RESUMO
Esta monografia, buscou explicitar sobre o tema da Insolvência Transnacional no Brasil, através de análises pertinentes à matéria, como doutrinas, legislações e jurisprudências, apontando possíveis soluções para suprir a lacuna presente na legislação pátria. O estudo da Insolvência Transnacional, é significativo no atual contexto mundial, devido à existência de grandes grupos econômicos, que estabelecem empresas em diversos países, recebem investimentos de credores de diferentes nacionalidades e possuem ativos em vários territórios. Foi analisada às diretrizes dos modelos teóricos intrínsecos à temática e a Lei Modelo da UNCITRAL. Posteriormente, foi apresentado o caso com uma sintética exposição dos procedimentos adotados e questões levantadas em seu decurso. Por fim, abordar-se-á o instituto da transnacionalidade no direito pátrio e apontamentos acerca do Projeto de Lei - 6.229/05, responsável pela reforma da Lei de Recuperação e Falências - 11.101/05, que dentre seus principais objetivos, destacam-se a cooperação internacional entre jurisdições estrangeiras e a tramitação de procedimentos falimentares concomitantes.
Palavras-chave: insolvência transnacional; territorialismo; universalismo; pós – universalismo; uncitral; recuperação judicial ; falência; novo código comercial.
RESUME
This monograph, sought to make explicit on the theme of Transnational Insolvency in Brazil, through analyzes relevant to the matter, such as doctrines, laws and jurisprudence, pointing out possible solutions to fill the gap present in the national legislation. The study of Transnational Insolvency is significant in the current world context, due to the existence of large economic groups, which establish companies in different countries, receive investments from creditors of different nationalities and have assets in several territories. The guidelines of the theoretical models intrinsic to the theme and the UNCITRAL Model Law were analyzed. Subsequently, the case was presented with a synthetic exposition of the procedures adopted and questions raised during its course. Finally, we will approach the institute of transnationality in Brazilian law and notes on the Bill - 6.229 / 05, responsible for reforming the Bankruptcy and Recovery Law - 11.101 / 05, which among its main objectives, stand out international cooperation between foreign jurisdictions and the handling of concomitant bankruptcy proceedings.
Keywords: transnational insolvency; territorialism; universalism; post - universalism; uncitral; judicial recovery ; bankruptcy; new commercial code.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Considerações Preliminares: 2.1 Caracterização da Insolvência Transnacional; 2.2 Funcionamento da estrutura societária e o regramento da competência jurisdicional; 3. Modelos teóricos para tratar da Insolvência Transnacional: 3.1 Modelo Territorialista; 3.2 Modelo Universalista; 3.3 Modelo Misto (Pós - Universalismo); 4. Lei Modelo da UNCITRAL: 4.1 Objetivos; 4.2 Adoção da lei modelo por outros países; 4.3 Caso LATAM Airlines Brasil e a entrada para o Capítulo 11; 5. Reforma da Lei de Falências 11.101/05: 5.1 Principais pontos do Projeto de lei 6.229/05. Conclusão. Referências.
1INTRODUÇÃO
Este artigo fará apontamentos acerca da Insolvência Transnacional, dando ênfase ao procedimento de sua normatização no país, por meio de uma análise da doutrina, do direito comparado e da jurisprudência nacional.
O cenário transfroteiriço ultrapassa limites territoriais nacionais, o procedimento de liquidação ou de recuperação, possui uma repercussão maior e não deve ser tratado por meio de legislações nacionais limitadas. A partir disso, torna-se relevante uma reestruturação na Lei de Falências, no sentido de aplicar o instituto do direito da Insolvência Transnacional, de modo prático e eficiente. Trazendo um contexto econômico favorável ao país que, além de possuir processos garantindo efetividade, vivenciará uma diminuição na valoração do risco do investimento em empresas estabelecidas em seu território.
A primeira seção da pesquisa, irá caracterizar à Insolvência Transnacional, a estrutura societária da empresa que se encontra em estado de insolvência e a competência jurisdicional para tratar dos processos de recuperação e falência. É forçoso explicar, que existe uma internacionalização das empresas, devido ao acelerado processo de globalização, acarretando o deslocamento de barreiras físicas e geográficas. Diante disso, criam-se complexas formas societárias, constituindo subsidiarias afiliadas para explorar atividades econômicas nos mais diversos países, sendo questionada a estrutura dos processos de insolvência e quais seriam as cortes competentes para decidir sobre o recolhimento de bens, liquidação da empresa ou sua reorganização, e a distribuição dos ativos entre os credores.
Em um segundo momento, haverá uma perspectiva acerca dos modelos teóricos, isto é, o Territorialismo, Universalismo e o Modelo Misto (pós – universalismo). Mostrando os elementos descritos de cada um deles, bem como suas vantagens e desvantagens. Diante da existência de modelos diferentes, conclui-se ser mais adequada a adoção de um modelo que associe o ideal de eficiência à prática global dos Estados e empresas. É possível verificar a prática de um modelo adotado em alguns países, que pode ser considerado eficiente na normatização da Insolvência Transfronteiriça, uma vez que já produz efeitos, e dos quais se pode depreender os pontos fortes e fracos da aplicação do tema.
Deste modo, posteriormente, será dada a interpretação da Lei Modelo da UNCITRAL, bem como seus objetivos, sua aplicação por outros países , a explanação do caso LATAM Airlines Brasil, e a adoção do procedimento através do Capítulo 11.
A Lei Uniforme da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial (UNCITRAL) , foi criada com o objetivo de estimular , harmonizar a comunicação e a cooperação internacional entre juízes e tribunais nos casos de Insolvência Transfronteiriça, possibilitando, ainda, a autonomia de vontade das partes. A Lei Modelo, trouxe diversas soluções práticas. Um diferencial, ocorrido logo no início do processo por ela sugerido, é o reconhecimento de procedimentos estrangeiros de maneira muito rápida, até mesmo mecânica.
