Capa da publicação A escravidão moderna: redução a condições análogas à de escravo

A escravidão moderna: redução a condições análogas à de escravo

Resumo:


  • O trabalho escravo moderno se difere da escravidão antiga por não permitir que uma pessoa seja tratada como mercadoria, além de ser mais acessível aos exploradores.

  • A pobreza e a falta de oportunidades são fatores que contribuem para a vulnerabilidade das pessoas à escravidão moderna, que pode envolver condições desumanas de trabalho.

  • No Brasil, apesar dos esforços para combater o trabalho escravo, ainda existem desafios relacionados à impunidade dos exploradores e à efetiva aplicação das leis existentes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As condições degradantes de trabalho persistem no século XXI, violam a dignidade humana e são caracterizadas por condições de trabalho análogas às de escravos.

Resumo: Este trabalho aborda os fatores que levam um Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus objetivos fundamentais a construção de uma sociedade justa, a manter condições de trabalho com características coloniais, que reduzem o homem à condição análoga a de escravo. Pretende-se mostrar a importância da dignidade humana que, mesmo em pleno século XXI, ainda é alvo de violação pela nova aparência da escravidão humana, além de possíveis soluções para a erradicação do trabalho análogo ao escravo e compreender o discurso jurídico e legal sobre a caracterização do trabalho escravo contemporâneo.

Palavras-chave: Escravidão contemporânea. Dignidade humana. Soluções.


Introdução

A escravidão moderna ela está mascarada, no dia a dia da população, é uma expressão genérica aplicada às relações de trabalho.

Exaltando que os trabalhadores são forçados a exercer a atividade, sob ameaça, detenção, violência e até mesmo a morte.

Normalmente as pessoas escravizadas provêm de lugares com pouco acesso a informação, educação, saúde e pouca oferta de trabalho, os exploradores se aproveitam da vulnerabilidade para dar ofertas incríveis e retirá-los de seu local de origem e quando chegam ao seu destino se verifica que a promessa de trabalho não condiz com a realidade, porém as pessoas já estão endividadas e não conseguem sair do ciclo vicioso.

Existem mais de 300 tratados internacionais pelo fim do trabalho escravo e comércio de pessoas e mais de doze convenções mundiais de combate à escravidão contemporânea.


1. O Trabalho escravo antigamente x modernidade

A escravidão moderna se difere da escravidão antiga, praticada no Brasil durante os períodos colonial e imperial, pois a antiga, a lei permitia que uma pessoa fosse propriedade de outra, hoje em dia o código penal brasileiro criado em 1940, proíbe que uma pessoa seja tratada como mercadorias, além dos custos para adquirir um escravo antigamente eram altos, na modernidade as pessoas são aliciadas e muitas vezes o patrão gasta apenas com o transporte até o local de escravizá-lo.

Nos tempos coloniais e imperiais a mão de obra escrava era determinada por características étnicas: os escravos eram negros ou indígenas. Hoje são escravizados pessoas em vulnerabilidade e não necessariamente por conta da sua etnia.


2. Trabalho escravo moderno

Segundo a fundação Walk Free, a pobreza e a falta de oportunidades desempenham importante papel no aumento da vulnerabilidade das pessoas a escravidão moderna. Outros fatores contribuintes além das desigualdades sociais são: a xenofobia, o patriarcado e a discriminação de gênero.

Encontramos nos dias atuais alojamentos sem rede de esgoto ou iluminação, sem armários ou camas com jornadas de trabalho superiores há 12 horas diárias, sem alimentação, sem água potável e sem equipamentos de proteção.

O Brasil possui 161,1mil pessoas em trabalho escravo, conforme dados da fundação Walk Free. Em 2014 eram 155,3 mil nessa situação. Apesar da crescente o país é considerado com baixa incidência quando comparado com outras nações.

O país em 2015 resgatou 936 pessoas em situação de exploração, a maioria era homens entre 15 e 39 anos, com baixo nível de escolaridade e que migraram dentro do país em busca de melhores condições de vida.

