Novo marco legal das franquias em tempos de pandemia.

A problemática do relacionamento entre franqueados e franqueadores e infrações legais e contratuais à luz do novo ordenamento jurídico

15/03/2021 às 13:02
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O lado “negro” da busca pela solução dos conflitos entre franqueados e franqueadores.

Segundo dados da ABF – Associação Brasileira de Franchising, o setor de franquias cresceu 6,9% em 2019 (comparado ao ano de 2018), alcançando um retrocesso estimado em 3 anos no ano de 2020, consequência da crise financeira ocasionada pela pandemia de coronavírus no setor.

Concomitante à pandemia, em março de 2020 o franchising foi agraciado com a entrada em vigor de um novo marco legal que veio para modernizar e aprimorar a legislação pátria relativamente a Circular de Oferta de Franquia e o Contrato de Franquia Empresarial: a entrada em vigor da Nova Lei de Franquias n. 43.966/19, que revogou a antiga Lei n. 8.955. de 1994.

As principais mudanças tratam sobre as informações que devem ser disponibilizadas ao franqueado através da Circular de Oferta de Franquia, exigindo do franqueador muito mais cautela, compromisso e responsabilidade no que diz respeito às informações atinentes ao modelo de negócio que pretender vender, devendo o documento jurídico da franquia atender aos requisitos descritos no art. 2. da Nova Lei.

Embora esteja em vias de completar seu primeiro ano de vigência a realidade demonstra que muitas redes ainda não adequaram os documentos jurídicos de sua franquia colocando em risco a segurança jurídica dos contratantes.

Franqueadores que ainda não adequaram seus instrumentos jurídicos (COF, Pré-Contrato e Contrato de Franquia) colocam seus negócios em risco de anulação e, como consequência, podem acabar tendo que restituir os valores pagos pelo franqueado a curto prazo, nos termos do § 2 do art. 2. e art. 4. da Lei:

Art. 2º Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente:

(...)

§ 1º A Circular de Oferta de Franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou, ainda, do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou a pessoa ligada a este, salvo no caso de licitação ou pré-qualificação promovida por órgão ou entidade pública, caso em que a Circular de Oferta de Franquia será divulgada logo no início do processo de seleção.

§ 2º Na hipótese de não cumprimento do disposto no § 1º, o franqueado poderá arguir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente.

Art. 4º Aplica-se ao franqueador que omitir informações exigidas por lei ou veicular informações falsas na Circular de Oferta de Franquia a sanção prevista no § 2º do art. 2º desta Lei, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Além disso, em tempos de crescente judicialização dos conflitos do setor, o franqueador que descumprir a nova lei de franquias também poderá sofrer sanções previstas na legislação civil, com pagamento de indenizações por eventuais perdas e danos ao franqueado.

O fato é que muitos franqueadores acabaram “esquecendo” de realizar as atualizações necessárias de seus instrumentos jurídicos a fim de que estes possam acompanhar não apenas a dinâmica legislativa e jurisprudencial mas também a própria dinâmica de uma rede de franquias, expondo a um risco desnecessário todo trabalho de formatação inicial e prejudicando a fase de retomada de crescimento e sustentabilidade em tempos de pandemia, tornando o futuro do franchising em 2021 ainda obscuro.

A par disso, tem-se a antiga problemática do relacionamento entre franqueado e franqueador e a importância de uma definição clara e objetiva sobre as regras do jogo em tempos de crise.

Quando a rede de franqueados é participativa, temos o ponto de partida para a busca de melhoria contínua e redução de conflitos entre franqueados e franqueadores.

O segredo? O nível e a qualidade do engajamento de cada uma das partes para que o negócio prospere.

Associados a isso, a clareza nos discursos e uma Circular de Oferta e contrato de franquia bem redigidos também contribuem para edificar um bom relacionamento entre as partes e a redução de conflitos no âmbito negocial e jurídico.

Quando as partes têm, entre si, justo e acordado os padrões e as condições a serem seguidos para o correto funcionamento de uma franquia, não são meros dissabores comerciais que acabarão por colocar em risco o sucesso do empreendimento.

