HOUVE MANIPULAÇÃO DE AÇÕES NO MERCADO?

29/01/2021 às 11:13
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE O CRIME DE MANIPULAÇÃO DE AÇÕES NO MERCADO A PARTIR DE CASO CONCRETO.

HOUVE MANIPULAÇÃO DE AÇÕES NO MERCADO?

Rogério Tadeu Romano  

Pode acontecer nas negociações a chamada manipulação do mercado. 

Tem-se o tipo penal disposto no artigo 27 – C da Lei 10.303/2001, que trata da manipulação de mercado:  

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: 

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. 

O crime envolve a conduta de criar condições artificiais de demanda e ou oferta desses títulos, objetivando tornar os preços irreais. Assim estaria minada a confiança dos investidores no mercado, pois são criados novos riscos além daqueles normais do mercado a gerar ineficiência. Desta forma o agente, através de manipulações do mercado, simula um risco elevado para determinada ação, acarretando a desvalorização desta, de forma a inibir investidores que seriam atraídos para comprar uma ação de alto risco, sendo que poderiam comprar uma outra com menor risco, reduzindo, de forma artificial, a demanda, pois, quanto menor esta, menor será o preço. O agente, assim, com a manipulação, poderia comprar estes papéis a preços muito baixos e revendê-los, logo após, a preços mais altos após estar normalizado o mercado. Essa conduta traria prejuízos ao mercado. Ainda, tal crime ocorre quando algumas pessoas realizam uma série de operações seguidas de compra e venda que vão crescendo de modo a criar uma ilusão de que o valor das ações seria muito maior do que realmente valeriam, trazendo prejuízos a investidores de boa-fé, que comprarem essas ações supervalorizadas. Cria-se uma situação artificiosa, em estado de fraude, na qual se busca valorizar ações que detêm para vê-las negociadas a altos preços, quando, na verdade, não ostentam tal valor. Buscam desvalorizar ações que pretendem, para adquiri-las, por ninharias, para, logo em seguida, revendê-las pelo valor que efetivamente possuem, obtendo assim o lucro fácil, em prejuízo e até quebra de empresas envolvidas. 

Trata-se de crime formal, de perigo concreto, permanente, em que é possível a tentativa se a informação estiver sendo passada por escrito e se extravie. 

Pois bem.  

Segundo a Coluna “Capital”, jornal O Globo, em 28 de janeiro do corrente ano, o assunto do dia no mercado brasileiro foi a mobilização escancarada de milhares de investidores para repetir por aqui o bem sucedido “short squeeze” contra grandes fundos que estavam “vendidos” em papéis da GameStop. Grupos de Telegram e um fórum no Reddit se organizaram para comprar ações de companhias como IRB, Cogna e GPC Participações, companhia do setor químico que acaba de sair de uma recuperação judicial.  

No caso do IRB — principal alvo, discutido em um grupo com quase 26 mil membros no Telegram —, a coalizão parece ter dado certo: os papéis dispararam 17,8% na Bolsa. Já os papéis da Cogna subiram 5%, enquanto os da GPC avançaram 4,4%. 

A mesma reportagem relata que a mobilização desafia o arcabouço legal e a capacidade da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para identificar e punir atos ilícitos. Fontes da CVM ouvidas de maneira reservada admitem que não há consenso sobre o tema e que alguns detalhes cruciais para determinar se houve ou não crime dependerão de uma investigação. 

— O enquadramento em tese e os aspectos práticos são coisas diferentes, embora caminhem juntos. Por princípio, qualquer movimento feito com o objetivo deliberado de alterar o funcionamento regular do mercado pode caracterizar um ilícito.  

Na instrução da CVM que trata de manipulação de mercado, a irregularidade — que também é crime — é descrita como o uso de artifício para “direta ou indiretamente, elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo terceiros à sua compra e venda”. 

A questão não é meramente administrativa. Ela envolve um crime grave a ser devidamente apurado no mercado de ações.  

A combinação de compras de ações em redes sociais demonstra indícios tanto de manipulação de mercado como de criação de condições artificiais e deve ser investigada. 

Seriam grupos foram formados em redes sociais para estimular uma alta do papel. 

Algo similar ocorreu com a varejista de jogos GameStop nos Estados Unidos. Na última semana, investidores americanos trocaram mensagens em um grupo do fórum de discussões Reddit sobre comprar os papéis da GameStop, e deixar os investidores que apostam na baixa do papel (os "vendidos") encurralados. 

A GameStop quase faliu com a pandemia. As ações, que eram negociadas a US$ 62 em 2007, desabaram em março de 2020 para US$ 3,50. A situação se inverteu no início deste ano quando um empresário que vendia comida para pets pela internet entrou na diretoria da GameStop para transformá-la enfim em varejista online, com uma forte injeção de capital e promessa de torná-la líder no setor. O impacto dessa “formigada unida” obrigou os fundos de hedge a reverter a aposta para não ter de morrer com o enorme prejuízo causado pelo fenômeno. 

 Segundo o Valor Investe, os grupos têm em seus nomes o termo "Short Squeeze". O termo em inglês é usado para designar a situação em que os investidores que estão "vendidos" (short) ficam "esmagados" (squeeze) diante de uma pressão compradora, e se veem obrigados a desmontar as posições (e a recomprar as ações, portanto), o que joga os papéis ainda mais para cima. 

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Tudo seria, como disse Celso Ming, em artigo para o Estadão em 29 de janeiro do corrente ano, uma espécie de conspiração das formigas reunidas por meio de redes sociais, especialmente em grupos de aplicativos de mensagens.  

Pois, no dia 28 de janeiro, às 13h30 do horário de Brasília, a Bolsa de Nova York teve de interromper as negociações das ações da GameStop “pelo excesso de volatilidade”. Como ressaca da euforia, o tombo da ação foi de 44,29%. Fechou a US$ 193,60, acumulando ainda alta de 927% ao longo deste ano. 

No Brasil, um grupo de pequenos investidores escolheu a IRBR3, ação ordinária do Instituto de Resseguros do Brasil. Foi identificado que essa ação vinha passando por apostas pesadas de baixa por parte de fundos de hedge e grandes instituições financeiras. Uma aposta de baixa pode ser feita tanto no mercado de opções como no mercado à vista. Pode ser feita quando um investidor aluga um lote de ações para vendê-las imediatamente a preços altos para, na hora de devolvê-las ao proprietário, recomprar o mesmo lote a preços rebaixados – e embolsar a diferença. 

Afinal, quem estará por trás dessa verdadeira conspiração ou revolução no mercado? Quais os seus propósitos? 

Há fortes indícios de que pode haver manipulação de ações nessas operações.  

Será caso do Ministério Público Federal estar atento, junto a Comissão de Valores Mobiliários, xerife do mercado de ações, para apurar se há crime  de manipulação de ações, em todas as circunstâncias de autoria e materialidade, esse pesado crime de “colarinho branco”.  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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