Por fim, o artigo dará enfoque ao Projeto de Lei 6.229/05, responsável por alterar a Lei de Recuperação e Falências – 11.101/05 , que incluirá o sistema de Insolvência Transnacional . O texto do projeto do Código Comercial, como todo projeto de lei, em que o debate para o aperfeiçoamento é intenso e muito salutar, traduz algumas divergências quanto ao conteúdo, mas o relevante e pioneiro é que preenche efetiva lacuna do direito brasileiro sobre à Insolvência Transnacional, estampando segurança jurídica e celeridade processual, afastando a burocracia e a imprevisibilidade na apreciação da matéria.
A metodologia do artigo, será analítica, crítica e empírica, uma vez que o mesmo encontra-se respaldado em trabalhos de autores nacionais e estrangeiros, de livros e artigos científicos sobre o instituto da Insolvência Transnacional. Também haverá uma análise das normas jurídicas pertinentes ao caso. A abordagem tornar-se-á qualitativa, pelo fato da análise ser subjetiva e não fazer uso de critérios numéricos, visando compreender a conjuntura de instabilidade econômica , o déficit existente na disciplina e o Projeto de Lei, que uma vez aprovado, irá sanar este problema.
2CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O processo acelerado da globalização e o impacto que tem causado na economia, foram essenciais para que haja um olhar mais rebuscado na estruturação societária de cada empresa estrangeira. Nesse sentido, à Insolvência Transnacional tem regido uma forte influência nas relações empresariais nacionais.
A insolvência pode ser entendida como o conjunto de atos ou fatos que exteriorizam um desequilíbrio econômico-financeiro no patrimônio do devedor. Tal fato a revelação de insolvência do devedor faz emergir, no mundo jurídico, um conjunto de regras e procedimentos, estabelecidos com o objetivo de disciplinar e buscar soluções para superar esse desequilíbrio econômico verificado. “Nesse sentido, a insolvência pode servir tanto à liquidação judicial do patrimônio do devedor insolvente (falência-liquidação) quanto para proporcionar sua recuperação econômica (falência-recuperação)”1.
As empresas passaram a se tornar transnacionais e atuar simultaneamente em diversas jurisdições e o capital passou a não conhecer mais de fronteiras. Os investidores passaram a empregar dinheiro e investir valores em países que possuem jurisdições que oferecem segurança jurídica e que são mais favoráveis ao recebimento desse capital. O fato desses países possuirem uma legislação que administra de maneira mais justa esses investimentos, os tornam mais atrativos.
A falta de legislação acerca da insolvência de empresas transnacionais, traz consequências em diversos aspectos. Inicialmente, uma dificuldade para a recuperação de ativos de empresas brasileiras que foram desviados para o exterior e também acarreta implicações negativas no desenvolvimento da economia brasileira, tornando o Brasil um país menos atrativo ao capital estrangeiro. Existem duas teorias que irão confrontar esse tema: a teoria territorialista e a universalista. A harmonização dessas duas teorias, proporcionou o pós- universalismo. Baseado no reconhecimento de cada jurisdição nacional, com previsão de cooperação internacional entre os juízos que incidirá a Lei Modelo da UNCITRAL. Essa lei modelo da ONU, deverá ser implantada no projeto de lei 6.229/05, que altera a Lei de Recuperação e Falências - 11.101/05.
2.1Caracterização da Insolvência Transnacional
A insolvência acontece no momento em que as dívidas extrapolam o patrimônio do devedor. Ou seja, ainda que o devedor liquidasse todo o seu patrimônio, faltaria pagar o que é devido aos seus credores. É notório o desequilibro por excesso de dívidas. Tanto na insolvência quanto na falência os credores serão noticiados da instauração do processo, para que possam se habilitar como forma de garantir o seu crédito. O devedor também não poderá administrar seus bens durante a tramitação do processo, sendo nomeado administrador judicial para isso.
Uma empresa insolvente, não tem condições de pagar o seu endividamento em tempo hábil, o que dificulta o processo. É por meio dessa situação, que muitas empresas declaram falência no final de todo um processo de recuperação judicial mal sucedido. Na maioria dos casos, esse estado de dificuldade financeira se deve a uma má gestão do capital de giro, crescimento das despesas ou até mesmo um erro no cálculo de provisões adequadas. As empresas transnacionais ou transfronteiriças são responsáveis por esse processo de insolvência transnacional.
José Cretella Neto, define empresa transnacional como:
A sociedade mercantil, cuja matriz é constituída segundo as leis de determinado Estado, na qual a propriedade é distinta da gestão, que exerce controle, acionário ou contratual, sobre uma ou mais organizações, todas atuando de forma concertada, sendo a finalidade de lucro perseguida mediante atividade fabril e/ou comercial em dois ou mais países, adotando estratégia de negócios centralmente elaborada e supervisionada, voltada para a otimização das oportunidades oferecidas pelos respectivos mercados internos. 2
Caso ocorra um colapso e a empresa não tenha uma estrutura jurídica solidificada para regular essas relações, a busca para recuperar os ativos dessa empresa, poderá se tornar inviavél, acarretando um maior espaço de tempo na resolução do processo. O crescente número de casos de insolvência transnacional representados em processos de recuperação e falência mostram a expansão dos investimentos e do comércio internacional.
