A INCONSTITUCIONALIDADE DO TABELAMENTO LEGAL DO DANO EXTRAPATRIMONIAL NO DIREITO DO TRABALHO

Os descaminhos da reforma trabalhista

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O presente trabalho explora algumas nuances do tabelamento do dano extrapatrimonial imposto pela recente reforma trabalhista (art. 223-G, § 1º, I ao IV, Lei 13.467/2017), à luz da Constituição Federal, do novo CPC e da doutrina e jurisprudência pátrias.

1. Introdução

O presente trabalho explora algumas nuances do tabelamento do dano extrapatrimonial imposto pela recente reforma trabalhista (art. 223-G, § 1º, I ao IV, Lei 13.467/2017), à luz da Constituição Federal, do novo Código de Processo Civil e da doutrina e jurisprudência pátrias.

No seu desenvolvimento, apresenta-se, pois, uma série de propostas de lege lata com o objetivo de resolver as inconsistências encontradas, bem como criar uma conexão verdadeira entre o instituto do dano extrapatrimonial e o texto da Constituição vigente, preconizada, diga-se de passagem, pelo art. 1º, NCPC.

Sob o ponto de vista metodológico, trata-se de pesquisa bibliográfica e documental a partir de marcos jurídicos (Constituição Federal, Reforma trabalhista e novo Código de Processo Civil), revisão de literatura, análise de jurisprudência e das ações diretas de inconstitucionalidade em curso no Supremo Tribunal Federal.

2. Aspectos relevantes do contexto histórico, jurídico e social da reforma trabalhista

É de suma importância a percepção do contexto histórico, jurídico e social da aplicação de qualquer norma jurídica. Afinal, o juiz, ao aplicar a lei, “atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum” (art. 8º, NCPC), sendo-lhe vedado decidir “com base em valores jurídicos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão” (art. 20, caput, DL 4.657/1942). Como bem observado por Cunha:

“O operador do direito, ao aplicá-lo à determinada situação no universo da vida, desenvolve um trabalho profundamente dialético, que o obriga a examinar a situação de fato na sua relação com certo contexto normativo, buscando, com isso, determinar a norma ou as normas aplicáveis. Nesse labor, tem de enfrentar importantes problemas [...]”[1].

Além do panorama histórico e social subjacente às normas jurídicas, um dos coautores deste artigo já assinalou, em outra ocasião, que:

“A dignidade humana é um dos fundamentos, senão o principal, do Estado Democrático de Direito (art. 8º, NCPC, art. 1º, III, CF, arts. I e VI, da Declaração Universal de Direito Humanos e art. 11, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San Jose da Costa Rica) e, juntamente com os demais princípios e regras eleitos ou não pelo legislador infraconstitucional, faz parte de um roteiro de humanização do processo civil”[2].

Mais adiante, o referido autor destaca:

“[...] o expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana no CPC/2015, densificado, portanto, como poder-dever do juiz, abrange a aplicação das leis materiais e processuais, concebendo-se o processo civil como mecanismo de ‘proteção alargada de direitos fundamentais’, na esteira das observações de Canotilho”[3].

Como fundamento da República, a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da CF, embasa todo o ordenamento jurídico brasileiro, jamais podendo ser desconsiderado em qualquer atividade estatal. Com efeito, essa concepção do processo civil como mecanismo de “proteção alargada de direitos fundamentais” aplica-se subsidiariamente ao processo do trabalho, por força do art. 15, do NCPC, combinado com o art. 769, da CLT. Dispõe, nessa perspectiva, o art. 1º da IN 39/2016 do TST que:

“Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015”[4].

De qualquer forma, Delgado e Delgado esclarecem que:

“Ostenta a Constituição, nesse quadro, a presença de princípios jurídicos gerais, que apresentam a característica de abrangerem diversos campos do Direito, ainda que, nesse caso, tenham de merecer leitura algo particularizada para permitir sua melhor compreensão extensiva. Trata-se de princípios constitucionais gerais que, nessa qualidade, produzem efeitos normativos em searas bastante diferentes do universo jurídico. Citem-se, ilustrativamente: princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica; princípio da inviolabilidade do direito à vida; princípio do bem-estar individual e social; princípio da justiça social; princípio da submissão da propriedade à sua função socioambiental; princípio da não discriminação; princípio da igualdade (que se desdobra em igualdade em sentido formal e igualdade em sentido material - esta, aliás, uma das grandes inovações da Constituição de 1988); princípio da segurança; princípio da proporcionalidade e da razoabilidade; princípio da vedação do retrocesso social e da progressividade social.

Todos esses princípios gerais citados, a propósito, atuam igualmente no campo do Direito do Trabalho, formando, ao lado de outros princípios propriamente trabalhistas, aquilo que a doutrina nomina de princípios constitucionais do trabalho”[5].