Não obstante o Brasil possuir grandes problemas com a escravidão o presidente fundador da Walk Free, Andrew Forrest, indica que o país mostrou grande avanço ao divulgar a “Lista Suja”, que consiste em apontar as empresas nacionais multadas na justiça pela utilização de trabalho escravo, sendo indicado como pioneiro na iniciativa. Com tudo uma série de disputas judiciais fez com que a divulgação da lista fosse adiada diversas vezes desde 2014, voltando apenas em 2017.

Nos últimos 20 anos no Brasil o Ministério do Trabalho divulgou que quase 50 mil pessoas foram libertadas por ações dos auditores fiscais, procuradores do trabalho e policiais fiscais ou rodoviários federais que atuam desde 1995 na fiscalização do trabalho forçado. Em média cinco pessoas a cada dia são libertadas do trabalho escravo, ocorrendo após denúncias, principalmente a sindicatos e cooperativas, já que existe receio de envolvimento das autoridades locais com os patrões.

O ser humano ao ser 'coisificado', comercializado como mercadoria barata, passa a ter gradativamente sua autoestima gravemente afetada, além do comprometimento da saúde física e mental. A cada ano aumenta o número de brasileiros que trabalham em condições subumanas, onde são amontoados em lugares pequenos, sem conforto algum e sem o mínimo de higiene. Em 2007, os estados que apresentam maior índice de escravidão contemporânea eram: Pará, Mato Grosso, Tocantins, Piauí, Maranhão e Bahia; sendo a maioria dos “escravizados” compostos por homens (98%), entre 18 e 40 anos (75%), desqualificados e vulneráveis (POSSIBILIDADES, 2007, p. 68-69).

Gomes(2012) averigua que a lógica do dominador contamina o explorado, que acaba entendendo que é, realmente, um devedor e, quando foge, um ladrão. Talvez isto explique as raras fugas, que acontecem via de regra quando o medo de morrer vence o medo de ser morto, ou quando a sensação do engano desobriga a dívida.

Destaca-se, que a escravidão contemporânea é um mercado articulado e organizado, altamente rentável e que sobrevive devido à ausência da efetiva punição dos criminosos. A responsabilização penal dos exploradores é, decisivamente, o meio para se obtiver uma mudança definitiva desse quadro juntamente com a condenação por danos morais e adimplemento dos direitos trabalhistas sonegados. Salienta-se que as ações desenvolvidas a fim de abolir esse mal devem ser articuladas para que as leis já existentes sejam aplicadas e que as ações sejam unidas para que os resultados não sejam efêmeros (POSSIBILIDADES, 2007).

Em 2012 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em conjunto com os tribunais regionais federais, onde ocorreu seu último levantamento, divulgou que, pesar do número de demandas criminais envolvendo o trabalho escravo contemporâneo ainda é muito reduzido, sendo ainda menor o número de condenações criminais dele decorrente (BRASIL, CNJ, 2012).

Diante as colocações, foi criado o Fórum Nacional para o Monitoramento e Soluções das Demandas Atinentes à Exploração do Trabalho em condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de pessoas – FONTET (Portaria nº 5 de 15/01/2016), de caráter permanente, com a finalidade de promover intercâmbios e estudos, bem como propor medidas concretas para o aperfeiçoamento do sistema judicial quanto à repressão da exploração do trabalho em condição análogo à escravidão e ao tráfico de pessoas.

Não obstante os dados consolidados pelo CNJ referirem-se ao cenário existente em 2012, ainda hoje é possível perceber o elevado grau de imunidade daqueles que reduzem trabalhadores a condição análogas à de escravo no Brasil, fato que, desde 2005, já vem sendo evidenciado pela Organização Internacional do Trabalho como um entrave no combate ao crime de redução à condição análoga à de escravo, sendo (a impunidade) considerada a causa da persistência dessa prática no Brasil (OIT, Relatório Global,2005,p.24-25).

