APAC - Alternativa à Execução Penal

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06/04/2021 às 13:57
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O presente artigo visa apresentar e difundir o Método APAC como alternativa humana e eficaz à execução penal, pois, trata-se de um método baseado na valorização humana, cujo o objetivo é recuperar o preso.

Resumo: É evidente a ineficácia do tradicional sistema prisional brasileiro, o qual não cumpre a essencial função ressocializadora da pena, tampouco proporciona condições para a harmônica integração social do condenado e, sequer, consegue assegurar a dignidade e humanidade no cumprimento da pena.  Dessa forma, o presente trabalho visa apresentar e difundir o Método APAC como alternativa humana e eficaz à execução penal, pois, trata-se de um método baseado na valorização humana, cujo o objetivo é recuperar o preso, reduzindo-se, assim, a reincidência criminal e, sobretudo, proteger à sociedade.

Palavras-chave: APAC. Recuperando. Execução Penal. Ressocialização. LEP

 

Abstract: It is evident ineffectiveness of the traditional Brazilian prison system, which does not fulfill a essential role of re-socializing the sentence, nor does it provide conditions for the harmonious social integration of the condemned, nor does it even manage to ensure dignity and humanity in serving the sentence. In this way, the present work aims to present and disseminate the APAC Method as a human and effective alternative to criminal execution, since it is a method based on human valorization, whose objective is to recover the prisoner, reducing the criminal recidivism and, above all, protect society.

Keywords: APAC. The Recovering. Penal Execution. Re-socialization. LEP.

 

1. INTRODUÇÃO

O sistema prisional brasileiro é, sem dúvidas, um dos maiores problemas sociais, pois, encontra-se falido, precário e ineficaz. Tal situação decorre de múltiplos problemas já existentes, tais como, a superlotação, a falta de investimentos e, principalmente, devido as condições desumanas a que são submetidos os presos nos convencionais sistemas prisionais, situação de completo abandono.

O Brasil enfrenta muitos desafios quanto à garantia dos Direitos Humanos e à promoção da inclusão social dentro dos sistemas prisionais tradicionais. O reflexo dessas condições a que são submetidos os presos, só os fazem retornar a sociedade ainda mais violentos, engajados na criminalidade e sem nenhuma perspectiva de mudança de vida.

Outrossim, além do descaso do Estado com o sistema prisional, a sociedade, por sua vez, é coautora nessa omissão quando passa a propagar a visão utópica de que o simples fato de “prender” resolverá o atual problema da criminalidade. Nesse sentido, assevera Greco (2015, nota do autor)[3]:

O sistema prisional agoniza, enquanto a sociedade, de forma geral, não se importa com isso, pois crê que aqueles que ali se encontram recolhidos merecem esse sofrimento. Esquecem-se, contudo, que aquelas pessoas, que estão sendo tratadas como seres irracionais, sairão um dia da prisão e voltarão ao convívio em sociedade. Assim, cabe a nós decidir se voltarão melhores ou piores.

Logo, nota-se que tal modelo não recupera o preso, pelo contrário, oferece um solo fértil para a propagação e evolução da criminalidade. Diante disso, urge a necessidade de um modelo alternativo à execução da pena, a fim de propiciar condições dignas para promover a recuperação do indivíduo e (re)integra-lo[4] à sociedade. Do contrário, continuaremos com a falsa ideia de que “prender” resolve o problema e, se o sistema está superlotado, basta construir mais presídios[5]. Tal ideologia, nada mais é do que “tapar o sol com a peneira”.

O proposto aqui não é “passar a mão na cabeça de bandido”, como dito popularmente por aqueles que rechaçam as visões humanitárias e assistenciais defendidas em prol dos presos e egressos do sistema prisional. Sendo assim, é imperioso investirmos em um modelo alternativo à execução penal, um sistema mais humano, eficiente e, sobretudo, que venha cumprir com o precípuo objetivo da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) – “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado[6]” (ALEXO; PENIDO, 2018).

Nesse contexto, o método APAC se apresenta como uma alternativa à execução penal, proporcionando a humanização no cumprimento da pena - sem perder seu caráter punitivo - concomitantemente, oferecendo aos condenados meios para se recuperarem, bem como condicionando-os à inserção social, com o escopo de proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a Justiça Restaurativa. (OTTOBONI, 2018).

A metodologia apaqueana é composta por 12 elementos que são os pilares desse sucesso, quais sejam: 1) a participação da comunidade; 2) recuperando e ajudando o recuperando; 3) o trabalho; 4) a religião/espiritualidade; 5) a assistência jurídica; 6) a assistência à saúde; 7) a valorização humana; 8) a família; 9) o voluntário e o curso de formação; 10) centro de reintegração social (CRS); 11) mérito e, 12) a jornada de libertação com Cristo (OTTOBONI, 2018).

Dessa forma, o objetivo do presente trabalho além de apresentar um modelo alternativo à execução penal é difundir o método APAC como uma esperança na humanização das prisões, sem perder de vista a finalidade punitiva da pena. Seu propósito é evitar a reincidência criminal, oferecer meios para o condenado se recuperar e promover à inserção social.

Pelo exposto, a metodologia utilizada para a elaboração do presente trabalho foi o modelo exploratório indutivo, a fim de proporcionar uma análise exegese do método APAC. Assim, o trabalho foi dividido em tópicos para melhorar o desmembramento e entendimento do conteúdo. No primeiro tópico, será feita uma breve análise do atual colapso do sistema prisional brasileiro. No segundo, como solução alternativa, a apresentação do método APAC (o que significa, origem e sua composição). Por fim, será realizada uma breve comparação de algumas particularidades entre o sistema prisional comum e o modelo apaqueano.

2. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: ATUAL PERSPECTIVA

O atual sistema prisional brasileiro nem de longe tem cumprido o seu precípuo objetivo na execução da pena, o qual é recuperar o condenado, proporcionando condições para sua harmônica integração social. Para tal, basta ligarmos a televisão nos canais de notícias, jornais, e nos depararmos com matérias relacionadas ao descaso e precariedade nos presídios, principalmente, com relação ao aumento do índice de violência (nada mais que o reflexo desse cenário), em sua maioria, de egressos do sistema prisional (reincidentes).

