ALGUMAS QUESTÕES QUANTO AO ASSUNTO ABORDADO:
1ª - Uma reparação por danos morais em valores expressivos (milhões) pode ser razoável e proporcional?
Segundo o eminente doutrinador José dos Santos Carvalho Filho: "razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standards de aceitabilidade". E ainda, quanto à proporcionalidade, ensina que: a "proporcionalidade em sentido estrito" opera-se "quando as vantagens a serem conquistadas superam as desvantagens". [10] (grifamos)
O exposto acima nos autoriza concluir que, sejam quais forem os valores alcançados por uma condenação a título de danos morais, tais somas somente deixarão de observar aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade se alcançarem valores que levem o agente ofensor à ruína financeira ou que representem uma quantia irrisória para o mesmo. Pois, sendo (ou não) expressivas tais cifras, se as mesmas estiverem levando ao desestímulo do ato praticado pelo ofensor, estarão alcançando um dos dois objetivos fundamentais do dano moral, que é justamente o de punir o ofensor de tal forma que o desestimule, conscientizando-o da gravidade do ato praticado, persuadindo-o de seu "animus laedere". Destarte, ainda que expressivo o valor recebido com vistas à indenização por danos morais, em virtude, por exemplo, de uma morte acidentalmente provocada, esse valor JAMAIS apagará o dano moral sofrido, pois não há soma em dinheiro que sane a DOR E/OU SOFRIMENTO ocasionados pela morte de um ente querido. Tal valor, quando recebido, representa apenas uma TENTATIVA DE REPARAR o dano sofrido pelo(s) ofendido(s), que é o outro objetivo fundamental buscado pela norma, ao trazer à legislação pátria o Instituto dos Danos Morais. Portanto, não há que se falar em enriquecimento ilícito pelo simples fato de haver uma condenação com altos valores estabelecidos, mas, tão somente, será ilícita a quantia que desatender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade supramencionados. Ora, condenações por danos morais milionárias, de ofensores multimilionários, são perfeitamente razoáveis e proporcionais, ou seja, perfeitamente aceitáveis, para ao menos puni-los, desestimulando-os a praticar semelhantes atos ofensivos no futuro, quanto mais quando se tratarem de ofensas a quaisquer dos aspectos da vida humana. Neste sentido, válido ainda é citar o ensinamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ao tratarem do direito à vida: "A concepção de um direito à vida (e não – repita-se – sobre a vida) implica o reconhecimento estatal da legitimidade do combate individual e coletivo a todas as ameaças à sadia qualidade de vida".[11]
2ª - O ataque a qualquer dos direitos da personalidade é passível de reparação por dano moral?
É fato que quaisquer dos direitos da personalidade merecem a especial proteção do direito e ainda que não haja a previsão específica para algum deles, deve o mesmo ser resguardado de qualquer ataque, assim como expressa Pietro Perlingieri em sua precisa lição: "O juiz não poderá negar tutela a quem peça garantias sobre um aspecto da sua existência que não tem previsão específica, porque aquele interesse já tem uma relevância ao nível de ordenamento e, portanto, uma tutela em via judicial"[12]. O que implica dizer que o ataque a qualquer direito da personalidade é passível de reparação moral.
3ª - O fato de haver uma "compensação" pecuniária em valores expressivos, para reparar a "dor moral", o sofrimento, ou haver interesse nessa reparação seria imoral/ilegal?
A imoralidade no tocante a reparações em face de danos morais reside na impunidade do agente ofensor, ou seja, se este não for sequer desestimulado de seus atos ofensivos, configurar-se-á uma imoralidade/ilegalidade. Os valores recebidos a título de reparação por danos morais, como vimos, servem para tentar reparar o abalo moral, a dor e o sofrimento dos ofendidos, em virtude do ataque impingido a seus direitos personalíssimos. Estes "bens morais", conforme destacamos, não são passíveis de avaliação pecuniária, especialmente no que tange à vida humana e à coibição de atos atentatórios contra a mesma, em respeito, conforme alhures frisamos, aos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Destarte, os valores recebidos com vistas à reparação por danos morais servem para tentar amenizar o abalo ocorrido (especialmente em um caso que envolva a morte de um ser humano), pois o dano moral não desaparece com uma paga em dinheiro, até porque, SE POSSÍVEL FOSSE, o pedido do(s) ofendido(s), não raras vezes, costuma ser o retorno no tempo para que não sofressem o dano moral que vieram a sofrer, por conta de uma atitude ilegal, irresponsável e/ou imprudente por parte do(s) ofensor(es). Antes ao contrário, o dinheiro, aqui, deve desempenhar o papel de satisfação tanto quanto possível, mas principalmente o de pena (contra-incentivo ao ilícito e irresponsável ato praticado pelo agente ofensor), seguindo, assim, perfeitamente, a função social do direito privado que foi alçada ao ápice do ordenamento jurídico pátrio por nossa Magna Carta e eleita como cláusula geral por nosso Código Civil.