Sob essa ótica, o TRT da 23ª Região (MT) editou, no exercício do controle difuso de constitucionalidade e com força vinculante em sua jurisdição (art. 15, I, “d” e II, da IN 39/2016 do TST[6]), o enunciado da súmula nº 48, assim redigido:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 223-G, § 1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A CR/88. INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a limitação imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista pelo § 1º, incisos I a IV, do art. 223-G da CLT por ser materialmente incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógico e de Reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao art. 5º, V e X, da CR/88”[7].

Note-se que este Tribunal Regional observou, fielmente, a cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97, CF, bem como a súmula vinculante nº 10/STF.

Seguindo a mesma tendência, a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho (2017) aprovou o enunciado nº 18, in verbis:

“Aplicação exclusiva dos novos dispositivos do título II-a da CLT à reparação de danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho: inconstitucionalidade. A esfera moral das pessoas humanas é conteúdo do valor dignidade humana (art. 1º, III, da CF) e, como tal, não pode sofrer restrição à reparação ampla e integral quando violada, sendo dever do Estado a respectiva tutela na ocorrência de ilicitudes causadoras de danos extrapatrimoniais nas relações laborais. Devem ser aplicadas todas as normas existentes no ordenamento jurídico que possam imprimir, no caso concreto, a máxima efetividade constitucional ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 5º, V e X, da CF). A interpretação literal do art. 223-A da CLT resultaria em tratamento discriminatório injusto às pessoas inseridas na relação laboral, com inconstitucionalidade por ofensa aos arts. 1º, III; 3º, IV; 5º, caput e incisos v e x e 7º, caput, todas da Constituição Federal”[8].

É preciso lembrar, ademais, que ambos os processos, civil e trabalhista, tem como objetivo precípuo a obtenção, em lapso razoável, de “decisão de mérito justa e efetiva”.

Para Schiavi:

“Assim como o Direito do Trabalho visa à proteção do trabalhador e à melhoria de sua condição social (art. 7º, caput, da CF), o Direito Processual do Trabalho tem sua razão de existência em propiciar o acesso dos trabalhadores à Justiça, tendo em vista garantir os valores sociais do trabalho, a composição justa do conflito trabalhista, bem como resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador.

De outro lado, a função do processo do trabalho, na modernidade, além de assegurar o acesso à justiça ao trabalhador, é pacificar, com justiça, o conflito trabalhista, devendo considerar as circunstâncias do caso concreto e também os direitos fundamentais do empregador ou do tomador de serviços.

O Direito Processual do Trabalho tem os seguintes objetivos: a) assegurar o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho; b) impulsionar o cumprimento da legislação trabalhista e social; c) dirimir, com justiça, o conflito trabalhista”[9].

Outro ponto de destaque é a consagração, no art. 1º, NCPC, da visão constitucional do processo, também aplicável ao direito do trabalho. Estes, pois, são alguns aspectos jurídicos que devem, necessariamente, ser levados em conta pelo órgão julgador por ocasião da adjudicação estatal.

Sob o ponto de vista histórico, a Consolidação das Leis do Trabalho, segundo consta em sua exposição de motivos original:

“[...] É o diploma do idealismo excepcional do Brasil... reajustando o imenso e fundamental processo de sua dinâmica econômica, nas suas relações com o trabalho, aos padrões mais altos de dignidade e de humanidade da justiça social”[10].

Na esteira das lições de Leite[11], esse objetivo se adequa, perfeitamente, aos ditames da Constituição Federal, a qual proclama o direito ao trabalho como verdadeiro direito social, vinculado ao princípio fundamental do “valor social do trabalho” (art. 1º, IV, e arts. 6º usque 11). Sua efetividade visa criar as condições fáticas necessárias para a concretização da igualdade material entre os indivíduos, independentemente das diferenças econômicas. Trata-se, assim, de garantia atrelada aos fundamentos republicanos da dignidade da pessoa humana e da cidadania.

Tendo em vista a relação econômica desigual que se estabelece no trabalho, além da situação de subordinação em que se encontra o trabalhador sob o poder de comando do empregador, abre-se espaço, muitas vezes, para a prática de atos de violação a direitos trabalhistas.

Na busca de reverter o quadro exposto, em favor da equidade e da proteção do trabalhador, Delgado e Delgado (2017, pp. 144 e 145)[12] afirmam que a tutela dos direitos da personalidade é uma diretriz constitucional inovadora e teve reflexo importante no direito trabalhista ao criar um importante patamar de afirmação do trabalhador no mundo do trabalho. Daí surge, por exemplo, a importância de positivação de normas protetivas dos direitos de personalidade do indivíduo como trabalhador, cuidando-se, inclusive, da indenização decorrente de eventual dano moral, estético, existencial.

