A prisão do deputado Daniel Silveira, o STF e a teoria do cenário da bomba-relógio

Reflexa acerca do caso Daniel Silveira

18/02/2021 às 21:53
Leia nesta página:

Por que os Ministros do STF resolveram prender o Deputado Daniel Silveira, apesar de sua imunidade parlamentar?

Deixando de lado toda essa infértil discussão política que permeia as redes sociais e toda essa esquizofrenia ideológica que ela vem provocando, venho aqui refletir sobre o caso do Deputado Daniel Silveira.

Como todos sabem, pois foi e está sendo amplamente noticiado, o referido Deputado Federal foi preso em flagrante em sua casa após um mandado de prisão expedido pelo Ministro Alexandre de Moraes, tudo por conta de reprováveis ataques feitos pelo Youtube aos Ministros daquela Corte, onde o parlamentar fazia apologia ao Ato Institucional número 5 e à Ditadura.

Inúmeras questões polêmicas vieram a lume e provocaram uma efervescência nos meios jurídicos pátrios, colocando em xeque a lisura e a legitimidade das medidas tomadas pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, entre elas, a questão que diz respeito à liberdade de expressão e a imunidade material que detém o Parlamentar, conforme o artigo 53 da Constituição da República, não podendo ser preso após a expedição do diploma, salvo em flagrante de crime inafiançável.

Diz o referido dispositivo legal:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

(...)

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

Por conta deste mandamento, poderia o parlamentar ser preso em flagrante por decisão da Suprema Corte de nosso país? É certo que, conforme a redação deste artigo, se houvesse a perpetração de crimes inafiançáveis, não restariam dúvidas.

O artigo 5. Da Carta Magna, elenca os crimes insuscetíveis de fiança:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

(...)

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

(...)

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”

Pode-se então raciocinar que se a própria Constituição da República elenca os crimes insuscetíveis de fiança, não pode a legislação infraconstitucional estabelecer outros casos de inafiançabilidade, sendo aquele rol da Carta Magna “numerus clausus”.

Após toda essa confusão e o plenário do STF referendar a prisão, o deputado foi denunciado pelos crimes do artigo 344 do Código Penal (três vezes) (coação no curso do processo) e artigo 23 da Lei 7.710/1983 (Lei dos Crimes contra a Segurança Nacional), inciso II (Incitar à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições) (uma vez) e inciso IV (incitar à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei, (por duas vezes) .

Pergunto: esses crimes são insuscetíveis de fiança? Creio que não, pois não estão elencados naquele rol dos crimes inafiançáveis da Carta Magna. Então, qual o motivo de ser expedido contra o deputado “mandado de prisão em flagrante” indo o Ministro Alexandre de Moraes contra as disposições constitucionais do artigo 53?

Guardadas as suas devidas proporções, para tentar explicar os motivos que levaram a isso, trago aqui a teoria do cenário da bomba-relógio ( Ticking Bomb Scenario), em que numa situação extrema, os agentes do Estado torturam suspeitos de planejar ataques terroristas iminentes que expõem a perigo a vida de milhões de pessoas, tudo para prevenir ocorrência destas situações.

Rogério Sanches Cunha, na obra Manual de Direito Penal, Parte Geral, Editora Juspodivum, página 315, discorre sobre esse método polêmico:

“O tema tem gerado debates diante dos efeitos que a aplicação dessa técnica provoca no âmbito dos direitos e das garantias fundamentais, já que a imposição de métodos de tortura contraria – independente da gravidade do crime e da qualidade do criminoso – todo o sistema de proteção humana em que se ancora não só o direito interno dos países democráticos como também o direito internacional do qual estes países costumam ser signatários.”

Logicamente que o Deputado Daniel Silveira não foi torturado, mas por que estou fazendo alusão a esta teoria? Assim como ela causa polêmica e acalorados debates por se usar de um método ilícito para tentar coibir um mal maior, no caso em que o Deputado foi preso, usou o Supremo Tribunal Federal de expedientes não usualmente apropriados e contrários ao arcabouço principiológico constante do texto constitucional” talvez na intenção de “evitar um mal maior”, ou seja, que a incitação do parlamentar virasse uma bola de neve.

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Denota-se que nesse caso, a intenção dos Ministros, mesmo que o procedimento não tenha sido condizente com o texto da carta magna, era evitar que a irascibilidade do parlamentar contaminasse os seus seguidores e tudo isso pudesse levar a um caminho periclitante de insurreições contra os poderes constituídos, especialmente o Poder Judiciário, daí a desobediência ao artigo 53 da Constituição da República, ou seja, acharam melhor desobedecer a este mandamento constitucional e desarmar logo uma bomba-relógio prestes a explodir.

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Sobre o autor
Luiz Alberto Cavalcanti Filho

Servidor do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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