Resumo: Visando estabelecer um encontro da Medicina com o Direito, baseado na legislação, doutrinas e jurisprudências, o artigo busca, inicialmente, analisar o instituto da responsabilidade civil dentro do contexto da relação médico-paciente, com o objetivo de esclarecer de que forma se dá a responsabilidade civil diante de um dano ocasionado por um erro médico. O questionamento central do artigo refere-se a analisar o cabimento ou não da responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde decorrentes do erro médico de seus credenciados, cooperados ou conveniados, ou seja, os médicos listados em sua rede de atendimento. Pela perspectiva doutrinária e jurisprudencial, já é possível afirmar que a relação que se estabelece entre a operadora e o beneficiário, e entre o médico e o paciente, são abarcadas tanto pelo Código Civil quanto pelo Código de Defesa do Consumidor. Portanto, resta, por fim, analisar os possíveis impactos dessa judicialização e examinar o posicionamento atualmente adotado pelo Poder Judiciário nos Tribunais Pátrios, nos casos de responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde por erro médico.
Palavras-chave: Erro médico. Operadoras de planos de saúde. Relação médico-paciente. Responsabilidade civil.
Sumário: Introdução; 1) Responsabilidade Civil; 1.1) Breve evolução histórica da responsabilidade civil; 1.2) Conceito; 1.3) Dos pressupostos para configuração da responsabilidade civil; 1.3.1) A Culpa para fins de responsabilidade civil; 1.3.2) O Ato Ilícito para fins de responsabilidade civil; 1.3.3) O Dano para fins de responsabilidade civil; 1.3.4) O Nexo Causal para fins de responsabilidade civil; 1.4) Da Responsabilidade Contratual e Extracontratual; 1.5) A Responsabilidade Civil Objetiva e a Responsabilidade Civil Subjetiva; 2) Da Responsabilidade Civil do Médico; 2.1) Conceitos gerais; 2.2) Obrigação de meio x Obrigação de resultado; 2.3) A Relação Médico-Paciente; 2.4) Do Erro Médico; 2.5) A Iatrogenia como excludente da Responsabilidade Civil do Médico; 3) Responsabilidade Civil das Operadoras de Planos de Saúde e o Erro Médico; 3.1) Sistema Único de Saúde - SUS x Sistema de Saúde Suplementar; 3.2) A Lei 9.656/98 e o Código de Defesa do Consumidor – CDC; 3.3) Dados atuais sobre o Erro Médico no Brasil; 3.4) A Responsabilidade Civil Objetiva e Solidária das Operadoras de Planos de Saúde e o Erro Médico; 3.4.1) Análise do posicionamento atual dos Tribunais Pátrios em caso de responsabilização da Operadora de Plano de Saúde por Erro Médico; 3.5) Análise dos impactos da judicialização da saúde no âmbito das Operadoras de Planos de Saúde; 4) Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A quantidade expressiva de usuários de planos de saúde no Brasil e a escassez de recursos do Sistema Único de Saúde do país (SUS), dá ao sistema privado de assistência à saúde um papel da mais alta importância na demanda da prestação dos serviços assistenciais no Brasil. Conforme a ANS (Agência Nacional de Saúde)[3], em dezembro de 2020, havia 711 operadoras médico-hospitalares operando no país e mais de 47 milhões de usuários dependentes desse sistema suplementar.
Em paralelo a esse cenário, há um crescente aumento de judicializações no segmento de saúde, incluindo as demandas relacionadas a responsabilidade civil por erros médicos[4] e planos de saúde, por meio das quais a sociedade tem buscado, cada dia mais, o Poder Judiciário para ter seu direito resguardado e, consequentemente, receber a reparação pecuniária referente aos danos sofridos.
De acordo com o Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça 2020[5], foram 459.076 demandas judicializadas, com aproximadamente 135 mil relativas à Saúde Suplementar (operadoras de planos de saúde), chamando a atenção o alto número de casos envolvendo erro médico: 31.039.