Infelizmente, cada vez mais temos nos deparado diante de relatos e debates envolvendo conflitos entre franqueados e franqueadores no cumprimento do contrato já na fase de implantação do negócio.

Ora porque o franqueador não prestou devido auxílio para análise e escolha do ponto comercial, ora porque atrasou a entrega do estoque inicial ou projeto arquitetônico prejudicando o cronograma de inauguração, ora porque não prestou o devido treinamento da equipe do franqueado, ou porque o franqueador deixou de prestar o devido auxílio no correr das operações.

Tais reclamações, apesar de comuns em qualquer segmento, se analisadas friamente, podem ser concluídas como meros “dissabores comerciais” (posição adotada pela maioria dos entusiastas que atuam no setor), sanáveis através da livre negociação entre as partes.

Contudo, entendimento contrário deve ser adotado quando estivermos diante de oferta e compromisso propostos ao franqueado no momento da venda da franquia, condições estas que devem vir de forma clara e expressa na COF (Circular de Oferta de Franquia) e Contrato de Franquia, sendo ainda mais grave quando o seu descumprimento acaba por frustrar a expectativa de retorno e planejamento financeiro inicial.

Uma vez que estivermos diante de obrigações do franqueador, substanciais ao negócio, este pode e deve responder pelo seu inadimplemento.

São diversos os processos judiciais que buscam a rescisão do contrato de franquia e devolução dos valores pagos pelo franqueado, com base nos seguintes pontos:

  • o modelo de negócio não tem a maturidade mínima esperada e anunciada, e,

  • o franqueador não possui know how efetivo ou estrutura mínima para dar suporte efetivo ao franqueado;

  • cláusulas abusivas e concorrência desleal ou parasita;

  • o franqueador não cumpre com as obrigações previstas na COF e contrato.

Como exemplo, imaginemos uma rede de franquias voltada ao ramo de panificação, basicamente uma franquia de padarias que possui como segredo industrial um fermento exclusivo e que compõe o segredo e know how da franquia. Para produzir os pães, os franqueados devem efetuar a compra diretamente do franqueador, fornecedor exclusivo do tal fermento. O que acontece se o franqueador atrasar a entrega dos pedidos de fermento? Ou se os entrega com a validade vencida?

O resultado é simples: uma padaria sem pão para vender.

No exemplo acima, estaríamos diante de descumprimento por parte do franqueador que inquestionavelmente será o fator determinante para o insucesso do negócio franqueado, e uma vez estando diante de um contrato de franquia, não pode ser visto como mero dissabor comercial ou mesmo imputar a responsabilidade às oscilações de mercado (desculpa rotineira da maioria e que, inclusive, já vem expressa em contrato como forma de eximir responsabilização – risco do negócio), o que torna cada vez mais recorrente o número de ações judiciais, o que causa preocupação quanto aos rumos e credibilidade do sistema no Brasil.

Em que pese a entrada em vigor da Nova Lei de Franquias, tal ordenamento continua regulando apenas aspectos da fase negocial e formalização do negócio, obrigando as partes a cada vez mais se socorrerem do Judiciário para solução de conflitos, seja através da revisão do contrato ou, como infelizmente ocorrer com a esmagadora maioria dos casos, para a rescisão do contrato e busca e de indenizações pela parte prejudicada.

Em outras palavras, quando falamos da oferta e compromisso propostos ao franqueado no momento da venda da franquia, imprescindível remetermos a discussão ao mencionado art. 2ª da Lei de Franquias que elenca rol taxativo de informações a serem apresentadas ao candidato a franqueado através da COF.

Já vimos que o artigo 4º da Lei de Franquias estabelece penalidades no caso de descumprimento de tais requisitos pelo franqueador dando ensejo à anulabilidade do negócio e restituição das quantias pagas pelo franqueado.

Contudo, não é de hoje que o maior dos problemas vivenciados pelo setor se refere a fase contratual propriamente dita, sendo cada vez mais recorrentes as discussões em virtude da ausência de dispositivos legais que regulem o pós-venda, situação que deixa franqueados e franqueadores à mercê de controvérsias no que se refere ao cumprimento de suas obrigações.