Com a Lei n. 13.467/2017, acrescentou-se o Título II-A à CLT, o qual disciplina, exclusivamente, o dano extrapatrimonial no âmbito das relações de trabalho.

Por meio da reforma legislativa, estabeleceu-se parâmetros quantitativos para a indenização deste gênero de dano, ou seja, um tabelamento de acordo com o grau da ofensa, baseada no último salário contratual do ofendido (art. 223-G, §1º, CLT).

A fixação de limites máximos teria, em tese, o escopo de evitar a prolação de “decisões díspares para situações semelhantes”, conforme se depreende da exposição de motivos da MP 808/2017[13], à míngua de dados empíricos que corroborassem a tese implícita de “indústria do dano moral” e afronta frequente ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), além do princípio da vedação do enriquecimento sem causa (art. 884, CC), por parte da magistratura trabalhista.

Schreiber, por outro lado, sustenta uma abordagem cum grano salis da expressão “indústria do dano moral”, nos seguintes termos:

“[...] A mera menção à discricionariedade dos juízes evoca projeções de profícuo desenvolvimento ao que se tem denominado ‘indústria do dano moral’. Não se deve desprezar, contudo, o que a própria expressão revela.

Mais que a preocupação com o crescimento exponencial do número de ações de indenização por dano moral, o que o uso do termo indústria anuncia é uma frontal rejeição à sua produção mecânica, algo artificial, com vistas à obtenção de lucro, em uma espécie de abordagem capitalizada de um instituto ontologicamente existencial. Embora a preocupação seja válida, sob o ponto de vista científico, o certo é que, no Brasil ao menos, sua importância não pode ser exacerbada, já que, na maior parte dos casos, o resultado das ações de danos morais é antes frustrante que efetivamente enriquecedor. Há, por certo, casos pontuais de reconhecimento de danos, por assim dizer, imaginários, ou de atribuição de indenizações exageradamente elevadas, mas nem estas duas hipóteses se combinam com frequência, nem o percentual destes julgados em relação à grande massa das condenações pode ser considerado alarmante.

Nada disso exclui, por óbvio, a validade da preocupação, ainda que limitada a um cenário futuro e eventual. O que não parece ser admissível, contudo, é que se ataque o objeto pelo uso que se lhe dá. Vale dizer: diante de um número razoavelmente contido de casos esdrúxulos, a comunidade jurídica – e especialmente a comunidade advocatícia – tem apontado suas armas contra a própria expansão do dano ressarcível. O alvo parece inteiramente equivocado, na medida em que a expansão da ressarcibilidade corresponde a uma legítima ampliação de tutela dos interesses individuais e coletivos, sendo, antes, a sua invocação sem fundamento a causa das angústias que afligem a doutrina e banalizam a atuação dos tribunais. Incorretas, portanto, todas as medidas que têm sido propostas contra a expansão do dano em geral, que vão desde a restrição a interesses previamente tipificados até a limitação das indenizações a tetos máximos inteiramente despropositados e mesmo inconstitucionais”[14]. (grifo nosso).

Mesmo numa análise perfunctória, são, em outras palavras, poucos os casos teratológicos que integram o anedotário da jurisprudência relativa aos patamares indenizatórios de ordem extrapatrimonial, não obstante seja necessária uma vigilância constante da comunidade jurídica sobre a escalada, ainda que improvável, dos valores fixados a esse título nas Justiças comum e especializada.

Postas tais premissas, resta saber, ainda, se a indigitada tarifação não tem, ao revés, o condão de produzir exatamente o efeito inverso daquele pretendido pelo legislador. Ao fim e ao cabo, tudo leva a crer que a reforma trabalhista se baseia, em larga medida ou em sua totalidade, em uma ideologia neoliberal retrógrada e descompromissada, portanto, com os avanços civilizatórios dos séculos XX e XXI.

É necessário ter em mente, sobretudo, que o Brasil ainda é um dos grandes violadores de direitos humanos nas relações trabalhistas e que a polêmica tarifação do dano extrapatrimonial (dano moral, social, existencial e/ou estético) pode se traduzir em benesse ao invés de atingir a sua tríplice função (compensatória, punitiva e dissuasora, pedagógica ou preventiva)[15]. Verifica-se, neste particular, a alta probabilidade de uma distorção sistêmica sem precedentes diante do incurial estímulo a condutas que, a rigor, deveriam ser eficientemente combatidas pelo direito. Essa, aliás, é a lógica do art. 21, 3, do Pacto de San Jose da Costa Rica, ao determinar que: “Tanto a usura, como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser reprimidas pela lei”.

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Consoante apurado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT):

“Os relatórios das operações do GEFM, entre 1995 e 2006, bem como a “lista suja”, demonstram que quem escraviza no Brasil, em sua maioria, não são proprietários sem acesso a informações ou donos de fazendas arcaicas, mas sim, empresários inseridos no agronegócio, muitos usando alta tecnologia na produção. Entre os produtores agropecuários, o gado recebe um tratamento melhor que aquele dispensado aos trabalhadores: rações balanceadas, vacinação com controle computadorizado e inseminação artificial”[16].