O Brasil possui uma política de justiça que encarcera cada vez mais e, por outro lado, não se preocupa em investir em medidas efetivas de (re)ssocialização. Assim, a população anseia pela criação de medidas mais duras (por exemplo: redução da maioridade penal, aumento das penas e, até mesmo, pena de morte) fomentando a propagação desse sistema encarcerador, como se isso fosse a solução para diminuição da criminalidade. Pelo contrário, por esse caminho persistiremos no fracasso empírico da função da “(re)ssocialização” no cumprimento da pena, evidenciado há mais de três décadas (RIVERA BEIRAS, 2017).

A sociedade se vangloria pela prisão dos bandidos e proclama pela construção de mais presídios, mas não se preocupa com as causas que geram ou contribuem com a reincidência criminal. Esquecem, contudo, que um dia esses “bandidos” que foram tratados como lixo, onde só lhes foram plantados ódio e vingança em seus corações, sairão da prisão e retornaram ao convívio social, só que dessa vez formados na escola do crime (GRECO, 2015).

Dentro dos presídios, são submetidos ao fenômeno da “prisionalização”, o qual ocorre na maioria das vezes de forma inconsciente, ocasião em que o preso passa a introjetar a sua condição de criminoso, tendo por via de consequência a mudança gradativa de seu jeito de falar e de se comportar, socializando e aprendendo com os demais daquela subcultura prisional, nem sempre porque querem, mas por questão de sobrevivência mesmo. Tal processo é conhecido popularmente como: “escola do crime” (GRECO, 2015).

O cenário do sistema prisional vigente é horrorizante e ineficaz, sob constantes violações de princípios fundamentais, em especial, o da dignidade da pessoa humana. Os presos são submetidos a conviverem em espaços completamente insalubres (sujos, fedidos, sem iluminação, não arejados, apertados e etc.), sendo humilhados, desprezados e, até espancados. Conforme destaca Greco (2015 – nota do autor):

Seus direitos mais comezinhos são deixados de lado. Tomar banho, alimentar-se, dormir, receber visitas, enfim, tudo o que deveria ser visto com normalidade em qualquer sistema prisional, em alguns deles, como é o caso do Brasil, parece ser considerado regalia.

 Nota-se, assim, que não é somente o direito de liberdade (ir e vir) dos presos que se encontram obstados, mas, sobretudo, todos aqueles que são inerentes a dignidade da pessoa humana, os quais deveriam ser assegurados, conforme depreende-se da leitura do art. 3° da Lei 7.210/84[7]. Destarte, conforme mencionado, pelo Dr. Dráuzio Varella,[8] em seu livro Carcereiros:

Nossas cadeias são construídas com o objetivo de punir os marginais e de retirá-los das ruas, não com o intuito de recuperá-los para o convívio social. Preocupações de caráter humanitário com o destino dos condenados só ganharão força no dia em que os criminosos das famílias mais influentes forem parar nas mesmas celas que os filhos das mais pobres” (2013, p. 193).

Portanto, o colapso do sistema prisional é o resultado, principalmente, da inércia do Estado em investir em políticas públicas, efetivas, para assegurar a humanização e dignidade no cumprimento da pena, bem como para promover à inclusão social do preso, minimizando, assim, o estigma carcerário. Como já mencionado por Carvalho (2015, p.684), “[...] o cárcere é o instrumento mais caro disponibilizado pelo Estado para tornar as pessoas piores”.

1.1. Superlotação

A superlotação é dos mais graves problemas existenciais no sistema prisional “mãe de todos os males”, sendo o principal obstáculo à (re)ssocialização dos presos ante as condições degradantes vivenciadas dentro dos presídios. A imagem do sistema prisional tradicional é a de celas superlotadas; sem iluminação; anti-higiênica; de presos dormindo no chão “praia” em espécie de “valete” (como carta de baralho), em redes amarradas as grades da cela ou, em pé mesmo, por falta de lugar para dormir. (VARELLA, 2013).

Em suma, é uma situação de completo descaso e abandono. Inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal – após o relatório da CPI do sistema carcerário de 2009 – reconheceu na ADPF[9] 347/DF, o colapso do sistema prisional brasileiro um “estado de coisas inconstitucional”. Ainda, frisa-se que o relatório de 2009, alimentado com dados até dezembro de 2007, revelava que o país na época possuía uma população carcerária de 420 mil presos. De lá pra cá, em relação a adoção de políticas públicas para reduzir o índice de encarceramento, a situação não mudou muito, poucas medidas efetivas foram adotadas. Para tanto, basta observar os dados do atual panorama do sistema prisional (MARTINHO, 2020).

Segundo levantamento realizado pelo sítio G1, em 19/02/2020, com dados atualizados do Monitor da Violência[10], revela que o país possui 338 presos para cada 100 mil habitantes, colocando-o na 26ª posição do ranking de aprisionamento do mundo (sem considerar os presos em regime aberto e em carceragens da Polícia Civil). Assim, considerando o número absoluto de presos, o Brasil totaliza 710.240 mil presos, ocupando a 3ª maior população carcerária do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Ademais, os dados apontam que sistema prisional sofre uma superlotação de 67,8% acima da capacidade, possuindo um déficit de 286,851 vagas (contabilizando os presos em regime aberto e os recolhidos em celas da Polícia Civil, esse número chega a 756 mil) (VELASCO, G. C, 2020).

Percebe-se, portanto, a inércia do Estado na aplicação de políticas públicas realmente efetivas para proporcionar condições condignas dentro das unidades prisionais, inclusive, para frear esse ímpeto crescimento exponencial da população carcerária ao longo do tempo. No próximo tópico, veremos o efeito colateral desse sistema encarcerador e desumano.

1.2. Violência e reincidência

A violência e a reincidência criminal são nada mais que a consequência do desserviço desta atual política prisional, representada por um modelo de sistema prisional violento e desumano. O fator disseminador da violência dentro do cárcere é fruto do próprio tratamento que é dado aos presos, os quais são humilhados, torturados e espancados.