Em razão de tais controvérsias, e do crescente número de Redes de Franquia relativamente novas que adotam uma política de expansão bastante agressiva sem antes atentar ao período razoável para maturação do negócio, a experiência vem se tornando uma verdadeira armadilha para o empreendedor desatento as regras e espírito do Franchising.

Algumas decisões judiciais merecem destaque na jurisprudência, pois alcançaram a verdadeira efetividade da justiça na mesma medida em que acabaram por reconhecer e valorizar o trabalho dos verdadeiros estudiosos da matéria, que diligentemente dedicam sua vida ao desenvolvimento e estudo de novas teses em favor do resgate da credibilidade e segurança do sistema (franchising) no Brasil, partindo de uma interpretação ética dos fatos e da lei especial, aplicando os princípios gerais que regem os contratos, e principalmente em favor do ideal de justiça e proteção ao mercado.

Pelo brilhantismo, fazemos transcrever trecho de sentença proferida em 12/2019 pela Exma. Juíza Fabiana Pereira Ragazzi nos autos da ação n. 1001056-34.2017.8.26.0009, in verbis:

“(...) De início, cumpre salientar que a franquia é uma modalidade de contrato na qual o franqueador permite o uso de uma marca cuja propriedade lhe pertence e se obriga a fornecer ao franqueado seu conhecimento técnico, o que permite que o investidor, mesmo sem conhecimento e pesquisa sobre determinado nicho de mercado, possa se estabelecer comercialmente. Desta feita, ao contrário do que alega a parte requerida, restou comprovado nos autos que o objeto do contrato entabulado entre as partes era a comercialização de uma franquia, pois presentes todas as características de tal modalidade negocial. Isto porque, em momento anterior à celebração do contrato entre as partes, houve a apresentação de uma previsão média de faturamento do negócio além da promessa, de que a parte autora receberia todo o apoio necessário para o seu gerenciamento tal como a intermediação com fornecedores e estratégias de marketing, entre outros fatores. Tal fato, inclusive, era divulgado amplamente pela parte requerida, por meio de seu antigo site da internet, que posteriormente foi desativado, alegando a parte requerida que "tirou o site do ar pois não queria fazer propaganda enganosa" . ...

Com efeito, os relatos de ... e ..., tem-se que o auxílio prometido pela parte requerida para o desenvolvimento do negócio nunca se concretizou, sendo ônus da requerida, haja vista se tratar de prova negativa, a comprovação de que forneceu assessoria aos franqueados para a implantação do negócio e após, que os auxiliou em sua administração e desenvolvimento do produto através de estratégias de marketing, o que não ocorreu...

Por certo, portanto, que o contrato entre as partes deve ser rescindido por culpa da parte requerida que não cumpriu com a obrigação que assumiu e que se comprometeu, seja no início da execução do contrato, seja no seu decorrer, nada obstante tenha cobrado e recebido os respectivos royalties consoantes inferem-se dos documentos de fls. 230/243. Nesse passo, de rigor a condenação da requerida a restituição dos valores pagos pelo autor a título de royalties e que segundo documentos de fls. 230/239, perfazem o montante de 16.830,93, limitando-se, porém, a devolução de fato ao valor do pedido que é de R$ 16.800,00, além da taxa de franquia no valor de R$ 92.500,00(noventa e dois mil e quinhentos reais), corrigidos monetariamente desde o ajuizamento e acrescido de juros de mora desde a citação. ... Da mesma forma, ausente provas nos autos de que as campanhas patrocinadas pelo denominado fundo de promoção foram realmente realizadas pela empresa requerida, de rigor a devolução dos valores pagos a este título, no valor de R$1.400,00 (mil e quatrocentos reais), declarando-se inexigíveis a cobrança referente a outras taxas de promoção, porquanto não há prova nos autos de que se referiram a serviços efetivamente prestados...

