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Responsabilidade internacional dos Estados por dano ambiental:

o Brasil e a devastação amazônica

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16/09/2006 às 00:00
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5. RESPONSABILIDADE POR DANOS AO CLIMA

Atualmente, os principais instrumentos internacionais relativos ao tema são:

- Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio;

- Protocolo de Montreal Relativo às Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (relativo à Convenção de Viena);

- Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima;

- Protocolo de Quioto à Convenção Quadro sobre Mudança do Clima.

Tendo em vista que não se registram grandes quantidades de emissão de gases destruidores da camada de ozônio na região amazônica, focar-se-á a presente análise na Convenção sobre Mudança de Clima e no Protocolo de Quioto a essa Convenção.

A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima [51], também conhecida como UNFCCC (do inglês United Nations Framework Convention on Climate Change), foi assinada em 1992 e promulgada, no Brasil, pelo Decreto n. 2.652/98. Ela resultou de um processo de negociação o qual se mostrou mais problemático. Ocorre que as implicações econômicas da mudança de clima (e das medidas para contorná-la ou amenizá-la) são imensas e englobam mesmo a modificação do estilo de vida de muitas sociedades.

O quadro reproduzido abaixo, o qual mostra, sinteticamente, as posições divergentes dos vários blocos de negociação, ajuda a visualizar os interesses conflitantes presentes na elaboração dessa convenção:

Grupo

Membros

Posição

União Européia

15 Estados-membros da União Européia [hoje a União Européia possui 25 membros]

Apoiavam metas e cronogramas para redução de emissões.

JUSCANZ

Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

Preocupados com o fato de as metas e cronogramas produzirem impactos econômicos negativos.

Umbrella Group (Grupo Guarda-chuva)

Rússia, Islândia, Ucrânia e JUSCANZ.

Apoio a mecanismos de mercado para atingir as reduções de emissões.

OPEP

Membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

Contrários a metas e cronogramas de redução de emissões por medo de serem prejudicados com a diminuição das suas exportações de petróleo e gás.

AOSIS (do inglês Alliance of Small Island States, Associação de Pequenos Estados Insulares)

42 Estados em desenvolvimento insulares e/ou com baixa altitude que são especialmente vulneráveis aos impactos da mudança de clima, especialmente à elevação do nível do mar.

Apoio a metas e cronogramas rígidos de redução de emissão como uma questão de sobrevivência.

G-77 + China

Países em desenvolvimento

Apoio a metas e cronogramas de redução de emissões somente para países industrializados; prioridade para o desenvolvimento econômico e social.

Figura 1: Interesse dos blocos de negociação na Convenção sobre Mudança de Clima.

Fonte: BETSILL [52].

Deste modo, o texto final da convenção, assinado em Nova Iorque em 1992, traz contradições em seu conteúdo e regras muito vagas, as quais necessitam ser complementadas por protocolos.

A Convenção, de maneira semelhante à Convenção sobre a Diversidade Biológica, afirma, no seu preâmbulo, que "a mudança de clima da Terra e seus efeitos negativos são uma preocupação comum da humanidade". Isto, assim como no caso da biodiversidade, poderia, teoricamente, ensejar a responsabilidade do Estado por dano a um bem comum da humanidade. Embora quantificar um "dano ao clima" seja, se não impossível, não se pode descartar o surgimento futuro de algum tipo de responsabilidade baseado nos efeitos negativos da mudança de clima. Deste modo, países que contribuíram substancialmente para as mudanças poderiam vir a ser, teoricamente, responsabilizados. Esta possibilidade será analisada mais adiante, neste artigo.

A Convenção também afirma, no preâmbulo, que os Estados têm "o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais e de desenvolvimento e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados". Esta é mais uma afirmação do princípio do dano transfronteiriço, estabelecido no caso da Fundição Trail e reafirmado em várias normas internacionais, o qual estabelece que o ato ou omissão de um Estado que produzir danos significativos no território de outro Estado é um ato internacional ilícito.

É afirmado, ainda, no preâmbulo, o princípio da "responsabilidade comum mas diferenciada", segundo o qual cada país deve assumir responsabilidades segundo suas capacidades econômicas e sociais. Esta pode ser considerada uma vitória dos países em desenvolvimento, tendo em vista que muitos dos deveres impostos aos países desenvolvidos não foram impostos aos países em desenvolvimento, em virtude das diferenças econômicas e sociais existentes. Contudo, é incerto se essa também foi uma vitória da comunidade internacional, de um modo geral, posto que países em desenvolvimento que produzem substancial quantidade de poluição atmosférica viram-se eximidos de grandes responsabilidades, tais como Brasil, China e Índia. É comprovado, por exemplo, que muitas das emissões de gases de efeito estufa, os quais causam efeitos danosos sobre o clima, advêm do desmatamento empreendido em países como o Brasil [53].

O objetivo da Convenção, segundo o seu artigo 2, é alcançar a "estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático". A Convenção assume, pois, um tom pragmático, afirmando, implicitamente, que é impossível reduzir as emissões de gases de efeito estufa e impedir a mudança do clima. Esta visão é reforçada no mesmo artigo 2, mais adiante, no qual se afirma que esse objetivo deverá ser alcançado num prazo "que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de forma sustentável".

Não há, no texto da Convenção, nenhum mecanismo de responsabilização das partes pelo não cumprimento dos dispositivos nela contidos. Tudo o que há é uma previsão de um sistema multilateral de solução de questões relativas à implementação da convenção e um mecanismo de solução de controvérsias relativas à interpretação e aplicação da Convenção. Todavia, é importante relembrar que o preâmbulo estabelece o princípio do dano transfronteiriço como ilícito internacional. Esta norma clássica do Direito Internacional pode ser importante para as questões relativas à mudança de clima e será abordada mais adiante neste artigo.

Com relação ao Protocolo de Quioto, pouco pode ser dito concernente ao Brasil, tendo em vista que o país não se encontra incluído no rol dos países que devem efetuar programas de redução de emissões. Trata-se de uma falha semelhante àquela da Convenção sobre Mudança d e Clima, tendo em vista que o Brasil, junto com outros países emergentes como China e Índia, encontra-se no grupo dos países mais poluidores. Deste modo, não é no Protocolo de Quioto que se pode encontrar alguma norma que torne o Brasil responsável, internacionalmente, pelas emissões decorrentes da devastação amazônica. É interessante o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, previsto no Protocolo, o qual estabelece maneiras de países como o Brasil efetuarem a captura de carbono da atmosfera e serem remunerados por isso. Entretanto, não se trata de algo que possa vir a ensejar uma responsabilização internacional do Estado brasileiro e, deste modo, foge do objetivo deste trabalho.

Após essa breve análise desses instrumentos relativos ao clima, pode-se constatar que não há um regime de responsabilização específico para a poluição atmosférica ou a mudança de clima consideradas em si mesmas. No Protocolo de Quioto, embora haja medidas a serem aplicadas para o caso de Estados não cumprirem seus dispositivos, elas não afetam o Brasil, tendo em vista que as obrigações do Protocolo de Quioto direcionam-se apenas para os países desenvolvidos e os países em fase de transição (antigos países comunistas). Talvez, no futuro, Estados em desenvolvimento industrializados, como o Brasil, sejam obrigados também a obedecer a metas de redução de emissões.

Entretanto, mesmo que não haja um regime específico para a responsabilização no caso de descumprimento das disposições da Convenção sobre Mudança de Clima e do Protocolo de Quioto, existe a norma costumeira de Direito Internacional segundo a qual nenhum Estado deve causar dano a outro Estado (ou a áreas fora de sua jurisdição) por meio de atividades desenvolvidas em seu território ou sob sua jurisdição. Esta norma encontra-se mesmo reafirmada no Preâmbulo da Convenção sobre Mudança de Clima:

Lembrando também que os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas políticas ambientais e de desenvolvimento e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem dano ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional. [54]

Ao contrário do que acontece com o dano à biodiversidade, contra qual os danos tendem a concentrar-se dentro da área de jurisdição do Estado agressor, a mudança do clima pode causar conseqüências diretas no meio ambiente de outro Estado. O efeito estufa (ainda que haja contestação), causado pela emissão de certos gases, é considerado o principal responsável pelas mudanças climáticas [55], e os danos dele resultantes podem ser medidos e atribuídos a fontes determinadas, ainda que se exijam estudos científicos para tanto.

