O REGIME JURÍDICO DE APLICAÇÃO DOS JUROS MORATÓRIOS PREVISTOS NO ART.406, DO CÓDIGO CIVIL E A SUA (IN) APLICAÇÃO NOS CONTRATOS DE MÚTUO BANCÁRIO: ESPECIFICIDADES DA MATÉRIA.
Em primeiro lugar, este artigo não se propõe a exaurir o tema. Longe disso, busca esclarecer a respeito, especialmente, da aplicação do artigo 406[1], caput, primeira parte, do Código Civil, tratando do regime jurídico aplicável aos juros moratórios convencionais quando não expressos nos contratos bancários. E, sem olvidar como, com base na sua peculiaridade, parte da doutrina e jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça, a matéria é tratada.
Sabe-se que, apesar de expressamente discriminados nos contratos de mútuos mercantis, v.g., a maioria da população, infelizmente, pelo desinteresse na importância e impacto no orçamento doméstico ou empresarial, não procura entender o básico do que são os juros - diga-se que, a despeito de haver vários vídeos e textos gratuitos na internet, tentando explicar, para o leigo, tal instituto[2] -.
Por isso, quando os credores em geral: bancos, cooperativas de créditos, empresas simples de crédito[3], dentre outros, redigem seus contratos ou títulos de créditos dão especial ênfase a cláusula concernente aos juros livremente pactuados. Porque vem reforçar os direitos do credor quanto a estes frutos civis, para manutenção de um mercado financeiro saudável e em benefício da segurança jurídica.
A propósito, de forma simples, os juros são o favor que se paga pelo tempo que se usa o dinheiro do outro. Isto é, utiliza-se o dinheiro por um período. Ademais, classificam-se os juros em duas principais formas[4]:
I. Quanto à sua finalidade:
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É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução do capital.
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II. Quanto à origem:
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De tal modo, os custos dos recursos emprestados trazem consequências obrigacionais, que são os juros moratórios pactuados, por exemplo. E, estes, devido a sua importância, possuem tratamento normativo específico, como regras presentes no Código Civil (artigos 405 e 406, v.g.), resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e Banco Central do Brasil, súmulas e entendimentos do Superior Tribunal de Justiça, dentre outros.
Por sua vez, em especial, o artigo 406 localiza-se, topograficamente, no Título IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES, CAPÍTULO IV – DOS JUROS LEGAIS, no CÓDIGO CIVIL. E, de tal modo, enuncia que “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
Dessa forma, o referido artigo é claro ao determinar que somente quando não convencionados, é que os juros moratórios serão regidos pela sua parte final.
A respeito, importante descrever o que os doutrinadores Flávio Tartuce e Eduardo Salomão Neto dizem a respeito do referido artigo:
“ (...) A respeito dos juros legais moratórios, enuncia o art. 406 do CC que mesmo não estando previstos pelas partes, serão devidos de acordo com a taxa que “estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Na opinião deste autor, o correto posicionamento a respeito desse dispositivo é ser a taxa mencionada aquela prevista no art.161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês (12% ao ano). (...)[5]”
“ (...) O artigo 406 do diploma atual trata dos juros moratórios e estipula que quando não convencionados serão calculados pela taxa em vigor para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, atualmente a taxa SELIC (...). Se a interpretação do contrato não for hábil para o fornecimento de qualquer parâmetro de determinação dos juros, aplicar-se-ão diretamente os juros previstos no próprio artigo 406. (...)[6]. (Supressões).
Diante das opiniões dos doutrinadores e do próprio Superior Tribunal de Justiça, o ponto que ocasiona atenção e maiores divergências quanto ao artigo 406, Código Civil, é basicamente qual a taxa aplicável de juros moratórios no caso de ausência de pacto de juros entres as partes anterior no caso de condenações em geral - ou Taxa SELIC ou condenações em geral os juros de mora de 1% ao mês (?) -.[7]
No entanto, apesar da discussão mencionada, e diante da especificidade, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que, em casos de não serem fixados os juros pelas partes em contrato bancário, incidem as taxas de mercado e não o artigo 406 do Código Civil[8][9].
