Sumário: 1. Princípio da impugnação específica. 2. Exceções ao princípio da presunção de veracidade. 2.1. Quando não for admissível a seu respeito a confissão. 2.2. A petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato. 2.3. Estiverem em contradição com a defesa considerada em seu conjunto. 3. Legitimados para apresentar contestação genérica.
1. Princípio da impugnação específica
O princípio da impugnação específica está devidamente previsto no Código de Processo Civil, conforme se observa:
CPC, Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:
O verbo incumbir, presente na norma, chama a atenção, sendo necessário analisar sua definição para melhor compreensão:
1. encarregar; atribuir a responsabilidade do cumprimento ou da realização de algo a 1
Assim, por meio de uma análise sistemática, é possível compreender que o legislador, ao redigir o artigo 341 do CPC, pretendeu positivar que: “É dever jurídico do réu, sem prejuízo de outras obrigações legais (...)" , conforme segue:
Assim, ao impor um dever jurídico, exclui-se o caráter facultativo da regra processual, deslocando-a para o campo das exceções, conforme a hipótese jurídica definida. Com isso, a impugnação específica constitui a regra processual, sendo admitida a impugnação genérica, ou até mesmo o silêncio da parte ré, desde que se enquadre nas hipóteses jurídicas que a autorizem.
Dando continuidade ao texto legal, passamos à segunda parte da norma jurídica, a qual deixa cristalina a existência de um dever de contraditar as alegações formuladas pela parte autora em sua exordial:
Deve-se observar, com maior atenção, o termo “manifestar-se precisamente” , ou melhor, a exigência legal de que a parte ré, ao se manifestar sobre as alegações propostas na petição inicial, o faça de forma concisa, direta e exata — exigência que, indiretamente, se relaciona com o princípio da celeridade processual.
O termo jurídico contraditar2 abrange, em sua definição, uma manifestação concisa, direta e exata. Ou seja, a contradita processual se perfectibiliza quando há uma impugnação específica. Observa-se que esse preceito processual se espraia por todos os graus jurisdicionais, autorizando que o Relator, ao realizar o juízo de admissibilidade recursal — antes de proferir o voto —, não conheça do recurso interposto no tribunal (art. 994, CPC), caso este não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida, em respeito ao princípio da dialeticidade.
CPC, Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida ;
Dentro dessa seara jurídica, a palavra “precisamente” , utilizada no art. 341 do CPC, torna-se sinônima da palavra “especificamente” , contida no art. 932, III, do mesmo diploma legal.
1 - Tornar específico, individualizar, indicar separadamente; 3
Com isso, identificam-se alguns elementos intrínsecos ligados ao termo “manifestar-se precisamente” , como o dever da parte ré de pontuar, de forma individualizada, os contra-argumentos referentes a cada alegação formulada pela parte autora na petição inicial.
Ato contínuo, é sempre oportuno lembrar que, sendo a impugnação específica um dever jurídico da parte ré ao apresentar a contestação, e para que tal dispositivo não se torne letra morta na lei, o legislador previu uma sanção jurídica para o caso de seu descumprimento, deixando claro na norma que a contradita à petição inicial, via de regra, é obrigatória.
Quanto à sanção pelo descumprimento do dever legal, é importante destacar que a presunção de veracidade (revelia) aplica-se apenas às alegações de fato contidas na petição inicial, não sendo, portanto, estendida às alegações de direito aduzidas pelo autor, tendo em vista o dever jurídico que recai sobre a parte autora de provar o que alega.
CPC, Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor , quanto ao fato constitutivo de seu direito;
Nesse sentido, é sempre importante destacar que o julgamento antecipado da lide não será a regra quando o réu for revel, visto que há outros requisitos a serem observados, tais como:
a) o magistrado entender que não há necessidade de produção de novas provas;
b) a parte autora não requerer a produção de provas adicionais (art. 212. do Código Civil), inclusive das provas orais, cuja produção exigiria a designação de audiência de instrução (art. 361. do CPC).
CPC, Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido , proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;
II - o réu for revel , ocorrer o efeito previsto no art. 344. e não houver requerimento de prova , na forma do art. 349.