Quanto ao interesse monetário, é obvia a necessidade de que, em um processo onde se pleiteie reparação moral, haja o interesse do(s) ofendido(s) em receber a reparação pecuniária resultante de tal pedido, até porque, o interesse de agir é uma das condições da ação; portanto, ainda que exista a altruística função de desestímulo na reparação moral, haverá também o interesse por parte dos que a pleiteiam em receber o valor pretendido. Deve-se salientar, ainda, em contraposição a alguns entendimentos, que não há nenhuma ilegalidade e/ou imoralidade em se receber uma quantia expressiva face à dor ou sofrimento experimentados, pelo simples fato de ser alta esta quantia, até porque, se assim o fosse, o recebimento de uma fortuna como herança seria um enriquecimento ilegal ou imoral, uma vez que tal enriquecimento decorre de um sofrimento, de uma dor, face à perda de um ente querido.
Ademais, a função de desestímulo dos danos morais, exaustivamente mencionada (através da boa doutrina), decorre de um dos objetivos fundamentais da norma, sendo, portanto e também, objetivo dos escopos jurídico e social da JURISDIÇÃO. Nesse sentido o brilhante processualista Fredie Didier Júnior, ao tratar de Jurisdição, assim leciona: "O escopo jurídico consiste na atuação da vontade da lei. [...] O escopo social consiste em promover o bem comum, com a pacificação, com justiça, pela eliminação dos conflitos, além de incentivar a consciência dos direitos próprios e o respeito aos alheios. Como forma de expressão de poder do Estado, deve canalizar fins do Estado. Perceba que, aqui, o fim é da jurisdição em si mesma, não das partes, pois ninguém seria ingênuo de afirmar que alguém entra com uma ação condenatória contra outrem por interesses altruístas."[13](grifamos). Portanto, é obvio que interesses altruístas, como a função punitiva e desestimulante da reparação por danos morais, devem ser objetivo especial da própria Jurisdição. Até porque, o desestímulo do ofensor, na medida em que exerce um papel dissuasivo a novas e outras ofensas semelhantes, exerce também o escopo ou função social a ser visada pela jurisdição.
4ª - A autorização legal de reparações em cifras expressivas poderia dar azo à corrupção?
Argumentam alguns que a possibilidade de condenações à reparação por danos morais em grandes valores poderia dar azo à tentativa das partes envolvidas no litígio de tentarem influenciar o juiz da causa (práticas odiosas e ilegais, diga-se de passagem), seja prometendo parte dos valores recebidos ou oferecendo quantias para que os valores indenizatórios sejam arbitrados em pequenas montas. Mas, muito ao contrário, o "sistema de alíquotas" apresentado no presente estudo visa também a coibir essa possibilidade de interferência externa na jurisdição, pois o estabelecimento de parâmetros percentuais (jurisprudenciais, doutrinários ou legais) a serem aplicados a título de punição/desestímulo sobre o faturamento anual do(s) ofensor(es) dificultaria a qualquer interessado tentar influir na decisão de uma causa, objetivando uma possível modificação dos valores indenizatórios, fosse para aumentá-los, fosse para diminuí-los.
5ª- Qual seria a solução para o caso do direito de regresso de uma empresa condenada a reparar por danos morais, ou seja, o desestímulo/punição pecuniária aplicada à empresa poderia ser totalmente transferido ao funcionário diretamente culpado pela ofensa?
Questão tormentosa é a de que a empresa teria o direito de regresso quanto a um funcionário, cujos atos ofensivos resultariam em reparação por danos morais. Com efeito, há o direito de regresso; todavia, a quantia a ser "ressarcida" à empresa por tal funcionário deverá também obedecer aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade em relação ao mesmo, ou seja, se determinada empresa for condenada a reparar uma família por danos morais em virtude da morte de um dos familiares, sob o percentual de 1% sobre o que auferiu no ano (na hipótese de o faturamento anual desta empresa ter sido de R$ 1.000.000,00, a reparação arbitrada seria de R$ 10.000,00 (dez mil reais)), o mesmo percentual deverá ser aplicado para se descobrir o valor correspondente ao que o funcionário diretamente responsável pela ofensa deverá "ressarcir" a empresa. Assim, se esse funcionário receber um salário mensal (bruto) de R$800,00, a soma de um ano dos seus salários, considerando-se o 13º salário, totalizaria R$10.400,00, o que, para o presente exemplo, com o mesmo percentual aplicado (1%), resultaria na quantia de R$ 104,00 (cento e quatro reais) a ser "ressarcida" por esse funcionário à empresa, a título de regresso em relação aos danos morais causados, o que atenderia perfeitamente ao fator de desestímulo visado pela norma, mas ao mesmo tempo também não levaria o referido funcionário à ruína financeira - o que fatalmente viria a acontecer se o direito de regresso da empresa fosse integral em relação ao funcionário.
Note-se que o exemplo acima se refere a ofensas imputadas a pessoas jurídicas, em razão dos produtos comercializados e/ou serviços prestados pelas mesmas, casos em que se pode pleitear a responsabilização objetiva destas. Ou seja, se, por exemplo, a ofensa acima descrita ocorreu por culpa de um funcionário de uma concessionária de serviços públicos de conservação e manutenção de estradas de rodagem, sendo que um ato desse funcionário tenha provocado um acidente, acarretando a morte mencionada acima, a responsabilidade dessa empresa seria objetiva, porque a mesma seria responsável por empregar/contratar um funcionário incapacitado ou descuidado (culpa in eligendo / culpa in contraendo) e/ou por não monitorar e vigiar o serviço executado (culpa in vigilando), uma vez que os serviços prestados por essa empresa implicam atividade de risco, devendo, assim, a referida empresa ser punida/desestimulada por empregar pessoas incapacitadas ou por não treinar corretamente seus funcionários e/ou ainda, por não monitorar ou vigiar a qualidade dos serviços prestados. Isso, também, em virtude do instituto da responsabilidade objetiva.
Entretanto, se uma ofensa for cometida por culpa do funcionário de uma empresa, ainda que em horário de trabalho, mas, sem relação alguma ao serviço prestado ou ao produto comercializado pela mesma, ou ainda, se um produto deteriorar-se ou causar lesões por culpa exclusiva de terceiros (revendedores, etc.), obviamente, não poderá haver responsabilização de tal empresa, uma vez que tal produto terá saído da esfera de poder e controle dessa companhia, salvo se restar comprovada a má orientação quanto à conservação, utilização ou aplicação de tal produto por parte da própria companhia. Portanto, nestes últimos casos, não há que se falar em direito de regresso, eis que a culpa é exclusiva de terceiros, não devendo a empresa figurar no pólo passivo de nenhuma ação.
6ª - Existem julgados do STF no sentido de aceitar o arbitramento de danos morais em salários mínimos?
Quanto à questão levantada no presente estudo, acerca da inconstitucionalidade do arbitramento dos danos morais em salários-mínimos, salientamos que, embora existam julgados do STF aceitando esse posicionamento, consideramos a questão como ainda não pacificada em nossa Suprema Corte, haja vista haver julgados do próprio STF apoiando entendimento contrário.