Diante desse quadro, busca-se, neste estudo, alcançar o objetivo principal de analisar a possibilidade de responsabilização civil das operadoras de planos de saúde no erro médico de seus credenciados, cooperados ou conveniados. Sendo detectado o cabimento da responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde no erro médico, busca-se analisar através dos objetivos específicos as seguintes questões: verificar qual o fundamento legal deverá ser utilizado; analisar a espécie de responsabilidade civil que poderá ser aplicada a operadora de plano de saúde nas ações de erro médico de seus credenciados, cooperados ou conveniados; abordar o impacto da judicialização para os planos de saúde; verificar o posicionamento atual dos Tribunais Pátrios em face da responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde nos erros médicos.
A metodologia baseia-se em pesquisas bibliográficas, de importantes autores que abordam e estudam o tema em profundidade, como Miguel Kfouri Neto, Fernanda Schaefer e Karina Pinheiro de Castro, para uma explanação crítica e científica. Além disso, serão utilizados trabalhos científicos de outras universidades do Brasil, revistas jurídicas e periódicos especializados, bem como o entendimento jurisprudencial dos tribunais e, dada sua relevância no Poder Judiciário, do Superior Tribunal de Justiça.
Quanto a temática escolhida, percebe-se a sua grande relevância, porque além do instituto da responsabilidade civil se encontrar frequentemente presente na vida em sociedade, a quantidade de usuários de planos de saúde atualmente é muito expressiva, e consequentemente a relação médico-paciente passa a ser fundamental nessa dinâmica para evitar o crescente aumento de demandas judiciais visando a responsabilidade civil de operadoras de planos de saúde por erro médico.
Neste sentido, o presente artigo busca primeiramente analisar o instituto da responsabilidade civil do médico explanando sobre o conceito de erro médico e suas características, para posteriormente adentrar na temática da responsabilidade civil da operadora de plano de saúde decorrente do erro médico de seus credenciados, cooperados ou conveniados e seus possíveis impactos, para finalmente trazer uma análise das decisões recentes dos Tribunais Pátrios acerca do tema.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 Breve evolução histórica da responsabilidade civil
Devido as constantes mudanças que ocorrem na sociedade ao longo da história, o instituto da responsabilidade civil assumiu um caráter flexível e dinâmico, precisando sempre se adaptar e se transformar mediante as necessidades que vão surgindo.
Nas sociedades primitivas, anteriores a existência do Direito e das normas que regem o Estado como conhecemos atualmente, era comum que ao causar um dano a outra pessoa, a sociedade se utilizava da vingança inerente a própria natureza humana para “solucionar” o conflito, como uma forma primitiva de aplicação da responsabilidade. Segundo Terra, Guedes, Tepedino (2020, p.1):
Os pressupostos, critérios e mecanismos voltados à obrigação de reparar o dano sofrido por uma pessoa revelam a trajetória da responsabilidade civil ao longo do tempo. [...] Nas sociedades primitivas, a regra de Talião – olho por olho, dente por dente –, absorvida pela Lei das XII Tábuas, determinava o nexus corporal do violador perante o ofendido, e estabelecia uma equivalência da punição do mal com o mal. Encontravam-se, aí, vestígios da vingança privada, embora marcada pela intervenção do poder público, com o intuito de discipliná-la. Nessa fase, não há diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal.
Com a evolução da sociedade e a busca pelo interesse coletivo, o amadurecimento do senso de justiça trouxe consigo a necessidade de uma regulamentação e normas jurídicas que estabelecessem critérios e limites.
De acordo com Castro (2019, p. 36-37), surgiram nesse contexto os primeiros ordenamentos jurídicos, como a Lei das XII Tábuas, o Código de Hamurabi[6] e o Código de Manu. O Código de Hamurabi, segundo Castro (2019, p. 37, apud CASTRO, 2005, p. 21), foi o primeiro documento histórico[7] que tratou da responsabilidade do médico em relação aos seus pacientes.