Referente ao tema, Brito Filho (2014,p.19) considera que o Brasil encontra inúmeras dificuldades para erradicar ou reduzir as ocorrências de trabalho escravo no país. De acordo com o referido autor, esses entravem partem desde a visão elitista e conservadora dos tomadores de serviço, que julgam aceitáveis as condições de trabalho que são fornecidas os trabalhadores, perpassando também pela insuficiência existente no aparelhamento do Estado para o enfrentamento desta questão.

As políticas públicas de combate ao trabalho em condições análogas ao de escravo realizadas no Brasil revelam-se em uma perspectiva progressista, sendo ampliadas e aperfeiçoadas. A partir de 2013, percebeu-se uma redução no número de fiscalizações realizadas pelo Grupo Móvel de Fiscalização, sendo esta atribuída a cortes de orçamentos.

O Direito penal tem como finalidade máxima a proteção dos bens jurídicos essenciais ao convívio em sociedade. Em uma perspectiva latu sensu, Prado (1997, p.18) considera que o bem jurídico em sentido amplo corresponde a tudo aquilo que tem valor para o ser humano. Contudo, como Direito penal não tem por objetivo tutelar todo e qualquer bem jurídico, surge à necessidade de se estabelecer o que se considera como sendo um bem jurídico penalmente relevante.

Quando se alicia uma pessoa, ou uma família inteira, para o trabalho forçado em razão do seu estado de vulnerabilidade, a liberdade é o primeiro direito ser arrancado do ser humano.

A sua dignidade é atacada com tamanha intensidade que a vítima perde sua identidade de cidadão dotado de garantias.

O princípio da dignidade trazido pela Constituição ocasionou a ratificação (1992) pelo Brasil das diretrizes expostas a Convenção Americana sobre Direitos humanos de 1948.

Além da Convenção Americana sobre direitos humanos de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, há também a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura de 1926, ratificada em 1966, garantindo que nenhuma pessoa poderia ser escravizada.

Apesar da ampla responsabilidade constitucional do poder público brasileiro, com a garantia do mínimo fundamental à vida da pessoa humana, este vem permitindo que perdure a mancha mais marcante da história do Brasil.

É possível perceber que a violação da liberdade e da dignidade da pessoa é elemento essencial na descaracterização do ser social, de integrante de uma sociedade e de sujeito de direitos. A pessoa escravizada já se encontra excluída socialmente quando é inserida na vida escrava.

Quando se entra numa vida de exploração por meio da dificuldade econômica e da desigualdade social a pessoa é abandonada pela segunda vez pelo poder público, que não lhe deu meios necessários para garantir o mínimo de uma vida digna.

Desde então, muitos direitos e garantias foram conquistadas pelo povo brasileiro, seja através da assinatura de tratados internacionais ou pelo próprio ordenamento jurídico interno, permitindo as pessoas a reclamar o que lhes pertence.

No alto da discussão da existência da escravidão uma questão possui fundamental esclarecimento, de como se caracteriza o perfil das pessoas escravizadas. Assim, considerando as pessoas resgatadas em situação análoga à escravidão, segundo o Ministério Público do Trabalho, 94,89% delas correspondem a homens e 5,11% mulheres, aproximadamente 72% são analfabetos ou possuem o 5º ano incompleto.

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Além disso, lideram a lista de campo de trabalho a que eram submetidos às seguintes atividades: a criação de bovinos para corte, o cultivo de arroz, a fabricação de álcool e o cultivo da cana de açúcar.

Fica claro que as pessoas mais vulneráveis são as aliciadas. São aquelas com menor índice de escolaridade que se encontram desempregadas, passando dificuldade financeira e que muitas vezes já nascidas ou criadas por famílias exploradas.

As condições de vida são variadas, mas, desumanas em sua totalidade, e dependem para a diferenciação, no entanto, da atividade à qual esta submetida à pessoa escravizada. Com intuito de elucidar a situação daqueles que exercem o cultivo da cana de açúcar.

