Arbitragem: meio adequado à solução de conflitos no Estado Democrático de Direito

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A arbitragem mostra-se como alternativa viável, pois, utiliza mecanismos mais ágeis e flexíveis para a solução dos conflitos, amparada nos ditames da liberdade e da autonomia da vontade, obedecidos os ditames do Estado democrático de direito.

Resumo: Ladeando o formalismo do poder jurisdicional do Estado, a arbitragem mostra-se como alternativa viável, pois, utiliza mecanismos mais ágeis e flexíveis para a solução dos conflitos. Amparado nos ditames da liberdade e da autonomia da vontade, em todas as etapas do procedimento arbitral são resguardados, como no processo tradicional, as garantias do Estado Democrático de Direito, constitucionalmente estabelecidas e sobre as quais se solidificam os pilares da democracia. Da análise destes temas, tem-se a formação do que se espera da arbitragem na atualidade, não como mágica solução para todas as dificuldades enfrentadas no processo tradicional, mas como alternativa adequada, disponível aos que se enquadrarem aos seus pressupostos.

Palavras-chave: Arbitragem, autonomia da vontade, liberdade, jurisdição, flexibilidade.


1. Introdução

Muito tem se debatido acerca da utilização de métodos adequados para a solução de conflitos e, diante realidade atual, emerge a necessidade de se buscar alternativas que minimizem o cenário caótico porque passa o sistema jurisdicional brasileiro.

Diante desse contexto, a arbitragem apresenta-se como uma dessas alternativas, pois se mostra de efetiva qualidade ao aliar a celeridade, a flexibilidade, a eficácia da sentença, a imparcialidade e a especialidade do árbitro à participação mais democrática das partes, tudo em procedimento de caráter sigiloso, o que garante uma maior segurança aos litigantes.

A arbitragem trata-se de um método heterocompositivo de solução de conflitos, definido por Selma Ferreira Lemes como “modo extrajudiciário de solução de conflitos em que partes, de comum acordo, submetem a questão litigiosa a uma terceira pessoa, ou várias pessoas, que constituirão um tribunal arbitral”(2007, p. 59).

Ao lado da jurisdição exercida pelo Estado, para Cézar Fiuza, (1995, p. 63) a arbitragem é, como forma de resolução de conflitos, anterior à própria justiça pública, quando comunidade, voluntariamente, buscava um de seus membros, geralmente um ancião da confiança de todos, para que, dotado de sabedoria, desse a solução para as controvérsias surgidas entre os membros. Assim, os primeiros juízes, de que se tem notícia, eram “árbitros”, cuja atuação se dava pela exclusiva vontade dos contendores, exercendo a tarefa de dirimir conflitos, independente do poder do chefe da comunidade.

Assim, a decisão das demandas pela força, num regime de vingança privada, evoluiu para a escolha da pessoa que mais se destacava em uma comunidade primitiva para resolver as desavenças.

Desta forma, pode-se dizer que a origem da arbitragem, no decorrer da história da humanidade, remete-se à Babilônia, passando pela Judéia e, posteriormente, pela Grécia antiga, onde se tinha, inclusive, no Tratado Atenas-Esparta, datado de 445 a.C, um conteúdo muito parecido com a atual cláusula compromissória. Vale lembrar que o referido Tratado pôs fim ao conflito entre aquelas duas cidades. Já os Romanos utilizaram amplamente a arbitragem, prevista no Corpus Iuris Civilis, organizado no governo do Imperador Justiniano.

No Brasil, o primeiro diploma legal que tratou da arbitragem foi a Constituição Imperial de 1824, e, logo após, o Código Comercial de 1850, seguindo-se por outros diplomas normativos e culminando-se com a promulgação da Lei de Arbitragem Brasileira - Lei 9.307/1996.

Intrinsecamente ligada ao princípio da autonomia da vontade, na arbitragem, as partes livremente pactuam quanto à eleição de tal via, renunciando à jurisdição do Estado, isto quando ainda nem há litígio, ou seja, ainda na fase contratual.