Demonstrando um importante avanço, de acordo com Terra, Guedes, Tepedino (2020, p.1), a Lex Poetela Papilia (326 a.C.) consagrou, enfim, a contenção da responsabilidade civil à responsabilidade patrimonial, com a proibição da execução pessoal ou escravidão de si próprio ou de pessoas de sua família em troca da extinção do débito. Porém, mesmo com a criação dessa lei, situações como essa continuavam a acontecer.
Conforme pondera Castro (2019, p. 38), somente com a Composição ou Compositio que a regulamentação da responsabilidade civil se aprimorou ao prever uma reparação em pecúnia, sendo a origem remota das atuais formas de indenização do Direito Civil.
A composição voluntária, possibilitava a parte lesada entrar em composição com o ofensor, a fim de receber uma forma de resgate, que substituiria a antiga vingança privada. Caso não houvesse acordo, a composição legal era fixada pela autoridade por meio da Lei das XII Tábuas.
A Lei das XII Tábuas, embora tenha definido os delitos (públicos e privados) e estabelecido as respectivas penas, não considerou relevante a valoração do elemento subjetivo em todas as condutas ilícitas, dessa maneira, mesmo ausente o dolo e a culpa, era possível a aplicação de uma sanção. De qualquer maneira, isso não retira o seu importante papel de contribuição ao atual estágio de evolução da responsabilidade civil.
Com a maior delegação de poderes ao Estado e com o advento da Lex Aquilia, que, de acordo com Santos (2013, p. 25), é originária de um plebiscito proposto pelo tribuno Aquílio, votado provavelmente entres os anos de 286 e 287 a.C., a composição da responsabilidade civil evoluiu ainda mais.
Nesse sentido, Terra, Guedes, Tepedino (2020, p.1) destacam:
Pouco a pouco, separa-se a responsabilidade civil da criminal. A ideia de responsabilidade civil deixa, gradativamente, de se vincular à punição do agente ofensor, e passa a se relacionar ao princípio elementar de que o dano injusto, assim entendida a lesão a interesse jurídico merecedor de tutela, deve ser reparado, consagrando a função precípua que se passou a atribuir ao instituto: a reparação patrimonial do dano sofrido.
A Lex Aquilia pode ser considerada o grande marco da evolução da responsabilidade civil como entendemos atualmente, porque ela reforçou a ideia de reparação de dano através do pagamento em pecúnia, e passou a exigir a valoração do elemento subjetivo da conduta do ofensor, mas não da maneira como atualmente conhecemos, já que não distinguia os graus dessa culpa.
Além disso, pode-se extrair da interpretação da Lex Aquilia, o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados a terceiros, independentemente de relação obrigacional preexistente (sem vínculo contratual) dando origem a responsabilidade extracontratual.
Castro (2019, p. 37), aponta que a Lex Aquilia também se mostrou muito importante na definição da responsabilidade civil médica do Direito moderno, pois nela contém os primeiros rudimentos de responsabilidade médica, prevendo penas e definindo espécies de delitos referentes a atividade do médico.
Importante não deixar de mencionar o Código Napoleônico no Direito Francês, que também teve importante papel na construção do instituto da responsabilidade civil. Nessa quadra, diz Souza (2004, p.47):
A regra moral elementar, consubstanciada no princípio “neminem laedere”, foi consagrada no artigo 1382 do Código francês, assim como a sanção, diante da violação, funcionando, assim, como uma regra geral, já consagrada desde os canonistas. Preocupou-se o Código com a organização técnica da responsabilidade civil, para sancionar o dever moral e determinar a regra de conduta.
[...] Isto influenciou todo o direito do século XIX, durante o qual os juristas jamais duvidaram de que a responsabilidade civil repousasse sobre a noção de culpa.
Percebe-se, assim, que o Direito Francês deixou sua importante contribuição ao reforçar o caráter reparatório da responsabilidade civil, buscando retirar o foco do agente causador e levando-o a vítima, buscando fazer voltar, o mais próximo possível, ao status quo ante.