No mais, há de se notar que, situação importante reside no ponto que alguns exegetas confundem, ainda, qual seria o correto termo inicial para a incidência dos juros moratórios, aplicando-se, genericamente, quanto às pretensões de cobrança e monitórias embasadas em títulos de créditos e outros advindos de obrigações líquidas e vencidas, o regime genérico aplicável a responsabilidade civil contratual ou extracontratual.
Ou seja, utilizam erroneamente, nas decisões, a título de exemplo, os artigos 398 e 405[10][11], do Código Civil, que tratam de obrigações líquidas e não vencidas ou não negociais, quando o entendimento é que a “(...) Emissão de nota promissória em garantia do débito contratado não altera a disposição contratual de fluência dos juros a partir da data certa do vencimento da dívida. 3.- O fato de a dívida líquida e com vencimento certo haver sido cobrada por meio de ação monitória não interfere na data de início da fluência dos juros de mora, a qual recai no dia do vencimento, conforme estabelecido pela relação de direito material. 4.- Embargos de Divergência providos para início dos juros moratórios na data do vencimento da dívida”. (STJ - EREsp: 1250382 RS 2011/0205446-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 02/04/2014, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 08/04/2014).
Nisto, como trata Flávio Tartuce[12], “No que diz respeito às obrigações líquidas e vencidas, na V Jornada de Direito Civil, aprovou-se o seguinte enunciado, de autoria de Marcos Jorge Catalan: “os juros de mora, nas obrigações negociais, fluem a partir do termo da prestação, estando a incidência do disposto no art.405 da codificação limitada às hipóteses em que a citação representa o papel de notificação do devedor ou àquelas em que o objeto da prestação não tem liquidez” (Enunciado n.428) ” (com destaques).
Mesmo assim, alguns julgadores e exegetas, a despeito da clareza da situação, por desatenção a respeito da matéria ou do caso concreto, aplicam, indistivamente, os artigos 398 e 405, do Código Civil - ou, de forma errada, para acirrar mais ainda a controvérsia, utilizam a parte final do art.406, do Código Civil, ao talante do pedido ou causa de pedir objeto da pretensão judicial e, substituem, de ofício, os índices livremente pactuados no título de crédito que deu origem à pretensão -.
A título de exemplo do uso incorreto dos referidos artigos, podemos extrair exemplo real narrado no voto do Desembargador-Relator José Maurício Lisboa, extraído no acórdão proferido pela Primeira Câmara de Direito Comercial da Justiça Estadual de Santa Catarina em Apelação Cível nº 0310701-34.2016.8.24.0036:
“(...). Isso porque, infere-se do processado que a ação monitória está embasada em contrato de abertura de crédito em conta corrente – limite empresarial, o qual prevê expressamente que sobre o valor devido deverá incidir multa moratória de 2% e juros remuneratórios de 6,87% ao mês capitalizados e corrigidos pela TR (pags. 33-37).
Visto isso, vislumbra-se que a parte requerente ao ajuizar a presente ação, apresentou cálculo dos valores que entende por devidos, com a incidência dos respectivos encargos mencionados até a data do ingresso da ação em juízo (21/11/2016), apurando o saldo devedor de R$ 49.423,61 (quarenta e nove mil, quatrocentos e vinte e três reais e sessenta e um centavos) (pags. 49-51), o qual restou constituído em título executivo judicial, com a incidência de correção monetária desde a apuração do saldo devedor pelo INPC e acrescida de juros moratórios à taxa de 1% ao mês a partir da citação; contudo, O JUÍZO SENTENCIANTE NADA PONDEROU ACERCA DA INCIDÊNCIA DOS ENCARGOS MORATÓRIOS PACTUADOS, O QUE SE FAZIA NECESSÁRIO.
Sendo assim, diante da demonstração da inadimplência da parte ré, bem como pelo fato de que sequer houve insurgência por parte dos devedores a este respeito, a incidência dos encargos de mora contratados sobre o valor do débito perseguido até a data do efetivo pagamento, é medida imperativa, consoante entendimento consolidado pelo Corte Superior, in verbis: (...) (destaques e omissões) ”.