Surgido o conflito, numa perspectiva estrutural diversa da oferecida pelo Judiciário e independente da existência de prévia cláusula compromissória, as partes podem abrir mão do poder estatal e eleger a arbitragem para processá-lo e julgá-lo. Nesse sentido, caberá aos próprios litigantes desde a escolha do local em que se dará a arbitragem e o árbitro de sua preferência até a definição do procedimento a ser seguido, não mais se sujeitando às normas processuais rígidas, com procedimentos pré-estabelecidos e de pouca ou nenhuma flexibilidade, além de serem muito demorados.

Nos dizeres de Antônio Carmona, (2004, p.21) “a Lei de Arbitragem está centrada numa pilastra importantíssima, que é a autonomia da vontade”, mas assevera que tal autonomia traz, consigo, a significativa responsabilidade de não mais poder dela abrir mão, a não ser por mútuo consentimento das partes. Afirma, ainda, o renomado arbitralista (2004, p.21), que o árbitro não está restrito às regras do Código de Processo Civil, o que torna o procedimento arbitral mais flexível.

Por outro lado, Leonardo Corrêa (2017), pondera que:

as festejadas maravilhas da flexibilidade devem ser vistas cum granus salis. Um formalismo exacerbado, de fato, não é solução. Todavia, não me parece razoável que duas partes em um conflito de interesses sejam desprovidas de regras básicas de modo a regular sua disputa adversarial.

Assim, partindo dos fundamentos jus-filosóficos acerca da arbitragem, o presente artigo analisará a sua natureza jurídica e a sua adequação ao Estado Democrático de Direito, a partir dos pilares da liberdade e da autonomia da vontade, bem como seus principais norteadores sem, no entanto, perder de vista os fundamentos constitucionais, marcos capitais impostos tanto à jurisdição estatal quanto à jurisdição privada.

A busca do procedimento mais adequado para a solução do conflito posto no direito material há que se dar em observância às garantias do devido processo legal, quais sejam, a igualdade (art. 5º, caput e I, da Constituição Federal), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal), a imparcialidade e a independência jurídica dos árbitros (art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição Federal, e arts. 13. a 18 da Lei 9.307/1996) e o livre convencimento, princípios que, mesmo em sede de arbitragem, formam, com a liberdade e a autonomia da vontade, o sustentáculo do Estado Democrático de Direito.

Ressalta-se que a própria Lei de Arbitragem – Lei 9.307/1996, em seu art. art. 21, §2º, aduz que “serão sempre respeitados, no procedimento arbitral, os princípios do livre contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”, culminando em nulidade o desrespeito a tal norma, como determina o art. 32. da mesma lei: “é nula a sentença arbitral se: VIII – forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei”.

A relevância do tema, portanto, dar-se-á com a análise acerca da convivência entre a jurisdição, poder do Estado, e a arbitragem, esfera privada do indivíduo. Conforme o Professor Frank Sander (2018, p. 505), dentre os outros métodos postos à disposição dos envolvidos em um sistema “multiportas”, ladeando a jurisdição, a arbitragem mostra-se como uma alternativa viável e significativa de solução de conflitos.


2. Arbitragem: natureza jurisdicional e sua adequação ao Estado Democrático de Direito

Em 23 de outubro de 2000, a Ministra do Superior Tribunal de Justiça - STJ, Fátima Nancy Andrighi, numa palestra proferida na Junta Comercial do Estado de São Paulo, quando da solenidade de instalação do Tribunal Arbitral do Comércio daquele Estado. Na referida oportunidade, discorrendo sobre o acesso à justiça, apresentou o trecho de um decreto do Imperador chinês Hang Hsi, datado de meados do século VII (Sprenkel, 1962, p. 77):

Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos tribunais sejam tratados sem nenhuma piedade, sem nenhuma consideração, de tal forma que se desgostem tanto da ideia do Direito quanto se apavorem com a perspectiva de comparecerem perante um magistrado. Assim o desejo para evitar que os processo se multipliquem assombrosamente, o que ocorreria se inexistisse o temor de se ir aos tribunais. O que ocorreria se os homens concebessem a falsa ideia de que teriam à sua disposição uma justiça acessível e ágil. O que ocorreria se pensassem que os juízes são sérios e competentes. Se essa falsa ideia se formar, os litígios ocorrerão em número infinito e a metade da população será insuficiente para julgar os litígios da outra metade.

A inspiração colacionada pela renomada Ministra do STJ leva à reflexão acerca dos mecanismos de acesso à uma ordem jurídica justa, que se molda ao Estado Democrático de direito, bem como se estes vêm desempenhando a contento as diretrizes constitucionais, sendo certo de que tal preceito vai muito além do mero acesso ao judiciário.

Segundo recente diagnóstico do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, publicado na Revista Justiça em Números, ano 2020, o Poder Judiciário encerrou o ano de 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação no Brasil, para uma população de pouco mais de duzentos milhões de habitantes, o que demonstra uma morosidade e uma baixa efetividade da jurisdição estatal na finalização das demandas.

Neste sentido, abrem-se as portas para que se alinhem outras formas de busca à tão almejada ordem jurídica, não sendo estritamente a jurisdição estatal sua única via de acesso. Dada à multiplicidade de conflitos, há que se dispor de meios adequados de solução que abriguem cada tipo, como a via negocial, a conciliação, a mediação e a arbitragem.

Assim, caberá aos interessados, em certos casos, buscar métodos autocompositivos, como a conciliação ou a mediação, vencida a fase negocial ou, em outros conflitos, os métodos adversariais.

Quanto aos adversariais ou heterocompositivos se extrai que aqueles conflitos oriundos de relações privadas disponíveis, entre pessoas capazes, podem ser solucionados pela via arbitral e aqueles que, por se tratar de direitos indisponíveis, ou por mera liberalidade das partes, serão levados diretamente ao crivo da jurisdição.

No presente trabalho dar-se-á enfoque à arbitragem traçando uma correlação entre sua natureza jurídica e a função jurisdicional do Estado.

A palavra jurisdição, de origem latina, juris (direito) e dictio (dizer), tem como significado etimológico: função de dizer o direito, definida pelo Professor José Eduardo Carreira Alvim (2014, p. 64) como “função do Estado, pelo qual este atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império do direito”.

A busca pela jurisdição para a solução dos conflitos predomina no decorrer da história da humanidade, possuindo o Estado tal monopólio. Todavia, o desgaste progressivo do judiciário ante à crise de ineficiência, aliada às falhas do sistema e, por outro lado, a evolução científica e tecnológica, acabou por provocar um crescimento da busca por alternativas eficazes para a solução de conflitos, especialmente na seara das relações privadas, domésticas e internacionais, culminando num significativo interesse pela técnica da arbitragem.

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Métodos privados como a arbitragem pressupõem maior rapidez, eficiência, especificidade, tornando mais viável a relação custo-benefício quanto a seu uso, o que a torna mais atraente, apesar de existir ainda alguma resistência, tendo em vista o receio de redução do monopólio estatal quanto à jurisdição. É o que pondera Joel Dias Figueira Júnior (1999. p. 30), em seu estudo comparado, “a arbitragem proporciona facilidades incomuns aos litigantes como segurança, tecnicidade, rapidez, sigilo e economia na eliminação de divergências, tanto no plano nacional como no internacional”.

Na verdade, o que se vislumbra não é o enfraquecimento da jurisdição, mas, apenas, a busca da solução mais adequada de um conflito existente por métodos que, ante à liberdade prevista em um estado democrático de direito, sejam mais viáveis, garantida a autonomia da vontade das partes.