1.2 Conceito
Cumpre salientar, primeiramente, as ideias gerais sobre o instituto da responsabilidade civil, que está frequentemente presente na vida em sociedade buscando trazer o equilíbrio nas relações através da reparação do dano causado em virtude do descumprimento de uma norma jurídica pré-existente, contratual ou não.
Conforme Castro (2019, p. 42, apud DINIZ, 1995, p. 29), tem-se por responsabilidade civil:
Responsabilidade civil é aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).
Importante entendimento sobre o tema, demonstra Venosa (2019, p.448, apud NORONHA, 2003, p. 429), segundo o qual, de forma ampla:
[...]a responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos strictu sensu.
O Código Civil (CC) em seus artigos 186 e 927 prevê que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e que mediante a ocorrência do ato ilícito nasce a obrigação de reparação. O abuso de direito também é considerado ato ilícito, de acordo com o art.187 do CC.
1.3. Dos pressupostos para configuração da responsabilidade civil
Diante do conceito de responsabilidade civil, tem-se a partir da regra do art.186 do CC, que não basta a antijuridicidade para caracterização do ato ilícito gerador de responsabilidade.
Segundo Sílvio de Salvo Venosa (2019, p. 451), os requisitos para a configuração do dever de indenizar são a ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e culpa.
De acordo com Mello (2017, p. 587, apud CAVALIERI FILHO, 2005, p. 54), a culpa não foi definida pelo legislador brasileiro, e em sentindo amplo (lato sensu), abrange “toda espécie de comportamento contrário ao Direito, seja intencional, como no caso do dolo, ou não, como na culpa”.
O dolo existe quando o agente tem a intenção de causar o dano ou quando assume os riscos do resultado. Porém, o objetivo do presente artigo é tratar a responsabilidade civil das operadoras de planos de saúde decorrentes do erro médico, não se mostrando relevante aprofundar no dolo, porque a responsabilidade médica predominante nos tribunais, deriva da culpa, caracterizada pela negligência, imprudência ou imperícia.
1.3.1 A Culpa para fins de responsabilidade civil
A culpa é um dos conceitos mais discutidos na esfera jurídica, é o elemento mais importante para a caracterização do erro médico. De acordo com Moraes (1996), ela pode ser analisada em vários aspectos, podendo ser dividida gradativamente, desde o grau leve ao grave.
A culpa no sentido amplo é quando identificamos o dolo, ou seja, quando há à intenção, e a culpa no sentido estrito é resultado da violação a um dever de cuidado e pode ser consequência de imperícia (falta de habilidade no exercício de atividade técnica), negligência (falta de cuidado por conduta omissiva) ou imprudência (falta de cuidado por conduta comissiva).
Segundo Araripe (2005, apud, DINIZ, 2006, pág. 46):
“A imperícia é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; e a imprudência é precipitação ou o ato de proceder sem cautela."
Portanto, todas as vezes que falamos em culpa esta deverá ser analisada em cada caso, para verificação dos elementos que constitui a culpa, se eles estão ou não presentes no ato praticado.
1.3.2 O Ato Ilícito para fins de responsabilidade civil
Ato ilícito é toda conduta humana que contraria à ordem jurídica, à moral, aos bons costumes, são atos praticados que causam danos a outrem, gerando consequentemente a responsabilidade civil de reparar os danos causados, a partir do ato ilícito é que se analisa a culpabilidade do agente. Conforme descrito por Cortez (2013, p. 83):
O ato ilícito é um todo, do qual a culpa é um dos seus elementos. O ilícito é um fenômeno complexo, uma fonte de obrigação qual seja, a de indenização ou de ressarcir o prejuízo causado, que é praticado com infração a um dever de conduta, através de ação ou omissão culposa ou dolosa do agente, pelas quais resultará dano para outrem [...]
Para que exista um ato ilícito são necessários três pressupostos segundo Cortez (2013, p. 85), são eles: a existência de uma conduta pessoal, violação do dever jurídico estabelecido pela lei e a existência de um prejuízo a outrem. Identificado o ato ilícito há de se falar em culpa ou dolo e consequentemente em reparação do dano causado.
1.3.3 O Dano para fins de responsabilidade civil
O dano é o prejuízo que gera lesão a algum bem de outrem, originado pela conduta voluntária do agente, sendo o principal efeito derivado do ato ilícito seja ele culposo ou não, é de que a partir da existência do dano nasce a obrigação civil de reparação mediante indenização, de acordo com Correia-Lima (2009, p.31) sem a comprovação de dano, não há de se falar em responsabilidade civil de reparação.
É estabelecido pelo Código Civil nos artigos 186 e 187 a obrigação de reparação do prejuízo oriundo de atos ilícitos havendo ou não a culpa nos casos explícitos em lei e/ou quando a atividade realizada já tem natureza de causar riscos para os direitos de outrem. Segundo Mello (2017, p.624): “o dano é a lesão de um bem jurídico, que pode ser classificado como danos materiais ou patrimoniais e danos imateriais ou morais.”
Os danos materiais ou patrimoniais são danos que atingem coisas mensurais economicamente, já os danos imateriais e morais são danos que não há como mensurar em sua totalidade os prejuízos causados, pois estes tipos de danos atingem a personalidade, o bem-estar e o íntimo da vítima, ou seja, em um contexto mais subjetivo.
1.3.4. O Nexo Causal para fins de responsabilidade civil
No âmbito da teoria da responsabilidade civil é necessário a demonstração do nexo de causalidade, que nada mais é do que a ligação entre causa e efeito, que existe entre a ação ou omissão do ofensor e resultado oriundo deste fato que é o dano.
Segundo Correia-Lima (2009, p. 29), não é preciso observar, após o dano, apenas a ordem cronológica dos fatos, o mais importante é identificar um nexo lógico que levou a causa do dano. Compactuando com esse entendimento, segundo Mello (2017, p.624):
[...] é a relação entre um fato (causa) e o dano ocorrido (efeito). O nexo de causalidade é elemento essencial nos casos de indenização, já que a responsabilidade civil existe a partir da existência do nexo causal entre o fato e o resultado danoso.
O dano pode se dar por vários fatores casuísticos, assim como também pode ocorrer baseado apenas em uma causa. São discutidas várias teorias de nexo de causalidade, mas partindo do princípio da teoria da causalidade da equivalência, de acordo com Correia-Lima (2009, p. 30) dizemos que a causa será toda e qualquer condição que tenha contribuído para o resultado do dano.
1.4 Da Responsabilidade Contratual e Extracontratual
Conforme CHANAN (2018) muito tem se discutido em vários países, inclusive no Brasil, sobre a unificação dos institutos da responsabilidade civil contratual e extracontratual, onde identifica-se que a tese monista tem forte tendência em prevalecer, entretanto, assim como em outros países, o Brasil é influenciado pelo Direito Romano, e por isso adotamos atualmente a tese dualista.
A tese dualista faz distinções entre os dois institutos claramente apresentados através do Código Civil de 2002, nos dispositivos 389 a 405, trata-se da responsabilidade das inadimplências contratuais, ou seja, da responsabilidade contratual, e a responsabilidade extracontratual ou aquiliana[8] encontra-se nos artigos 186, 187 e 188 juntamente com os artigos 927 a 954.
De acordo com Castro (2019, p. 56) a responsabilidade contratual baseia-se a partir de um contrato prévio firmado entre as partes, que pode ser de forma tácita ou expressa, este contrato através de cláusulas e condições impõe obrigações e direitos para ambas as partes que o celebram.
Caso alguma das partes deixe de cumprir com as obrigações determinadas neste contrato, haverá o cometimento de um ilícito contratual que ensejará na responsabilidade contratual. Portanto, havendo uma relação jurídica prévia entre autor e vítima caracterizando um negócio jurídico, a relação estará pautada por um contrato.