Guimarães destaca, a esse respeito, que:

“Com base nos dados disponibilizados pela SIT do MTE, cerca de 13.841 trabalhadores foram resgatados de situações de trabalho análogo ao de escravo, entre 2008 e 2011. O maior número de pessoas libertadas (3.592) foi observado na região Centro-Oeste, que respondia por 26,0% do total nacional”[17].

Cunha lembra, por sua vez, do caso dos trabalhadores migrantes na Usina Santo Graal, submetidos a “lamentáveis e precárias condições de habitação, absolutamente inadequada para acolher seres humanos” [18].

Não é tarefa difícil, infelizmente, coletar casos de violação a direitos humanos por parte de empregadores no Brasil. Esse fato social dramático conduz, evidentemente, à inconstitucionalidade do tabelamento do dano extrapatrimonial, individual e coletivo, com base no último salário contratual do trabalhador, tanto sob o prisma da dignidade da pessoa humana, como também, de acordo com Delgado e Delgado[19], sob a perspectiva dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade (art. 8º, NCPC).

Preconizam, a propósito, os enunciados nº 550 e 588 da VII Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, respectivamente, que:  

“A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos”; “O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro preponderante para o arbitramento de compensação por dano extrapatrimonial”[20].

Isso sem falar na histórica desigualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil[21] e no mundo, o que, numa intepretação fria do art. 223-G, § 1º, I ao IV, Lei 13.467/2017, levaria ao despautério de se arbitrar indenizações maiores em razão do sexo, em patente contranitência a um dos objetivos republicanos fundamentais proclamado pelo art. 3º, IV, CF, e à Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 23º).

Após dezoito meses de vigência da reforma trabalhista, a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) emitiu uma nota técnica com o seguinte teor:

“Apesar das promessas de “modernização” das relações de trabalho, segundo dados divulgados oficialmente, houve o aprofundamento das desigualdades sociais, desvalorização do trabalho humano e maior vulnerabilidade dos trabalhadores, devido à deliberada tentativa de descaracterização do caráter protetivo do Direito do Trabalho, com afronta à Constituição e violação a Convenções Internacionais do Trabalho. O texto original da proposta encaminhada pelo Governo previa a alteração de apenas 7 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, mas a lei aprovada, em regime de urgência, promoveu a mudança e inclusão de dispositivos, representando mais 200 mudanças (com diversos pontos sobre jornada de trabalho e salário), em 117 artigos da legislação trabalhista alterados, sem a adequada interlocução com os atores sociais e promoção de autêntico diálogo tripartite. As promessas de que a “Reforma Trabalhista” traria o aquecimento do mercado de trabalho, também ainda não se concretizaram. Pelo contrário, os reflexos da precarização do mercado de trabalho nacional já podem ser computados. Pouco tempo após o início da vigência das alterações da CLT, ocorreram demissões em massa de trabalhadores e o índice de desemprego não diminuiu de forma significativa, já que ainda atinge cerca de 13,4 milhões de pessoas”[22].

Ora, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, Caio Mário da Silva Pereira já advertia que não “seria aceitável haver um tarifamento para os atos lesivos, como se fôsse possível dizer que a uma tal ofensa corresponde um qual padrão pecuniário”[23].

Em complemento, Pizarro se posiciona contra:

 “[...] toda idea de tarifación, limitación o regulación resarcitoria predeterminada del daño, sea patrimonial o moral, que se presente con carácter generalizado.

Bajo el rótulo de una tarifa o tope legal, o de pautas meramente indicativas, suelen esconderse indemnizaciones que son inaptas para reparar integralmente el perjuicio causado, con inevitable secuela de anarquía e injusticia. Ello conspira contra el damnificado y genera, en la mayoría de los casos, um beneficio indebido al dañador que puede liberarse pagando menos de lo que corresponde”[24].

No mesmo sentido, Levada não defende:

“[...] tabelas para fatos determinados, como na jurisprudência francesa, por ser inadmissível prever, para cada caso, o quanto valha, v.g., a morte do cônjuge em relação à morte de um avô ou irmão – as circunstâncias concretas do caso poderão provar, por exemplo, que as consequências da morte de um irmão possam ser muito mais graves do que a morte do cônjuge [...]”[25].

O tabelamento ou tarifação do dano extrapatrimonial possibilita, por assim dizer, um cálculo de custo-benefício (ou “custo-malefício”) do empregador que, a depender do seu resultado, escolherá a realização ou perpetuação da conduta atentatória aos direitos dos trabalhadores. Em razão disso, é de bom alvitre que o arbitramento do dano desta natureza constitua múnus da jurisprudência, mitigando-se, consequentemente, o grau de previsibilidade do decreto condenatório, por mais que a jurimetria possa, quiçá, determiná-lo.