A arbitragem, como dito alhures, é modalidade que acompanha a humanidade desde tempos primitivos. Deriva do latim arbiter, que significa juiz, jurado. A eminente Ministra Nancy Andrighi nos dá conta de que, ao longo do tempo, juízes e árbitros possuem equivalente poder de julgar. Para ela, não há mais espaço para dicotomias:

É preciso afastar a nossa formação romanista, incrustada em nossa consciência de que só o juiz investido das funções jurisdicionais é que detém o poder de julgar. Há muito que os processualistas italianos já visualizavam a equivalência das jurisdições. Assim, não é mais novidade em outros países, que iguais são os trabalhos do juiz e do árbitro. (outubro/2000)

Anos depois, em setembro de 2015, a mesma Ministra ressalta que “a competência do árbitro é de natureza absoluta. Ele é um aliado na árdua tarefa de julgar. E é dever dos juízes togados respeitar os princípios basilares da arbitragem” (setembro/2015).

Deste modo, o árbitro, por opção das partes, é uma pessoa (jurídica ou física) especializada no assunto a ser submetido à arbitragem, a fim de que se chegue à solução mais adequada tecnicamente (Donizetti, 2016, p. 129).

Fred Didier (2014, p. 15) define os principais aspectos da arbitragem:

A arbitragem é uma técnica de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes procuram uma terceira pessoa, de confiança, de caráter imparcial do litígio. Essa é uma forma heterocompositiva de resolução de conflitos em que um terceiro imparcial decide com base procedimental na lei federal nº. 9.307/96. Esse meio de resolução de conflitos compreende dois tipos de convenções: a) cláusulas compromissórias; b) compromissos arbitrais. Em cada um deles, pode-se estipular que o conflito é resolvido por meio dessa via. A arbitragem, no Brasil, é regulamentada pela Lei Federal n. 9.307/96. Pode ser constituída por meio de um negócio jurídico denominado convenção de arbitragem que, na forma do art. 3º da Lei n. 9.307/96, compreende tanto a cláusula compromissória como o compromisso arbitragem. Cláusula compromissória é a convenção em que as partes resolvem que as divergências oriundas de certo negócio jurídico serão resolvidas pela arbitragem, prévia e abstratamente; as partes, antes do litígio ocorrer, determinam que, ocorrendo, a sua solução, qualquer que seja ele, desde que decorra de certo negócio jurídico, dar-se-á pela arbitragem. Compromisso arbitral é o acordo de vontades para submeter uma controvérsia concreta, já existente, ao juízo arbitral, prescindindo do Poder Judiciário. Trata-se, pois, de um contrato, por meio do qual se renuncia à atividade jurisdicional estatal, relativamente, a uma controvérsia específica e não simplesmente especificável.

Quanto à definição de sua natureza jurídica, tal instituto apresenta enorme complexidade, o que ocasionou debates acirrados entre os juristas, tanto na doutrina pátria quanto no direito comparado.

Na obra Teoria Geral da Arbitragem os autores José Antonio Fichtner, Sergio Nelson Mannheimer e André Luiz Monteiro relacionam três teorias acerca da natureza jurídica da arbitragem.

A Teoria Contratualista (ou privatista), cujo maior expoente foi Giuseppe Chiovenda, é defendida por renomados doutrinadores processuais civis, embora não seja a corrente majoritária no Brasil. Para essa corrente, uma vez que se origina na vontade das partes e delas depende, a decisão proferida não passa de um reflexo de tal acordo, conferindo-se, assim, uma natureza contratual à arbitragem. Nesta mesma linha, o Ministro Teori Zavascki, o processualista Cassio Scarpinella Bueno e o Desembargador Alexandre Freitas Câmara negam a natureza jurisdicional da arbitragem.

Como sabido, jurisdição é uma das três funções classicamente atribuídas ao Estado, ao lado da função legislativa e da administrativa. E função estatal por definição e, portanto, não se pode aceitar a tese da natureza jurisdicional de outros mecanismos de resolução de conflitos, como é o caso da arbitragem. (CÂMARA, 2015, p. 30)

Já a Teoria Jurisdicional (ou publicista) da arbitragem é majoritária no Brasil, sendo defendida pela maioria dos doutrinadores. A Professora Teresa Arruda Alvim Wambier assim se pronuncia (2007, pg.11) quanto ao tema:

Nesse contexto, encarta-se a arbitragem. Cabe, então lembrarmos, aqui, a polêmica consistente em se saber se a arbitragem é, ou não, atividade jurisdicional. Parece que a opção do legislador da Lei 9.307/1996 foi a de dar mais relevância à arbitragem, pois a decisão final dos árbitros foi elevada à categoria de título judicial, quando de natureza condenatória. Não existe mais a necessidade de que a decisão do árbitro seja homologada pelo Poder Judiciário. Assim, se se tomar em conta a natureza da atividade, e não quem a desempenha – que, no caso, não é o Estado – somando-se a isso à força (= o grau de eficácia) que lei atribui à decisão do árbitro, parece correto afirmar-se que se trata de atividade jurisdicional. É necessário, porém, que se diga que existe, em tese, a possibilidade de que a sentença arbitral se submeta ao controle do Judiciário. Existe a demanda de impugnação da sentença arbitral, cuja propositura pode dar-se nos 90 dias subsequentes à notificação da decisão final dos árbitros. Os possíveis resultados desta ação são a anulação da decisão, de que decorre a necessidade de que se recomece tudo de novo (art. 32, I, II, VI, VII e VIII da Lei 9.307/1996) ou a correção do vício, com o proferimento de nova decisão. Os árbitros não exercem plenamente a atividade jurisdicional, pois, por exemplo, há matérias sobre as quais não podem decidir e também não apreciam existência e validade de lei em tese, nem fixam qual seria a correta interpretação do direito. Mas estas limitações e a possibilidade de que a decisão dos árbitros seja ‘controlada’ pelo Poder Judiciário não descaracterizam, a nosso ver a atividade dos árbitros como jurisdicional, mas faz com que não se possa afirmar categoricamente que a arbitragem seja um equivalente jurisdicional, em termos absolutos.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2010, pg. 1531) afirmam que “a natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição”, e o “o árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito no caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes”. Do mesmo modo, Humberto Theodoro Junior (2005, p.330) ensina:

se, no regime anterior à Lei 9.307, mostrava-se forte a corrente que defendia a natureza contratual ou privatística da arbitragem, agora não se pode mais duvidar que sair vitoriosa, após o novo diploma legal, a corrente jurisdicional ou publicista.

No mesmo viés Carlos Alberto Carmona (2009, p. 26), ao afirmar que “o legislador optou por adotar a tese da jurisdicionalidade na arbitragem”. Tal posicionamento é confirmado com o advento da Lei 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, pelo que se depreende do teor do art. 42: “As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”.

José Antonio Fichtner, Sergio Nelson Mannheimer e André Luís Monteiro (2019, p. 45) também fundamentam que a arbitragem possui natureza jurisdicional:

Primeiramente, não nos parece correto dizer, com vistas nos ordenamentos constitucional e legal brasileiros, que a jurisdição é monopólio estatal, pois, na verdade, a exclusividade do Estado se limita, quanto ao objeto, aos atos indisponíveis e, quanto aos meios, aos atos de império, como, aliás, também ocorre em outros países e já vem sendo reconhecido pela doutrina. [...] Trata-se, inegavelmente, de jurisdição. Ressalte-se, ainda que, quando se analisa a natureza jurídica da arbitragem, o foco de análise deve o ser o processo arbitral. Afinal, só existe arbitragem a partir de sua instituição, na forma do art. 19. da Lei de Arbitragem. Em outras palavras, o que se quer dizer é que não parece adequado incluir no debate a respeito da natureza jurídica da arbitragem o exame da convenção arbitral (cláusula compromissória e compromisso arbitral), pois essa é ato com outra natureza, anterior e exterior ao processo arbitral. Essa mistura de institutos, com o devido respeito, pode ser o equívoco da teoria mista da arbitragem, que dá muito destaque à origem contratual da convenção arbitral para explicar a natureza jurídica da arbitragem.

