Burlar informações para receber o auxílio emergencial é crime?

Leia nesta página:

Pode-se punir alguém por mentir sobre informações pessoais no programa de Auxílio Emergencial do Governo Federal?

Conforme mencionei noutro artigo, as maneiras de praticar crimes têm sido aprimoradas com a pandemia e não poderia ser diferente quando o assunto é “receber vantagem econômica”, afinal, quem não quer ganhar “um dinheirinho fácil”?

Pois bem, o Auxílio Emergencial foi implementado no ano passado (2020) e é um benefício financeiro concedido pelo Governo Federal destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e tem por objetivo fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do Coronavírus - COVID 19 [1].

Conforme Lei que o instituiu - Lei nº 13.982 de 2 de abril de 2020 – e regulamentação posterior por medidas provisórias, não tem direito ao auxílio que tenha emprego formal ativo; pertença à família com renda superior a três salários mínimos (R$ 3.135,00) ou cuja renda mensal por pessoa seja maior do que meio salário mínimo (R$ 522,50); também quem estiver recebendo Seguro Desemprego, benefícios previdenciários, assistenciais ou benefício de transferência de renda federal, com exceção do Bolsa Família e quem recebeu rendimentos tributáveis acima do teto de R$ 28.559.70 em 2018, de acordo com declaração do Imposto de Renda.

Portanto, caso se enquadre numa das categorias acima mencionadas e mesmo assim esteja recebendo auxílio emergencial, podemos supor que a pessoa mentiu sobre suas informações pessoais com a intenção de obter a vantagem indevida do recebimento dos valores do auxílio emergencial e, por isso, poderá incorrer no delito de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal.

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. 

Mais uma vez: a conduta é nova, o crime é antigo e famoso.

Lembremo-nos que a legislação dá um tom mais grave aos crimes quando eles são praticados contra a Administração Pública, nesse caso, como o delito atingirá diretamente os cofres públicos a ação penal será pública incondicionada, sendo - ainda - a pena aumentada em um terço.

Como se não bastasse, considerando que os valores do Auxílio Emergencial são recebidos em parcelas mensais, enquanto estiver recebendo os depósitos o beneficiário que mentiu sobre as informações de forma intencional, estará praticando o delito de estelionato na modalidade continuada (o crime ainda não cessou) o que permite que ele seja preso em flagrante delito[2].

Oportuno esclarecer que o crime continuado é uma ficção jurídica criada pela Lei e, como o próprio nome sugere, se trata da prática de crimes da mesma espécie de maneira continuada, ininterrupta. Trago, então, o artigo 71 do Código Penal que prevê essa figura.

Crime continuado

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Relembro que a pena do crime pode chegar a 6 anos e 8 meses de reclusão e multa (considerando a causa de aumento de que tratamos), consoante artigo 171, §3º do Código Penal, além disso, considerando o limite máximo de reprimenda, o regime inicial estabelecido poderá ser o semiaberto ou o aberto, nos moldes do que prevê o artigo 33, §2º, alíneas b e c também do Código Penal. 

Eram essas as considerações a serem feitas acerca da tipificação da conduta de burlar as informações no cadastro público, a fim de receber indevidamente o Auxílio Emergencial, lembrando que a nossa análise é meramente acadêmica e não considera as circunstâncias específicas do caso concreto, de modo que as especificidades do caso podem conduzí-lo a resultados diversos daqueles ora considerados.


[1] https://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX

[2] Código de Processo Penal - Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; (...).

Sobre a autora
Marina Vezu Macedo de Oliveira

Advogada. Direito civil, penal e administrativo. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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