É claro, porém, que, no “frigir dos ovos”, os valores arbitrados pelas Cortes brasileiras seguem, muitas vezes, apenas uma lógica: a dos parâmetros jurisprudenciais anteriores que, lamentavelmente, sofrem do mesmo mal, ou seja, de fundamentação precária acerca da definição consistente do dano extrapatrimonial e de suas funções adrede mencionadas; uma espécie de eco pretoriano, às vezes solipsista, que corrói a essência do instituto da responsabilidade civil.

Júlia Antunes, ao analisar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o arbitramento do dano moral nas relações de consumo bancárias, concluiu que:

“A despeito da obediência ao princípio da motivação, diversas decisões condenatórias não declararam especificamente os critérios adotados no momento da quantificação do dano moral ou os indicam, mas não explicitam o peso que cada um desenvolveu na determinação do valor indenizatório. Ainda que não se conheça a fundo o caminho mental percorrido, está evidente que certas escolhas acerca dos parâmetros para a quantificação foram efetuadas e são aquelas influenciadas pela convicção íntima do órgão judicante, que deve ser exteriorizada na decisão judicial”[26].

Diante desse quadro, não se trata de heresia alguma falar em tabelamento do dano extrapatrimonial em sede jurisprudencial, transformado, pois, em reles pretium doloris, já que os valores tendem a se repetir e, por isso, a ser considerados, inclusive, como dados concretos pelos departamentos jurídicos de litigantes habituais, como empresas de médio e grande porte.

Logo, o caráter punitivo e pedagógico do dano extrapatrimonial, tanto quanto o seu viés compensatório, podem ser, no fundo, meramente ilusórios, em virtude do tabelamento de valores veladamente implantado pelos tribunais pátrios.

Não à toa, Adisson Leal apresenta, por sua vez, uma proposta de inversão das etapas do método bifásico de arbitramento da indenização, iniciando-se pelo caso concreto num primeiro momento e passando-se, em seguida, para os parâmetros jurisprudenciais em situações idênticas ou análogas[27].

Ainda assim, ao contrário da lei e do correlato engessamento (ou congelamento) do quantum indenizatório, a jurisprudência é maleável, inclusive em matéria de dano extrapatrimonial. Enquanto aquela funcionaria como o leito de Procrusto, esta exerce o papel da régua de Lesbos, adaptando-se ao caso concreto e às suas especificidades.

O cenário ideal, a bem da verdade, é que o órgão julgador aja sempre com extrema cautela e evite que os valores indenizatórios extrapatrimoniais simbolizem, reiteradamente, uma forma indireta de tarifação, servindo apenas como balizas que orientam todas as instâncias na árdua tarefa de tornar o dano sofrido indene em sua paliativa e não exclusiva expressão monetária, cujo limite idôneo corresponde à pretensão econômica deduzida pela parte autora, a teor do disposto no art. 292, V, do NCPC, aplicável ao processo do trabalho, conforme se depreende do art. 3º, IV, da IN nº 39/2016 do TST[28].

De acordo com Nelson Rosenvald: “Legitimar caso a caso o direito à reparação de danos não é uma tarefa singela, mas ainda não se descobriu nada melhor”[29]. Esse entendimento, vale dizer, se mostra consentâneo com a súmula 281/STJ (“A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”[30]).

Observe-se, por derradeiro, eventuais abusos e indenizações exorbitantes podem e devem ser combatidas não pelo Poder Legislativo, mas pela parte irresignada nos próprios autos e por meio dos recursos cabíveis, aptos a controlar a discricionariedade judicial.

3. A batalha no Supremo Tribunal Federal

A celeuma em torno do tabelamento ou tarifação do dano extrapatrimonial no direito do trabalho foi submetida, de imediato, à apreciação da Suprema Corte.

Para Adisson Leal:

“Mesmo com a derrogação da Lei de Imprensa, o debate em torno dos critérios de arbitramento e da possibilidade de tarifação permaneceu vivo na cultura jurídica brasileira, entrando sempre em causa a chamada teoria do valor do desestímulo. A propósito, no mais recente episódio legislativo sobre o tema da tarifação, a reforma trabalhista reavivou o debate, ao incluir na Consolidação das Leis do Trabalho o art. 223-G, que em seu § 1º limita o valor da indenização por danos extrapatrimoniais, na expressão adotada pelo diploma, classificando as ofensas em quatro categorias: leves, médias, graves ou gravíssimas. Apesar de louvável a tentativa de construir solução para a ausência de critérios de arbitramento, o dispositivo nos parece fadado à inconstitucionalidade, pelas mesmas razões que vitimaram a tarifação prevista na Lei de Imprensa”[31].

