Atos de improbidade administrativa que não geram inelegibilidade

28/02/2021 às 02:47
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O presente artigo científico cinge-se à inelegibilidade decorrente da condenação à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa, norma prevista no art. 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90

INTRODUÇÃO

Para o postulante a cargo eletivo, é imprescindível que o mesmo, além de apresentar condições de elegibilidade, também não possua causa de inelegibilidade, ou seja, a restrição temporária da capacidade eleitoral passiva, ser votado.

A inelegibilidade pode ser constitucional, prevista no art. 14, §§ 4º ao 7º, da Carta Magna, que é o caso de inalistáveis, de analfabetos, de alguns parentes de chefes do poder executivo e por limite à reeleição. E a inelegibilidade também pode ser infraconstitucional, expressa em norma jurídica hierarquicamente abaixo da Constituição Federal, é aquela remetida à legislação complementar, nos termos do art. 14, § 9°, da Constituição Federal.

A inelegibilidade infraconstitucional encontra-se na Lei Complementar nº 64/90, com as alterações promovidas pelas Leis Complementares nº 81/94 e nº 135/2010, esta chamada “Lei da Ficha Limpa”. Esta lei tem como escopo proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra as influências do poder econômico ou o abuso do exercício de função pública.

É infraconstitucional a inelegibilidade abordada neste trabalho, procedente da condenação à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa, introduzida no art. 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90. Tal inelegibilidade, para sua eficácia, exige alguns requisitos cumulativos. Assim, além de ter sido condenado à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, é necessário que a conduta praticada configure ato doloso de improbidade administrativa e também que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Caso contrário, o ato de improbidade administrativa não gera inelegibilidade, sendo esta a temática central do artigo que passamos a discorrer.


A INELEGIBILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Trata-se de uma das principais causas de inelegibilidade, está prevista no art. 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, e foi introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010, a denominada “Lei da Ficha Limpa”. O dispositivo tem o seguinte teor:

LC 64/90, art. 1º, inciso I, alínea l: “os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;”

Infere-se, pela simples leitura da norma, que para configurar a inelegibilidade prevista na alínea “l”, é imprescindível que os requisitos transcorram cumulativamente: condenação à suspensão dos direitos políticos transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; ato doloso de improbidade administrativa; lesão ao erário e enriquecimento ilícito. Neste sentido é firme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, in verbis:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. INDEFERIMENTO. IMPUGNAÇÃO. CARGO. PREFEITO E VICE. INDEFERIMENTO. ART. 1°, I, L, DA LC N° 64/90. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE IMPORTOU DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS PREMISSAS ASSENTADAS NA JUSTIÇA COMUM. PUBLICAÇÃO POSTERIOR À DATA DA FORMALIZAÇÃO DO REGISTRO. ALTERAÇÃO FÁTICO-JURÍDICA SUPERVENIENTE QUE ATRAI A INELEGIBILIDADE. ART. 11, § 10, DA LEI N° 9.504/97. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA CHAPA MAJORITÁRIA. MITIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. O art. 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/90 pressupõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) a condenação por improbidade administrativa, transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, (ii) a suspensão dos direitos políticos, (iii) o ato doloso de improbidade administrativa, (iv) a lesão ao patrimônio público e (v) o enriquecimento ilícito.

(...)

(Recurso Especial Eleitoral nº 7239, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 245, Data 19/12/2017, Página 70/72) (grifo nosso)

A propósito, no livro “Direito Eleitoral – As Inelegibilidades e suas brechas”, o autor Amauri Pinho enfatiza a necessidade de que a condenação por ato de improbidade administrativa importe, cumulativamente, enriquecimento ilícito e lesão ao erário e que a condenação tão somente fundamentada no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa não gera a inelegibilidade, in verbis:

“Como vimos, para incidir a inelegibilidade em tela, faz-se necessário que a condenação por ato doloso de improbidade administrativa importe, cumulativamente, enriquecimento ilícito e lesão ao erário. Assim, a condenação tão somente pelo art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) não impõe a inelegibilidade em comento, tratando-se, portanto, de uma brecha.”

Destarte, se da condenação por ato doloso de improbidade administrativa que importou lesão ao erário, não se possa extrair que tenha causado enriquecimento ilícito em proveito próprio ou de terceiros, tal condenação não preenche os requisitos para impor a inelegibilidade, verbis:

ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALÍNEA G. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NO ARESTO EMBARGADO. ALÍNEA L. ESCLARECIMENTOS SEM EFEITOS INFRINGENTES. EMBARGOS PROVIDOS.

(...) na hipótese dos autos, não é possível extrair dos trechos transcritos no aresto regional dados hialinos de que o ato doloso de improbidade administrativa que importou lesão ao erário tenha acarretado também o enriquecimento ilícito em proveito do candidato ou de terceiros. A ausência de pressuposto fático indispensável para a configuração da inelegibilidade inserta no art. 1°, I, l, da LC n° 64/90 impede sua incidência sobre o ora Embargado.