Ademais, embora possa existir a intenção de nossa Corte Suprema em permitir que, em alguns casos, haja vinculação dos valores de indenizações ao salário-mínimo, para que este, talvez, atue como fator de atualização daquelas, entendemos ainda haver ferimento ao texto de nossa Magna Carta, em cujo art. 7º, IV, expressamente, é vedada a vinculação do salário-mínimo, para qualquer fim (conforme destacamos alhures). Entretanto, para que (em casos de procrastinação no pagamento) não ocorra a desvalorização dos montantes destinados às indenizações arbitradas nas decisões, entendemos ser perfeitamente aplicável às mesmas - como fator de atualização - os mesmos índices da poupança (no caso de o ofensor ser pessoa física ou pequena empresa), ou ainda, os mesmos juros compostos aplicados aos cheques especiais (no caso de o ofensor ser grande empresa, entidade financeira ou ainda pessoa de muitos recursos), isso para afastar a utilização de recursos procrastinatórios que visem pura e simplesmente a suspender os pagamentos, pelo máximo de tempo possível, objetivando até a desvalorização do montante a ser pago nas indenizações. Tal entendimento tem fulcro em nossa Constituição, através do princípio da reciprocidade, que, ao nosso sentir, pode e deve ser aplicado aos nacionais, uma vez que é aplicado, até mesmo, aos países estrangeiros. Semelhante entendimento já teve recentes precedentes jurisprudenciais, nos quais nos ancoramos.
Ainda no mesmo sentido, a boa-fé objetiva, presente em nosso Código Civil, autoriza a utilização da Teoria da "tu quoque" (o impedimento de fazer ou exigir de outrem o que não se faz ou se exige de si próprio, e.g. como ocorre na exceção do contrato não cumprido) ou ainda, sob outra ótica, a possibilidade de exigir de "alguém" o mesmo que é permitido a este "alguém" exigir de terceiros, o que, a nosso ver, também pode autorizar a mesma aplicação dos juros utilizados pelos bancos como fator de atualização das indenizações a serem pagas pelos mesmos, vez que estes, muitas vezes, utilizam-se de procedimentos meramente procrastinatórios para retardar o pagamento de indenizações impostas pelo judiciário.
7ª - As reparações que alcançarem grandes cifras deveriam ser em parte destinadas para o auxílio de entidades beneficentes?
Existem entendimentos no sentido de que, caso as somas arbitradas a título de reparação por danos morais, com a sua função desestimulante e, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, alcancem valores muito elevados, devam ser, em parte, destinadas a entidades filantrópicas e assistenciais, no sentido de se tentar impedir o "enriquecimento ilícito" dos ofendidos e ainda de se atender à função social da jurisdição.
Entretanto, embora consideremos louváveis tais entendimentos, enxergamos graves ilegalidades e perigos ao se adotar tal posicionamento, senão vejamos: em primeiro lugar, como vimos, não existe nenhuma ilegalidade ou falta de causa em um enriquecimento que tenha se dado em virtude de ação reparatória de danos morais, desde que essa reparação tenha sido arbitrada dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade fartamente mencionados. Ou seja, ainda que alcancem valores expressivos em virtude da função desestimulante da norma, os valores arbitrados a título de reparação moral somente serão "ilícitos", caso não respeitem os critérios supramencionados; em segundo lugar, quanto à questão filantrópica, entendemos que, sendo os ofensores condenados a pagar parte das reparações (quando necessariamente vultosas), não aos ofendidos, mas a entidades beneficentes, estarão na realidade sendo agraciados, e não punidos, eis que, certamente, poderão utilizar a condenação sofrida como um "marketing social, próprio", o que, além de levar tais ofensores a "se beneficiarem da própria torpeza", colocaria por terra a função desestimulante visada pela norma no instituto dos danos morais.
8ª - A pessoa jurídica como ente despersonalizado de vida física e emoções, pelo fato de ter sido criada por uma ficção jurídica, pode ser desestimulada de seus atos ofensivos ou lesivos?