Quanto ao entendimento jurisprudencial, o STJ já reconheceu a natureza jurisdicional da arbitral em alguns julgados, conforme se destaca no voto da Ministra Nancy Andrighi, no Conflito de Competência 113.260/SP:

os argumentos da doutrina favoráveis à jurisdicionalidade do procedimento arbitral, revestem-se de coerência e racionalidade. O Ministro Sidnei Beneti, apesar de se opor a voto da relatora, consignou que “não se nega que a jurisdição arbitral seja também jurisdição”.

Por fim, tem-se a Teoria Mista, em que se agrupam características das duas anteriores. Para seus adeptos, a arbitragem começa em acordo com vontades delimitado em convenção de arbitragem, porém a sentença arbitral possui efeitos de caráter jurisdicional.

Cezar Fiúza (1995, p. 42) salienta que é exatamente no fato do árbitro não possuir função jurisdicional que reside o escopo da arbitragem. Para o civilista, caso assim não fosse, o árbitro teria o exercício normal de jurisdição.

Selma Ferreira Lemes (2007 p. 61) assevera que a arbitragem possui “a natureza híbrida, que em nosso entender melhor se coaduna com a arbitragem”, ressaltando ser ela “contratual na fonte, mas jurisdicional no objeto”.

Percebe-se, da análise dos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, que a garantia constitucional prevista no inciso XXXV, do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988, ao consagrar o direito ao acesso à justiça e a inafastabilidade da jurisdição, deve ser interpretada como a acessibilidade a uma ordem jurídica justa e que permita ao cidadão escolher entre os mecanismos, que proporcionem a pacificação social via solução dos conflitos, aquele que mais se adeque ao seu interesse. É o entendimento esboçado por Cândido Rangel Dinamarco (2013, p. 126), ou seja que a pacificação social pode vir tanto pelos mecanismos estatais quanto outros equivalentes que, muitas das vezes, podem ser até mais eficazes:

Essa perspectiva teleológica do sistema processual sugere a equivalência funcional entre a pacificação estatal imperativa e aquelas outras estatais, e jamais dotadas do predicado da inevitabilidade, com que se buscam os mesmos objetivos e a mesma utilidade social. Na doutrina moderna, há prestigiosa voz afirmando a naturezas jurisdicional do juízo arbitral (Carlos Alberto Carmona) e sabe-se que, em alguns casos, os meios alternativos são capazes de produzir resultados melhores que os da jurisdição estatal. Nesse quadro, é legítimo considerar ao menos parajurisdicionais as atividades exercidas pelo árbitro.

Desta forma, pode-se concluir que a arbitragem está plenamente sintonizada com as modernas diretrizes do Estado Democrático de Direito, tendo em vista que a própria CRFB/1988 a legitima, ao tê-la inserido em seu texto, de acordo com a a interpretação do citado art. 5º, XXXV. Além desse dispositivo, a expressa previsão de tal instituto no art. 114, da Carta Magna, no que concerne ao direito do trabalho, demonstra que a arbitragem ganhou especial relevo entre os direitos constitucionais. É o que demonstra Fred Didier (2008, p. 61):

O estado brasileiro autoriza, não só pela Lei, mas também em nível constitucional (Art. 114, §§1º e 2º, CF), o exercício da jurisdição por juízes privados. Perceba-se, ainda, que ao escolher a arbitragem, os indivíduos não estão abrindo mão de suas garantias processuais básicas e indispensáveis (os corolários do devido processo legal), porquanto deva o árbitro respeitar todas elas, sob pena de invalidade de sua decisão.

Vê-se, portanto, a partir desse cenário legal, que a solução dos conflitos não está adstrita ao paradigma da jurisdição estatal, sendo esta imperativa apenas nos casos já previstos no ordenamento jurídico, ou seja, sempre que houver vedação legal a outros meios pacificadores. A arbitragem, pois, é meio que pode ser amplamente utilizado, pois o princípio da autonomia da vontade é uma de suas forças motoras do Estado Democrático de Direito.

Sobre as autoras
Sônia Maria Valgas

Discente do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH.

Isabela Cristina da Silva

Discente do 10º período do Curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo/Trabalho de Conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário UNA/BH. Orientação: Professora Doutora Natália Silva Teixeira Rodrigues de Oliveira.

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