Em suma, um sistema que planta o ódio e prega a violência. Reflexo disso são as rebeliões que ocorrem dentro desses calabouços, como, por exemplo, as que recentes ocorreram no Centro Penitenciário de Recuperação do Pará/PA, em 2018 (22 mortes); na Penitenciária de Alcaçuz, Nísia Floresta/RN, em 2017 (26 mortes); no Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus, Amazonas, em 2017 (67 mortes), dentre outras. O ponto ápice do estouro dessas rebeliões, acontecem como um “grito de socorro” às autoridades – presos reivindicando por condições condignas. Por outro lado, instaura-se a violência e a desordem, ocasionando em fugas e mortes de várias pessoas (FOLHA UOL, 2018; ASSIS, 2007).

Noutro giro, com o efeito do fenômeno da “prisionização”, onde os presos são submetidos a um processo de introjecção da sua condição de marginal, a cadeia acaba servindo como uma “escola do crime”, oportunizando a eles aperfeiçoarem suas técnicas com os mais experts do ambiente. Em outras palavras, ali se desenvolve um “networking” – só que do crime.

Nesse sentido, Greco menciona em sua obra (2015, p. 264) que essa situação “contribui para que o condenado que chega ao sistema prisional e se aperfeiçoa no crime, ao final do cumprimento de sua pena, saia pior do que do que quando nele ingressou”. Dessa forma, ao invés do cumprimento da pena cumprir sua função ressocializadora, acaba promovendo, na verdade, a dessocialização do indivíduo.

Portanto, nota-se, que o ciclo da violência e reincidência criminal é justamente o resultado de toda essa deplorável experiência vivenciada dentro dos presídios. Soma-se a isso a ausência de políticas públicas que, efetivamente, promovam a (re)ssocialização e a inclusão social, resultando a reincidência criminal, hoje, atingindo os 75%.[11]

1. 3. Violações dos direitos humanos

A garantia dos direitos dos presos encontra-se respaldada em diversos diplomas legais como forma de assegurar o cumprimento da pena. Assim, em âmbito nacional temos tais normas previstas no art. 5° da Constituição Federal de 1988, no rol art. 41 da Lei de Execução Penal e no art. 38 do Código Penal, dentre outras, porventura, e, em âmbito global, as Convenções, tais como, a Declaração de Direitos Humanos e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, além da Resolução da ONU. (ASSIS, 2007).

Destarte, convém destacar a redação do art. 38 do CP, “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. Logo, o cumprimento da pena deve ser em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana e o da humanização da pena, sendo-lhes assegurados todos os demais direitos não atingidos pela sentença penal condenatória, dentre eles, à vida, saúde, integridade corporal e a dignidade humana, bem como, inclusive, não serem submetidos a tortura nem a tratamento desumano ou degradante – art. 5°, III e XLIX da CF/88.  

Não obstante, na prática, esses direitos não são garantidos. A realidade é que temos presídios superlotados, precários e insalubres, os quais propiciam à proliferação de epidemias e a propagação de doenças, soma-se a isso a má alimentação dos presos. Isso sem falar a violência que acontece dentro das unidades, presos sendo espancados e torturados tanto por outros presos quanto pelos próprios agentes prisionais, a exemplo, o “massacre” do Carandiru em 1992, onde ocorreu 111 mortes (ASSIS, 2007).

Em face do exposto, na contramão do modelo vigente do sistema prisional, no próximo capitulo, será apresentado um método alternativo, eficaz e humanizado no cumprimento da pena e na busca pela recuperação e inserção social dos presos.

 

3. MÉTODO APAC: ALTERNATIVA À EXECUÇÂO PENAL

O presente capítulo visa pormenorizar o Método APAC, quanto a sua definição, surgimento e os elementos que compõe sua metodologia, os quais serão abordados logo a seguir. Importante enfatizar, desde já, que a metodologia apaqueana, de fato, tem se mostrado uma alternativa tanto no Brasil quanto em outros países[12], principalmente, em relação a redução do índice de reincidência, graças ao trabalho realizado nas APACs e, diferentemente do sistema comum, pela a ausência de violência e rebeliões nos Centros de Reintegração Social – CRS (ANDRADE, 2016, p.7).

Ainda, segundo o autor:

O modelo APAC surge como uma proposta alternativa, tendo como principal fundamento a valorização do ser humano para o resgate do indivíduo sentenciado e sua consequente recuperação e reinserção social. Ele parte do pressuposto de que somente recuperado o indivíduo deixa de representar um risco para a comunidade, o que contribui para a redução da insegurança (ANDRADE, 2016, p. 32).

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A valorização do ser humano da qual o autor menciona é justamente o resgate da autoestima dos recuperandos, uma vez que o sistema penal vigente trata o preso como a escória da sociedade, onde são submetidos a condições subumanas dentro dos cárceres. Destaca-se, ainda, o fato que de a partir do momento que adentram no sistema carcerário, automaticamente perdem sua identidade e passam a serem chamados e identificados por número, como, por exemplo, “preso 12345”. Ainda, há aqueles que são marcados pelas alcunhas (apelidos), os quais, por vezes, são adjetivos relacionados com alguma deficiência e/ou semelhança do preso com alguma coisa ou alguém. Frisa-se, nesses casos, a perda da personalidade.

O objetivo da pena privativa de liberdade embora seja punir alguém que cometeu algum crime, a pena, por sua vez, possuí a essencial função de ressocializar o preso, condicionando meios para que ele possa retornar à sociedade em harmonia, o que na prática não acontece. Pelo contrário, o indivíduo a partir do momento que ingressa no sistema prisional, não perde somente sua liberdade (direito de ir e vir), mas também sua dignidade (D’AGOSTINI; RECKZIEGEL, 2016).

Portanto, o objetivo do método é justamente romper com o modelo empregado no sistema prisional comum, buscando, sobretudo, a humanização no cumprimento da pena e da prisão. O Método APAC tem como finalidade “recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer a vítima e promover a justiça” e, como filosofia, “matar o criminoso e salvar o homem”.