Por sua vez, na responsabilidade extracontratual também denominada responsabilidade aquiliana, não há uma relação jurídica firmada previamente, pois nesta relação não há de se falar em negócio jurídico, pois ela acontece naturalmente pelo dever de não causar nenhum dano a ninguém, e qualquer um que vier a lesar o direito alheio, estará obrigado a repará-lo.
Segundo Castro (2019, p. 57) a responsabilidade extracontratual decorre da prática de ato ilícito, seja por meio de uma conduta culposa ou por abuso de direito, ocorrendo a transgressão de um dever geral de conduta.
1.5 A Responsabilidade Civil Objetiva e a Responsabilidade Civil Subjetiva
A responsabilidade civil tem seu fundamento em duas teorias, quais sejam, a teoria da responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva. O primeiro momento da responsabilidade civil, foi o da responsabilidade subjetiva, onde a culpa precisava ser provada.
A responsabilidade subjetiva encontra respaldo legal no artigo 186 do Código Civil, e seu fundamento é baseado na culpa do agente, ou seja, o elemento subjetivo da culpabilidade determina o dever de reparação, por esse motivo sendo também conhecida como teoria da culpa.
Segundo Alvino Lima citado por Kfouri Neto (2019, p.109), são requisitos essenciais para a teoria da responsabilidade subjetiva: o ato ou omissão que viola o direito de outrem, o dano que é produzido por esse ato ou omissão, a relação de causalidade entre o ato ou omissão e o dano provocado, e por fim, a culpa. Nesse sentido, a análise de como o comportamento do agente contribuiu para o prejuízo da vítima, se torna essencial.
De acordo com Couto Filho e Souza, citados por Castro (2019, p.50), temos: “A responsabilidade subjetiva é fundada na culpa, logo é condição sine qua non seja provado que houve atuar negligente, imprudente ou imperito.”
Com a evolução da sociedade e das relações obrigacionais, a teoria subjetiva começou a não ser suficiente para solucionar os conflitos existentes.
Em muitas situações, o ônus de provar a culpa do agente era praticamente impossível, deixando em muitos casos a vítima sem qualquer indenização. De acordo com Terra, Guedes, Tepedino (2020, p.8):
A rigor, a revolução por que passa, ainda hoje, a responsabilidade civil decorre, em grande medida, da alteração da própria função do instituto, que deixa de ser, definitivamente, a moralização ou a punição de condutas, e passa a ser a proteção da vítima, de acordo com a máxima segundo a qual, verificado o dano injusto, a vítima não deve ficar irressarcida. Volta-se a responsabilidade civil para as consequências do dano, não já para suas causas.
Segundo Castro (2019, p.50), a partir de ideias socializantes presentes ao final do século XIX na Europa, a jurisprudência e a doutrina começaram a entender que para evitar situações de impunidade à vítima, era necessário operar a inversão do ônus da prova a respeito da culpa, ou seja, o autor do dano seria responsabilizado de maneira presumida em alguns casos, tendo, contudo, a possibilidade de provar sua isenção de culpa.
Esse fundamento fez surgir a teoria da responsabilidade objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que desconsidera a culpabilidade. Encontra-se prevista, de modo geral, no parágrafo único do art.927 do Código Civil:
Art.927, Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
De acordo com Castro (2019, p.49), a responsabilidade objetiva compreende na reparação de danos causados a outrem sem necessariamente analisar a culpa, neste caso apenas com o fato de existir a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade é possível caracterizar a responsabilidade de reparação do dano de forma objetiva. Em consoante entendimento, Sílvio Rodrigues citado por Kfouri Neto (2019, p.114):
Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.
Como ressalta Venosa (2019, p.451), essa exacerbação da noção de responsabilidade constitui, na verdade, a maior inovação do Código deste século em matéria de responsabilidade e exigirá um cuidado extremo da nova jurisprudência.