Os escravos de hoje tem consciência de que possuem direitos, mas se submetem a condições cruéis em razão da sobrevivência. Existem pessoas que, acreditando na oferta de emprego com bom salário, além de moradia, acabam caindo nas armadilhas daqueles que escravizam, dos que querem lucrar com a mão de obra no cultivo da cana de açúcar. Aquelas são mantidas sob a ameaça de empregados que são encarregados da fiscalização para que os escravizados não fujam.

A vida digna é primordial para concretização de um estado democrático de direito, sendo assim, a busca pela efetividade do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o meio de estabelecer de forma plena a democracia brasileira. Existem medidas repressivas e preventivas sendo aplicadas para combater o trabalho escravo.

Não se pode deixar de mencionar a importância do trabalho desempenhado pelo Ministério Público do Trabalho no combate à exploração do trabalho escravo e no resgate de dezenas de pessoas nos últimos anos. Nota-se que o trabalho deve ser conjunto, uma vez que muitos resgastes acontecem como resultados de denúncias.


Conclusão

Sem dúvida, a liberdade pessoal integralmente comprometida é uma afronta insanável ao princípio da dignidade da pessoa humana, constituindo um menosprezo a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O princípio da dignidade da pessoa humana orienta todo o texto constitucional, sendo assim ao Estado obriga-se garantir condições para que as pessoas se tornem dignas, vedando a redução do indivíduo à "coisa".

Contudo, verifica-se que o tratamento dispensado aos trabalhadores submetidos à escravidão contemporânea enfatiza a dicotomia entre as normas constitucionais e a realidade praticada, sendo um reflexo da letargia do Governo em não resolver problemas como a desigualdade social, miséria, acesso à educação, e a finalidade das normas que asseguram o trabalho. Assim, torna-se uma retórica o princípio da dignidade humana enquanto o Estado não realizar seu papel em sua totalidade e não aplicar efetivamente os dispositivos já existentes.

Ressalta-se que o combate ao trabalho escravo contemporâneo é um índice precioso sobre como os direitos do trabalhador podem funcionar servindo de ponta de lança para a defesa dos direitos da pessoa humana numa sociedade que se quer democrática. Nessa perspectiva, a atual modificação do artigo 149 do Código Penal prever a criminalização da prática do trabalho escravo contemporâneo, definindo este como o ato de reduzir alguém à condição análoga de escravo, seja através de condições degradantes de trabalho, seja através de jornada exaustivas.


Referências

JUS BRASIL. A Escravidão na atualidade. Disponível em: https://pamsoaress.jusbrasil.com.br/artigos/794857437/escravidao-na-atualidade. Acesso em: 10/01/2021.

ÂMBITO JURÍDICO. Do Crime de redução à condição análoga à de escravo na legislação, doutrina e jurisprudência. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/do-crime-de-reducao-a-condicao-analoga-a-de-escravo-na-legislacao-doutrina-e-jurisprudencia/. Acesso em: 10/01/2021.

DIREITO NET. Redução à condição análoga à de escravo. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/2047/Reducao-a-condicao-analoga-a-de-escravo

GOMES. Ângela Maria de Castro. Repressão e mudanças no trabalho análogo a de escravo no Brasil: tempo presente e usos do passado. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 32, n. 64, p. 167-184 – 2012.

MATOS, Leandra Acioli de. Trabalho escravo contemporâneo: abordagem sobre o cenário brasileiro. Monografia (Graduação). Universidade Católica de Brasília, Brasília/DF: 2012.


Abstract: This paper discusses the factors that lead a democratic rule of law, which has as one of its fundamental goals to build a just society, to maintain working conditions with colonial features, which reduce man to a condition analogous to slavery. It is intended to show the importance of human dignity, even in the XXI century, it is still subject to the new look violation of human slavery, and possible solutions to the elimination of compulsory labor the to understand the legal and legal discourse on the characterization of the contemporary slave labor.

Keywords: Contemporary slavery. Human dignity. Solutions.

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Sobre o autor
José Antônio Bruno Ferreira de Lima

Graduando em Direito pela Faculdade Raimundo Marinho, Penedo (AL).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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