A forma como o país lida com à insolvência de uma atividade empresarial é um dos fatores importantes que compõe o índice Doing Business, mostrando o quanto esse país é adequado para receber esse tipo de capital estrangeiro:
O Doing Business analisa a duração, o custo e os resultados dos procedimentos de insolvência envolvendo as empresas nacionais, assim como a robustez do regime jurídico aplicável aos processos de liquidação e reorganização de empresas. Os dados são provenientes das respostas à pesquisa fornecidas por especialistas em insolvência e verificados através de um estudo das leis e normas vigentes, bem como de informações públicas sobre regimes de falência. A classificação das economias em termos da facilidade de resolução de insolvência é determinada através da pontuação da economia na área da resolução de insolvência .3
A Insolvência Transfronteiriça é uma realidade mundial. A Lei brasileira nº 11.101/2005 que só admite o local do principal estabelecimento do devedor como critério para definir a competência jurisdicional, bem como a ausência de tratamento unificado no âmbito do MERCOSUL e as demandas de uma economia globalizada precisam de soluções adequadas para empresas em crises; credores e investidores não têm conhecimento dos limites territoriais. “As normas brasileiras destinadas à recuperação das empresas endividadas parecem talhadas para abranger as sociedades nacionais, ignorando que elas possam ter relações econômicas e societárias com outras entidades estabelecidas no estrangeiro.”4
2.2Funcionamento da estrutura societária e o regramento da competência jurisdicional
A Lei 11.101 / 05 estabelece que nas assembleias gerais de credores, o voto do credor será proporcional a soma de seus créditos. Com relação às decisões de aprovação ou rejeição do plano de reorganização, este regulamento também se aplica para fins de cálculo do quórum para todas as classes de créditos, exceto para os créditos das classes I (mão de obra) e IV (microempresas e pequenas empresas), cujos quóruns são calculados por uma maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seus créditos. Mas se os credores pertencentes a outras classes que não são I ou IV (ou seja, os detentores de garantia real [classe II] e credores não garantidos [classe III]) votar, em todos os casos, surge a questão sobre como os créditos denominados em moeda estrangeira devem ser tratados, dada a flutuação natural na taxas de câmbio.
A lei estabelece que, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data da realização da assembléia. Porém, a lei não define a taxa que deve ser aplicada a esta conversão. Existem diferentes interpretações sobre este assunto na doutrina jurídica. Para alguns, considerando que a moeda tem um preço de venda e um preço de compra, a conversão deve ser realizada de acordo com a moeda do preço de venda.
Assim explica Munhoz:
A moeda estrangeira tem um valor de venda e um valor de compra. Entendemos que o câmbio deverá ser calculado, salvo diversa estipulação no contrato, pelo valor de venda, que é o valor, afinal, que servirá para saldar a dívida. Na falência, a conversão se faz pelo câmbio da data da decisão que a decretar, “para todos os efeitos desta Lei” (art. 77). 5
O melhor entendimento, no entanto, parece ser o defendido por outros estudiosos, que sugerem os critérios equitativos aplicáveis na legislação brasileira para superar as lacunas legais, defendendo que uma taxa média de mercado deveria ser aplicada, o que corresponde a uma queda média entre a taxa de compra e a taxa de venda.
A Lei de Falências ainda estabelece que o processamento de recuperação judicial não suspenderá o curso das execuções fiscais arquivadas contra o devedor e, paralelamente, o Código Tributário Nacional exclui à cobrança judicial do crédito tributário de qualquer processo de insolvência. “Para a concessão da recuperação judicial, o art. 57 da Lei n. 11.101/2005 expressa a necessidade de apresentação pelo devedor de certidões negativas de débitos tributários, nos termos do art. 151 do CTN.” 6
Apenas os atos executórios projetados para restringir ou expropriar os ativos de uma empresa em recuperação judicial deve ser previamente submetidos ao próprio tribunal de reestruturação. No entanto, créditos governamentais não fiscais, receberam diferentes tratamentos pelo tribunais, porque a lei estatutária não é clara. As condições de pagamento, que consta na lei 11.101/05 é favorável a uma dívida expressa em moeda estrangeira: a legislação estabelece que a variação cambial deve ser o parâmetro de indexação da dívida, a menos que os valores devidos venham a ser determinados de outra forma pelo credor .
Fábio Ulhoa , sobre competência, define:
Quando o devedor é sociedade estrangeira, a competência para a decretação da falência será definida também em função do principal estabelecimento, levando- se porém em conta somente as filiais sediadas no Brasil. Entre as filiais brasileiras, verifica-se qual concentra o maior volume de negócios.7
Existe uma escassez de mecanismos no que tange à cooperação internacional para reconhecer as decisões e sentenças estrangeiras e a falta de regramento sobre competência jurisdicional para julgar processos de falência e de recuperação judicial ou extrajudicial no Brasil. Um país, pode optar por reconhecer ou não um procedimento de insolvência estrangeira, determinar o tratamento a ser conferido aos credores e a distribuição dos ativos presentes em seu território, fazendo jus à própria noção de soberania.
Campana Filho, explica sobre a falta de regramento:
A Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 e o Código de Processo Civil de 1973 ainda são executórios, mas não são de muita ajuda, uma vez que nenhum deles contém regras específicas sobre insolvências transnacionais. Suas disposições gerais são absolutamente inadequadas para lidar com a questão. As leis de Falência de 1945 e 2005 foram normas sucessoras que não abordaram diretamente a questão das insolvências transfonteiriças e que também podem contradizer a regulamentação anterior. (tradução livre) 8
A inexistência de normas não pode impedir o juízo de se pronunciar quando provocado pelas partes. A partir dessa provocação, os princípios de falência e recuperação judiciais delineados nas normas nacionais, são aplicados e a eficiência do processo é buscada com a consequente ocorrência de uma cooperação internacional. Ou seja, ainda que em análise estritamente legal possa-se dizer que o Brasil é atualmente territorialista, uma análise principiológica e prática já demonstra que o país, em seu caráter diplomático, já se volta para os ideais universalistas.
Do original: “The 1942 Introductory Act to the Civil Code and the 1973 Code of Civil Procedure are still enforceable, but not too much help, as neither of them contains any specific rules on cross-border insolvencies. Their general provisions are absolutely inadequate to deal with the issue. The 1945 and 2005 Bankruptcy Acts were successor acts that failed to directly address the question of cross-border insolvencies and that may also contradict prior regulation”.
3MODELOS TEÓRICOS PARA TRATAR DA INSOLVÊNCIA TRANSNACIONAL
A teoria do direito das insolvências transnacionais envolve duas grandes correntes que se contrapõem devido suas complexidades. “O Universalismo e o Territorialismo se desenvolveu da antiga teoria de estatutos (theory of statutes), que remonta à Idade Média9”. As teorias resolvem o conflito de leis sob a adoção da ideia do statuta personalia ou do statuta realia. Quando utilizada a regra de direito da statuta personalia, a lei a ser aplicada seria aquela voltada à pessoa, independentemente de sua localização, ou seja, o local competente é determinado pela sua própria natureza. Já a regra de competência do statuta realia é determinada pela propriedade das coisas, desse modo, os direitos reais são regulados pela lei de seu local. Na segunda regra, a competência provém do local onde está o bem.
