Da (im)possibilidade de figurar-se no pólo ativo de demanda judicial o locatário para discussão de relação jurídico-tributária referentes ao imóvel por ele alugado.

31/03/2021 às 23:10
Leia nesta página:

Uma análise acerca da Súmula 614 do Superior Tribunal de Justiça e sobre a (i)legitimidade do locatário em discutir relação jurídico-tributária com o fisco Municipal sobre o IPTU do imóvel objeto da locação.

Do Imposto Predial Territorial Urbano

O Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) é imposto de competência Municipal que encontra sua origem na Constituição Federal no artigo 156, I, verbis:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

 

O seu fato gerador é encontrado no artigo 29 do Código Tributário Nacional e consiste na propriedade, domínio útil ou posse de imóvel, verbis:

Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.

 

Definido o fato gerador do tributo municipal cabe trazer à baila quem é o seu contribuinte.

 

Do Contribuinte do IPTU

Segundo o artigo 34 do Código Tributário Nacional, o contribuinte do Imposto Predial Territorial Urbano é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título, verbis:

 Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

Nesse sentido cabe explicitar cada um destes contribuintes:

  1. Proprietário: É quem por definição possui a titularidade do bem imóvel devidamente registrado em Cartório de Registro de Imóveis;
  2. Titular do domínio útil: É quem recebeu do proprietário toda a utilidade do bem, embora o domínio direto permaneça com o proprietário. A pessoa possui os direitos de usar, gozar e dispor do bem imóvel, nesse caso específico é o enfiteuta;
  3. Possuidor a qualquer título: É quem, em linhas gerais, se enquadra nos termos do artigo 1.196 do Código Civil, verbis:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

 

Acerca do possuidor algumas considerações devem ser realizadas.

 

Qualquer possuidor a qualquer título é contribuinte do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU)?

Embora o artigo 34 do Código Tributário Nacional trate do possuidor do imóvel como um possível contribuinte do IPTU, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento diverso.

Isso porque não é qualquer possuidor que é contribuinte do IPTU, mas apenas aquele ‘por direito real que exerce a posse com animus definitivo’ (REsp 325.489).

Nesse sentido, extrai-se de tal conclusão o fato de que há distinção entre a posse instituto de Direito Civil e a posse para fins de se qualificar como contribuinte do Imposto Predial Territorial Urbano.

Assim, ‘somente contribui para o IPTU o possuidor que tenha animus domini’. É que ‘Assim, jamais poderá ser chamado como contribuinte do IPTU o locatário ou comodatário’, segue o julgado.

Portanto, se o locatário não é contribuinte do Imposto Predial Territorial Urbano, ‘não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado nem para repetir indébito desses tributos’ (Súmula 614 – STJ).

Ora, é lógica a conclusão do verbete, uma vez que não sendo contribuinte, o possuidor sem animus domini, não pode discutir relação que não lhe é devida.

A questão é relevante no sentido de que por um lado há inúmeros contratos de aluguel em que consta a obrigação do locatário em quitar as taxas e tributos relativos ao imóvel enquanto perdurar a locação e de outro a dificuldade em alguns casos do fisco em cadastrar e atualizar sua base de dados para a consecução da sua política arrecadatória do IPTU.

As eventuais soluções para o imbróglio serão abaixo deduzidas.

 

Das convecções particulares inoponíveis ao Fisco

Embora muitos contratos locatícios prevejam cláusulas que atribuam a responsabilidade pelo pagamento dos tributos e taxas relativas ao imóvel ao locatário, tratam-se, todavia de convenções particulares que não se opõem ao Fisco.

O artigo 123 do Código Tributário Nacional assim prevê, verbis:

Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.

 

Ainda mais porque em tais cláusulas contratuais há clara modificação do sujeito passivo do tributo.

Portanto, o locatário não é o responsável tributário nem mesmo se o contrato de locação assim definir.

Nesse mesmo diapasão, se eventualmente o locatário fizer o pagamento dos tributos relativos ao imóvel de forma equivocada, a maior ou a menor, assumindo o encargo da exação, não poderá discutir em juízo ou fora dele o equívoco.

Isso porque o artigo 166 do Código Tributário Nacional embora exija a prova da assunção do encargo econômico do tributo a restituição não é cabível por se tratar de tributo direto, verbis:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

 

A natureza do IPTU é de tributo direto, cujo encargo não é repassado para os demais atores da cadeia, mesmo que o contrato de locação assim o preveja:

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o art. 166 do CTN não tem aplicabilidade aos tributos diretos, como via de regra, são o IPTU e as taxas incidentes sobre o imóvel, vez que referidas exações não podem ser enquadradas no rol de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do referido encargo. STJ. 1ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 1294961/RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 12/04/2016.

 

Das alternativas do Fisco em definir o sujeito passivo do IPTU

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O artigo 34 do Código Tributário Nacional conforme acima descrito, oferece algumas alternativas para o fisco municipal exercer a sua função arrecadatória pelo IPTU.

Ora, se o contribuinte do IPTU é o proprietário, possuidor ou titular do domínio útil, os compromissários e promissários de vendas e compras de bens imóveis podem figurar-se no pólo passivo da tributação.

Isso porque os promissários vendedores são os proprietários e os promissários compradores são os possuidores, podendo o fisco municipal eleger qualquer um deles como contribuinte do imposto, por óbvio, através de lei em sentido estrito (súmula 399- STJ).

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 12. Ed. JusPodivm. Salvador. 2018

 

 

 

Sobre o autor
Guilherme Novaes de Carvalho

Bacharel em Direito. Advogado. Procurador Municipal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos