum prefeito, em 2020, terá o balanço rejeitado por excesso de gasto laboral.

Contudo e a termo da Lei Complementar 173, de 2020, o estado emergencial termina em 31 de dezembro de 2020 e, se não renovado, volta a acontecer, em 2021, a contagem do ajuste desde o momento da superação,

Supondo-se que a despesa laboral do Executivo Municipal tenha extrapolado, no 3º quadrimestre de 2019, o limite de 54%, nesse caso, a recondução deve ocorrer até o 2º quadrimestre de 2021 (agosto), nisso considerada a suspensão havida em 2020.

Ante o fato de a despesa de pessoal ser a que mais pesa no orçamento municipal e tendo em mira as sanções pela não recondução aos limites fiscais, o novo prefeito precisa logo obter as seguintes informações:

  1. O atual nível da despesa de pessoal em face da receita corrente líquida;
  2. Caso o percentual tenha superado o teto do Executivo (54% da RCL), em qual quadrimestre (de 2019 ou 2020) isso se deu?
  3. Relatório de cumprimento do art. 8º, da Lei Complementar 173, de 2020, que proíbe, entre 25 de maio de 2020 a 31 de dezembro de 2021, os reajustes salariais, a contratação de servidores, bem como a contagem de tempo para adicionais de tempo de serviço, sexta-parte e blocos de licença-prêmio. Há nisso, contudo, acentuada polêmica, qual seja: estariam sujeitos a tais vedações os municípios que não decretaram, em 2020, calamidade pública? Tal controvérsia ganha força na medida em que todos os municípios receberam o auxílio federal para as despesas Covid (art. 5º, I, “b”, da Lei 173/2020), além da imensa parte deles sofrer perda na receita tradicional, compensada por aquele auxílio, o qual, de outro lado, não virá em 2021. De todo modo, espera-se que, em breve, a jurisprudência pacifique tal questão.
  4. Número de servidores por setor da Prefeitura, quer os efetivos, comissionados ou temporários. A partir disso, a nova gestão poderia propor remanejamentos de pessoal, suprindo as áreas carentes à conta do excesso funcional em outros setores, sobretudo nas áreas operacionais e administrativas;
  5. O gasto anual com horas extras;
  6. Levantamento do custo salarial das entidades do terceiro setor, subvencionadas pelo Município, visto que, a partir de 2022, tal gasto ingressará na despesa laboral da Prefeitura (conforme Portaria STN nº 377, de 2020).

De todo modo, o cálculo da Prefeitura pode estar agregando verbas indenizatórias, sendo que o limite da despesa laboral só abrange verbas remuneratórias (art. 18, LRF), vale dizer, aquelas que pagam contribuição previdenciária (INSS ou RPPS) e imposto de renda (IR). Nessa trilha, o novo prefeito pode solicitar recálculo do gasto laboral, dele afastando os pagamentos indenizatórios, ou seja, os que não sofrem os descontos antes ditos; são eles:

  • Vale-transporte, vale-refeição, auxílio-natalidade, salário-maternidade, auxílio-creche, planos de saúde [2];
  • Pagamentos de férias ou licença-prêmio não usufruídas;
  • Incentivos à demissão voluntária;
  • Aviso Prévio indenizado;
  • 40% do FGTS pagos aos servidores demitidos;
  • Pagamento de estagiários;
  • Pagamento de guardas mirim.

            Além disso, também devem ser excluídas as decisões administrativas e judiciais sobre demandas trabalhistas iniciadas antes dos doze meses de apuração da despesa com pessoal (art. 19, § 1º, IV, da Lei de Responsabilidade Fiscal).

4.A receita municipal

Importante o novo prefeito logo avaliar o comportamento da receita própria nos três últimos exercícios; uma acentuada queda exige soluções adiante mencionadas.

Indispensável também verificar o nível de renúncias fiscais que ainda persiste na vida financeira do município. Talvez seja o momento de revogar parte delas. A propósito, a lei orçamentária, a mando da Constituição (art. 165, § 6º), deveria conter anexo revelando quanto se perde, todo ano, com isenções fiscais e quais são os setores e segmentos sociais beneficiados.

De se atentar também para um ativo de alentado valor, o da Dívida Ativa; se pequeno o recebimento anual desse direito creditório, o dirigente poderia adotar práticas mais eficientes de cobrança, bem recomendáveis em início de mandato político; eis, por exemplo, o protesto em cartório (cobrança extrajudicial), medida que, em 2016, foi tida constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF): “é legítimo o protesto em cartório das Certidões da Dívida Ativa (CDA)”.

Em suma e objetivando aumentar a receita municipal, o novo prefeito pode se valer das seguintes medidas:

  • Mediante lei, revogar certas renúncias de receita, cujos objetivos iniciais já não mais persistem;
  • Levantar o estoque corrigido da Dívida Ativa e, se for o caso, iniciar a cobrança extrajudicial (protesto em cartório) desse direito creditório;
  • Aprimorar a segurança nos sistemas eletrônicos de registro da Dívida Ativa, evitando as baixas indevidas e fraudulentas;
  • Adaptar o Código Tributário Municipal à Lei Complementar 175/2020, lembrando que, a partir de 2021, o Imposto sobre Serviços (ISS), para alguns itens, será recolhido no município do tomador do serviço e, não, como é hoje, nas pouquíssimas cidades onde se domiciliam as administradoras de cartões de compra (crédito e débito), as sedes dos planos de saúde, dos consórcios e das factorings, franchisings e empresas de leasings;
  • Capacitar os fiscais municipais para a sistemática introduzida por aquela lei complementar, que aumentará a receita de ISS na imensa parte dos municípios brasileiros;
  • No site da Prefeitura, propagandear que, até certo limite, doações aos fundos da criança e do adolescente e do idoso são abatidas do Imposto de Renda devido, nisso também transparecido como o dinheiro será usado nas políticas de atenção ao menor e ao idoso;
  • Firmar convênios com a Receita Federal com os seguintes objetivos: a) acesso aos dados de contribuintes para maior eficiência na arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS); b) recebimento integral do Imposto Territorial Rural - ITR (art. 153, § 4º, III, da CF).
  • No momento de concessão do Habite-se, cobrança do Imposto sobre Serviços (ISSQN);
  • Atentar que, até 2023, estão livres de vinculação 30% da Contribuição de Iluminação Pública (CIP ou COSIP), multas de trânsito e receitas dos fundos especiais;
  • Após os necessários ajustes legais, cobrança de IPTU sobre áreas rurais agora urbanizadas, ou seja, espaços contemplados com duas ou mais benfeitorias urbanas (ex.: água e energia elétrica; escola e posto de saúde; pavimentação e esgoto).
  • Cobrança de ISS sobre os cartórios;
  • Em favor da Receita Federal, não se deve recolher o Imposto de Renda retido sobre pagamentos a prestadores de serviços; isso, com base em decisão de órgão especial do Tribunal Regional Federal (de 25.10.2018);
  • Auxiliar o produtor rural no preenchimento dos Dipam (Declaração para o Índice de Participação dos Municípios), o que aumenta a quota-parte do município no ICMS.

5.A dívida de longo curso (consolidada ou fundada)

Assim como antes dito, enorme parcela dos municípios não se financia por empréstimos de longo curso, sendo-lhes vedado emitir títulos públicos. Então, o endividamento de longo curso (consolidado) é composto, predominantemente, pelos parcelamentos de contribuições patronais (INSS, RPPS, FGTS, PASEP), bem como pelos precatórios judiciais.

Diferente da já vencida dívida de curto prazo (Restos a Pagar), a consolidada via de regra, leva muito tempo para ser liquidada, porém, mesmo assim, representa passivo de alto valor e, às vezes, não comparece, na íntegra, nos balanços patrimoniais, motivos esses que obrigam o novo prefeito a tomar conhecimento de sua magnitude e dos respectivos prazos de pagamento.

Nos municípios com regime próprio de previdência (RPPS), de lembrar que, por conta das dificuldades pandêmicas, a Lei Complementar 173, de 2020 possibilitou a suspensão de recolhimentos patronais entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020; isso, se lei municipal assim houver autorizado (art. 9º, § 2º).

Por outro lado, o novo prefeito retomará as contribuições patronais àquele sistema próprio, quer o montante interrompido em 2020, quer os recolhimentos que incidem sobre a competência 2021.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No tocante aos precatórios judiciais, prevalecem, atualmente, dois regimes de pagamento: o normal (artigo 100, CF) para os municípios que, em 25 de março de 2015, nada deviam àquele título e, até o ano de 2024, o regime especial, transitório, para as administrações municipais que registravam pendência judicial na sobredita data.