Tuvalu, um Estado insular localizado no Oceano Pacífico, já ameaçou processar os Estados Unidos e a Austrália, dois países que não ratificaram o Protocolo de Quioto (e que são grandes emissores de gases de efeito estufa), pelas conseqüências que o aquecimento global vem provocando em seu território [56]. Tuvalu é um dos menores países do mundo e assenta-se sobre depósitos de corais que se encontram pouco acima do nível do mar. Com o aquecimento global, e o conseqüente aumento do nível do mar, Tuvalu tem sofrido com enchentes freqüentes, deposição de sal no solo e corre o risco de submergir por completo caso o nível do mar siga subindo. Embora Tuvalu não tenha, ainda, elaborado qualquer reclamatória contra Estados Unidos e Austrália, a menção de que poderia fazê-lo despertou a atenção para o tema.

Uma reclamatória baseada na mudança de clima promovida por outro Estado poderia basear-se no sentido de que o Estado (ou um grupo de Estados), o qual dispunha de meios razoáveis e economicamente viáveis para promover uma redução de suas emissões, não o fez em detrimento do meio ambiente de outro Estado. Deste modo, caracterizar-se-ia uma infração ao direito costumeiro internacional, o qual afirma que um Estado deve envidar todos os esforços para que atividades desenvolvidas em seu território não produzam impactos negativos no território de outros Estados. Este preceito também está no preâmbulo da Convenção sobre Mudança de Clima, conforme já visto.

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Ainda, segundo TOL E VERHEYEN [57], "se, no entanto, um país continuasse a aumentar suas emissões continuamente desde a ratificação da FCCC, isto poderia ensejar uma infração a um tratado". Ou seja, poder-se-ia alegar que o Brasil assinou a Convenção sobre Mudança de Clima (UNFCCC), a qual tem por objetivo "a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático" e, no entanto, seguiu aumentando continuamente suas emissões. Embora não se saiba se isto seria plausível no atual estágio do Direito Ambiental Internacional, não se pode descartar que o venha a ser no futuro, com o agravamento do impacto das mudanças climáticas.

Desta forma, ainda que incipiente, a noção de que os danos provocados pela mudança de clima podem ensejar a responsabilidade dos Estados pode ganhar força à medida que os efeitos dessa mudança se agravarem. Casos como o de Tuvalu, em que um país inteiro deixará de existir devido às mudanças climáticas, podem ensejar reclamatórias contra os Estados mais poluidores, conjunta ou separadamente. Ainda, é provável que as mudanças de clima causem impactos sobre a ocorrência de cardumes em certas áreas, a perda de áreas marítimas de Zona Econômica Exclusiva e a transformação de terras férteis em terras estéreis [58].

É provável, ainda, que países desenvolvidos tentem recuperar parte dos prejuízos que tiverem com pagamento de indenizações e elaborem reclamatórias contra países em desenvolvimento com alto índice de emissões (como o Brasil) [59]. Além disso, "do ponto de vista de pequenos estados insulares ou outros países menos desenvolvidos, poderia bem ser argüido que grandes emissores como Índia, Brasil e China não podem ser liberados da responsabilidade do Estado por danos externos" [60].

Desta forma, a devastação amazônica poderia ensejar uma reclamatória contra o Brasil alegando que a sua queima e derrubada (por outros meios) contribuíram para a mudança do clima mundial e, deste modo, para a ocorrência de danos em territórios localizados fora da sua jurisdição. Assim, mesmo que se juntando a outros Estados, é possível que o Estado brasileiro possa ser responsabilizado, no futuro, por danos ocasionados a outros Estados em virtude de mudanças provocadas no clima. Todavia, somente o passar do tempo poderá confirma este entendimento, posto que, talvez pelo grande número de Estados que podem vir a ser envolvidos na temática, existe a possibilidade de se instituir um mecanismo multilateral, não-jurídico, de compensação das vítimas dessas mudanças.

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Sobre o autor
Ernesto Roessing Neto

bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas, bacharel em Economia pelo Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas, pós-graduando em Gestão de Comércio Exterior pela Universidade Federal do Amazonas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROESSING NETO, Ernesto. Responsabilidade internacional dos Estados por dano ambiental:: o Brasil e a devastação amazônica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1172, 16 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8915. Acesso em: 22 dez. 2024.

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