Se uma empresa local que tenha ativos e credores fora do Brasil, entra em um processo de insolvência, à lei brasileira vai reger o processo de falência daqui, favorecendo os credores daqui e os ativos que estão localizados aqui, em detrimento do que vai acontecer em outros países, onde haverá outros processos de insolvência com regras diferentes, o que vai ocasionar uma administração em termos globais, muito menos eficiente e muito mais injusta, favorecendo os credores que se encontram em países onde estão localizados os ativos mais valiosos. Em contrapartida, haverá um prejuízo para os outros credores, que são tão credores quanto, pelo fato de não estarem na mesma jurisdição. Esse seria o modelo territorialista.
O Modelo Universalista é um modelo de difícil implementação prática, na medida em que pressupõe que o país que vai adotá-lo, abra mão da sua soberania estatal, o que não é confortável para os países. Existe também o modelo do pós- universalismo, onde haverá o reconhecimento de cada jurisdição nacional, com previsão de cooperação internacional entre os juízos, absorvendo ambos modelos, territorialista e universalista.
.3.1Modelo Territorialista
O Territorialismo tem como prisma à soberania do Estado. Tendo em vista que as normas jurídicas de um país têm uma limitação nas fronteiras daquele território, o modelo permite que os processos de insolvência ocorram onde a devedora exerce suas atividades. Cada um dos juízos , será responsável pela jurisdição sobre os bens e credores localizados em seus territórios. O modelo Territorialista destaca-se como sendo aquele capaz de fornecer maiores níveis de previsibilidade e segurança jurídica.
Na sentença estrangeira contestada , SEC n° 1734 - PT 2007/0140920-4, o STJ indeferiu o pedido de homologação. Alegando ser de competência do juízo brasileiro, a decretação de falência, onde encontra-se o local do principal estabelecimento do devedor, de acordo com o art. 3º da Lei 11.101/05. Desta forma, tornando-se incabível a homologação da sentença estrangeira que obsta a instauração ou o prosseguimento de qualquer ação executiva contra o falido, delimitando a jurisdição brasileira, sob pena de ofensa à soberania nacional.10 “ Dentre os diversos juízes, dotados do poder jurisdicional, a Lei define como competente para apreciar o pedido de recuperação o juízo do principal estabelecimento do devedor ou o da filial no caso de empresário que tenha sede fora do país.”11
Em suma, o STJ já decidiu que a expressão principal estabelecimento pode significar o centro das principais atividades do devedor, local onde o devedor mantém suas atividades e o local onde a atividade se mantém centralizada. É no local do principal estabelecimento do devedor onde se encontram, provavelmente, a maioria dos seus clientes e a maior parte do seu patrimônio, o que facilita a instauração do concurso de credores e a arrecadação dos seus bens. Por isso, que a competência em questão é de natureza absoluta.
3.2Modelo Universalista
Oposto ao Territorialismo, o modelo Universalista busca unificar o procedimento de insolvência, aplicando as regras universalmente. Ou seja, a individualidade de regramento por território, não faz parte desse sistema. O Universalismo reconhece os processos de liquidações e reestruturações abertas no exterior, a igualdade entre credores domésticos e estrangeiros, bem como a administração e divisão do ativo sob uma base comum.
Seria o modelo ideal em temas relativos à insolvência das empresas multinacionais, no qual se observa apenas um processo de falência global, que inclui a totalidade de bens e a totalidade de credores do falido , com efeitos jurisdicionais extraterritoriais, aplicando a distribuição dos ativos do falido entres os credores de acordo com o princípio “Uma Lei, uma Corte”. A lex fori concursus é a única regra aplicável, independente da localização dos ativos e dos credores do falido ; as sentenças judiciais são reconhecidas e executáveis em outros Estados com o mesmo grau de importância.
Uma das principais caraterísticas da proposta de implementação de um modelo Universalista tem por base evitar a fraude das companhias multinacionais que possam sacar recursos do seu patrimônio para transferir a outras sociedades, filiais ou subsidiárias pertencentes à mesma sociedade matriz, com o objetivo de ficar insolvente e não pagar as dívidas contraídas no foro que tramitaria o pedido de Falência. A partir de uma teoria universalista, não importaria para que Estado fossem enviados os bens do falido, pois, exclusivamente, um Tribunal teria competência global para abranger os bens do devedor, independentemente de onde estiverem localizados.
A Teoria Universalista afasta a prática do forum shopping, que consiste em escolher a jurisdição mais benéfica ao demandante nas hipóteses em que haja competências internacionais que concorrem entre si, podendo o interessado escolher entre dois ou mais países para propor o seu processo. A doutrina brasileira não tem seguido o fenômeno do forum shopping no Direito Civil, como nos países da União Europeia e do Mercosul, havendo diversas situações em que sentenças estrangeiras proferidas em outros países não deveriam ser reconhecidas no Brasil e vice-versa.
A Teoria Universalista é sintetizada por Alexandre Alves e Raphael Rocha:
Trata-se de um juízo falimentar universal, responsável por administrar todos os bens do devedor, onde quer que se encontrem, e distribuí-los para credores por todo o mundo, mediante a aplicação de uma única lei, geralmente aquela do local de abertura do processo (lex fori concursus). Parte-se do pressuposto de que as fronteiras dos países não devem oferecer obstáculos para liquidar ou recuperar a sociedade ou grupo societário em crise. 12
Sendo assim, a Teoria Universalista acaba conferindo previsibilidade às relações jurídicas, uma vez que a localização do ativo é irrelevante para determinar o direito dos credores. Além de proporcionar maior eficiência às reestruturações, já que acaba colocando uma maior estrutura à disposição do plano de insolvência. Outra caraterística da proposta de implementação de um modelo Universalista tem por base evitar a fraude das companhias multinacionais que possam sacar recursos do seu patrimônio para transferir a outras sociedades, filiais ou subsidiárias pertencentes à mesma sociedade matriz, com o objetivo de ficar insolvente e não pagar as dívidas contraídas no foro que tramitaria o pedido de Falência.