Inserido no regime normal de pagamento, a Prefeitura, no exercício de 2021, deve honrar, à vista, os precatórios apresentados até 1º de julho de 2020 e, se muito elevada tal despesa, a quitação comprometerá as inaugurais ações de governo. Sob tal hipótese, a Fazenda Municipal deve negociar parcelamento junto ao credor, homologando-o, depois, no Tribunal de Justiça. De recordar que o não pagamento leva ao parecer desfavorável do tribunal de contas, por descumprimento de norma constitucional.

Incluso no regime especial de pagamento, o prefeito geralmente precisa negociar com o tribunal de justiça o depósito do mesmo valor pago em 2017; isso, em proporção à receita corrente líquida. Esse percentual de 2017 é o piso determinado na Emenda Constitucional 99, apesar daquelas cortes de justiça determinarem taxa maior, para que, mesmo antes de 2024, haja liquidação integral do passivo em questão.

Ao demais, o novo dirigente municipal deve atentar para outras particularidades daquela emenda à Constituição:

  1. Mediante acordos com o titular do precatório, homologados na Justiça, as Prefeituras poderão conseguir descontos de até 40%;
  2. O credor do precatório pode solicitar redução de sua dívida ativa, oferecendo, para tanto, precatórios contra o mesmo município. Contudo, a pendência do credor deve estar inscrita na dívida ativa até 25 de março de 2015;
  3. Todo ano, o Município apresentará plano de pagamento ao Tribunal de Justiça.
  4. O Município poderá utilizar, no parcelamento, 75% dos depósitos judiciais, desde que institua um fundo garantidor equivalente a um terço daqueles depósitos, sendo ele constituído pela parcela restante dos depósitos judiciais (os demais 25%).

No tocante aos recolhimentos mensais ao Pasep, importante verificar se o Município não está contribuindo a maior, visto que algumas receitas não ingressam na base de cálculo; são as transferências voluntárias da União ou do Estado (convênios), bem como a receita de alienação de bens e as operações de crédito.

E, ainda no que concerne à dívida de longo prazo, há de haver consulta junto à procuradoria jurídica do município, para inteirar-se dos processos que podem ter desfecho negativo, impactando negativamente os próximos orçamentos; nesse rumo, também se deve levantar os termos de ajustamento de conduta, firmados com o Ministério Público.

Aliás, aquelas situações desfavoráveis deveriam constar do anexo de riscos fiscais da lei de diretrizes orçamentárias (LDO), mas, a realidade tem-nos mostrando que enorme parcela dos municípios assim não procede.

6.Pagamento dos Restos a Pagar da Saúde e da Educação

Por força constitucional, os municípios, todo ano, devem utilizar 12% dos impostos na Saúde, além de 25% na Educação, sem embargo de o Fundo da Educação Básica (Fundeb), todo ele, ser despendido no próprio ano da arrecadação, ainda que, por força da recentíssima Lei 14.113/2020, 10% possam ser utilizados até abril do ano seguinte.

Sucede que os tribunais de contas têm sistemática diferenciada para apurar sobreditos pisos constitucionais; uns se norteiam pela despesa compromissada (empenhada); outra pelo gasto liquidado (bens e serviços entregues), havendo também tribunais que se balizam no efetivo pagamento até janeiro do ano seguinte.

Naquele último caso - o dos pagamentos feitos até janeiro de 2021 - o novo prefeito, sob risco de improbidade administrativa, não deve nunca deixar de executá-los, desde que o antecessor tenha deixado saldo financeiro nas contas vinculadas do setor.

Relativamente ao novo Fundeb, a operar em 2021, de ilustrar que a Emenda Constitucional 108, de 2020, inovou ao aumentar a vinculação remuneratória para os servidores do ensino; de 60% para 70%, só que, doravante, tal percentual não mais se limitará aos profissionais do magistério (professores e especialistas da Educação), também beneficiando os servidores administrativos e operacionais (merendeiras, vigilantes e servidores administrativos).

E quanto à Saúde, de informar que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 11.03.2020, decidiu, em tema de repercussão geral, que o poder público está desobrigado de fornecer, por decisão judicial, medicamento de alto custo que não esteja na lista padronizada do Sistema Único de Saúde – SUS (Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional). Tal seu deu no Recurso Extraordinário 566.471/RN.

