Quando o cantor Biel dispara que trocou de profissão, virou ladrão, artigo 157 e portando, vai roubar o coração de alguém, fica nítido na música o cantor utiliza uma figura de construção, linguagem estilística, semanticamente exprimindo a vontade de conquistar o coração de um grande amor, coração que se conquista com respeito e ternura, com demonstração de transcendência, cumplicidade e comunhão de solidariedade, respeito recíproco, e tudo que enobrece as relações amorosas, amor sem medida, sem limites, algo duradouro que eterniza o encanto, solidifica a relação como a luz que incandesce no firmamento, a melodia que estilhaça sensualidade, o puro néctar do amor que inebria os desejos, desabrocha as mais belas pétalas, exalando o perfume em plena primavera, despertador da paz e do amor verdadeiro.
Resumo: O presente ensaio jurídico tem por escopo principal analisar o trecho da música do cantor Biel, canção denominada Artigo 157, uma das músicas mais tocadas nas paradas de sucesso no Brasil.
Palavras-chave: Direito penal; roubo; objeto material; coração; impossibilidade.
INTRODUÇÃO
Sempre tem sido ventilado em letras de músicas no Brasil questões acerca da incidência penal, como ocorreu tempos atrás com o saudoso cantor Bezerra da Silva, com seus famosos versos alusivos aos artigos 281 do Código Penal e os artigos 12 e 16 da Lei nº 6368, de 1976, que tratava da Lei sobre drogas no país, em especial na música Malandragem dá um tempo.
Recentemente, na música Rita, o cantor Tierry dizia que a ausência de Rita desgramada estava fazendo mais estrago que a traição dela, implorando para que a Rita voltasse que ele perdoaria a facada e que retiraria a queixa. Inúmeras são as músicas em que os compositores invocam a literatura jurídica, citando artigos e institutos do Direito Penal sem os cuidados necessários com a boa técnica jurídica.
Também o cantor e compositor das multidões Amado Batista recentemente invocou com muita propriedade técnico-jurídica e chamou a atenção para a nociva prática de assédio sexual lamentavelmente presente nas relações de trabalho e na Administração Pública, em sua música secretária, quando prevê na letra da música o seguinte:
“depois na sua sala ao lado
Atende o telefone e anota os recados
E coloca sobre minha mesa
Está sempre muito sorridente
Trata bem todos meus clientes
Para ela não há sacrifício
Porém meu coração não quer entender
O que ela faz com tanto prazer
É um dever do seu ofício
Secretária, que trabalha o dia inteiro comigo
Estou correndo um grande perigo
De ir parar no tribunal
Secretária, às vezes penso em falar contigo
Mas tenho medo de ser confundido
Por um assédio sexual”
Esse comportamento é previsto no artigo 216-A do Código Penal brasileiro, traduzindo o comportamento de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, delito incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001.
Amado Batista foi feliz em descrever com precisão as elementares do crime de assédio sexual, a saber, a presença da superioridade hierárquica, a ascendência laboral nas relações privadas, e o constrangimento para se alcançar os odiosos favores sexuais.
Por sua vez, o cantor juvenil Enzo Rabelo também comentou sobre a questão do roubo, na sua canção Perfeitinha, quando aduz:
Ela é toda, toda, toda perfeitinha
E o melhor é que ela é toda, toda minha
Ela é toda, toda, toda perfeitinha
Dá vontade de guardar numa caixinha
Pra ninguém roubar
Agora o cantor Biel aparece cantando sua famosa música Artigo 157, cujo trecho da letra, menciona:
“(...) Troquei de profissão
Amor virei ladrão
Artigo 157
Eu vou roubar teu coração(...)”1
Mas alguém pode ter o coração roubado? Isso seria juridicamente possível? Assim, pretende-se analisar esse aspecto da música Artigo 157 e juridicamente apresentar o estudo legal do tipo objetivo do crime de roubo.
1. O TIPO OBJETIVO DO CRIME DE ROUBO
De início, importante frisar que o artigo de roubo é tipificado no artigo 157 do Código Penal brasileiro, no rol dos crimes contra o patrimônio, artigo 155 a 183 do Código Penal, consistente em subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
A doutrina costuma classificar o crime de roubo, como sendo, comum, uninuclear, material, comissivo, doloso, plurissubjetivo, plurissubsistente, instantâneo, que admite a tentativa.
DAMÁSIO, apresenta importante qualificação doutrinária acerca do crime de roubo. Assim, ensina com autoridade:
O roubo é delito material, instantâneo, complexo, de forma livre, de dano e plurissubsistente. Material, o tipo do roubo descreve a conduta e o resultado, exigindo a sua produção. Instantâneo, consuma-se no momento em que o objeto material sai da esfera de disponibilidade da vítima, ingressando na do sujeito (roubo próprio), ou com a ofensa pessoal ao ofendido (roubo impróprio). Complexo, integra-se de outros fatos que também constituem delito, como o furto, a lesão corporal, a ameaça e o constrangimento ilegal. De forma livre, admite qualquer meio de execução. De dano, exige a efetiva lesão do bem jurídico. Plurissubsistente, não se perfaz com ato único, exigindo que o sujeito empregue violência em sentido amplo e subtraia o objeto material.2
MASSON, por sua vez, também apresenta interessante classificação doutrinária do crime de furto, a saber:
O furto é crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); de forma livre (admite qualquer meio de execução); material (consuma-se com a produção do resultado naturalístico, isto é, com a livre disponibilidade do agente sobre a coisa); instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade no tempo) ou, excepcionalmente, permanente (a exemplo do furto de energia, previsto no art. 155, § 3.º, do Código Penal); em regra plurissubsistente (a conduta é composta de diversos atos); de dano (a consumação reclama a efetiva lesão ao patrimônio da vítima); e unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (cometido normalmente por uma só pessoa, nada obstante seja possível o concurso de agentes).3
É uninuclear porque formado pelo verbo simples subtrair, que induz a conduta de tirar, arrancar. Assim, seria retirar algo de alguém. Traduz a conduta de inverter o título da posse.
2. OBJETO MATERIAL DO CRIME DE ROUBO
Como se percebe, o objeto material do crime de roubo recai sobre coisa alheia móvel. Assim, a coisa além de ser alheia deve ser móvel, entendida como aquela que se locomove de um lugar para o outro sem modificação de sua substância. Tecnicamente, o Código Civil, em seu artigo 82, entente que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Mas e agora o coração de alguém pode ser objeto material do ilícito de roubo?
Torna-se claro que via de regra o coração humano não pode ser objeto material do crime de roubo. Mas se alguém subtrai, por exemplo, o coração de um cadáver humano que é usado legítima e legalmente por uma Universidade de Medicina para fins de estudos científicos, e, portanto, dotado de valor econômico, pode sim configurar objeto material do crime de roubo, desde que na subtração haja o emprego de violência ou grave ameaça contra quem esteja fazendo a guarda do cadáver, recebendo assim a tutela penal em face do perfeito enquadramento na moldura do artigo 157 do CP.
Agora se o coração é arrancado do corpo humano, pessoa viva, fato que possui registros na literatura jurídica, o crime será o de homicídio consumado, artigo 121 do Código Penal.
Se o coração é arrancado de um cadáver, fora da hipótese de estudos científicos, o crime poderá ser vilipêndio a cadáver, previsto no artigo 212, ou mais claramente configurar a conduta insculpida no artigo 211, com o nome jurídico de destruição, subtração ou ocultação de cadáver, todos do Código Penal, crimes contra o sentimento religioso.
Destruição, subtração ou ocultação de cadáver
Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Vilipêndio a cadáver
Art. 212 - Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Importar citar a lição de MASSON quando do estudo do objeto material do crime de furto, mesmo objeto material do crime de roubo, com a diferença que neste a subtração ocorre com violência ou grave ameaça à pessoa.
É a coisa alheia móvel que suporta a conduta criminosa. O ser humano não pode ser furtado, pois não é coisa. O crime será de sequestro (CP, art. 148), extorsão mediante sequestro (CP, art. 159) ou subtração de incapazes (CP, art. 249), conforme o caso. Entretanto, é possível o furto de partes do corpo humano, tal como se dá na subtração de cabelos ou de dentes com intuito de lucro. Observe-se, porém, que a subtração de órgãos vitais do corpo humano (rim ou pulmão, entre outros) configura lesão corporal grave (CP, art. 129, § 1.º, inc. III) ou gravíssima (CP, art. 129, § 2.º, inc. III), ou até mesmo homicídio, consumado ou tentado, dependendo da finalidade almejada pelo agente. Também é possível a subtração de objetos ou instrumentos ligados ao corpo da pessoa humana e que se destinam para correção estética ou auxílio de suas atividades, a exemplo de olhos de vidro, perucas, dentaduras, próteses mecânicas, orelhas de borracha etc. De igual modo, a subtração de cadáver ou de parte dele caracteriza o crime definido pelo art. 211 do Código Penal (“Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa”). Se, entretanto, o cadáver ostentar valor econômico e encontrar-se na posse legítima de uma pessoa, física ou jurídica, estará delineado o delito de furto (exemplo: cadáver pertencente a uma Faculdade de Medicina ou a um hospital). O cadáver, quando destituído de valor econômico, não se encaixa no conceito de coisa alheia. Ao contrário, ingressa no rol das coisas fora do comércio, e sua tutela penal repousa em princípios éticos, religiosos, sanitários e de ordem pública determinados pelo ordenamento jurídico.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o cantor Biel dispara que trocou de profissão, virou ladrão, artigo 157 e portando, vai roubar o coração de alguém, fica nítido na música o cantor utiliza uma figura de construção, linguagem estilística, semanticamente exprimido a vontade de conquistar o coração de um grande amor, coração que se conquista com respeito e ternura, com demonstração de transcendência, cumplicidade e comunhão de solidariedade, respeito recíproco, e tudo que enobrece as relações amorosas, amor sem medida, sem limites, algo duradouro que eterniza o encanto, solidifica a relação como a luz que incandesce no firmamento, a melodia que estilhaça sensualidade, o puro néctar do amor que inebria os desejos, desabrocha as mais belas pétalas, exalando o perfume em plena primavera, despertador da paz e do amor verdadeiro.
E assim, como bem define o cantor, você chegou chegando na minha vida devagar, com esse jeitinho pronto para me conquistar, já conto as horas, os segundos, conto os dias, quando penso em te ver o corpo arrepia, um beijo colado, um abraço apertado, e de segundo a minuto, vou ficando apaixonado por você, a alma transborda de alegria, o mar fica mais calmo, as estrelas reluzem no cósmico, o chilreado do pintassilgo aflora o amor na natureza, as flores choram de alegria, a Beth se derrete de felicidade ao sentir o aroma e a essência do seu amor verdadeiro, o poeta lírico de Mucuri, o mundo paralisa para aplaudir a mais perfeita história de amor...
Roubar o coração, pode muito bem caracterizar a expressão utilizada pelo cantor, mas não seria roubar o coração de alguém, ser vivo, mas roubar o coração de um cadáver, que poderia perfeitamente subsumir-se ao tipo penal do artigo 157 do Código penal, se a subtração ocorrer com emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, mas acredita-se que na acepção usada pelo artista, o termo roubar o coração seria mesmo conquistar o amor de alguém.
Por derradeiro é sempre bom entender que o verdadeiro amor se constitui como sendo o principal ingrediente de todas as receitas existentes da vida, traduz o inquestionado dom divino, pois é o próprio Deus se revelando a nós. O amor tudo refaz, se algo nos falta o amor nos traz. Tudo se completa com o amor verdadeiro, lembrando que um grande amor o vento nunca leva, o mar nunca varre, a distância não separa e o inimigo não destrói. O amor é a mais sagrada emoção humana, indelével, pois o tempo nunca se apaga. O amor é Deus dentro de nós é capaz de vencer os óbices antes intransponíveis, portanto, não se arranca e tampouco se rouba um coração que é o símbolo do amor, antes, preserva-se, protege-se, essa é a magia da vida, fio condutor das necessidades humanas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTIGO 157. Cantor Biel. Disponível em https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=AF1uagn1PB4&ab_channel=Biel. Acesso em 28 de março de 2021.
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 28 de março de 2021, às 00h09min.
JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Saraiva. Pagina 467. 2020. Atualizador André Estefam.
MASSON Cleber. Direito penal. Parte Especial, Arts. 121 a 212. Volume 2. 11ª edição. Editora Método. 2017.
Notas
1 Artigo 157. Cantor Biel. Disponível em https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=AF1uagn1PB4&ab_channel=Biel. Acesso em 28 de março de 2021.
2 JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Saraiva. Pagina 467. Ano 2020. Atualizador André Estefam.
3 MASSON Cleber. Direito penal. Parte Especial, Arts. 121 a 212. Volume 2. 11ª edição. Editora Método.
4 MASSON (2017, página 361)