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O direito digital e a jovem advocacia

18/04/2021 às 15:50
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O presente artigo busca enfatizar as razões pelas quais os jovens advogados precisam estar atentos às normas que regulamentam as relações dentro do ambiente digital.

Em um passado recente, as Universidades de Direito se limitavam ao estudo daquelas disciplinas “clássicas”, quais sejam: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Civil e Processual Civil, Direito Penal e Processual Penal e Direito Trabalhista e Processual Trabalhista. Eram poucas as Universidades que avançavam além dessas áreas.

O direito se operava, por sua vez, dentro da estrutura complexa e burocrática do Estado, com processos físicos, audiências e sessões de julgamento presenciais – tomadas de formalidades –, e com todo um aparato público para atender aos magistrados, aos membros do Ministério Público e, especialmente, aos advogados. Para conseguir acessar aos autos de um processo, por exemplo, era necessário se dirigir ao Fórum e, não raras as vezes, esperar por longos minutos, até ser atendido por um servidor.

O que se viu nos últimos anos, contudo, foi uma grande transformação do mundo, a partir de uma série de avanços tecnológicos que, a um só tempo, imprimiram uma grande velocidade no fluxo de informações, aproximando, sobremaneira, as pessoas.

Referidos avanços tecnológicos, pode-se afirmar, modificaram significativamente a operação do Direito, na medida em que permitiram a implantação de sistemas informatizados para a tramitação dos processos (PJe, Projudi, e-SAJ e e-Proc), a realização de audiências e sessões de julgamento por videoconferência – questionáveis em alguns casos, é bem verdade – e, porque não dizer, a redução dos gastos públicos.

Os advogados mais jovens, portanto, já desfrutam de uma realidade bem diversa daquela vivida há vinte, trinta, quarenta anos. Tempos modernos, com muitas facilidades!

No dia a dia das pessoas, por outro lado, os avanços tecnológicos se concretizaram por meio do surgimento das redes sociais, do advento de aplicativos de transporte, do desenvolvimento do e-commerce, do surgimento das nuvens de armazenamento, do lançamento de bancos digitais e, ainda, da eclosão de plataformas de streaming.

Pois bem, certamente, muitas são as vantagens oriundas dessa revolução tecnológica havida nos últimos anos. Sucede que, ao mesmo tempo em que surgem inúmeras facilidades, diversos problemas, antes inimagináveis, também vêm à tona, exigindo, por conseguinte, a edição de novas normas jurídicas, para lidar com todas essas novidades, ou melhor, dificuldades.

A esse conjunto de normas, que visam, em especial, a regulamentação das relações dentro do ambiente digital, foi dado o nome de Direito Digital, ramo este que já conta, hoje, com leis de grande expressão, taiscomo: Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), Lei Carolina Dieckmann (Lei nº 12.737/2012) e, a mais recente, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).

Em um mundo guiado cada vez mais pela tecnologia, a compreensão dos direitos básicos previstos nessas normas se faz importante por parte dos cidadãos, e, sem dúvida alguma, imprescindível por parte dos advogados que, enquanto operadores do direito, inseridos em mundo altamente informatizado, permeado de inovações tecnológicas (IA, deep learning etc.), precisam, definitivamente, dominar as normas de Direito Digital ­– cada vez mais numerosas.

Nesse trilho, certo advogado poderia questionar: atuo, tão somente, na área de Direito Civil, eu realmente necessito me debruçar sobre as normas de Direito Digital?

Outro poderia indagar: minha área de atuação se restringe ao Direito Penal, por quais razoes eu devodominar as normas de Direito Digital?

Para ambos (e todos) os casos, a reposta é uma: a tecnologia da informação, simplesmente, permeia cada vez mais as nossas vidas e, por conseguinte, permeia todas as áreas de conhecimento! A tecnologia está em tudo!Sendo assim, é imprescindível dominar os conceitos e direitos previstos nas normas de Direito Digital, pois, não raras as vezes, é de lá que sairão as soluções jurídicas para o advogado.

Aos jovens advogados, portanto, fica um precioso conselho: já não basta dominar as disciplinas “clássicas” do direito por si só, porquanto, independentemente da área de atuação profissional escolhida, far-se-ásempre necessário o domínio dos conceitos e direitos previstos nas normas de Direito Digital.

É bem verdade que, atentas à transformação do mundo e à consequente transformação do direito,Universidades públicas e privadas já têm, inclusive, inserido em suas grades a disciplina de Direito Digital e, ainda, ofertado aos profissionais do direito, até mesmo, cursos de pós-graduação na área.

Por certo, uma atitude louvável, afinal, como exposto acima, a tecnologia da informação permeia todas as áreas de conhecimento e Direito Digital, por seu turno, permeia todos os ramos do direito.