4. Embargos parcialmente providos apenas para prestar esclarecimentos quanto aos fundamentos relativos à alínea l, sem efeitos infringentes.

(Recurso Especial Eleitoral nº 21321, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE, Tomo 237, Data 07/12/2017, Página 32/33)

Nesse sentido é vasta a jurisprudência da Justiça Eleitoral em casos de condenação por ato de improbidade administrativa que não geram inelegibilidade, in verbis:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA - RCED. VEREADOR. CONDENAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPOSTA INELEGIBILIDADE DA ALÍNEA “L” DO INCISO I DO ARTIGO 1º DA LC N. 64/90. JULGAMENTO COLEGIADO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO SUSPENSO POR FORÇA DE LIMINAR. ART. 26-C DA LC N. 64/90. REVOGAÇÃO DA TUTELA, COM A NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL PELO STJ, EM DATA POSTERIOR À DAS ELEIÇÕES, EMBORA ANTERIOR À DA DIPLOMAÇÃO DOS ELEITOS. SÚMULA N. 47/TSE. INCIDÊNCIA. TESE TRAZIDA EM CONTRARRAZÕES. ACÓRDÃO RECORRIDO. MANUTENÇÃO. FUNDAMENTO DIVERSO. DESPROVIMENTO.

(...) 3. O TRE, por entender que inelegibilidade suspensa não equivale à inelegibilidade superveniente, para fins do marco temporal previsto na parte final do Enunciado Sumular n. 47/TSE, rejeitou a preliminar de não cabimento do presente RCED. No mérito, porém, a ele negou provimento, pois ausente um dos requisitos da inelegibilidade do art. 1º, I, l, da Lei Complementar n. 64/90, qual seja, o do enriquecimento ilícito. (...)

(Recurso Especial Eleitoral nº 55080, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE, Data 07/12/2017) (grifo nosso).

Noutro giro, mesmo que dois dos requisitos estejam distribuídos pelos artigos 9º (enriquecimento ilícito) e 10 (lesão ao erário) da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429), é irrelevante se na capitulação da decisão judicial não tenha menção à norma, considerando-se preenchidos os dois quesitos se a decisão reconhece a ocorrência de improbidade administrativa que importou lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

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Por oportuno, na linha da jurisprudência do TSE, a Justiça Eleitoral pode analisar a ocorrência da prática de enriquecimento ilícito a partir da fundamentação da decisão condenatória, “ainda que tal reconhecimento não tenha constado expressamente do dispositivo daquele pronunciamento judicial” (AgR-AI nº 1897-69/CE, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 21.10.2015; RO nº 380-23/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, PSESS em 12.9.2014).

Importante destacar, que pode ocorrer uma condenação com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa, com aplicação apenas de sanções como ressarcimento de dano ao erário, multas e proibição de contratar com o poder público, sem declarar na decisão judicial a suspensão dos direitos políticos prevista no art. 12, I a III, da referida lei, caso em que não gera a inelegibilidade do artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90. Isto é possível, porque o magistrado pode aplicar proporcionalmente as sanções de natureza não penal consignadas no art. 12 da Lei de Improbidade, considerando a gravidade da conduta do infrator. Não se deve confundir com a sentença penal transitada em julgado, esta sim acarreta, automaticamente, a suspensão dos direitos políticos, independente de menção, por imposição do art. 15, III, da Constituição Federal.


CONCLUSÃO

A inelegibilidade constante do art. 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, procedente da condenação à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa, foi introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), e exige, para sua eficácia, além de ter sido condenado à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, que a conduta praticada pelo candidato configure ato doloso de improbidade administrativa e também importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, caso contrário, o ato de improbidade administrativa não gera inelegibilidade.


REFERÊNCIAS

BARREIROS NETO, Jaime. Direito Eleitoral. 3 ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.

CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no Direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: EDIPRO, 1999, p. 187.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010

JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral Positivo. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1998.

PANUTTO, Peter. Inelegibilidade: Um Estudo dos Direitos Políticos diante da Lei da Ficha Limpa. 1. ed. São Paulo: Verbatim, 2013.

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Inelegibilidade Comentada: legislação e jurisprudência atualizadas, leis da ficha limpa e da minirreforma eleitoral. São Paulo: Atlas, 2014.

PINHO, Amauri. Direito Eleitoral – As Inelegibilidades e suas brechas. Brasília: Thesaurus, 2016, p. 109.

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Sobre o autor
Amauri Pinho

Advogado, graduado em Direito pela Faculdade Processus (Brasília), autor dos livros “Como cassar um prefeito corrupto e afastá-lo imediatamente”. Rio de Janeiro: Ed. Sinergia (Ediouro), 2013; e “Direito Eleitoral: As Inelegibilidades e suas brechas”. Brasília: Ed. Thesaurus, 2016.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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