Infrações à Legislação Tributária

À luz do Código Tributário Nacional - arts. 136 à 138

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01/03/2021 às 16:03
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O artigo examina a disciplina da responsabilidade por infrações à legislação tributária, constante dos arts. 136 à 138 do CTN.

1.  CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Infração é o descumprimento de um dever jurídico que, no caso, pode ser o descumprimento do dever de pagar tributo ou de cumprir alguma obrigação acessória. A consequência da prática de uma infração é a imposição de uma sanção/penalidade. A sanção mais famosa em Direito Tributário é a multa, mas também temos o perdimento de bens e a proibição de gozo de regimes especiais de tributação, por exemplo.

No Código Tributário Nacional, a responsabilidade por infrações tributárias é prevista pelos arts. 136 à 138.

2.   RESPONSABILIDADE OBJETIVA

O Código Tributário Nacional inicia o capítulo da responsabilidade por infrações dizendo que, salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável (art. 136, primeira parte).

Existem diversos caminhos para se interpretar esse dispositivo legal, que pode ser enxergado como hipótese de: a) responsabilidade objetiva[1], de modo que tanto o dolo como a culpa não interferem na caracterização da infração; b) culpa presumida[2], de maneira que não se exige o dolo para caracterização das infrações, nem se exige que a demonstração de culpa para que seja imposta a penalidade, embora se admita que o contribuinte comprove que agiu diligentemente para que afaste tal presunção, que é relativa; e c) inexigência de dolo[3], sendo as infrações, em regra, puníveis mediante simples demonstração de culpa.

Se considerarmos o léxico e a margem de intepretação permitida apenas pelo alcance semântico do termo, somos compelidos a admitir que a palavra intenção tem como referente um aspecto subjetivo, ou seja, elemento psíquico do próprio agente. Logo, quando o dispositivo legal fala que a responsabilidade independe da intenção do agente, ela independe do fato dele querer cometer a infração, não querer, ou do que ele buscava com o comportamento que enseja a penalidade.

A culpa, de outro modo, é um elemento normativo, um juízo de valor que é feito acerca da conduta, para aferir se ela correspondeu ao cuidado juridicamente exigível ou não. Ela não está na mente ou intenção do agente, mas na cabeça daquele que julgará a conduta como diligente ou descuidada. Portanto, nessa perspectiva, a palavra intenção não alcança a culpa, o que poderia nos levar a concluir que a responsabilidade por infrações não independe de culpa, mas apenas do dolo.

Além disso, também podemos apontar a finalidade da norma bem como seu contexto, como faz a doutrina que se segue:

Enxergar no art. 136 do CTN a responsabilidade objetiva, sem a consideração do indispensável aspecto da voluntariedade, acabaria por neutralizar a função maior das sanções estatuídas na legislação tributária, as quais visam a assegurar a arrecadação de tributos, por meio de intimidações. Para que surta efeito a função intimidatória, obviamente, é necessário que o agente tenha a possibilidade de, livremente, não trilhar o caminho apenado pelo Direito. Se inexistente a possibilidade de opção entre dois comportamentos possíveis, isto é, entre a conduta lícita e a conduta censurada, claro está que a função intimidatória da sanção não teria seu campo de atuação. (HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 27ª ed., São Paulo: Atlas, 2018)

Contudo, se a culpa é necessária, de outro lado, também devemos pensar na praticabilidade tributária, ou seja, a adequação da interpretação jurídica de forma que permita uma fiscalização idônea por parte da Administração Tributária. Seria muito difícil que toda infração tributária, para ser imposta, devesse ser precedida de um procedimento administrativo que colhesse elementos que demonstrassem a culpa do contribuinte. Assim, tendo em vista a proporcionalidade que deve nortear toda intepretação jurídica, para nós, a solução é reconhecer o acerto da tese da culpa presumida.