7.Leitura dos relatórios do tribunal de contas, do controle interno e dos controles sociais.

Os tribunais de contas, em regra, fazem anual diagnóstico da gestão orçamentária, financeira e patrimonial da Prefeitura, o que envolve limites com despesa de pessoal, resultados orçamentários e financeiros, regularidade das licitações, movimentação de pessoal, administração da receita, repasses a entidades do terceiro setor, tesouraria, almoxarifado, bens patrimoniais, dentre outros setores que utilizam ou guardam dinheiros, bens e valores públicos (art. 70, parágrafo único, da Constituição).

Nesse cenário, há falhas que, todo ano, se reiteram na gestão fazendária do Município.

Por isso, uma atenta leitura dos últimos relatórios do Controle Externo revela pontos de fragilidade na gestão local do dinheiro público, podendo subsidiar um plano de ação do novo prefeito. Exemplo, se, ultimamente, as contas foram rejeitadas por insuficiente aplicação da educação, há de haver maior acompanhamento das respectivas despesas. Além disso, de ressaltar que, não atendidas, anteriores recomendações, ressalvas e advertências podem, em contas futuras, levar ao parecer contrário à conta do prefeito.

Quanto ao Controle Interno, algumas cortes de contas têm recusado balanços municipais diante da inoperância de tal sistema; vai daí que os relatórios internos têm adquirido maior consistência e amplitude, servindo para o prefeito corrigir desvios na gestão orçamentária, na aplicação mínima em Educação, Saúde e precatórios judiciais, no uso dos adiantamentos, na operação de programas de governo, entre outros pontos.

E o novo prefeito poderia aperfeiçoar o sistema de controle interno, valorizando instância com fundamento constitucional (art. 74) e que, sob melhores condições, seria muito útil na correção, em tempo hábil, de falhas que conduzem à recusa da conta do agente político e, portanto, à penalidade fatal: a inelegibilidade por 8 (oito) anos. Então, sugerimos as seguintes medidas de aprimoramento para o Controle Interno:

  • Vínculo direto com o prefeito;
  • O relatório deve sempre conter indicações de resolutividadade (ex.: a) em face da baixa cobrança de dívida ativa, protesto em cartório; b) considerando a perspectiva de déficit orçamentário e financeiro, indicação de despesas que poderiam ser congeladas);
  • Há de haver estreita ligação com as Ouvidorias;
  • O Controle Interno há de emitir parecer sobre os adiantamentos e quanto à legalidade, eficácia e eficiência dos repasses às entidades do 3º setor [3];
  • À vista dos apontamentos do Controle Interno, o dirigente precisa determinar providências;
  • E, desde que ordenadas as tais providências, o Controle Interno deve acompanhá-las;
  • Municípios maiores necessitam editar manual de procedimentos para os vários setores de atuação (ex.: um para a Tesouraria; outro para o setor de compras; mais um para o Departamento de Pessoal);
  • O relatório do Controle Interno deve sempre abranger as exigências constitucionais e legais (aplicação mínima em Educação, Saúde e precatórios judiciais; nível da despesa de pessoal; resultado orçamentário e financeiro etc.);
  • Aos tribunais de contas, o Controle Interno disponibilizaria seus roteiros de fiscalização;
  • O responsável do Controle Interno não pode ter parentesco com os agentes políticos do Município.

Além da leitura dos relatórios do controle externo e interno, o novo prefeito poderia se informar nas atas do controle social, sobretudo às dos conselhos da saúde, educação, assistência social e criança e adolescente. Muito embora persista certa inoperância nessas instâncias, são elas integradas pelos que estão mais próximos da realidade de atuação, cidadãos que, liberados de vínculos empregatícios e institucionais, poderiam opinam com mais isenção e real interesse no desenvolvimento local, até porque dele são dependentes.

8.Tesouraria e bens de caráter permanente

De posse do inventário a que se refere o artigo 96, da Lei 4.320, de 1964, o novo prefeito deveria ordenar confirmação, por amostragem, da real existência dos bens de maior valor.

E, quanto à Tesouraria, fundamental a checagem dos valores existentes nas várias contas municipais, quer as vinculadas ou as movimento.

No tocante à gestão da Tesouraria, a empresa Fiorilli lançou comunicado baseado em auditoria operacional do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP):

Comunicado Fiorilli Software

Cuidados na gestão da Tesouraria

Quer na fiscalização ordenada, quadrimestral ou anual, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) tem apontado várias falhas no item Tesouraria.