A partir de uma Teoria Universalista, não importaria para que Estado fossem enviados os bens do falido, pois exclusivamente, um Tribunal teria competência global para abranger os bens do devedor, independentemente de onde estiverem localizados. Embora o presente modelo apresente muitas vantagens, sua aplicação universal é restrita por se manifestar contrária à soberania dos Estados.
“Nenhum país cede parte da sua jurisdição para aceitar a intromissão da jurisdição estrangeira em assuntos que deveriam se julgar conforme as normas de seu Direito interno. Por este e outros fatos, tal modelo é tido como uma utopia, um paradigma a ser alcançado.”13
3.3Modelo Misto (Pós - Universalismo)
De acordo com este modelo, que se caracteriza pela junção dos modelos Territorialista e Universalista, a jurisdição na qual o devedor tem o centro principal de seus interesses, terá a administração central dos ativos e passivos do devedor, além de tramitar o processo principal e também permitir que outras jurisdições tramitem processos secundários subordinados ao mesmo processo. O processo principal deverá ser aquele onde o devedor tiver estabelecido o centro principal de seus interesses. Serão processos secundários, aqueles nos quais o devedor tiver estabelecimentos comerciais ou bens. Não é aceitável pela maioria das legislações a ideia de poder realizar o pedido de falência só pela existência de bens de uma empresa multinacional em um país, sendo necessário um mínimo de organização empresarial.
“O Modelo Misto estabelece que podem se instaurar processos secundários subordinados ao processo principal, porém, no processo transnacional principal deverão ser centralizadas as informações relevantes do processo ou processos subsidiários”14. As principais informações seriam sobre o valor dos bens arrecadados , do passivo e dos créditos admitidos, classificação dos credores e ações em curso contra o falido. Assim, continuaria existindo a prevalência do processo principal sobre os outros processos subsidiários.
Nos casos de falência das subsidiárias ou filiais deve-se repartir os bens do falido no processo secundário para pagar os credores territoriais, respeitando a ordem de prelação dos créditos, e caso de existirem remanescentes, deverão ser enviados ao processo principal, para repartir nos credores estrangeiros. No modelo misto aplicam-se medidas de coordenação e cooperação entre os tribunais dos diferentes países para o julgamento dos processos de falência. O Pós-Universalismo tenta harmonizar as diferenças entre Territorialismo e Universalismo e, portanto, é descrito como um modelo que consegue a eficiência do Universalismo fazendo uso da flexibilidade do Territorialismo. Foi dentro desse modelo, que a ONU através de um braço de direito comercial elaborou a Lei Modelo da UNCITRAL.
4LEI MODELO DA UNCITRAL
A Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional (UNCITRAL) , surgiu através da Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966, com o intuito de reduzir as disparidades entre as legislações comerciais dos países, criando legislações uniformes, harmonizando e modernizando o direito do comércio internacional. Em 1997 foi criado a “UNCITRAL Model Law on Cross-Border Insolvency (1997)”. 15
A Lei Modelo da UNCITRAL sobre Insolvência Transfronteiriça, é um guia para ajudar os Estados a equipar suas leis de insolvência com uma estrutura legal moderna para lidar de forma mais eficaz os processos relativos a devedores em grave dificuldade financeira ou insolvência. Ele se concentra em autorizar e encorajar a cooperação e coordenação entre jurisdições, ao invés de tentar a unificação da lei substantiva de insolvência, e respeita as diferenças entre as leis processuais nacionais.
Para efeitos da Lei Modelo, uma Insolvência Transfronteiriça é aquela em que o devedor insolvente possui ativos em mais de um Estado ou quando alguns dos credores do devedor não são do Estado onde o processo de insolvência está ocorrendo. Mais do que promover a unificação do direito, a ideia por trás da Lei Uniforme, está em alcançar respeito aos diferentes regimes e culturas processuais dos diversos países, sem que haja qualquer pretensão de sobrepor um ao outro.
Os INCOTERMS são uma manifestação desse movimento. No sentido de que, criam-se cláusulas universais em contratos internacionais para facilitar sua compreensão pelas partes contratantes e diminuir custos de transação. A Lei Modelo da UNICITRAL criou um parâmentro com a pretensão de que ela seja adotada por vários países do mundo. Atualmente, legislações baseadas na Lei Modelo foram adotadas em mais de quarenta países.
4.1Objetivos
Pode-se destacar como principais objetivos da Lei Uniforme: (a) autorizar e estimular a cooperação e coordenação entre jurisdições; (b) promover a administração equitativa e eficiente das insolvências internacionais, visando ao proteção do interesse de todos os credores e demais partes envolvidas, inclusive do devedor; (c) maximização do valor dos bens do devedor; (d) estabelecimento de maior segurança jurídica para comércio internacional e investimentos; (e) viabilizar a recuperação de sociedades em dificuldade, preservando investimentos e empregos.
Estas disposições que tratam da cooperação entre os tribunais dos Estados onde se encontram os bens do devedor e da coordenação de processos simultâneos é de grande relevância para os países que não têm legislação específica. Além de conferir poderes expressos aos tribunais para cooperar nas áreas regidas pela mesma e comunicar-se diretamente com as contrapartes estrangeiras. A cooperação entre tribunais , representantes estrangeiros e locais, também é autorizada. As disposições que tratam da coordenação de processos concorrentes visam fomentar as decisões que melhor atingiriam os objetivos de ambos os processos, sejam processos locais e estrangeiros ou múltiplos processos estrangeiros. a lei previu de forma expressa meios e formas de cooperação, como, por exemplo, a celebração de acordos tratando da coordenação de processos e protocolos específicos regulando o processo de insolvência.