Conforme já externado pelo historiador Michael Sean Mahoney, inexiste uma dualidade de mundos, isto é, mundo analógico versus mundo digital. Há, sim, um deslocamento do mundo analógico para o mundo digital [1]. 

Visando ilustrar o esposado acima, torna-se oportuna uma breve análise do “Caso Marielle Franco” (assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes) que, à primeira vista, ressalte-se, não parece ter qualquer relação com o Direito Digital. No entanto, não é bem assim, vejamos.

No âmbito das investigações do “Caso Marielle Franco”, restou determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que a Google Brasil Internet Ltda. fornecesse determinadas informações dos usuários de seus serviços, mais especificamente, informações sobre quem transitou por certos locais da cidade do Rio de Janeiro, a partir dos dados de busca e de acesso em seus aplicativos.

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Google Brasil Internet Ltda., entretanto, resistente em fornecer tais informações, recorreu da referenciada decisão, tendo a discussão, ao fim e ao cabo, alcançado o Superior Tribunal de Justiça.

Sob a relatoria do ministro Rogério Schietti, a questão supracitada foi enfrentada pela 3a Turma do Tribunal, que decidiu negar provimento ao recurso da Google Brasil Internet Ltda., mantendo, por conseguinte, a obrigatoriedade do fornecimento das informações citadas acima.

Por tramitar em segredo de justiça, não se revela possível o acesso aos autos, em especial, à decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, em matéria sobre esse julgamento veiculada pelo próprio site da Corte, restou assinalado:

O ministro refutou as alegações da Google de que a medida seria genérica e afetaria um número elevado de pessoas, sem a correta indicação de suspeitos.

A determinação do juiz de primeira instância, explicou o relator, foi para a quebra de sigilo de dados informáticos estáticos, referentes à identificação de usuários de aplicativos em determinado perímetro geográfico, diferentemente do que ocorre com as interceptações, as quais dão conhecimento do conteúdo da comunicação travada com o destinatário.

“Há uma distinção conceitual entre a quebra de sigilo de dados armazenados e a interceptação do fluxo de comunicações”, afirmou o ministro. “O ordenamento jurídico brasileiro tutela de maneira diferente o conteúdo das comunicações mantidas entre indivíduos e, a seu turno, as informações de conexão e de acesso a aplicações de internet, garantindo proteção também a essa segunda categoria de dados, ainda que em dimensão não tão ampla”.

Rogerio Schietti lembrou que, segundo os artigos 22 e 23 do Marco Civil da Internet, na ordem judicial para o fornecimento de registros de conexão ou acesso não é indispensável a individualização das pessoas. “Tal exigência, por certo, revelar-se-ia verdadeiro contrassenso, na medida em que o objetivo da lei é possibilitar essa identificação”, concluiu o relator. [2]

Ratificando o exposto acima, portanto, o referido caso, aparentemente, restrito às normas de Direito Penal e Processual Penal, acabou esbarrando no Direito Digital, em especial, no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Como se pode ver, definitivamente, não há outro caminho senão o domínio dos conceitos e direitos previstos nas normas de Direito Digital.

E vale registrar, nesse ponto, que os jovens advogados, quase em sua totalidade inseridos no mundo virtual, com acesso às mais variadas redes sociais, assinantes de diversas plataformas de streaming, acostumados emarmazenar seus documentos e fotos em nuvem e, não raras as vezes, detentores, até mesmo, de conhecimento de programação computacional, levam uma grande vantagem nesse processo.

Isso porque, uma noção, ainda que mínima, dos conceitos, mecanismos, procedimentos e ferramentas que estão por trás desse mundo virtual (IA, deep learning, marketing digital, impulsionamento digital, cookiesfirewall etc.), por si só, facilita (e muito) a compreensão das normas de Direito Digital, porquanto permite a assimilação do contexto em que tais normas foram editadas.

Desse modo, se os advogados como um todo necessitam compreender e dominar as normas de Direito Digital, os jovens advogados, a bem da verdade, têm mais do que a obrigação de dominá-las.


[1] MAHONEY, Michael Sean. The histories of computing(s): Interdisciplinary Science Reviews. 2005, p. 119–135.

[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Terceira Seção rejeita recurso da Google contra fornecimento de dados no caso Marielle Franco. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26082020-Terceira-Secao-rejeita-recurso-da-Google-contra-fornecimento-de-dados-no-caso-Marielle-Franco.aspx>. Acesso em: 4 dez. 2020.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Felipe Aires Coelho. O direito digital e a jovem advocacia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6500, 18 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89921. Acesso em: 22 dez. 2024.

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