Diante do exposto: (...) julgo parcialmente procedente a pretensão em relação às requerida Vilma Tecla Vasques, Vila Tecla Vasques ME e VT Vasques Comercio de Churros EIRELI e o faço para: a) declarar a rescisão do contrato firmado entre as partes; b) condenar a parte requerida a pagar a autora a quantia de R$ 110.700,00 (cento e dez mil, e setecentos reais), corrigidos monetariamente desde o ajuizamento da ação, segundo Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a incidir desde a citação, ambos até a data do efetivo pagamento; c) declarar inexigíveis os valore cobrados a título de taxa de promoção em desfavor da parte autora . Em consequência, resolvo o presente feito, com conhecimento de mérito, forte no artigo 487, I, CPC. (...) P.I.C

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Importante ressaltar que o crescimento do setor sempre se mostrou muito importante para nossa economia em cenários de crise, ficando o alerta em relação às franquias emergentes e àquelas que ainda resistem à necessidade de adequação à Nova Lei de Franquias.

Mais do que a defesa dos players (franqueado/franqueador) devemos nos ater a necessidade de defesa de um modelo de franchising exemplar, saudável e sustentável para todos, e que há anos tanto aquece o mercado em geral em nosso país.


O lado “negro” da busca pela solução dos conflitos

Para análise e resolução de conflitos, entender o contexto e o ecossistema mencionado acima em que franqueados e franqueadores se encontram é fundamental para que um bom advogado em franchising possa propor e alcançar propostas de solução de conflitos na esfera extrajudicial através de acordos amigáveis.

Para que se alcance positivamente as soluções extrajudiciais de conflitos as ações devem ser conjuntas:

  • a) Franqueado/franqueador: recomendasse buscar uma boa assessoria preventiva desde a etapa de contratação, a fim de minimizar eventuais riscos que a longo prazo possam alcançar um nível desconfortável, prejudicando não só a operação, mas o relacionamento saudável entre as partes.

  • b) Advogado: mais do que a habilitação técnico-jurídica (especialista em franchising), recomendasse um profissional com a mentalidade inovadora de um negociador, associada à experiência prática no mercado: seja na pele de franqueado ou franqueador.

No universo do franchising, ao advogado não basta a mentalidade jurídica.

Caso contrário, corre-se o risco de um mero desentendimento comercial acabar desembocando no Judiciário, imergindo as partes em processos judiciais que além do alto custo e prejuízo a marca no mercado, podem demorar anos para uma conclusão, sendo a pior das consequências o famoso descredenciamento da rede.

O descredenciamento é consequência lógica do rompimento do contrato de franquia entre franqueado e franqueador que pode ocorrer por inúmeros fatores, sendo os mais comuns:

  1. Rescisão por mútuo acordo entre as partes;

  2. Rescisão unilateral, por manifestação de vontade de uma das partes;

  3. Nulidade do negócio – quando constatada ocorrência de vícios de formação ou ilegalidade;

  4. Ações de represália por parte do franqueador em face do franqueado considerado “problemático”, quando mal conduzida uma negociação.

Reforçamos que, historicamente, o franchising é o setor que sempre apresentou maior crescimento com surgimento de novos negócios mesmo em momentos de crise.

Para quem deseja ampliar seu negócio transformando-o em franquia ou deseja investir em uma franquia disponível no mercado oferecemos serviço de consultoria e assessoria jurídica estratégica e negocial especializada em franquias.

Na dúvida, consulte sempre um especialista em franquias. Somente ele poderá emitir um parecer acerca das particularidades de cada franquia ou tipo de contrato, e direcioná-lo para melhor solução possível para o seu caso.


Fontes e Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 13.966, de 26 de dezembro de 2019, que dispõe sobre o sistema de franquia empresarial. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13966.htm. Último acesso em 23 de dezembro de 2020.

ABF – Associação Brasileira de Franchising. Balanço ABF 2020. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-dez-30/takeshita-relacao-entre-socio-franqueadora-franquia. Último acesso em 10 de março de 2021.

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Sobre a autora
Daiana S. Takeshita

Advogada, formada pela Universidade São Francisco. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil desde 2012. Atuação nas áreas Cível e empresarial. Especialista em Franchising e Direito Aeronáutico. Consultoria Jurídica para Startups. Atendimento em todos os Estados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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