A Lei Modelo, ao contrário de uma convenção internacional, não obriga que o Estado adotante a ratifique. Os países são livres para incorporar o seu texto, no todo ou em parte, de acordo com o que reputam apropriado para a sua realidade. Esta possibilidade é útil para os países que desejam legislar de forma diferente da lei. Apesar dessa versatilidade normativa, a UNCITRAL recomenda que os países a modifiquem o mínimo possível ao incorporarem-na em seus ordenamentos jurídicos para não haver disparidades entre jurisdições, do contrário deixaria de ser uma lei modelo.
Atualmente, o texto conta com trinta e dois artigos, divididos em cinco capítulos: (I) Disposições Gerais, (II) Acesso dos Representantes e Credores Estrangeiros às Cortes Locais,
- Reconhecimento de Procedimentos Estrangeiros e Assistência, (IV) Cooperação com Cortes e Representantes Estrangeiros, e, por fim, (V) Procedimentos Concorrentes.
No guia “Uncitral Model Law on Cross-Border Insolvency: The Judicial Perspective”, estão elencadas as seguintes soluções:
- Providing foreign representatives with rights of access to the courts of the enacting State. This permits the foreign representative to seek relief that will provide a temporary ‘breathing space’ and allows the receiving court to determine what coordination among the jurisdictions or other relief is warranted for optimal disposition of the insolvency; (b) Determining when a foreign insolvency proceeding should be accorded ‘recognition’ and what the consequences of recognition may be;
(c) Providing a transparent regime for the right of foreign creditors to commence or participate in an insolvency proceeding in the enacting State; (d) Permitting courts in the enacting State to cooperate effectively with courts and representatives involved in a foreign insolvency proceeding; (e) Authorizing courts in the enacting State and persons administering insolvency proceedings in that State to seek assistance abroad;
(f) Establishing rules for coordination when an insolvency proceeding in the enacting State is taking place concurrently with an insolvency proceeding in another State; (g) Establishing rules for coordination of relief granted in the enacting State in favour of two or more insolvency proceedings involving the same debtor that may take place in multiple States.16
É possível classificar a lei modelo como um sistema híbrido. Entre as características universais, destacam-se o direito atribuído ao administrador judicial estrangeiro para peticionar diretamente junto às cortes locais, a concessão de efeitos jurídicos ao procedimento estrangeiro, a possibilidade de reconhecimento de decisões proferidas pelas cortes estrangeiras e o tratamento igualitário conferido aos credores internacionais. Já nas caractéristicas territoriais, existe a faculdade de as cortes locais extinguirem ou modificarem os efeitos automáticos conferidos ao procedimento estrangeiro e da discricionariedade a elas concedida para disciplinar os processos.
4.2Adoção da lei modelo por outros países
Quarenta e quatro países de diferentes sistemas jurídicos, já adotaram a Lei Modelo da UNCITRAL. Entre eles, Colômbia, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Chile, Japão, México, Nova Zelândia e Reino Unido. A Colômbia adotou a lei sobre Insolvência Transnacional em seu ordenamento jurídico, no Título III De la Insolvencia Transfronteriza, dos artigos 85 a 116, da Lei 1.116 de 27 de dezembro de 2006. Na Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales), adotam-se três normas sobre Insolvência Transnacional, pelas quais os tribunais podem reconhecer e dar assistência aos processos estrangeiros: a Section 426 do Insolvency Act 1986 (chamada de “S426”); a EC Regulation on Insolvency Proceedings (1346/2000); e The Cross-Border Insolvency Regulations 2006 (conhecida como “CBIR”), responsável por incorporar a Lei Modelo da UNCITRAL na Grã-Bretanha.
O Chapter 15 (Capítulo 15) é um novo capítulo adicionado à lei de falências dos Estados Unidos, que aderiu à Lei Modelo. Deste modo, a interpretação dos EUA deve ser coordenada com a interpretação dada por outros países que a adotaram como lei interna para promover um regime jurídico uniforme e coordenado para casos de Insolvência Transfronteiriças. Geralmente, no Chapter 15 o processo é acessório a um processo primário instaurado em outro país, normalmente no país de origem do devedor. Como alternativa, o devedor ou credor pode iniciar um processo completo do Chapter 7 ou Chapter 11 , se os ativos forem suficientemente complexos para merecer um processo de falência nacional completo. “Além disso, de acordo com o Chapter 15, um tribunal dos EUA pode autorizar um administrador fiduciário ou outra entidade (incluindo um examinador) a agir em um país estrangeiro em nome de uma massa falida dos EUA.” 17
4.3Caso LATAM Airlines Brasil e a entrada para o Capítulo 11
A LATAM Airlines, maior companhia áerea da América Latina, entrou com um pedido de recuperação judicial em Maio deste ano, nos Estados Unidos, através do Chapter 11, (Capítulo 11). Primeiramente, foram incluídas suas filiadas no Chile, Peru , Colômbia, Equador e Estados Unidos. O grupo de aviação busca uma reorganização de emergência como consequência dos impactos da pandemia do Covid-19. O valor total da dívida a ser estruturada é de US$ 14,9 bilhões.
A LATAM Brasil, tinha ficado de fora do pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. Pois , existia a possibilidade do governo federal, através do BNDES, disponibilizar um financiamento para que à companhia aérea pudesse se capitalizar, o que não ocorreu. Diante disso, a LATAM Brasil no mês de Julho, passou a ser incluída no processo, junto com as outras filiais.
Os seis credores já listados no processo seriam : Banco do Brasil, com crédito de US$ 195,3 milhões; Bradesco, US$ 78,4 milhões; Itaú, com US$ 52,2 milhões; Raízen Combustíveis, US$ 28,5 milhões;Comando da Aeronáutica, US$ 27,9 milhões; e GE Celma, empresa do grupo GE Brasil,que atua na manutenção de motores aeronáuticos, com US$ 78,7 milhões.