Dessa maneira o acórdão acima, caminha de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "Havendo inadimplência, o termo final para a cobrança dos encargos contratados, entre os quais os juros remuneratórios, é o efetivo pagamento do débito" (STJ, 4ª Turma, REsp 646.320/SP, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, DJe de 29.6.2010)", e destaca a necessidade da análise ponderada acerca da incidência dos encargos devidamente pactuados, diante da demonstração da inadimplência da parte ré (recorrida). E há de se aplicar, por consequência, a incidência dos encargos de mora contratados sobre o valor do débito perseguido até a data do efetivo pagamento.
Afora os artigos já mencionados, a nosso ver, decisões ou entendimentos diferentes do acima firmado pelo Tribunal da Cidadania, solapam os artigos 2 º[13] (princípio da inércia da jurisdição), 141[14] e 492[15] (congruência), ambos do Código de Processo Civil, e 313[16] do Código Civil, dos quais trataremos a seguir.
Em primeiro lugar, a respeito da inércia da jurisdição e da congruência (arts. 2º e 492, CPC), bem trata Daniel Amorim Assunpção Neves que “ (...). Segundo previsão do artigo 2º do CPC, se confirma legislativamente o princípio da inércia da jurisdição. Pela previsão contida no artigo 492 do CPC, que consagra o princípio da congruência (correlação/adstrição), nota-se que não só a jurisdição depende de provocação para se movimentar, como o fará nos estritos limites definidos pelo objeto da demanda, que em regra é determinado pelo autor e excepcionalmente também pelo réu (reconvenção/pedido contraposto). Quanto ao que ficar fora da demanda, a jurisdição continuará inerte, não haver prestação de tutela jurisdicional, salvo nas excepcionais hipóteses de “pedidos implícitos” e de aplicação da regra da “fungibilidade”, circunstâncias previstas por lei que autorizam a concessão de tutela não pedida. (...)”[17]. (Destaques e supressões nossas).
Sobre o princípio da inércia da jurisdição e o porquê de sua existência, o ilustre processualista civil Cândido Rangel Dinamarco é bem didático: “ (...). Outra característica da jurisdição consiste na inércia dos órgãos jurisdicionais (nemo judex sine actore, ne procedat judex ex officio). O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica do Estado é a pacificação social, e isso viria em muitos casos a fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde elas não existiam antes (...). [18]” (destaques e supressões).
Deste modo, como se tira, parece-nos que, ao se aplicar de ofício índices de juros e/ou correção monetária diferentes da pretensão, os julgadores correm o risco de oferecerem prestação jurisdicional diferente da pedida (extra petita), v.g.
Além disso, na mesma lógica, o Código Civil é bem claro no sentido de que “ (...) O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida (...) (art.313, CC[19]).
Ressalte-se, por oportuno, que às pretensões de cobrança ou monitórias que abrangem contratos bancários se encontram, no geral, amparadas em cláusulas pactuadas livremente entre as partes. Assim, não cabe ao Judiciário ou exegeta se imiscuir, como uma espécie de revisor de ofício destas cláusulas, no caso de inércia do devedor em apontar quais seriam os abusos então existentes no contrato ou sequer discutida pelas partes, sob pena de se pronunciar sobre matéria não ventilada pelas partes [20][21].
No mais, resta considerar que se as partes convencionaram o contrato ou título de crédito e suas cláusulas, é de se aplicar o preceito do "pacta sunt servanda", fazendo-se cumprir o ajuste na forma como estabelecido, com a aplicação do fator atualizador da moeda livremente acordado.
Com essas considerações, é possível perceber que o tema ora analisado é um bom exemplo que demonstra a importância do esforço necessário com a precisão da decisão final, conferindo-se, diante da especificidade do caso concreto, o zelo que o intérprete deve ter para tomar a melhor decisão.
Afinal, como defende Erik Navarro Wolkart[22], citando Robert Cooter, “ (...) se há uma preocupação com a precisão da decisão judicial, há, na verdade, uma preocupação com o erro judicial. Desse ponto de vista, todo o investimento em participação (manifestações das partes de modo geral, dilargamento de prazos, recursos, motivação, produção de provas, oralidade etc) é, na verdade, um investimento no combate ao erro. E o erro é um custo social para o processo. (...)”.