Com base no entendimento daquela Corte, a empresa Fiorilli apresenta as seguintes cautelas na gestão do setor em destaque:

  1. A Tesouraria deve realizar backup diário de seus registros;
  2. Salutar a criação de norma para que os responsáveis movimentem as contas bancárias da entidade pública;
  3. Os boletins de caixa precisam ser assinados pelo responsável do setor;
  4. Cópias de todos os cheques devem estar arquivadas na Tesouraria;
  5. Os empenhos e as ordens de pagamento necessitam ser assinados pelo ordenador da despesa (o titular da entidade ou quem deste receba, mediante lei, delegação);
  6. Não poderia haver diferença entre os saldos bancários e os informados nos registros contábeis.
  7. As conciliações bancárias haverão de acontecer, no máximo, a cada 30 ias, sendo assinadas pelo Contador e pelo Tesoureiro;
  8. O servidor que responde pela Tesouraria não deve ser o mesmo que atua na Contabilidade (segregação de funções);
  9. Exceto o caso da folha salarial e das disponibilidades do regime próprio de previdência (caso assim opte o Município), os demais recursos financeiros haverão de estar depositados em banco estatal;
  10. Interessante que o Controle Interno analise, periodicamente, as conciliações bancárias.
  11. A Tesouraria não pode nunca realizar “vales” para os servidores, mesmo que estes lá deixem cheques como garantia.

9.O Decreto de Abertura do Exercício

            No intuito de disciplinar a abertura do presente ano financeiro, poderá o Prefeito, caso queira, editar decreto com vários conteúdos, inclusive os a seguir propostos no seguinte comunicado:

  • Data para apresentação da programação financeira e do cronograma de execução mensal de desembolso, nos termos do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal;
  • Data para o início de empenhos e pagamentos;
  • Data para o setor de finanças apresentar relatório com os seguintes conteúdos: a) montante do resultado financeiro em 31.12.2020; b) relação de Restos a Pagar liquidados, por órgão orçamentário, data de exigibilidade e faixa de valor (ex.: até R$ 10 mil; de 10 mil a 50 mil, e assim por diante); c) valor não utilizado dos auxílios federais para a Covid; d) percentual do gasto laboral no 3º quadrimestre de 2020 (se acima de 54%, apontar o quadrimestre de ultrapassagem); d) valor dos precatórios judiciais a serem pagos em 2021, quer os depósitos do regime especial, quer os pagamentos do regime normal; e) valor do parcelamento da dívida com encargos patronais, a ser quitada em 2021 (INSS, RPPS, FGTS, PASEP).
  • Data para apresentação da conciliação bancária de 31 de dezembro de 2020;
  • Data para apresentação do inventário de bens móveis e imóveis (art. 96 da Lei 4.320, de 1964);
  • Relação dos servidores que não prestaram contas de adiantamentos;
  • Relação das entidades do terceiro setor que não prestaram contas das subvenções/auxílios recebidos em 2020;
  • Data para apresentação do relatório das obras em andamento;
  • Data para apresentar a relação dos ainda não cumpridos TACs (Termos de Ajustamento de Conduta);
  • Data para apresentação do relatório do controle interno, alusivo ao exercício de 2020.
 

Notas

[1] In artigo “Reeleição de prefeitos cresce em 2020 e chega a 63%”, publicado em 18.11.2020, pg. A11.

[2] Quanto ao terço constitucional de férias, o Supremo Tribunal Federal entendeu, em 1º de setembro de 2020, que incide, sim, contribuição previdenciária sobre tal benefício (RE 1072485). Por isso, a Suprema Corte aprovou a seguinte tese de repercussão geral: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias”.

[3] Ante a proximidade do encerramento do exercício de 2020, o Tribunal Paulista de Contas (TCESP) editou as Instruções 1/2020 e, no que diz respeito aos municípios, alteração considerável deu-se somente no Regime de Adiantamento. Foi assim porque os relatórios de fiscalização continuam detectando várias falhas no uso daquela sistemática prevista nos art. 68 e 69, da Lei 4.320, de 1964. Doravante, o TCESP confere papel destacado ao Controle Interno, que emitirá parecer final nas comprovações dos adiantamentos, cobrando os servidores que não a realizaram.

Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos