O aborto na legislação brasileira e jurisprudência

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06/04/2021 às 11:08

Resumo:


  • O aborto é uma prática recorrente desde os primórdios da civilização, tendo seu conceito e tratamento legal evoluído ao longo do tempo, sendo atualmente tipificado como crime contra a vida no Código Penal Brasileiro, com algumas exceções legais.

  • Existem duas categorias principais de aborto na legislação brasileira: o aborto legal, que inclui o aborto necessário ou terapêutico e o aborto sentimental ou humanitário, e o aborto criminoso, que abrange o autoaborto, o aborto provocado por terceiro sem consentimento e o aborto consensual.

  • A jurisprudência brasileira tem enfrentado casos complexos envolvendo a temática do aborto, como a descriminalização do aborto de anencéfalo e os debates sobre a interrupção da gravidez em casos de gestantes infectadas pelo zika vírus, refletindo a necessidade de considerar aspectos de saúde pública e direitos humanos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A finalidade da descriminalização do aborto não é incentivar mulheres à interrupção de sua gestação, mas sim, dar suporte dar suporte àquelas que se encontram em estado de desespero e desamparo a poderem ter a liberdade de escolha sobre o seu próprio corp

Sumário: 1. Introdução. 2. Aborto. 2.1 Precedentes Históricos do Aborto. 2.2 Conceito de Aborto . 2.2.1 O aborto na legislação brasileira. 3. Espécies de aborto na legislação brasileira. 3.1 Aborto Legal. 3.1.1 Aborto necessário ou terapêutico . 3.1.2 Aborto sentimental ou humanitário. 3.2 Aborto Criminoso. 3.2.1 Auto aborto. 3.2.2 Aborto provocado por terceiro ou sofrido. 3.2.3 Aborto consensual. 3.2.4 Aborto qualificado. 3.2.5 Aborto econômico. 4. A jurisprudência acerca do aborto no Brasil. 4.1 Aborto de anencéfalo. 4.2 Aborto em casos de gestante infectada pelo zika vírus. 5. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho acadêmico abordará as atuais nuances sobre a temática de abortamento na realidade brasileira, visto que em sempre que colocado em pauta este tema tem provocado acaloradas discussões, uma vez que na maioria dos casos os polos contrários são ocupados, em grande parte das vezes, por extremistas, tantos religiosos quanto liberais, o que torna cada vez mais difícil chegar a um objetivo comum. Tendo-se como a problemática a forma como a Legislação e a Jurisprudência tratam o aborto no Brasil.

No primeiro capítulo abordar-se-á os precedentes históricos da prática do aborto, no qual é possível verificar que a prática de manobras abortivas é recorrente desde os primórdios da civilização, sendo que tais práticas eram comuns nas civilizações hebraicas e gregas, nas quais não havia que se falar na punibilidade da gestante que praticasse o aborto, uma vez que o produto da concepção era parte de seu próprio corpo, cabendo a ela dispor ou não do mesmo.

Posteriormente, sua prática passou a ser castigada por entender-se que a mulher que praticava o aborto estava atentando contra o marido e seu direito a prole. Porém, foi com o surgimento do cristianismo, que a prática de manobras abortivas passou a ser efetivamente condenada no meio social.

O primeiro capitulo, ainda, contemplar-se-á o conceito de aborto, bem como sua historicidade no Brasil, na qual, no que tange a punibilidade do aborto, nem sempre foi previsto como atualmente, uma vez que a primeira previsão de punibilidade foi no Código Criminal do Império, de 1830, o qual não punia a gestante mas tão somente o terceiro que o praticava com o sem o consentimento daquela. Já o Código Penal de 1940, vigente atualmente, tipificou além o terceiro, também a gestante que pratica o aborto, estando previsto no rol dos crimes contra a vida.

O segundo capítulo tratará das espécies de aborto previstas na legislação brasileira, visto que o Código Penal vigente atualmente traz previsões de espécies legais, como o aborto necessário e o sentimental, bem como as espécies criminosas, como o autoaborto e o aborto provocado por terceiros com ou sem o consentimento da gestante, havendo, ainda, sua forma qualificada.

Por fim, no terceiro capítulo será analisada a jurisprudência brasileira acerca do aborto, levando e consideração julgados recentes do Supremo Tribunal Federal sobre o aborto de anencéfalo, o caracterizando como prática atípica, uma vez que inexiste o bem juridicamente tutelado do crime de aborto, no caso a vida. E ainda o julgamento de abortamento nos casos de gestante infectada pelo zika vírus, sendo que, este último, fora julgado prejudicado, permanecendo, dessa forma, como crime já tipificado no Código Penal.


2. ABORTO

Afinal, o que vem a ser o aborto? E por que tal assunto ainda tem sido motivo de tanta discussão, fazendo até se chegar à corte suprema? A busca em prol da resolução de tais questionamentos é o princípio basilar do trabalho em questão, utilizando-se de uma pesquisa exaustiva e vasta, buscando desde os primórdios a definição do é de fato o aborto.

2.1. Precedentes Históricos do Aborto

Tratando-se dos precedentes históricos, tem-se que a prática do aborto não era considerada crime, uma vez que o produto da concepção fazia parte do corpo da mulher e não um ser autônomo, posteriormente, a mulher que o cometia passou a ser punida, pelo fato de tal prática ser, então, considerada uma lesão do direito do marido a prole. (HUNGRIA, 1981).

Nessa mesma linha, CAPEZ (2008), afirma que o aborto passou a ser efetivamente reprovado no meio social com o surgimento cristianismo que, tendo os imperadores Adriano, Constantino e Teodósio reformado o direito e assimilado o aborto criminoso ao homicídio.

Um dos pilares para a incriminação das práticas abortivas foi o surgimento do cristianismo, que as condenava veementemente, sob o fundamento de afronta à soberania de Deus sobre a vida humana. (MORI, 1997). Além do mais, sendo o homem criado à imagem e semelhança de Deus, não deveria então, ter o poder de vida e morte sobre os demais, atributo este exclusivamente do Criador. (MATIELO, 1996).

Dessa forma, há, ainda que se falar na teoria adotada pelo teólogo Santo Agostinho, na Idade Média, na qual, para que houvesse o crime seria preciso que o feto já tivesse recebido sua alma, o que acontecia quarenta ou oitenta dias após a concepção, a depender do sexo do nascituro, havendo, assim, distinção entre feto animado e inanimado. (CAPEZ, 2008).

O aborto, no Brasil, não previa a punibilidade quando praticado pela própria gestante, o Código Criminal do Império de 1830 apenas criminalizava a conduta de terceiro que o realizava com ou sem o consentimento daquela. Já o Código Penal de 1890 passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante. Então, o Código Penal de 1940 tipificou as figuras do aborto provocado, aborto sofrido e aborto consentido. (CAPEZ, 2008).

Portanto, insta consignar que no que concerne à temática da prática do aborto diversas alterações foram realizadas em sua tipificação no decorrer dos anos e com os constantes avanços tecnológicos e científicos muitas mudanças ainda estão por vir.

2.2. Conceito de Aborto

Segundo a etimologia da palavra “aborto”, a qual vem do latim ab-ortus, temse a definição de que transmite a ideia de privação do nascimento, portanto, sucintamente pode-se dizer que o aborto nada mais é do que a interrupção da gravidez, com a morte do produto da concepção, o qual não necessariamente é sempre voluntário. (PIERANDELI, 2005).

No dicionário Aurélio de Português – Online ,2020, Aborto significa: 1 – Interrupção voluntária ou provocada de uma gravidez; o próprio feto expelido ou retirado antes do tempo normal; 2 – [Jurídico] Feticídio; interrupção intencional da gravidez da qual resulta a morte do feto, sendo no Brasil considerada uma infração da lei; 3 – [Figurado] Insucesso; que não atingiu o sucesso; que não vingou; 4 – [Figurado] O que se faz sem cuidado; o que tem defeitos; 5 – [Figurado] Qualquer coisa que se considera fora do comum ou anormal; 6 – [Medicina] Ação ou efeito de abortar; abortamento.

O Ministério da Saúde, por meio de seus integrantes e partindo de um ponto de vista médico, define que o aborto é a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª semana, ou quanto o feto pese até 500 gramas ou, ainda, quando o feto mede até 16,5 cm.

Adiante, tem-se ainda o ponto de vista religioso, no qual para a Igreja católica “O aborto provocado é a morte deliberada e direta, independente da forma como venha a ser realizado, de um ser humano na fase inicial de sua existência, que vai da concepção ao nascimento”. (IGREJA CATÓLICA, 1995).

Fragoso (1986), penalista, disciplina sucintamente que “o aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto”.

Capez (2008), conceitua o aborto como sendo a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto. Consiste na eliminação da vida intrauterina.

Dessa forma, Greco (2009) conceitua o aborto, citando Aníbal Bruno (1975), onde: “Provocar aborto é interromper o processo fisiológico da gestação, com a consequente morte do feto. Tem-se admitido muitas vezes o aborto ou como a expulsão prematura do feto, ou como a interrupção do processo de gestação. Mas nem um nem outro desses fatos bastará isoladamente para caracterizá-lo.” Portanto, tem-se aqui que o aborto nada mais é que um ato que se tem como resultado a causa morte do produto da concepção.

Contudo, insta consignar que não há que se falar em generalização da prática do aborto como crime, uma vez que há exceções, e essas exceções são um tanto quanto subjetivas, levando a diferentes interpretações partindo de variados indivíduos.

2.2.1. O aborto na legislação brasileira

A vida humana intrauterina é o objeto jurídico tutelado pelo crime de aborto, tipificado como crime contra a vida, previsto na parte especial do Código Penal, mais especificamente nos artigos 124 a 128, sendo que este último há uma isenção da punibilidade. (CAPEZ, 2008).

Quanto a classificação geral, trata-se de um crime que pode ser tanto comissivo quanto omissivo, sendo que na última hipótese somente se admite em se tratando de omissão imprópria, é, ainda, um crime doloso, de dano, material, não transeunte, monossubjetivo, plurissubsistente, de forma livre e instantâneo de efeitos permanentes quando consumado. (GRECO, 2008).

O mesmo doutrinador afirma que quanto ao sujeito ativo, pode ser classificado tanto como crime de mão própria quanto comum, sendo o primeiro quando praticado pela própria mãe, ou seja, o autoaborto, e o segundo nas demais 10 hipóteses, quando qualquer pessoa pode praticá-lo.

Quanto ao sujeito passivo, considera-se próprio, uma vez que somente o feto e a mulher grávida podem figurar nessa condição. O sujeito passivo é qualquer pessoa, desde que tenha um resquício de vida, ainda que sem qualidade, portanto, no crime de aborto o sujeito passivo da concepção. (CAPEZ, 2008). I

nsta consignar, o Código Penal Brasileiro adota três formas para a prática do aborto: o autoaborto, o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante. Tendo-se classificado as formas do aborto pode-se, então, extrair os agentes ativo e passivo.

Para Greco (2008), o Código Penal, em desconformidade com a teoria monista, pune, de forma diversa, dois personagens que estão envolvidos diretamente no aborto, sendo eles, a gestante e o terceiro que nela realiza as manobras abortivas.


3. ESPÉCIES DE ABORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O Código Penal Brasileiro vigente gêneros de aborto, o legal e o criminoso, sendo estes subdivididos em espécies.

Tratando-se do aborto legal, tem-se o aborto necessário ou terapêutico e o aborto sentimental ou humanitário.

Já no aborto criminoso tem-se o autoaborto, previsto no art. 124 do Código Penal, o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, com previsão no art. 125, o aborto consensual provocado por terceiro, previsto no art. 126 e também o aborto na sua forma qualificada, previsto no art. 127 do mesmo diploma legal.

Para Greco (2008), não há que se falar na modalidade de provocação culposa do aborto, uma vez que não houve previsão legal para tanto, portanto, se uma gestante, agindo de forma culposa, vier a dar causa à expulsão do produto da concepção, o fato será considerado como um indiferente penal.

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3.1. Aborto Legal

As espécies de aborto permitidas pela legislação vigente têm natureza jurídica de causa excludentes da ilicitude, conforme disciplina Capez (2008), dessa forma não se pune o aborto provado por médico quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez é resultado de estupro, desde que haja o consentimento da gestante ou de seu responsável legal, quando incapaz.

3.2. Aborto necessário ou terapêutico

O aborto terapêutico ocorre quando a vida da gestante está em risco, neste caso o médico realiza o aborto com o intuito de salvar a vida da mãe. França (2004), define ainda, o aborto eugênico como sendo o aborto realizado nos casos de fetos defeituoso, ou até mesmo com possibilidade de se tornarem defeituosos no futuro.

Estabelece o Código Penal no seu artigo 218, I, que quando o aborto for praticado por médico desde que não haja outro meio para salvar a vida da gestante, tal ato não será punido, sendo considerado, então, aborto necessário.

No aborto necessário há dois bens jurídicos postos em perigo, a vida do feto e a da genitora, sendo que para salvaguardar a vida da gestante há a necessidade da destruição do produto da concepção, porém, não há necessidade de que o perigo de vida da gestante seja atual, sendo que, no caso em questão, não há a necessidade do consentimento da gestante, cabendo ao médico a realização da avaliação do seu risco de vida.

Nesse sentido, a avaliação de risco a vida da gestante cabe única e exclusivamente ao médico, sendo necessário, ainda, o parecer de outros dois profissionais, além da lavratura de ata. É de suma importância ressaltar que o ato independe do consentimento da gestante ou de qualquer familiar para sua realização. (CAPEZ, 2008).

3.3. Aborto Sentimental ou humanitário

O aborto sentimental tem sua base nos efeitos psicológicos que uma gravidez resultante de estupro possa vir a ter.

Para Hungria, (1981), assevera que: nada justifica que se obrigue a mulher a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará, perpetuamente, o horrível episódio da violência sofrida. Estando, portanto, a exclusão da sua punibilidade prevista no artigo 128, I, do Código Penal Brasileiro. Havendo, então, gestação resultante de um crime de estupro, é demasiadamente descabido ao Estado impor que esta mulher gere o fruto deste crime, levando em consideração os danos, principalmente psicológicos, que possam vir a lhe causar. (CAPEZ, 2008).

Portanto, para que haja a exclusão do crime é imprescindível que, primeiramente, a gestação seja resultado de estupro, posteriormente que haja o consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal e ainda, que o ato seja praticado por médico, uma vez que seja feito por pessoa não habilitada será caracterizado como crime.

Cumpre salientar que não necessidade da apresentação de sentença condenatória do crime sexual para que seja o médico autorizado a realizar o aborto, muito embora se faça necessário a presença de elementos mínimos que comprovem que houve de fato uma relação sexual não consentida. Portanto, mesmo não havendo necessidade de sentença condenatória do crime de estupro para a realização do aborto, se faz necessário a apresentação, seja de boletim de ocorrência, seja por testemunha de que o ato de fato aconteceu, sendo ainda imprescindível que haja a formalização de tais provas para salvaguarda do médico.

Todavia, para que o aborto praticado por um médico, na espécie em questão, é imprescindível o consentimento prévio da gestante, e quando de sua incapacidade, que se faça por intermédio de seu representante legal. (CAPEZ, 2008).

3.4. Aborto Criminoso

As espécies dolosas do crime de aborto estão previstas nos artigos 124 a 126, sendo elas: o autoaborto, o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante e o provocado por terceiro com o consentimento da gestante. Sendo que o bem juridicamente protegido nos três tipos penais incriminadores é a vida humana em desenvolvimento. (GRECO, 2008).

O mesmo doutrinador, ainda afirma que o objeto material do delito de aborto pode ocorrer em três momentos, no óvulo, quando cometido até os dois primeiros meses da gestação, sendo considerado ovular, no embrião, quando praticado no terceiro ou quarto mês de gestação, sendo considerado embrionário, ou, ainda, no feto, quando praticado após os cinco meses de vida intrauterina até o início do parto, sendo considerado fetal. 3.2.1 Autoaborto No autoaborto só há um bem jurídico tutelado, que é o direito à vida do feto. É, portanto, a preservação da vida humana intrauterina. (CAPEZ, 2008).

O doutrinador em questão disciplina que no autoaborto é a própria mulher quem executa a ação material do crime, ou seja, ela própria emprega os meios ou manobras abortivas em si mesma, sendo ainda possível a participação nessa modalidade delitiva, na hipótese em que o terceiro apenas induz, instiga ou auxilia, de maneira secundária, a gestante a provocar o aborto em si mesma.

Para Greco (2008), a aplicação da suspensão prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95 é cabível ao delito de autoaborto, mesmo sendo este um crime doloso contra a vida, pois tal suspensão trata-se de uma medida descarcerizadora, tendo por finalidade evitar o aprisionamento daqueles que foram condenados a penas de curta duração.

3.4.1. Aborto provocado por terceiro ou sofrido

O aborto sem o consentimento da gestante está previsto no art.125, caput, do Código Penal. Para Capez (2008), trata-se da forma mais gravosa do delito de aborto, tendo a pena de reclusão de 3 a 10 anos. Tipifica-se por não haver o consentimento da gestante no emprego dos meios ou manobras abortivas por terceiro ou, ainda, esse consentimento é inválido.

Capez (2008), ainda, classifica duas espécies de dissentimento, real e presumido, espécies que torna inválido o consentimento da gestante, onde o dissentimento é real quando o sujeito emprega contra a gestante fraude, grave ameaça ou violência, e é presumido quando a vítima não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental.

3.4.2. Aborto consensual

A espécie de aborto consensual está prevista no art. 126, do Código Penal, o qual gera a incidência de duas figuras típicas, uma para a consenciente, gestante que consente com a prática, e outra para o provocador, terceiro que pratica o verbo 13 do crime.

Dessa forma é possível o concurso de pessoas, na hipótese em que há o auxílio à conduta do terceiro que provoca o aborto. (CAPEZ, 2008).

O doutrinador em tese afirma que somente será caracterizado aborto consensual quando o consentimento da gestante for considerado válido, ou seja, que a gestante tenha capacidade para consentir.

3.4.3. Aborto qualificado

O aborto qualificado acorre quando na prática das manobras abortivas, por terceiro, ocorre lesão grave ou até a morte da gestante, trata-se de um crime preterdoloso. (CAPEZ, 2008).

O mesmo doutrinador assevera que diante da morte ou lesão grave da gestante, porém não importando em morte do feto, configura-se, ainda, a qualificadora, pois mesmo que não haja a interrupção da vida do feto o crime fora consumado.

3.4.4. Aborto econômico

O aborto econômico trata-se de uma espécie que não tem respaldo jurídico na legislação vigente afim de não haver punibilidade a quem o pratica, uma vez que sua justificativa é pura e simplesmente financeira. (GRECO, 2008).

Portanto, a mulher, em miserabilidade, que venha a engravidar, por qualquer falha que seja dos meios contraceptivos, e em razão de não haver condições de manter mais um filho venha a cometer práticas abortivas, será, de toda forma, punida, nos moldes do art. 124 do Código Penal.


4. A JURISPRUDÊNCIA ACERCA DO ABORTO NO BRASIL

No que tange ao início e término da proteção pelo tipo penal de aborto, Greco (2008), afirma que a vida tem início a partir da concepção ou fecundação, ou seja, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Porém, no que diz respeito à proteção pela lei penal, a vida somente será um

Diniz (2010), afirma que: Descriminalizar o aborto é uma ação de direitos humanos exatamente por proteger as liberdades fundamentais das mulheres: direito à vida, em razão dos riscos envolvidos no aborto realizado em condições inseguras; direito à liberdade por reconhecer o caráter soberano das escolhas individuais em matéria de ética privada; direito à dignidade, pois somente uma vida com liberdade e segurança pode ser qualificada como digna.

No entanto, se afirmar positivamente a descriminalização do aborto como uma medida de direitos humanos pode ainda soar estranho para aqueles que o entendem como uma ameaça religiosa ou como uma violação de direitos potenciais do feto, talvez seja mais simples demonstrar o quanto a criminalização do aborto é um ato de tratamento cruel e inumano do Estado contra as mulheres.

Em um atual julgado, do Habeas Corpus 124.306, o Supremo Tribunal Federal, em sua 1º turma, constituída pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Fachin, consideraram que o aborto, quando praticado até o terceiro mês da gestação, não deveria ser considerado crime no caso em questão. Fundamentandose nos princípios constitucionais da igualdade, dos direitos sexuais e reprodutivos, da autonomia e do direito à integridade física e psíquica da gestante.

Disciplina o ministro Barroso (2017), que: Torna-se importante aqui uma breve anotação sobre o status jurídico do embrião durante fase inicial da gestação.

Há duas posições antagônicas em relação ao ponto. De um lado, os que sustentam que existe vida desde a concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à multiplicação das células. De outro lado, estão os que sustentam que antes da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de consciência – o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação – não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno. Insta consignar que o voto do ilustre ministro encontra respaldo e absoluta concordância tanto com evidências científicas quanto com os tratados internacionais, a Constituição Federal do Brasil e até mesmo com as normas técnicas do Ministério da Justiça.

Contudo, a criminalização do abordo tem como consequência uma discriminação social, visto que, mulheres economicamente vulneráveis acabam prejudicando sua saúde e até mesmo perdendo a própria vida, em consequência do aborto inseguro, aquele realizado em clinicas clandestinas, que muitas vezes possuem o mínimo de salubridade necessária. Usando este ponto de vista, ainda assevera o ministro: Por fim, a tipificação penal produz também discriminação social, já que prejudica, de forma desproporcional, as mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento abortivo.

Por meio da criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem risco de lesões, mutilações e óbito.

Dessa forma, pode-se afirmar que a Corte Suprema, quanto ao caso em tela compreenderam não só todo o sofrimento psicológico da mulher, mas também reconheceram seus direitos sexuais e reprodutivos, bem como o pleno acesso à saúde pública, como uma questão social, da qual se faz necessário a adoção de políticas públicas em prol da promoção do livre acesso da mulher à rede pública no momento em que optar pela decisão de interromper a gravidez, desde que no limite estabelecido, visto que, antes do terceiro mês gestacional não há que se falar em um ser dotado de vida plena, pois ainda não houve a formação completa do sistema nervoso central.

4.1. Aborto de anencéfalo ou eugênico

A anencefalia trata-se de uma doença que prejudica a constituição da massa encefálica bem como dos ossos do crânio, sendo que pode-se apresentar uma ausência, seja parcial ou até mesmo total, cérebro, em consequência, não há o fechamento do crânio na parte superior. (BUSSATO, 2015).

Neste sentido, tem-se que o produto da gestação anencéfalo possui vida mediante o metabolismo da gestante, sendo que, ao nascer conseguiria sobreviver poucos alguns instantes e viria a óbito logo em seguida, não tendo, portanto, nenhuma expectativa de vida. Portanto, a realização do abortamento de feto anencéfalo trata-se de um fato atípico, uma vez que inexiste o bem jurídico a ser tutelado, já que não havendo atividade encefálica não há que se falar em vida. (CAPEZ, 2008).

Dessa forma, o STF, recentemente, determinou que o aborto de feto anencéfalo não é caracterizado crime, mesmo não estando expressamente na legislação.

Segundo o ministro Marco Aurélio Mello (2012): Já foram concedidas 3 mil autorizações judiciais no País para interrupção da gravidez de feto anencéfalo. A cada mil recém-nascidos no Brasil, um é diagnosticado com a má-formação cerebral. Esse índice deixa o Brasil em quarto lugar no mundo com mais casos de fetos anencéfalos, atrás de Chile, México e Paraguai.

4.2. Aborto em casos de gestante infectada pelo zika vírus

Recentemente o Brasil passou por um período com muitas infecções pelo zika vírus, vírus este que quando infecta mulheres grávidas pode acarretar a má formação do feto. O zika vírus é um flavivírus que é transmitido pelo mosquito aedes aegypt, mesmo transmissor da dengue. (TEIXEIRA, 2015).

As consequências da infecção de gestantes pelo zika vírus é, em muitos casos, a microcefalia e outras alterações no sistema nervoso do feto, sendo que a infecção na gestante pode ocorrer no pré natal, porém, a microcefalia no feto somente pode ser detectada no final da gravidez. (LOWI, 2016).

Levando-se tal pressuposto em consideração, a Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, em 2016, com a finalidade de que a interrupção da gravidez em mulheres infectadas pelo zika vírus não seja enquadrada nas espécies de aborto previstas no art. 124 do Código Penal, solicitando, ainda, que a prática fosse inserida nas espécies de aborto necessário e ainda que sua prática fosse considerada constitucional em razão da epidemia de zika vírus provocar dano a saúde tanto da mulher quanto do feto tendo, ainda, como agravante a omissão do Estado para com o combate do mosquito e as doenças por ele causadas.

Todavia, a ADI 5581, que foi submetida à análise pelo Plenário Virtual, em razão das medidas de isolamento social presentes no Brasil, que iniciou-se no dia 24 de abril e findou-se em 1º de maio deste ano, uma vez que a decisão não conheceu da ação e, em partes, a julgou prejudicada, de forma que a Corte seguiu o voto da ministra relatora Cármen Lúcia. 16 Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade e não conheceu da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do voto da Relatora. O Ministro Roberto Barroso acompanhou a Relatora com ressalvas. Falaram: pela requerente, o Dr. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho; e, pelos interessados, o Ministro André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União. Plenário, Sessão Virtual de 24.4.2020 a 30.4.2020. O fundamento estabelecido pela ministra relatora Cármen Lúcia para julgar prejudicada ADI 5581, foi que a mesmo fora ajuizada juntamente com uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, sob alegação de omissão do Poder Público em relação aos casos de zika vírus que assola o país, acontece que inexiste legitimidade por parte da autora para propositura da ADPF, uma vez que não há nexo de afinidade entre os objetivos institucionais da autora e o conteúdo dos textos normativos.

Ressalte-se que em 13 de abril de 2020 a ministra relatora Cármen Lúcia incluiu o julgamento da ADI 5581 na pauta de julgamento virtual do Plenário do dia 24 de abril, e que pese, no dia 18 do mesmo mês a parte autora requereu sua retida de pauta virtual sob alegação de sua relevância e necessidade de julgamento presencial em data posterior.

Outrossim, a ministra relatora indeferiu os pedidos, sob fundamento de que o uso de ferramentas adotados pelo STF como forma de celeridade processual e não havendo prejuízos ao direito de defesa. Insta consignar que mesmo acompanhando a ministra relatora, o ministro Barroso reiterou seu posicionamento pela descriminalização do aborto. O aborto é um fato indesejável, e o papel do Estado e da sociedade deve ser o de procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres. Essa é a premissa sobre a qual se assenta o raciocínio aqui desenvolvido. Reitero, porém, o meu entendimento, já manifestado em decisão anterior (HC 124.306), de que o tratamento do aborto como crime não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto. Justamente ao contrário, países em que foi descriminalizada a interrupção da gestação até a 12ª semana conseguiram melhores resultados, proporcionando uma rede de apoio à gestante e à sua família. Esse tipo de política pública, mais acolhedora e menos repressiva, torna a prática do aborto mais rara e mais segura para a vida da mulher.

Portanto, com a decisão a pouco prolatada, tem-se que a prática de manobras abortivas, mesmo em gestações com infecções pelo zika vírus e possível probabilidade de má formação do feto, continua sendo crime tipificado nos artigos 124 a 126 do Código Penal vigente.

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