Posso perder a cidadania brasileira se adquirir outra nacionalidade no estrangeiro?

15/03/2021 às 10:55
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Muitos países permitem que estrangeiros adquiram a cidadania. Mas o que acontece com a cidadania brasileira nestes casos?

Muitos países permitem que estrangeiros tenham acesso a cidadania, como aos descendentes de imigrantes italianos e portugueses, por tempo de residência na Espanha ou na Alemanha, por serem casados ou viver em união estável com estrangeiro.

Assim, trata-se de uma dúvida muito comum de quem está pretendendo obter uma cidadania estrangeira:

“Será que posso perder a cidadania brasileira ao requerer a cidadania de outro país?”

Para encontrar resposta à esta questão, temos de verificar o que está previsto atualmente no artigo 12, §4º, inciso II da Constituição Federal brasileira.

Art. 4º – Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I – tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

II – adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis;

Assim, desde 1994, ano em que a redação do artigo 12, §4º, da Constituição Federal foi modificada, não haverá perda da nacionalidade brasileira para quem adquirir a nacionalidade originária ou por imposição de naturalização.

A seguir, vamos explicar o que é a nacionalidade originária e nacionalidade por naturalização.


Nacionalidade originária

A nacionalidade originária é atribuída desde o nascimento da pessoa e cada país adota seus critérios para definir quem são os seus cidadãos originários.

Para que seja considerado brasileiro originário ou nato, basta a pessoa ter nascido no Brasil, mesmo que seus pais sejam estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço do país estrangeiro. É o chamado critério “jus soli” (direito de solo).

Contudo, são também brasileiros de origem pelo critério do “jus sanguinis” (direito de sangue), ou seja, para descendentes de brasileiros.

Entretanto, somente será considerado brasileiro originário pelo critério do sangue, para quem nascer em país estrangeiro, desde que seja filho de pai ou mãe brasileira que estiver a serviço do Brasil ou que este filho seja registrado em repartição brasileira do país em que nasceu, como na Embaixada ou Consulado brasileiro.

Entretanto, poderá ainda requerer a nacionalidade brasileira originária a partir dos 18 anos, se este filho nascido no exterior, de pai ou mãe brasileira, vier a residir no Brasil.

Ao obter a nacionalidade originária, será reconhecido como brasileiro nato desde o nascimento, não importando se foi no momento do nascimento ou se foi com 40, 50, 60 anos de idade, como é o caso de pessoas nascidas no exterior, filho de pai ou mãe estrangeira, que veio morar no Brasil.

Já países como Itália e Portugal, adotam um sistema um pouco diferente do nosso.

Na Itália, são considerados cidadãos italianos de origem quem tem sangue italiano (critério jus sanguinis).

Assim, não importa se a pessoa nasceu na Itália, no Japão ou no Brasil, pois somente poderá ser considerado italiano se for filho de pai ou mãe italiana nascido na Itália ou se for descendente de italiano nascido no exterior, desde que preencha os demais requisitos previstos na legislação daquele país.

Em Portugal, sendo filho ou neto de um cidadão português, mesmo que nascido no Brasil, poderá obter a nacionalidade portuguesa originária, desde que preencha os demais requisitos previstos na lei de nacionalidade portuguesa.

Dessa forma, os descendentes de italianos e portugueses que obtém o reconhecimento da cidadania originária destes países, não precisam se preocupar, pois a Constituição Federal brasileira permite esta possibilidade, sem que haja a perda da nacionalidade brasileira, ou seja, ficará com a dupla cidadania.


Nacionalidade por Naturalização

A nacionalidade por naturalização ou nacionalidade derivada, ocorre quando uma pessoa por livre vontade opta por se tornar um cidadão de outro país.

Ao contrário da nacionalidade originária, que considera que a pessoa é cidadão desde o nascimento, a cidadania por naturalização normalmente considera que a pessoa é cidadão daquele país a partir do momento em que a pessoa se naturaliza.

Nestes casos, desde que não seja considerada cidadania originária, a Constituição Federal prevê a perda da nacionalidade brasileira, pois foi uma opção da pessoa se tornar cidadão de um outro país.

Isso ocorre, principalmente nos casos em que a pessoa reside em outro país por um determinado período e resolve adquirir a nacionalidade deste país.

Algumas nações permitem que estrangeiros que residem por determinado tempo em seu território, tenha a possibilidade de se tornar um cidadão local.

Podemos citar como exemplos: Portugal, Espanha e o próprio Brasil.

Assim, quando ouvimos falar que pessoas que adquiriram a cidadania espanhola pelo fato de morar na Espanha, é provável que esta cidadania seja por naturalização.

Outro caso muito comum, ocorre nas cidadanias obtidas através do casamento com cidadão local. Podemos citar como exemplos, pessoas que adquirem a nacionalidade portuguesa, italiana ou americana pelo casamento.

Em grande parte destas cidadanias são obtidas por naturalização.

Neste caso, a Constituição Federal prevê haverá a perda da cidadania brasileira, pois a pessoa por espontânea vontade optou em se tornar cidadão de outro país.

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Contudo, se a naturalização ocorrer por uma imposição do país para que o estrangeiro possa residir ou trabalhar, não haverá a perda da nacionalidade, pois não se tratar de uma livre escolha.


A perda da nacionalidade brasileira é automática?

Como vimos acima, desde 1994, a Constituição Federal prevê a perda da nacionalidade brasileira para quem adquirir outra nacionalidade, exceto se for considerada nacionalidade originária ou por imposição do governo estrangeiro.

Assim, embora milhares de brasileiros se naturalizem todos os anos, muitos deles por serem casados ou por conviver em união estável com cidadão de outro país ou por tempo de residência, atualmente, é possível que venham a perder a nacionalidade brasileira.

No entanto, esta perda da nacionalidade brasileira não é automática.

Para que ocorra, a pessoa deverá requerer a perda da nacionalidade brasileira ou, em caso de recebimento de comunicação oficial na qual seja informada a naturalização, seja pelo governo estrangeiro ou por outra forma, como o caso da Interpol, por exemplo, deverá instaurado um procedimento de perda da nacionalidade brasileira pelo Secretário Nacional de Justiça.

Neste procedimento, previsto no artigo 26 da Portaria Interministerial nº 11, de 3 de maio de 2018, é garantido o direito à defesa do naturalizado, podendo ocorrer a decretação da perda da nacionalidade brasileira.

Atualmente, são poucos os casos em que ocorre esta comunicação, porém, é um risco de que deve ser conhecido e levado em consideração.

Existe, ainda, no Senado brasileiro uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 6 de 2018, que se aprovada, somente haverá a perda da cidadania brasileira no caso de naturalização, se a própria pessoa requerer, beneficiando milhares de brasileiros que vivem no exterior ou que são casadas com estrangeiros, de poder adquirir a nacionalidade estrangeira sem se preocupar com a perda.


Nota do Editor:

A PEC nº 6/2018 foi aprovada nas duas Casas em setembro de 2023, tendo sido submetida à promulgação. (fonte)

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Sobre o autor
Cleber Sasso

CK Sasso Assessoria Juridica - Advogado no Brasil e Portugal, especialista em nacionalidade portuguesa, homologação de sentenças estrangeiras no Brasil e em Portugal, retificação de registro civil, registro tardio para dupla cidadania.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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