Alguns acreditam que as condenações de pessoas jurídicas à reparação em face de danos morais não surtiria o efeito desejado, haja vista serem entes fictícios. São comuns, inclusive, situações em que se apontam a sócios-diretores de grandes empresas falhas relativas à falta de segurança nos serviços ou a produtos oferecidos e, embora haja consenso quanto às críticas apresentadas, a alegação freqüente é a de que nada pode ser feito, por serem tais falhas decorrentes "da política da empresa", não lhes cabendo poderes para, sozinhos, deliberarem sobre tal assunto, que implica gastos significativos, etc. Ou seja, é comum vermos pessoas físicas, ainda que visando a melhorias nas empresas em que têm participação, serem impedidas de implementar tais condutas, porque implicariam gastos que a "política da empresa" ou o "conselho diretor" não aprovariam. Ora, o que ocorre em relação a muitas pessoas jurídicas, entes fictícios, criados com o intuito de auxiliar as pessoas físicas, é a total inversão de valores, é o absoluto sendo dominado pelo relativo, o concreto pelo abstrato, é a criatura dominando o criador. Isso infelizmente acontece porque, nos dias atuais, o único objetivo de muitas pessoas jurídicas é o de simplesmente gerar lucros, ou seja, se os gastos com segurança são altos, não importa a possibilidade de se gerarem lesões a terceiros, até porque, se houver indenizações a serem pagas, e se estas forem de pequenos valores, economizar-se-á mais com esse tipo de ressarcimento do que com a implementação de políticas de respeito à pessoa humana.
É justamente pelos motivos acima expressos que vem a ser mais do que necessária a aplicação da teoria do desestímulo às pessoas jurídicas, vez que, em quase todas, o objetivo principal é o lucro. Destarte, em sendo os valores de reparações em face de danos morais, razoavelmente e proporcionalmente expressivos para tais pessoas jurídicas, estar-se-ão desestimulando ofensas às pessoas físicas, ou seja, estar-se-á buscando o respeito da criatura, por seu criador, pois não haverá política administrativa ou conselho diretor que deixe de implementar melhorias visando à segurança e o bem-estar das pessoas físicas, se as reparações por danos morais alcançarem valores que, ao menos, incomodem as finanças dessas pessoas jurídicas.
9ª - A aplicação do sistema percentual apresentado poderia vir a "engessar" a atividade jurisdicional?
A aplicação de um sistema que vise a regrar o arbitramento dos valores a título de danos morais deve, em primeiro lugar, ceder espaço à atividade jurisdicional para a análise (conforme frisamos) do grau de culpa das partes envolvidas e da extensão deste dano, momento em que o juiz deverá arbitrar o percentual a incidir sobre o patrimônio do ofensor, a titulo de reparação por danos morais. Percentual este que, entendemos, deva variar dentro de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, conforme a culpa e o grau da ofensa cometida pelo(s) ofensor(es). Desta forma, fica claro que a atividade jurisdicional não restará "engessada", pois como facilmente podemos perceber, caberá ao juiz fixar (apenas atentando para os limites mínimos e máximos) o percentual suficiente para, ao mesmo tempo, impor a devida reprimenda, sem, no entanto, levar à ruína financeira o(s) agente(s) ofensor(es), com a reparação imposta face aos danos morais cometidos pelo(s) mesmo(s).
Ressaltamos, face ao fato de o presente estudo tratar da reparação dos danos morais e seu quantum indenizatório, em casos de morte, que a alíquota punitiva/desestimulante deva variar entre os percentuais de: no mínimo (face à gravidade do dano) 1%, ao máximo (para que não ocorra a ruína financeira) de 3% sobre o que auferiu o ofensor ao longo do ano em que se deu a ofensa. Tais percentuais, que representam a variação entre 12% e 36% do que proporcionalmente o ofensor aufere em um mês, reputamos ser suficientes para reprimir e desestimular o grave ato danoso cometido pelo ofensor, sem levá-lo, entretanto, à ruína financeira.
Quanto às outras inúmeras formas de danos morais existentes, faz-se necessário um estudo mais aprofundado a respeito de cada ofensa, para que se possam estabelecer critérios razoáveis, aceitáveis e proporcionais, que visem a promover a tentativa reparação do dano e a punição do ofensor (sem levá-lo à ruína), desestimulando-o a reincidir no ato ofensivo praticado. Ressaltamos, ainda e novamente, que os bens morais ou direitos da personalidade não são passíveis de avaliação pecuniária e que, por essa razão, a reparação quanto a danos causados aos mesmos não pode ficar adstrita ao patrimônio do ofendido, ou seja, que a dor, os sentimentos, a vida, o corpo (órgãos, membros, incolumidade física humana), etc., jamais poderão ter um preço, apenas o que se poderá pesar/medir quanto à ofensa a este ou àquele "bem moral" é: se o dano moral, em razão do bem ofendido, provoca um dano mais profundo e duradouro, ou menos profundo e duradouro, à dignidade e existência humanas, onde reside a "moral do dano".