Segundo o texto do polêmico dispositivo, a ofensa leve ensejaria um ressarcimento de até três vezes o último salário contratual do ofendido; a ofensa média até cinco vezes; a ofensa grave até vinte vezes e; a ofensa gravíssima, por fim, teria, como limite, cinquenta vezes o último salário, o que, dentre outros fatores, desconsidera o problema da equiparação salarial pleiteada em juízo.

Ao comentar o controvertido artigo 223-G da CLT, acerca das quatro faixas de ofensa, Homero Silva[32] assevera que, com o retorno da redação original após a perda de validade da MP 808/2017, o salário contratual do trabalhador como base de tem razoáveis chances de ter declarada a sua inconstitucionalidade por afronta à isonomia.

São três as ações diretas de inconstitucionalidade em curso sob os números 5870, 6069 e 6082, que questionam a inconstitucionalidade do art. 223-G, § 1º, I ao IV, Lei 13.467/2017.           

De acordo com a ANAMATRA, autora da ADI 5870:

“A lei não pode impor limitação ao Poder Judiciário para a fixação do valor de indenização por dano moral, previsto no inciso XXVIII, do art. 7º, da CF, sob pena de limitar o próprio exercício da jurisdição”[33].

Em crítica pertinente à inicial da ANAMATRA, Andreia Pereira de Freitas acrescenta que:

“Embora se reconheça a importante e relevante atuação da ANAMATRA com a apresentação da ADI n. 5870/17, são pertinentes à tessitura de algumas críticas.

Em primeiro lugar, diverge-se da alegação de que a MP n. 808/17 afastou a referida violação ao princípio da isonomia. Pois, atualmente o único ramo do direito submetido a essa limitação é o do Direito do Trabalho. Ademais, as relações de trabalho, que não sejam submetidas à jurisdição trabalhista, poderão receber indenizações maiores em situações semelhantes.

Ou pior, mesmo fora de uma relação de trabalho, onde não há uma relação jurídica prévia, poderão ser estipuladas indenizações de acordo com o caso concreto, consequentemente poderão ser maiores do que o teto da tarifação trabalhista, visto que se adequarão às peculiaridades dos envolvidos.

Todavia, os empregados do setor privado, os quais constituem a maior parte da população, estão submetidos a esse desprivilegio que desrespeita princípios para além da isonomia, como a proibição do retrocesso.

Com isso não se quer dizer que a alteração dada pela MP n. 808/17 não foi positiva, a saber, tal tarifação será adequada para a grande maioria das lides trabalhistas.

Entretanto, de qualquer modo, a tarifação é inconstitucional no direito brasileiro, especificamente no Direito do Trabalho, pelo reforço do inc. XXVIII do art. 7º da CF que dá direto ao empregado ter seguro contra acidentes de trabalho, bem como a indenização cabível, em havendo culpa.

Compreende-se, assim, como a ANAMATRA, no bojo da ADI n. 5870, que o caso sob exame merece no mínimo uma “interpretação conforme a Constituição”, caso não seja declarada a inconstitucionalidade por motivos políticos que venham a influenciar o STF a mudar uma posição já consolidada.

Além disso, a ADI n. 5870 equivocou-se quando se limitou ao pedido de inconstitucionalidade do art. 223-G, deixando de fora dos seus pedidos à declaração de inconstitucionalidade de outros artigos do próprio título II-A da CLT como o art. 223-A, que veda a aplicação subsidiária de outros diplomas legais que não estejam dentro do referido título. Ora, além de ser inconstitucional, é incompatível com o próprio art. 8°, §1º da CLT.

Outrossim, há a incongruência criada entre o art. 223-B e o art. 223-G, o qual atribui a não incidência dos limites tarifários aos danos de morte, como se as outras disposições fossem aplicáveis. Todavia, o art. 223-B em sua acepção literal, exclui a hipótese de indenização nesses casos, pois impõe que o único legitimado para pleitear os direitos sobre os danos extrapatrimoniais são as próprias vítimas, em desrespeito ao direito constitucional e civil da herança.

Ainda, há o art. 223-D, que também é maculado pela inconstitucionalidade, à medida que deliberadamente não inclui as pessoas jurídicas como titulares do direito fundamental individual ao sigilo das correspondências, ferindo o art. 5º, inc. XII da CF/88”[34].

Apesar disso, recomenda-se que o STF declare, se o caso, a inconstitucionalidade por arrastamento dos dispositivos legais relegados à inobservância pela ANAMATRA.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, por seu turno, seguiu, em linhas gerais, semelhante linha de raciocínio na petição inicial da ADI 6069, ponderando que:

“[...] as normas em vigor são deveras prejudiciais ao trabalhador e não sintetizam o dever constitucional de reparação integral do dano, consubstanciado no art. 5º, incisos V e X, bem como ferem a independência funcional dos magistrados na ótica do livre convencimento (art. 93, inciso IX), violam a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), entre outros, razão pela qual é manifesta sua inconstitucionalidade [...][35].