A LATAM Airlines Brasil fez as seguintes considerações:
É importante ressaltar que o processo do Capítulo 11 é muito diferente da recuperação judicial da Lei Brasileira – é um processo conhecido, previsível e utilizado por empresas notórias no setor aéreo mundial que já passaram pelo Capítulo 11 na sua história. O Capítulo 11 nos Estados Unidos é o melhor caminho a seguir para alcançar os objetivos do Grupo LATAM Airlines e cumprir as suas obrigações, ao mesmo tempo em que a companhia administra de maneira abrangente a sua frota e endereça as suas dívidas. A LATAM Airlines Brasil continuará a voar normalmente durante todo o processo do Capítulo 11. 18
As multinacionais, normalmente, têm de impetrar os pedidos em todos os países que operam e que também possuam dívidas importantes, para se protegerem de eventuais requerimentos de falência por parte de seus credores. Existem mecanismos na lei norte- americana que favorecem essa decisão.
O Capítulo 11 tem amparo legal comprovado por meio da qual a LATAM e as afiliadas terão a oportunidade de determinar suas operações para o novo ambiente da demanda e reorganizar seus balanços. Além disso, o processo de reorganização pelo Capítulo 11, contém disposições que autorizam às empresas pagar seus colaboradores, cumprir obrigações em relação a benefícios, pagar fornecedores, manter programas para usuários e conduzir outras operações comerciais comuns enquanto trabalham com o tribunal e seus credores para resolver cada caso.
O Stay Period, tem o prazo de 120 dias para a apresentação do plano de recuperação, a partir do pedido ajuizado, na legislação norte-americana. Já no Brasil , é contado do despacho de deferimento do pedido de recuperação , que corresponde a 60 dias. No Stay Period da legislação brasileira, onde o prazo de todas as ações e execuções em face do devedor estarão suspensas, tem o prazo determinado por no máximo 180 dias, contando do despacho de deferimento do pedido recuperatório, podendo ser prorrogado, dependendo do que decidir o juíz responsável pela ação. Já no Capítulo 11, o prazo é de 180 dias, além dos 120 pré-estabelecidos para a apresentação do plano.
No direito norte-americano, todos os credores são passíveis ao pedido de recuperação sem exceção, o que não ocorre no direito brasileiro dentre os quais destaca-se a chamada “trava bancária” onde a alienação fiduciária em garantia não se sujeita aos efeitos do plano recuperatório.
É evidente a necessidade de mecanismos eficazes na proteção dos interesses dos credores e também da empresa transnacional em estado de insolvência ou crise econômico/financeira. A aplicação da Lei Modelo da UNCITRAL pela legislação brasileira seria específica nesse caso, pois evitaria a tomada estratégica dessa decisão da LATAM Brasil, pelo ambiente mais seguro do direito norte americano .
5REFORMA DA LEI DE FALÊNCIAS 11.101/05
O projeto do Código Comercial da Lei no 11.101/05, foi criado através da portaria n o 467 em 16 de Dezembro de 2016, por um grupo de trabalho instaurado pelo Ministério da Fazenda . O intuito foi aprimorar o sistema de Insolvência Empresarial brasileiro e não tratar do tema de Insolvência Transnacional. Houve a necessidade de mudança na Lei 11.101/05, devido à experiência que se teve com a crise de 2015 e 2016.
Uma comissão de juristas acabou apresentando um relatório final que se transformou no Projeto de Lei 10.220/18. Entretando, esse Projeto de Lei, ficou muito extenso e recebeu muitas críticas procedentes, pois, o projeto mexeu em vários aspectos que já tinham sido discutidos de forma pacífica pela jurisprudência . Se a ideia era criar mais segurança jurídica, mexer em questões já pacificadas significava revolver essas questões.
Em 2019, o Ministério da Economia entendeu que era necessário prosseguir com a reforma. Sob a liderança do deputado Hugo Leal, a comissão informal de juristas criada para tratar da reforma da Lei de Falências, tinha a missão de resumir o PL para apenas dez pontos essenciais. Um desses pontos, diz respeito à Insolvência Transnacional. Dessa forma, o PL 10.220/18 foi substituido pelo PL 6.229/05, pois esse substitutivo aglutinou todos os demais projetos sobre a matéria, que estavam pendentes no Congresso Nacional.
O art. 4o do PL 6.229/05, acrescenta o capítulo VI - A à Lei 11.101/05 que é composto pelos artigos 167- A até o Y. É nesse contexto que está todo o sistema de Insolvência Transnacional. São cinco seções que adotam o sistema pós- universalista, preservando as principais caractéristicas da Lei Modelo da UNCITRAL, que acaba sendo um “escudo” e uma “espada” ao mesmo tempo. “Escudo” porque serve para proteger o país da imposição de regras internacionais que violam de maneira manifesta a sua ordem pública; e “espada”, porque dá ao país a possibilidade de impor a outras jurisdições , sua decisão, desde que não ofenda à ordem pública do país destinatário.
5.1Principais pontos do Projeto de Lei 6.229/05
O Projeto de Lei 6.229/05 tem uma perspectiva principiológica. Contempla o príncipio da maxização dos ativos, que objetiva potencializar à utilização produtiva dos bens, ativos e demais recursos produtivos do falido. Também agrega o príncipio da cooperação internacional, dando relevo à preocupação do legislador em aprimorar os mecanismos de cooperação jurídica internacional em prol de uma tutela transnacional mais efetiva. Além disso, o PL se preocupa com à eficiência dos procedimentos de insolvência, pois, há uma aproximação com à análise econômica do Direito. Tendo em vista que, o Direito, tem cada vez mais se preocupado com a eficiência, sendo um instrumento de pacificação social, à norma jurídica serve para solucionar questões concretas.
Sempre que à norma jurídica for utilizada, deve-se pensar nos efeitos práticos que a utilização dessa norma irá provocar. Outro ponto importante é a função social da empresa, o projeto fala da preservação dos empregados, do emprego, dos investidores e de todas pessoas que direta ou indiretamente, são interessadas nos efeitos da atividade empresarial, devendo ter seus interesses protegidos pelo magistrado que vai conduzir o processo falimentar.