3.1.Definição da APAC

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), adquiriu personalidade jurídica em 1974, tornando-se uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, cuja a principal finalidade é promover a recuperação do condenado (recuperando), proteger a sociedade e fomentar a Justiça Restaurativa[13], trabalhando como um ente auxiliar da Justiça e do Poder Executivo. Possui amparo na Constituição Federal para atuar frente aos presídios e seu estatuto encontra respaldo no Código Civil e na Lei de Execução Penal. É filiada e fiscalizada pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), órgão que também é uma entidade civil sem fins lucrativos, cuja finalidade é coordenar e fiscalizar o cumprimento do método nas APACs, visando a recuperação e à reintegração social dos recuperandos (FERREIRA, 2016; MINAS GERAIS, 2011a).

3.2.Surgimento da APAC

O método APAC surgiu em 18 de novembro de 1972, na cidade de São José dos Campos/SP, a partir do trabalho voluntário exercido por um grupo de cristãos, liderados pelo advogado Mário Ottoboni (fundador do Método), no presídio Humaitá. Na época, o grupo se intitulava como “Amando o Próximo, amarás a Cristo” e tinha a finalidade de evangelizar e dar apoio moral aos presos, tendo em vista os problemas decorrentes da superlotação nos presídios da cidade. (FBAC, 2016a; MINAS GERAIS, 2012a).

Em 1974, a APAC adquire personalidade jurídica, após oficializado seu Estatuto Social na Assembleia de inauguração, tornando-se, assim, uma entidade civil de direito privado sem fins lucrativos e não governamental, passando a atuar em parceria com o Estado promovendo à Justiça Restaurativa. Dessa parceria, em dezembro de 2001, o TJMG lançou o Projeto Novos Rumos na Execução Penal, denominado, hoje, como, Programa Novos Rumos, regulamentado pela Resolução n° 433/2004[14], o qual visa disseminar o Método APAC, bem como a expansão das suas unidades, como uma alternativa humana e eficaz no cumprimento da pena, dado seu alto índice de recuperação (ANDRADE, 2016; FBAC 2020a).

Com o advento da Lei 15.299/2004, que alterou as normas da execução penal, as APACs passaram a possuir legalmente autonomia para gerir o sistema prisional, através da realização de convênios com o Estado, conforme dispõe em seu art. 3°[15]. Dessa forma, tal lei contribuiu para que as APACs, saíssem dessa “marginalidade legal” e, sobretudo, ampliassem o seu acesso a recursos públicos, tendo em vista que, até então, sobreviviam somente com doações (ANDRADE, 2016).

Em Minas Gerais, a primeira APAC adotada oficialmente foi na cidade de Itaúna, em 1986[16]. Criada pelo bacharel em direito e teólogo, Valdeci Antônio Ferreira, hoje, diretor executivo da FBAC. Esse projeto nasceu da indignação que possuía com o sistema prisional, superlotado, abandonado e devido as condições desumanas que os presos vivenciavam, buscando, dessa forma, um método alternativo digno e eficaz à execução da pena. Na verdade, esse trabalho nasceu bem antes, começou em 1983, através da criação da Pastoral Penitenciária de Itaúna, ligada à Igreja Católica, levando aos presos da região assistência religiosa e material (ANDRADE, 2016).

Pertinente mencionar que a FBAC foi fundada em 09 de julho de 1995, sob a liderança do Dr. Mário Ottoboni, destinada a orientar, fiscalizar e preservar a uniformidade das APACs no Brasil, bem como assessorar sua implementação no exterior. Inclusive, é filiada à Prison Fellowship International (PFI), órgão consultivo da ONU[17] para assuntos penitenciários, a qual propaga o Método APAC mundialmente, afirmando que “o fato mais importante que está acontecendo no mundo hoje, em matéria prisional é o movimento das APACs no Brasil [...]” (FBAC, 2018a[18]).

Segundo dados de 2018[19], há mais de 40 unidades da APAC em pleno funcionamento, inclusive, mais de 60 APACs juridicamente organizadas, encontram-se em diversas fases de implementação em 14 Estados da Federação, tais como, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Rondônia, Maranhão e Rio Grande do Norte. No exterior, mais de 20 países já aplicam parcialmente o Método APAC, dentre eles, Chile, Costa Rica, Colômbia, Holanda, Hungria, Alemanha, Itália, Estados Unidos e outros (OTTOBONI, 2018).

3.3.O método APAC: 12 elementos

O sucesso da metodologia apaqueana, encontra-se sustentada em 12 elementos fundamentais (pilares), aplicados de forma harmônica para garantir o objetivo do método, recuperar. Assim, não é possível a aplicação somente de alguns elementos em detrimento dos demais ou, caracterizar um mais importante do que outro, sob pena de incorrer no mesmo erro do sistema comum.

Portanto, nos subitens abaixo, será pormenorizada cada um dos presentes elementos que compõe o Método APAC, quais sejam: 1) Participação da comunidade; 2) O recuperando e ajudando o recuperando; 3) Trabalho; 4) Espiritualidade; 5) Assistência jurídica; 6) Assistência à saúde; 7) Valorização humana; 8) A família; 9) O voluntário e sua formação; 10) Centro de Reintegração Social (CRS); 11) Mérito; e 12) Jornada de libertação com Cristo.

1. Participação da comunidade

É o elemento gênese do Método, justamente pelo fato que uma APAC só será implantada em certo local, município, após o apoio e concordância dessa comunidade, cuja participação é indispensável. É importante salientar que a APAC é o resultado do anseio da sociedade, por isso, a participação da comunidade é o início desse processo. (OTTOBONI, 2018)

Além disso, a sociedade precisa conscientizar de que a estigmatização oriunda dos preconceitos e rejeições em face dos presos, são fatores que contribuem para o aumento da violência e, consequentemente, da reincidência. A sociedade necessita deixar de cometer o corriqueiro equívoco em achar que a solução está em apenas construir mais presídios, que tão somente isso resolveria o problema da massa carcerária (superlotação) e da violência. Esquecem que um dia esses mesmos presos que outrora foram jogados dentro desses calabouços, estarão em liberdade, no entanto, sairão mais instruídos, violentos e engajados no crime, por óbvio, reiterando as práticas delituosos (FERREIRA, 2016)

Portanto, conforme assevera Durval (2016, p.54), “as APACs trabalham com a ação voluntária da sociedade, dentro da máxima de que ‘quem pariu Mateus’ que o embale. Ou seja, a sociedade tem que assumir sua responsabilidade”. Em função disso, se faz necessário e é de suma importância o trabalho dos voluntários dentro na metodologia apaqueana, como ato de transmitir amor, atenção e amparo, demonstrando que nessa luta de resiliência eles não estarão sozinhos.