10ª - Condenações em face de reparações por danos morais, em valores expressivos, poderiam desencadear uma "corrida do ouro" ao judiciário ou uma "indústria do dano moral" em nosso País?
Existem argumentações no sentido de que, se houver condenações em face de danos morais em valores expressivos, tais condenações criariam a tão discutida "indústria do dano moral".
Entretanto, o presente estudo visa, especialmente, a demonstrar que, havendo um critério de graduação e cálculo, razoável e proporcional às posses dos ofensores (como o sistema de "alíquotas" defendido), ao contrário de uma "indústria do dano", estar-se-á criando uma corrente de desestímulo aos atos lesivos, uma corrente de proporcionalidade razoável que busca, através do efetivo desestímulo econômico, educar pessoas físicas e jurídicas no sentido de que não mais cometam ofensas contra os direitos personalíssimos, morais e básicos da pessoa humana.
Muito embora em boa parte do presente estudo tenha se dado enfoque a reparações expressivas, chegando até a milhões, a proposta de se adotarem "alíquotas" para o arbitramento dos danos morais, na maior parte dos casos, não fará com que as condenações atinjam grandes cifras; muito ao contrário, pois a maior parte das pessoas físicas e jurídicas não detém largo poderio econômico, não podendo, portanto, ser condenadas a repararem em quantias desproporcionais ao seu faturamento, o que seria um impositivo ato de ruína para as mesmas, vindo a contrariar o sentido da norma instituidora dos danos morais. Todavia, quanto às megainstituições financeiras, poderosos grupos econômicos e pessoas físicas ou jurídicas de largo poderio econômico, a condenação à reparação dos danos morais causados pelas mesmas pode perfeitamente (dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade) alcançar grandes quantias (mesmo que milionárias, conforme exemplos citados), pois, caso contrário, estar-se-ia até incentivando o cometimento de atos lesivos à pessoa física, o que resultaria em ofensas ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Destarte, a proposta de alíquotas apresentada no presente estudo serve também para impedir que haja condenações que levem os ofensores à ruína ou que sejam por demais gravosas aos mesmos, pois o defendido sistema de alíquotas limita, de forma percentual, a condenação de qualquer ofensor. Desta forma, o referido sistema vem também a impedir que micro, pequenas, médias e até grandes empresas sejam condenadas a reparar por danos morais, em valores que sejam por demais gravosos e/ou ruinosos para as mesmas, pelo simples fato de se tratarem de pessoas jurídicas, pois referidas condenações devem ser proporcionais e razoáveis em relação ao patrimônio de cada ofensor, independentemente de se tratarem de pessoas físicas ou jurídicas, impedindo condenações irrisórias para as mesmas, mas ao mesmo tempo, protegendo-as contra eventuais abusos, irrazoabilidades ou desproporcionalidades na quantificação condenatória.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento, 7. ed. Salvador: Jus Podium, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral. V. I. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, V. I, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil, 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo. Coleção de Direito Civil. V. IV. São Paulo: Atlas, 2005.
NOTAS
01 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 54.
02 VENOSA, Silvio de Salvo, op. cit., p. 283.
03 STOCO, Rui, op. cit., p. 1709.
04 MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 176.
05 STF- RE 225488/PR – PARANÁ. Relator(a): Min. MOREIRA ALVES. Publicação: DJ 16-06-2000 PP-00039 EMENT VOL-01995-03 PP-00551
06 GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona, op. cit., p. 152.
07 STJ - REsp 696850 / RO ; RECURSO ESPECIAL 2004/0149384-2 - DJ 19.12.2005 p. 349
08 STJ – REsp 575023 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2003/0132170-7 - DJ 21.06.2004 p. 204 - RNDJ vol. 57 p. 123
09 MORAES, Alexandre de, idem, ibid
10 CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit., p. 31.
11 PAMPLONA FILHO, Rodolfo e GAGLIANO, Pablo Stolze, op. cit., p. 151.
12 PERLINGIERI, Pietro, op. cit., p. 155
13 DIDIER JÚNIOR, Fredie, op. cit., p. 75.