O Deputado Hugo Leal, relator do Projeto de Lei em questão, através do parecer, exemplifica à abordagem acerca do tema de insolvência transnacional:
O art. 4º do Substitutivo acrescenta na Lei nº 11.101/2005, um novo Capítulo VI-A à Lei, por intermédio do acréscimo de novos arts. 167-A a 167-Y, com a finalidade de disciplinar a insolvência transnacional, pois, como o direito brasileiro não dispõe de regras próprias para tratar dos casos transnacionais de insolvência, supre-se essa falha ao incorporar mecanismos que permitam a cooperação entre juízos de diferentes países em casos de empresas insolventes. As inovações conferem maior previsibilidade ao investidor estrangeiro nos casos das empresas transnacionais, fomentando o mercado de crédito e a entrada de novas empresas no mercado brasileiro. 19
“O Projeto de Lei 6.229/05, de acordo com o art. 167-B , elucida que não caberá apenas os processos judiciais, os de natureza administrativa também serão considerados.” 20 Pois, os mesmos procedimentos administrativos que tratam coletivamente da superação de crise econômica financeira de empresas fora do território nacional, ainda que não tenham caráter judicial, serão considerados processos falimentares. Da mesma forma que no Brasil a autoridade não precisa ser judiciária , a autoridade estrangeira também poderá ser administrativa . É uma forma de ampliar a incidência normativa da lei de falências.
O Projeto ainda faz menção ao juízo competente para julgar o processo, que será onde está loalizado o principal estabelecimento do devedor. O Brasil já vem adotando que o centro de referência é o eixo onde o empresário reúne o maior volume de decisões administrativas, sendo assim o centro gerencial da empresa. Presume-se que ao redor daquele estabelecimento, no centro de comando da sociedade empresária, estará o maior número de credores, e consequentemente o maior número de créditos. O objetivo é facilitar o acesso do credor no processo recuperacional ou falimentar.
Há uma presunção relativa do juris tantum e não do juris et de jure. Se no caso concreto ficar demonstrado que, eventualmente, ainda que esse estabelecimento tenha sido utilizado como centro de referência, ele não corresponder ao centro de referência de fato, possivelmente porque o empresário utilizou alguma manobra para determinar o juízo (forum shopping), o juiz poderá deslocar essa definição de competência.
Ainda de acordo com o projeto, no Estado estrangeiro, os créditos tributários ou fiscais não terão o mesmo privilégio no Brasil. Serão créditos subordinados, subquirografários abaixo dos créditos quirografários. Caso não haja definição para o tipo de crédito estrangeiro, esse será considerado quirografário. Outro ponto importante do projeto, é a dispensa da tradução de documentos. Há a possibilidade de tradução simples desde que o próprio advogado que subscreva, se comprometa com a veracidade do conteúdo ajudando na celeridade do processo. Além disso, será possível outros meios de comunicação no processo estrangeiro e não apenas por meio de carta rogatória.
CONCLUSÃO
Como resultado das breves reflexões mostradas ao longo da presente pesquisa, foi possível concluir que a omissão legislativa no tocante à Insolvência Transnacional, precisa ser urgentemente superada diante do cenário econômico mundial em que se vislumbra a consolidação de um mercado global. Insta salientar que tal solução seria um grande atrativo para investimentos estrangeiros, bem como pacificaria de forma equânime o tratamento judicial da questão.
Desse modo, a recepção da Lei Modelo da UNCITRAL, através do Projeto de Lei 6.229/05, que visa reformar a Lei de Recuperação e Falências – 11.101/05, possibilitaria que o país se adentrasse num esquema de globalização jurídica. Permitiria que o Brasil renovasse sua legislação interna segundo as necessidades contemporâneas do tráfego mercantil, conseguindo assim estar em consonância com a legislação falimentar dos demais ordenamentos jurídicos do mundo. Considerando que, pelas modificações feitas à recepção do dispositivo internacional, o Brasil ainda conservaria as disposições territoriais da sua legislação falimentar, protegendo a prevalência da sua soberania legislativa.
Além disso, iria proporcionar à coordenação dos procedimentos de insolvência com conexão internacional no Brasil, possibilitando vantagens ao país sobre os demais, por meio da adoção proporcional de medidas consideradas como protecionistas, promovendo a isonomia entre o Estado Brasileiro e os países desenvolvidos. Incluindo o privilégio dado ao pagamento dos credores domiciliados no Brasil, bem como necessária a restrição do reconhecimento de sentenças estrangeiras que trariam consequências perniciosas ao país de maneira a decretar a falência ou a recuperação judicial de empresas solventes e viáveis economicamente.
Ademais, restariam totalmente abrangidos os interesses de credores brasileiros que promovem a realização de investimentos em corporações empresárias cujas sedes se encontram situadas no exterior e, simultaneamente, os interesses de investidores estrangeiros que realizam o aporte de capitais no desenvolvimento de negócios no país, no âmbito dos países que adotaram a Lei Modelo sobre Insolvência da UNCITRAL.
Os casos de insolvência de corporações brasileiras com repercussão no exterior representam bons exemplos nos quais a inexistência de uma legislação moderna sobre a matéria pode prejudicar demasiadamente os interesses nacionais.
A regulamentação da recuperação de empresas transnacionais no sistema concursal brasileiro, demonstra extrema relevância nos setores político, econômico e social. Vez que fortaleceria as relações diplomáticas com previsões de cooperação e comunicação entre os foros, permitiria um processamento mais eficiente e efetivo da recuperação judicial de empresas multinacionais, garantindo o pleno exercício da sua função social e concederia a busca de uma uniformidade em maior âmbito global e uma eficiência de fato.
Por fim, o resultado desta pesquisa , consubstancia-se na ideia de que o Anteprojeto do Código Comercial (PL 6.229/05), que atualmente encontra-se na mesa do Senado, já que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, possui tratativa clara e precisa acerca da Insolvência Transnacional, extirpando a insegurança jurídica que ora paira no cenário nacional.
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