Houve, também, nesta inicial, uma menção, como reforço argumentativo, ao trágico rompimento da barragem do Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho/MG, in verbis:

“Sob esse viés, analisando-se juridicamente o fato, teremos dois grupos de pessoas:

i) Aquelas que acionarão a justiça trabalhista porque o vínculo decorre de relação de trabalho cuja indenização por dano extrapatrimonial submete-se a limitação contemplada no art. 223-G, §1º, da CLT, levando-se em consideração a remuneração do ofendido;

ii) Aquelas que litigarão perante a justiça comum e perceberão a indenização sem a observância de qualquer teto indenizatório;

De início, verifica-se que as normas questionadas violam o princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF) na medida em que dispensa tratamento deveras prejudicial aos litigantes na justiça especializada, uma vez que terão suas indenizações sujeitas a um limitador, ao passo que àqueles que buscarão a reparação na justiça comum não sofrerão qualquer teto.

Outrossim, esse tratamento discriminatório contraria a própria história e essência das normas trabalhistas, pautadas nos princípios da proteção e da norma mais favorável [...]”[36].

Por último, na ADI 6082[37], a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, sustenta, ademais que a limitação contraria diversos dispositivos constitucionais como o artigo 5º, V e X e artigo 7º, XXVIII (CF), os quais não estabelecem qualquer limitação à reparação do dano. A inovação legislativa feriria, ainda, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), o do não retrocesso trabalhista (artigo 7º, caput, CF), os princípios da não discriminação (art. 3º, CF) e da igualdade de tratamento (art. 5º, CF).

De acordo com a Confederação autora, o tabelamento minimizaria, também, a finalidade pedagógica e punitiva da compensação, contrariando os objetivos constitucionais de “redução dos riscos inerentes ao trabalho” (artigo 7º, XXII, CF) e de indenização por acidente de trabalho, como um direito dos trabalhadores (artigo 7º, XXVIII, CF).

Como justificativa do pedido de liminar, a CNTI, além dos argumentos de afronta às normas constitucionais, enfatiza o caso concreto do dano vultoso, material e moral, causado aos trabalhadores pelo rompimento da barragem de rejeitos minerais da empresa VALE, em Brumadinho, Minas Gerais. Para exemplificar, a parte autora aduz que seria desarrazoada a compensação máxima pelo dano moral no importe de R$ 50.000,00, a um trabalhador que ganhasse R$ 1.000,00 (valor muito inferior ao consolidado pela jurisprudência dos tribunais superiores), enquanto um executivo, que ganhasse R$ 50.000,00, poderia receber, a esse título, a soma de R$ 2.500,000,00.

A CNTI destacou, em complemento, a discrepância do tratamento jurídico a ser dado aos turistas e familiares dos trabalhadores, os quais poderiam receber valores muito superiores a título de indenização, por não estarem sujeitos à norma trabalhista e, portanto, ao tabelamento.

À evidência, afiguram-se sobremaneira robustos os fundamentos da tese de inconstitucionalidade dos dispositivos legais ora estudados.

Respeitadas as opiniões em sentido contrário, as regras do art. 223-G, §1º, da CLT, são natimortas. Em situação idêntica, o STJ e o STF barraram a regra de tarifação do dano moral disciplinada pela Lei de Imprensa, pois, essencialmente, esta incentivava uma forma de discriminação.

Ou seja, o princípio da isonomia (material e formal), obsta a distinção da indenização por danos extrapatrimoniais, com base na remuneração do empregado (ou com base no teto dos benefícios do INSS – MP caducada nº 808/2018) leva a um raciocínio de menosprezo ao dano sofrido pelo(s) ofendido(s).

Neste ponto, dois exemplos são emblemáticos:

a) Tratamento desigual para reparação de dano moral entre empregado e terceiro pelo mesmo fato, como destacado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB. Caso trilhada a lógica discriminatória imposta pela reforma trabalhista, ter-se-ia uma situação estapafúrdia na qual a família do trabalhador teria um limite de pedido de indenização por dano moral e a família do morador do município de Brumadinho/MG teria valores diferentes provavelmente superiores.

b) Outro exemplo hipotético demonstra uma discriminação inconstitucional é o de duas empregadas de uma determinada empresa são vítimas de assédio sexual por parte do mesmo agressor, conforme expõem Brito Filho e Pereira. Para esses autores:

“Embora alguns defendam que a fixação pelo salário individualiza o ajuste do valor do dano, na prática implica tratamento desigual entre os trabalhadores. O melhor exemplo para compreender a disparidade é observando a fixação na seguinte situação: imaginem-se duas trabalhadoras que laboram no mesmo ambiente – uma secretária que recebe salário equivalente a duas vezes o salário mínimo e uma faxineira que recebe o mínimo. Se ambas sofrerem assédio moral, sendo ridicularizadas por seu chefe, e ambas desejarem ajuizar ação na Justiça do Trabalho pleiteando danos morais advindos do tratamento constrangedor que receberam, apesar de serem humilhadas pelos mesmos motivos, a secretária, por ter maior salário, receberá, por via de consequência, indenização superior à devida à faxineira, simplesmente pelo fato de estar em um cargo superior a ela. Se os constrangimentos são iguais, por que a secretária tem direito a obter valor superior ao da faxineira?