Não obstante, parece que parcela considerável da doutrina tem seguido orientação no sentido de que o dispositivo traz uma hipótese de responsabilidade objetiva, embora seja relevante perquirir sobre a culpa ou da boa-fé do contribuinte, especialmente quando induzido em erro por normas complementares da legislação tributária, a teor do art. 100, parágrafo único, do CTN, como nos mostra o seguinte enunciado de súmula do STJ:

Súmula 509/STJ. É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.

3.   RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE

A responsabilidade é pessoal do agente nas hipóteses de infrações tributárias administrativas que (a) sejam conceituadas também como crimes ou contravenções, (b) exigirem dolo específico como elementar ou (c) decorrerem de dolo específico daquele que comete a infração em desfavor daqueles em nome de quem atua (ex. representante e representado). Confira-se o texto legal:

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Mas o que se pretende dizendo que a responsabilidade é pessoal? Referido dispositivo dirige-se à hipóteses em que o agente que comete a infração não esteja agindo em nome próprio e por sua conta[4]. Explica-se. Caso estivesse atuando em seu próprio nome e por sua conta, não haveriam dúvidas de que a responsabilidade pelo cometimento de infrações seria daquele que comete o ato, contudo, se pensarmos, por exemplo, no caso de um empregado que atue nos limites do contrato de trabalho firmado com uma pessoa jurídica e no interesse dela, poderia ser indagado se eventual infração administrativa tributária eventualmente cometida nesse mister devesse ser imputada ao empregado ou à pessoa jurídica em nome da qual ele atuou. Normalmente, a empresa é responsável pelos ilícitos praticados por seus empregados e administradores, pois é por meio deles que ela age, sendo os atos imputados à própria pessoa jurídica.

Nesse contexto é que o CTN nos diz que a responsabilidade é pessoal do agente, o que significa que a multa será imposta em face daquele que executa materialmente o ato, excluindo-se aquele em nome do qual o ato é praticado[5]. Assim, no caso da pessoa jurídica, a multa será imposta contra o empregado ou administrador e não contra a própria pessoa jurídica.

4.   DENÚNCIA ESPONTÂNEA

O dispositivo legal que cuida da denúncia espontânea é o art. 138 do CTN, assim redigido:

Art. 138.A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração

Pode ser conceituada como instituto jurídico tributário que afasta a responsabilidade por infrações diante de um comportamento espontâneo do sujeito passivo, consistente em efetuar a regularização dos pagamentos dos tributos devidos à Fazenda Pública. Como consequência desse afastamento da responsabilidade, não poderão mais ser exigidas multas que pudessem sancionar o comportamento anterior, destoado das exigências legais de pagamento, o que, segundo entendimento do STJ[6], alcança tanto as multas punitivas quanto as moratórias, estas últimas decorrentes da impontualidade no contribuinte. Destaque-se que caminha nesse sentido o entendimento da PGFN, conforme Parecer PGFN/CAT nº 3341/2020[7].

É uma medida de política tributária cujo objetivo é estimular que o sujeito passivo tome a iniciativa de regularizar sua situação, pagando os tributos que deixou de recolher, com juros, mas sem multas, promovendo, portanto, o arrependimento fiscal espontâneo, em que o agente desiste do proveito que a infração poderia lhe trazer, para voltar aos lindes da legalidade, cumprindo sua obrigação espontaneamente. Em troca da regularização espontânea, oferece-se a não aplicação de medidas punitivas.

Em consequência da exigência dessa espontaneidade, exige-se que o comportamento seja realizado antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração, momento este que está delineado no art. 7º da lei do processo administrativo-fiscal:

Art. 7º O procedimento fiscal tem início com:

I - o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto;

II - a apreensão de mercadorias, documentos ou livros;

III - o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada.

§ 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação dos demais envolvidos nas infrações verificadas.

§ 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos.