Assim, uma vez que a sociedade assume sua responsabilidade e se conscientize da importância do processo de recuperação dos presos, a consequência lógica disso, será um bandido a menos na rua à medida que um for recuperado, (re)inserido no seio social. Logo, a sociedade de fato estará protegida (ANDRADE, 2016).

2. O recuperando ajudando o recuperando

O segundo elemento é fundamental para que o recuperando aprenda a viver em sociedade, seja ajudando ao próximo que está ao seu lado necessitando de ajuda ou mesmo no trabalho, auxiliando nas tarefas dentro do Centro de Reintegração Social (CRS), os quais são os responsáveis pelo funcionamento das APACs.

Nas APACs além dos recuperandos serem os próprios protagonistas das suas recuperações, também são os responsáveis pela funcionalidade da própria unidade. Assim, há uma divisão de função para manter a plenitude e continuidade do serviço, por exemplo, serviços de limpeza, portaria, plantonista, galeria, cantina etc. Ademais, há o Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), que é um órgão auxiliar da administração da APAC, composto por recuperandos, cuja função é promover a organização, distribuir as tarefas, zelar pela disciplina e segurança dentro da unidade, isto é, recuperando ajudando o recuperando. (OTTOBONI, 2018).

Assim, por meio da ajuda mútua, do trabalho em equipe, da solidariedade e fraternidade, é possível estimular no recuperando o senso de responsabilidade e sobre a importância do convívio social (FERREIRA, 2016).

3. O trabalho

O terceiro elemento, assim como os demais, embora essencial, não é o mais importante e tampouco o cerne do método, caso fosse, as APACs visariam o trabalho exercido pelos recuperandos somente como uma mão de obra barata. Inclusive, aplicado isoladamente não resolve o problema da reincidência, ou seja, por si só não recupera ninguém, se assim fosse, os modelos empregados nas prisões privadas no Brasil e em outros países já teriam solucionado tal problema. (FERREIRA, 2016)

No método APAC o trabalho é de suma importância no contexto da recuperação dos internos. No regime fechado, por exemplo, o trabalho tem o objetivo de despertar nos recuperando a autoestima, criatividade, habilidade e potencialidade, qualidades essas que podem ser resgatadas ou até mesmo descobertas. Por outro lado, o trabalho no regime fechado proporciona ao recuperando ter sua própria renda, através dos trabalhos laborterápicos. Noutro giro, o trabalho no regime semiaberto visa a profissionalização do recuperando, seja em parceria com alguma empresa, mediante a criação de oficinas ou no trabalho externo, mediante apresentação de carta de emprego ao Juízo da Execução Penal, propiciando, assim, a (re)inserção social de forma gradativa.  

Ainda, há o trabalho dentro das APACs destinado a própria manutenção e periodicidade do CRS, os quais cada recuperando fica a cargo de certa função. Como já fora mencionado, o Método APAC possui a característica de autoadministração, isto é, como não existe a presença de agentes prisionais e/ou policiais, os próprios recuperandos são responsáveis pela segurança, alimentação, limpeza e disciplina dentro do CRS (D’AGOSTINI, RECKZIEGEL, 2016).

4. Espiritualidade

O quarto elemento, em conjunto com os demais elementos, é utilizada para proporcionar ao recuperando uma experiência de amor com Deus, independentemente de sua religião, ajudando-o nos percalços e dificuldades no cumprimento de sua pena.

Aqui, vale outra ressalva, assim como no terceiro elemento, o trabalho, há um grande equívoco em também achar que somente a espiritualidade e/ou religião podem recuperar o homem, se assim fosse a reincidência no sistema comum onde se faz o atendimento religioso não estaria em constante ascensão. (FERREIRA, 2016). 

A Lei de Execução Penal, dispõe em seus artigos 10 e 11, inciso VI, a assistência religiosa, cujo objetivo é prevenir o crime e orientar o retorno do preso à convivência em sociedade. Dessa maneira, a religiosidade, nas cirúrgicas palavras de Santos[20] (2012, p.45), “é a oportunidade de cuidar do espírito (...) proporcionar ao recuperando a introspeção de valores espirituais para a chegar a uma libertação, a uma jornada de apegar-se a algo maior do que seu passado, que o fez chegar à situação de preso”.

Portanto, a metodologia apaqueana proclama a necessidade de o recuperando ter uma espiritualidade e, quando necessário, por livre e espontânea vontade, seguir uma religião. O Método APAC[21] não possui uma religião, tampouco impõe esse ou aquele credo. (FERREIRA, 2016).

5. Assistência jurídica

O quinto elemento é um daqueles que a sua ausência/precariedade causa bastante inquietações aos presos de modo geral. Afinal, todos querem saber como anda seu processo de execução; pedidos de remição, detração, unificação, retificação etc., bem como obter informações de quando (data) irão progredir de regime, previsão de Livramento Condicional, término da pena e demais outras dúvidas.

Nota-se, portanto, que a assistência jurídica é fundamental para os presos de forma genérica. É notória que a maioria da massa carcerária é pobre[22], e não possui recursos financeiro para contratar um advogado para acompanhar seu processo de execução. Além do mais, há um grande déficit da assistência jurídica nos presídios comum, isso quando tem! Exemplo dessa situação é os casos quando há a necessidade de realizar mutirões carcerários, objetivando a liberdade de vários condenados que já possuíam o direito à liberdade ou progressão de regime.

Portanto, o elemento da assistência jurídica dentro da metodologia apaqueana é precisamente para dar um amparo jurídico ao recuperando na execução da pena e, sobretudo, para manter a calmaria dentro dos regimes e tranquilizar os recuperando (SANTOS, 2012).

6. Assistência à saúde

O sexto elemento guarda relação com algo de mais importante do ser humano, a saúde. É de amplo conhecimento, através dos noticiários televisivos, jornais físicos e/ou depoimentos de quem já esteve encarcerado, as condições precárias, subumanas, as quais os presos são submetidos nos presídios brasileiros. É uma situação degradante, viver em um ambiente completamente insalubre, o qual, inclusive, torna-se um fator preponderante para que presos contraiam doenças contagiosas e as propaguem.[23]

Isto posto, o Método APAC prioriza o sexto elemento a fim de que:

[...] o atendimento à saúde deve ser uma das prioridades na Metodologia APAC. É importante que esse atendimento seja, sempre que possível, realizado por voluntários (médicos, dentistas, psicólogos e etc.), permitindo que o recuperando possa atender, com mais facilidade que alguém se preocupa com sua sorte, e que ele não está abandonado (FERREIRA; OTTOBONI, 2016, p. 74).

Assim, a importância do presente elemento na metodologia apaqueana é, por óbvio, cuidar da saúde dos recuperandos. Assim, as APACs possuem um departamento de saúde, a qual realizam atendimentos médicos, odontológicos e psicológicos aos recuperando. Ademais, o próprio ambiente das APACs, proporciona condições mais higiênicas e saudáveis (serviço de dedetização, pintura e água tratada, lazer etc.), além de ter uma excelente alimentação.

Vale-se frisar que, o preso de modo geral, somente foi privado do seu direito de liberdade (ir e vir), quantos aos demais, o Estado tem por obrigação preservar e resguardar[24].

7. Valorização humana

O sétimo elemento é a base da metodologia apaqueana. Tem como escopo a recuperação da autoestima e da autoimagem do recuperando, uma vez que, normalmente, assim que uma pessoa é inserida no sistema carcerário, passa a ser chamada, como, por exemplo, “Infopen[25] 00514”, “preso 19498”, ou por apelidos, perdendo, assim, completamente sua identidade como pessoa. Situação que, nas palavras de Ferreira (2016, p.150), representa “um processo desvalorização humana, transformando-se, na maioria das vezes, em um verdadeiro monstro”.

À vista disso, Ottoboni (2016, p.68) assevera que:

[...] O Método APAC tem por objetivo colocar em primeiro lugar o ser humano, e nesse sentido todo trabalho deve ser voltado para reformular a autoimagem do homem que errou. Chamá-lo pelo nome, conhecer sua história, interessar-se por sua vida, visitar sua família, atendê-lo em suas justas necessidades, permitir que ele se sente à mesa para fazer as refeições diárias e utilize talheres: essas e outras medidas irão ajudá-lo a descobrir que nem tudo está perdido [...].

Portanto, a valorização humana trabalha para resgatar essa autoimagem do recuperando, passando a chamá-lo pelo nome. Nas APACs é expressamente proibido chamar qualquer recuperando por número de Infopen, pelo artigo do crime, bem como por apelido. Assim que o recuperando chega na APAC, é realizado um acolhimento pelos profissionais dessa unidade (voluntários, setor jurídico, administrativo, saúde e psicologia), para conhecê-lo melhor e ouvi-lo, bem como para explicar a metodologia.

Importante destacar que a assistência educacional é de suma importância para ajudar no resgate desses valores outrora perdidos ou, até mesmo, criá-los. Tendo em vista, que a maioria da população carcerária não possui nem a escolaridade básica[26], tampouco são qualificados para o mercado de trabalho, fatores que fortalecem a estigmatização do egresso do sistema (SANTOS, 2012).

Portanto, o trabalho voltado a valorização humana dentro do Método APAC, tem por objetivo resgatar/criar a autoestima do recuperando, capacitando-o ao mercado de trabalho, seja pelo estudo ou cursos profissionalizantes e, concomitantemente, promovendo à inserção social – dando a eles a esperança de uma vida melhor.

8. A família

O oitavo elemento, a família, é a base do recuperando tanto quanto a essência do método. Normalmente, a família do preso sofre junto com ele ou até mais que ele. São submetidos a revistas íntimas vexatórias nos presídios, soma-se a isso o sofrimento pela dificuldade de acesso, devido ao distanciamento das unidades prisionais, ocasionando horas e horas de locomoção até chegar ao local, daí mais umas horas de espera na fila para, no final das contas, já não possuírem nenhuma energia e entusiasmo na visita, pois, tiveram sua intimidade violada, estão constrangidas e exaustas.

Outro fator importante a mencionar é que a falta de estrutura familiar representa 98% dos fatores determinantes da criminalidade, seja pelo ingresso ou na reincidência. Por grande maioria, são famílias desestruturadas; financeira, psicológica ou materialmente (pela ausência de carinho, amor, atenção etc.). Soma-se a isso a exclusão social vivida; a ausência de referência familiar (pai e/ou mãe) e o próprio abandono[27]. Por isso, a família, não pode de forma alguma ser excluída da metodologia apaqueana (OTTOBONI, 2018).

Nesse sentido, o Método APAC oferece aos familiares a Jornada de Libertação com Cristo; curso de Formação e Valorização Humana, ajudando nesse estreitamento do vínculo. Há o contato com sua família, seja por carta, telefone ou visita, inclusive, a visita íntima, bem como o incentivo às visitas em datas especiais, tais como: dia das crianças, dia dos pais, dia das mães etc. Frisa-se esse contato com a família para que o recuperando não perca (ou restabeleça) esses laços afetivos, essa sensação de pertencimento e de que está sendo amparado pela família que acredita e está com ele nesse processo de recuperação. Noutros casos, a APAC também realiza visitas aos familiares do recuperandos, às vítimas e/ou aos familiares da vítima, de cunho psicológico ou assistência material, buscando minimizar sofrimento e prejuízos. (OTTOBONI, 2016)

Assim, o método objetiva cuidar dessas famílias, reestabelecer e fortalecer esses laços afetivos que, por vezes, estão desgastados, frágeis, sem esperança, ou até não existem mais. A mesma atenção e trabalho realizado no recuperando no processo de inserção social, deve ser aplicado, concomitantemente, à família. Pois, inútil seria todo esforço empregado neste processo e, ao final, devolvê-lo ao mesmo núcleo familiar que, por vezes, contribuiu sua inserção na criminalidade ou, àquele que o abandonou.

9. O voluntário e sua formação

A importância da presença dos voluntários no método se dá, sobretudo, pela gratuidade do trabalho realizado nas APAC, salvo os cargos administrativos que são remunerados.

O trabalho dos voluntários é imprescindível para o sucesso dessa metodologia, no processo de recuperação. Nas palavras de Ferreira (2016, p. 39), “nada, absolutamente nada, substitui o trabalho dos voluntários que, por meio de gestos concretos de caridade, revelam aos recuperandos o amor gratuito, constante e incondicional”.

Assim, para ser um voluntário na APAC a pessoa deverá participar de um Curso de Estudo e Formação de Voluntários, ministrado pela FBAC, a fim de conhecer pormenorizadamente o Método APAC, para desenvolver sua aptidão para exercer este mister serviço comunitário. É necessário, também, ter uma boa estrutura psicológica e manter os estudos de aperfeiçoamento e especialização (OTTOBONI, 2018).

Destaca-se que, dentre esses voluntários, há aqueles que desempenham o papel de “casais padrinhos”, os quais adotam os recuperandos, por sorteios, ajudando-os a reconstruírem a figura negativa de pai e/ou mãe, outrora desfigurada. Somente quando o recuperando estiver em paz com estas figuras, estará apto ao retorno ao convívio da sociedade (OTTOBONI, 2018; FBAC, 2015).

10. O Centro de Reintegração Social (CRS)

O décimo elemento, o Centro de Reintegração Social (CRS), é o espaço físico da APAC. Dividido, na prática, em dois espaços: regime fechado, dotado de maior segurança e, o regime semiaberto, de média segurança, onde há a possibilidade do trabalho extramuros (trabalho externo)[28].

A construção dos CRS’s tem como escopo proporcionar condições mais condignas para aqueles que nela irão cumprir suas penas. Portanto, as APACs são dotadas dos departamentos de psicossocial (setor jurídico, saúde, psicológico e assistência social) e administrativo. Ademais, possuem alojamentos dignos, arejados, cozinha, local para o recebimento da família e área de lazer.

Frisa-se que a APAC defende a descentralização dos presídios, para que cada comunidade assuma sua população prisional, facilitando a aproximação do recuperando com seu núcleo familiar, bem como para o cumprimento da pena em pequenos ou médios presídios, situados nas comarcas. Por tal motivo, o CRS possui uma capacidade máxima, evitando-se, assim, a superlotação, motins e rebeliões.

11. Mérito

O décimo primeiro elemento, o mérito, se trata de todo histórico do recuperando durante o cumprimento da pena no CRS, desde elogios, conquistas, advertências, sanções, cursos, saídas e etc. – devendo constar no prontuário. Ou seja, nas palavras de Ottoboni e Ferreira (2016, p.76), “o mérito nas APACs constitui a vida do recuperando desde o momento em que ele chega para o cumprimento da pena até o alcance de sua liberdade (...)”.

No Método APAC, assim como no sistema comum, é empregado o modelo progressivo de cumprimento de pena, para fins de progressividade de acordo com o cumprimento da pena, conforme preceitua o art. 112 da LEP. Para tal, em que pese aos vindouros pedidos de progressão de regime, livramento condicional e outros, far-se-á necessária a juntada aos autos da execução o supramencionado relatório - atestado de bom comportamento carcerário (FERREIRA, 2016; OTTOBONI, 2018).

Portanto, a importância do mérito (claro, em conjunto com os demais elementos) é fazer com que o recuperando compreenda que por meio da sua entrega à metodologia, conseguirá superar suas dificuldades no cumprimento da pena, prosperando gradativamente por meio das suas ações. “Não basta não fazer o mal, é preciso fazer o bem”.[29]

12. A jornada de libertação com Cristo

O décimo segundo elemento, a Jornada de Libertação com Cristo, é o ápice da metodologia. A jornada conta com 4 dias de palestras espirituais; de valorização humana e de testemunhos, provocando nos recuperandos um momento de reflexão e interiorização sobre suas próprias vidas (passado e sobre aquilo que almejam para o futuro), condicionando-os a compreenderem o seu verdadeiro sentido (OTTOBONI, 2018).

Portanto, é um processo de reflexão espiritual que proporciona o recuperando a rever o filme da sua própria vida, se conhecendo melhor; quanto suas origens, defeitos e virtudes, ajudando-o nos novos desafios e escolhas porvir.

 

4. METODOLOGIA

A confecção do presente trabalho foi desenvolvida a partir da vertente metodológica exploratória, utilizando-se de fontes bibliográficas de modo que possibilite uma compreensão mais aprofundada sobre o fato estudado, sendo o escopo da pesquisa o atual sistema prisional brasileiro e a aplicação do Método APAC, como uma alternativa eficaz e humanizada à execução penal. Quanto ao método de abordagem, foi utilizado o raciocínio indutivo, partindo de dados particulares, constatados, obtidos pela eficácia da metodologia, levando-os a uma reflexão geral e ampla sobre a execução penal. A técnica utilizada foi a bibliográfica e documental, extraindo-se, portanto, fundamentos e opiniões doutrinárias, bem como a própria legislação, objetivando uma alternativa para a problemática apresentada. Para tal, a espécie de abordagem empregada foi a qualitativa-comparativa, buscando pormenorizar o Método APAC e compará-lo com o modelo empregado no sistema prisional comum.

 

5. COMPARATIVO: SISTEMA PRISIONAL COMUM X APAC

O presente capítulo destina-se a apontar as principais diferenças entre o vigente modelo adotado no sistema prisional brasileiro e o método aplicado nas APACs. Assim, para além dos motivos já expostos no presente trabalho, faz-se necessário enfatizar alguns pontos de suma importância para obtermos uma melhor compreensão e reflexão sobre a necessidade de se reformar ou, até mesmo, abolir a atual política criminal adotada nos convencionais presídios – desumana e ineficaz. Portanto, nos tópicos abaixo, far-se-á uma distinção desses precípuos fatores, os quais evidenciam a eficiência do Método APAC.

5.1.Custeio de cada preso

O custo per capita que o Estado possui com recuperando na APAC é três vezes menor do que no sistema comum, podendo variar entre cada Estado da Federação. Em Minas Gerais, por exemplo, o custo que tem cada recuperando da APAC é de um pouco mais de R$ 1,2 mil por mês, enquanto que no sistema comum chega a quase R$ 4 mil. Por ano, isso gera uma despesa aos cofres públicos de cerca de R$ 14,4 mil com o Método APAC e, lado outro, R$ 48 mil no sistema tradicional, uma diferença de R$ 33,6 mil por cada preso. Ademais, na construção de uma unidade da APAC, cada vaga custa em média R$ 15 mil, por outro lado no sistema comum custaria em torno R$ 45 mil. Portanto, o que se destaca para além dessa voluptuosa diferença de custo entre ambos os modelos, é a precariedade que se encontra os convencionais presídios, tanto em estrutura quanto na prestação de seus serviços, mesmo embora recebendo para mais do triplo do investimento do Estado. Nota-se, dessa forma, que o Método APAC além de ser mais módico para o Estado, o recuperando possui uma condição infinitamente mais humanizada que a do sistema comum (se é que existe), sendo, sobretudo, eficaz (CNJ, 2017; TJMG, 2019).

5.2.Reincidência

O Método APAC possui um baixíssimo índice de reincidência, variando de 8% a 15%, enquanto no sistema comum a taxa de reincidência alcança 75%.  Inclusive, segundo dados estatísticos apresentados pela Prison Fellowship International, destaca-se o índice de reincidência criminal nas APACs se manteve abaixo dos 5% durante mais de trinta anos. Logo, conclui-se, que a metodologia apaqueana como um método alternativo à execução da pena, é, de fato, eficaz no combate da redução da reincidência criminal, ainda, humaniza o cumprimento da pena e propicia a (re)inserção social.  (FERREIRA, 2016; OTTOBONI, 2014).

5.3.Condições do estabelecimento prisional

No sistema carcerário comum nos deparamos com estruturas antigas e precárias, bem como com celas superlotadas, sujas, fedidas, escuras, sem a mínima condição de higiene, péssima alimentação, dentre tantas outras mazelas. Por outro lado, as APACs contam com instalações completamente condignas com os preceitos estabelecidos pela LEP, oferecendo aos recuperandos um ambiente limpo, higiênico, arejado, excelente alimentação, com capacidade de 5 pessoas por cela (todas com cama, colchão, limpas e organizadas), em suma, um ambiente propicio à (re)ssocialização, e, sobretudo, digno. Ademais, vale-se destacar que a segurança e a disciplina nas APACs são feitas com a colaboração dos próprios recuperandos, os quais ficam encarregados pelo pleno funcionamento da unidade (no que se refere há: limpeza, manutenção, portarias, plantonistas, cozinha, padaria, CSS etc.) – sem contar com a presença de policiais ou agentes prisionais (FBAC, 2019).

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, resta claro que o tradicional sistema prisional não possui a mínima capacidade de cumprir sua primordial função ressocializadora, bem como de promover a inserção social, tampouco oferecer um cumprimento humanizado da pena. Pelo contrário, possuímos um sistema completamente desumano, falido e inócuo, sendo o principal disseminador de ódio e violência, inclusive, propicia um fértil solo para a evolução da criminalidade, o qual reforça, por óbvio, o ciclo da reincidência. Assim, após a análise pormenorizada realizada da metodologia apaqueana, quanto a sua filosofia, objetivo e elementos, sobretudo, corroborada dos positivos resultados, conclui-se, portanto, que de fato o Método APAC se apresenta como uma alternativa à execução penal, sendo infinitamente mais vantajoso para o Estado, tanto pela modicidade do custo per capita em detrimento do sistema comum, quanto pelo baixíssimo índice de reincidência. Trata-se, então, de uma metodologia indubitavelmente eficaz e humanizada, pautada da dignidade da pessoa humana, no amor ao próximo, na confiança, bem como objetiva a recuperação e inserção social, sob o fundamento ideológico de que “todo homem é maior do que seu próprio erro”.

 

REFERÊNCIAS

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ASSIS, Rafael Damaceno. A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, p. 74-78, out./dez. 2007. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/espen/ARealidadeatualdoSistemaPenitencirioBrasileiro2008.pdf . Acesso em: 13 out. 2020.

BITTENCOURT, Ila Barbosa. Justiça restaurativa. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/138/edicao-1/justica-restaurativa Acesso em: 13 Set. 2020.

BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 out. 2020

_______Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm . Acesso em: 16 out. 2020.

Clara Velasco, G. C. (19 de 02 de 2020). g1.globo.com. Fonte: Brasil tem 338 encarcerados a cada 100 mil habitantes; taxa coloca país na 26ª posição do mundo. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/02/19/brasil-tem-338-encarcerados-a-cada-100-mil-habitantes-taxa-coloca-pais-na-26a-posicao-do-mundo.ghtml Acesso em: 10 out. 2020.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Ressocializar presos é mais barato que mantê-los presos. 2017. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/apac-onde-ressocializar-preso-custa-menos-que-nos-presidios/. Acesso em: 15 out. 2020.

D’AGOSTINI, Caroline Trevisol; RECKZIEGEL, Roque Soares. O Método APAC e a Humanização do Sistema Penitenciário Brasileiro. Revista Síntese: Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre, Ano XVI, v. 95, p. 09-32. dez. 2016. Bimestral.

DULLIUS, Aladio Anastacio; HARTMANN, Jackson André Müller. Análise do Sistema Prisional Brasileiro. Revista Síntese Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre. Ano XVI. V. 16, n. 95, p. 33-56. Acesso em: 10 Set. 2020.

FERREIRA, Valdeci A. Juntando cacos, resgatando vidas. 1 ed. Belo Horizonte: O Lutador, 2016.

FERREIRA, Valdeci Antônio; OTTOBONI, Mário. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Método APAC Sistematização de processos. 2016.

GRECO, Rogério. Sistema Prisional: Colapso atual e soluções alternativas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

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Sobre o autor
Ezequiel Rezende San Juan

Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Promove de Belo Horizonte/MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado para fins de aprovação no Curso de Direito pela Faculdade Promove, Belo Horizonte/ MG.

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