[...] A situação é ainda mais problemática quando os trabalhadores ingressam na Justiça do Trabalho em litisconsórcio ativo – no caso de o dano decorrer do mesmo fato. Isso porque o trabalho do juiz será mais árduo ao equilibrar os valores a serem recebidos, pois o parâmetro salarial é diverso [...]”[38].

Há, também, um terceiro exemplo que revela a impropriedade jurídica da tarifação, pois, o valor da indenização por danos morais deve, algumas vezes, ser fixado abaixo do valor do salário do empregado. Entretanto, o art. 223-G, § 1º, da CLT, não comporta essa hipótese, uma vez que fixa um valor mínimo (ao menos, o último salário contratual x 1), salvo melhor juízo.

Para ilustrar essa assertiva, cita-se a hipótese de negativação do nome do empregado (SCPC e SERASA) por atraso no pagamento de salário ou de verbas rescisórias. Nestas situações, a fixação de uma indenização por danos morais pode, em tese, ser fixada em montante inferior ao último salário contratual do empregado, à luz dos postulados constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Afinal, se o empregado receba um salário alto, esta indenização, a princípio, poderá ser desproporcional ao dano, ainda que seja fixada no valor mínimo autorizado pela nova lei.

Com tais considerações, acredita-se que o Supremo Tribunal Federal declarará, mais cedo ou tarde, a inconstitucionalidade do art. 223-G, § 1º, I ao IV, Lei 13.467/2017.

Enquanto isso, competirá à jurisprudência trabalhista negar, como vem negando, a sua vigência (e. g., súmula 48 do TRT da 23ª Região), sob o pálio da Constituição Federal.

4. Conclusão

A Constituição Federal não veda, de maneira expressa, o tabelamento do dano extrapatrimonial. Entretanto, tal vedação é inferida a partir de uma interpretação sistemática do seu texto e, principalmente, do princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), sobretudo em um país assolado pela pobreza, marginalização, sindemia e desigualdades de todas as ordens.

Conclui-se, dessa forma, que o art. 223-G, § 1º, I ao IV, Lei 13.467/2017, padece, desde o nascedouro, de inconstitucionalidade material. Espera-se, por conseguinte, que o Supremo Tribunal Federal declare, com a máxima brevidade, esse vício insanável, pois a demora somente proliferará o sentimento de insegurança que paira, atualmente, sobre os profissionais do direito atuantes na Justiça do Trabalho.

O importante, em todos os casos, é que o processo do trabalho sirva como veículo de efetivação dos valores “justiça” e “efetividade”, sem que se atribua qualquer limite à reparação de danos morais, sociais, existenciais e estéticos, sob pena de grave desvirtuação do sistema jurídico brasileiro e de impertinente premiação das empresas violadoras de direitos humanos.

 

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Sobre os autores
José Jorge Tannus Neto

Advogado, professor universitário e autor de artigos e livros jurídicos. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (2008) pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Processual Civil (2009) e em Gestão Empresarial (2012) pela mesma universidade, além de especialista em Direito Contratual (2010) pela Faculdade INESP e em Direito Constitucional (2017) pela Damásio Educacional. Mestre em Derecho Empresario pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales de Buenos Aires (2018). Mestre em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (2020) com a dissertação Convenções processuais em matéria de ressarcimento ao SUS: propostas de "arquitetura contratual litigiosa" entre a ANS e as operadoras de planos de saúde. Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado pela UNICAMP (2020-2021). Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares da UniEduk. Parecerista da Intellectus Revista Acadêmica Digital. Doutorando em Educação pelo PPG Educação da PUC-Campinas. Membro do grupo de pesquisa Política e Fundamentos da Educação (CNPq/PUC-Campinas).

Aline Dávila Semencio

Advogada. Bacharel em Psicologia pela Faculdade Anhanguera de Campinas (2011-2016). Pós-graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela UNICAMP (2020-2021).

Gilmar Dias da Silva

Administrador de Empresas-Servidor Público Estadual em Autarquia. Bacharel em Administração – ênfase em Marketing pelo Instituto Hoyler – Faculdade Paulista de Administração e Ciências Contábeis de Hortolândia (2000). Especialista em Desenvolvimento Gerencial pela Unicamp (2006). Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado pela Unicamp (2020-2021).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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