Assim, marco final para ocorrência da denúncia espontânea é a lavratura do termo de início do procedimento[8] e sua comunicação formal ao sujeito passivo, devendo ser consignado que, embora  o Decreto nº 70.235/72 mencione que o ato que determina o início do procedimento fiscal exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores, isto deve ser interpretado em conjunto com o Decreto nº 7574/2011, para se concluir que resta afastada somente em relação ao tributo, ao período e à matéria nele expressamente inseridos[9],  não impedindo a verificação do favor legal em relação a outros tributos ou outros períodos do mesmo tributo. A título de exemplo, imagine que a Receita Federal inicie formalmente a fiscalização do IRPJ/2019. Isto não impede a denúncia espontânea do IRPJ/2018 ou do IPI/2019. Deve-se lembrar que o início do procedimento exclui a espontaneidade tanto em relação aquele que foi notificado e, independentemente de intimação, dos demais envolvidos nas infrações verificadas.[10]

Neste contexto, insta registrar que se exige o pagamento integral do tributo devido, com respectiva correção monetária e juros de mora (SELIC), não sendo suficiente, por não serem equiparados ao pagamento: a) o depósito[11]; b) parcelamento (súmula 208 TRF)[12]; c) extinção do crédito tributário através de compensação[13]. De fato, tem razão este entendimento, pois o art. 138 do CTN é expresso em exigir o pagamento do tributo (o que inclui a correção monetária) e os juros de mora.

Importante consignar que, mais que um benefício direcionado apenas ao contribuinte, que dele se favorece ao ter excluída a responsabilidade pela multa, também está direcionado à Administração Tributária, que deve ser preservada de incorrer nos custos administrativos relativos à fiscalização, constituição, administração e cobrança do crédito. Por isso, como consignado pelo STJ[14], para sua ocorrência, deve haver uma relação de troca entre o custo de conformidade (custo suportado pelo contribuinte para se adequar ao comportamento exigido pelo Fisco) e o custo administrativo (custo no qual incorre a máquina estatal para as atividades acima elencadas) balanceado pela regra prevista no art. 138 do CTN.

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Segundo entendimento do STJ, a denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo (súm. 360, STJ). Não resta caracterizada, com a consequente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento, à vista ou parceladamente, ainda que anteriormente a qualquer procedimento do Fisco, tendo em vista que a declaração já constitui definitivamente o crédito tributário, tornando desnecessário qualquer tipo de procedimento de início de fiscalização ou de constituição do crédito tributário, além do que o instituto não foi concebido para favorecer o atraso no pagamento do tributo. Veja que, nesta hipótese, também não há qualquer troca entre custos administrativos e custo de conformidade, pois o tributo já está constituído e apto à cobrança.

Observe que o STJ possui entendimento no sentido da inaplicabilidade da denúncia espontânea às obrigações acessórias[15] autônomas (deveres instrumentais), somente alcançando infrações que tenham implicado o não pagamento de tributo, motivo pelo qual, por exemplo, a tardia entrega da declaração de imposto de renda não comportaria sua aplicação. O STJ possui entendimento de que a denúncia espontânea não tem o condão de afastar multa  isolada  em  face  do  descumprimento de obrigação  acessória[16]. A este respeito, os defensores argumentam que uma perspectiva em sentido contrário desmoralizaria os prazos para o cumprimento destes deveres, pois o contribuinte poderia deixar para entregar a declaração na semana seguinte ao termo final, visto que seria praticamente impossível ao Fisco formalizar o início de um procedimento contra todos os contribuintes em atraso. Em sentido contrário, advogando a aplicação do instituto à hipótese tratada, há quem sustente que a expressão "se for o caso”, constante do caput do art. 138 do CTN, cumpre justamente o papel integrador das obrigações acessórias, deixando claro que nem sempre o cumprimento da obrigação tributária implicará o pagamento do tributo[17].

Não obstante, a denúncia espontânea resta configurada na hipótese em que o contribuinte, após efetuar a declaração parcial do débito tributário (sujeito  a  lançamento  por  homologação) acompanhado do respectivo pagamento  integral,  retifica-a  (antes de qualquer procedimento da Administração  Tributária),  noticiando  a existência de diferença a maior, cuja quitação se dá concomitantemente[18].

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Procurador da Fazenda Nacional. Mestre em Direito. Professor de Direito Tributário. @ari_timoteo_junior

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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