Destarte, é sempre importante ter em mente que, ao se realizar o cotejo entre as normas jurídicas, estas devem coexistir em perfeita harmonia. Nesse sentido, em respeito à hermenêutica, a melhor interpretação deve ser conferida à norma, de modo a preservar a coerência e a unidade do ordenamento jurídico.
Ainda sob esse viés, é dever da parte autora instruir a petição inicial com as provas que atribuam presunção de veracidade às alegações formuladas, sob pena de, conforme o caso, haver o indeferimento da ação. Do mesmo modo, cabe à parte ré instruir sua contestação — peça jurídica de resposta — com as provas que atribuam presunção de veracidade às teses por ela sustentadas, as quais se contrapõem aos argumentos trazidos pela parte autora.
CPC, Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações .
Resta irrefragável que as alegações de direito devem ser devidamente comprovadas por quem as apresenta, pois, do contrário, não passariam de meras falácias, a depender do caso concreto.
Para contextualizar, vejamos o exemplo de uma ação cuja causa de pedir gire em torno de dano material sofrido. Nessa hipótese, cabe à parte autora o ônus de demonstrar o dano, a autoria, o nexo causal (art. 927. do Código Civil) e a extensão do prejuízo alegado (art. 944. do Código Civil).
Seguindo a mesma linha de raciocínio do exemplo citado anteriormente, incumbe à parte ré demonstrar, em sua resposta:
a) que não é a causadora do dano;
b) que o dano não ocorreu por sua culpa exclusiva ou que decorreu de culpa exclusiva da vítima;
c) a inexistência do dano ou da conduta ilícita;
d) que o nexo causal não se deu conforme narrado na petição inicial;
e) contestar a extensão do dano; ou ainda, conforme o caso exigir,
f) alegar prescrição, decadência ou outras matérias de defesa.
Observa-se que, nos casos que envolvem matéria de direito, o juiz deve apreciar as provas constantes nos autos para formar seu convencimento e proferir decisão.
CPC, Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz .
A avaliação das provas constantes nos autos guarda relação com os princípios da igualdade e da imparcialidade, pois, mesmo nos casos de revelia da parte ré, se o magistrado entender que o direito pretendido pela parte autora não foi devidamente comprovado, deverá julgar improcedentes os pedidos formulados, como forma de promover a justiça esperada.
CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, Art. 8º - O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos , com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes , e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
Assim, mesmo que seja aplicada a sanção da presunção de veracidade às alegações de fato aduzidas pela parte autora em sua peça inaugural, isso não garante, por si só, o provimento do pleito, uma vez que as alegações de direito devem estar devidamente comprovadas para serem analisadas pelo magistrado.
No direito processual civil, não vigora o princípio da busca da verdade real, segundo o qual o juiz, de ofício, poderia realizar diligências para a produção de provas. Ressalte-se que o magistrado deve atuar com imparcialidade e objetividade, limitando-se a determinar que as partes se manifestem nos autos sobre as provas que pretendem produzir (art. 212. do Código Civil c/c art. 269. do CPC). Independentemente de eventual inércia, desídia ou desconhecimento técnico das partes, o juiz formará sua convicção com base nas provas constantes nos autos.
CPC, Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos , independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
O processo civil é mais objetivo e direto, de modo que o juiz não suprirá eventual deficiência probatória das partes, devendo decidir a causa nos limites por elas propostos e formar sua convicção com base nas provas produzidas nos autos.
CPC, Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.
Quanto ao caráter facultativo, destaca-se que esse instituto se limita a permitir a apresentação de impugnação não específica, sendo essa possibilidade corroborada pela própria exceção legal, que, ao facultar, restringe o direito de apresentar impugnação genérica a situações específicas.
É dever jurídico do réu, além de outras obrigações jurídicas definidas em lei, impugnar especificadamente, as alegações propostas pela parte autora na petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se:
Nesse sentido, vejamos:
CPC, Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas , salvo se :
I - não for admissível, a seu respeito, a confissão ;
II - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato;
III - estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Parágrafo único . O ônus da impugnação especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial.
2. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE VERACIDADE.
2.1. QUANDO NÃO FOR ADMISSÍVEL, A SEU RESPEITO, A CONFISSÃO
Os incisos do art. 341 do CPC indicam as exceções em que não se aplica a presunção de veracidade decorrente da revelia. O inciso I dispõe que, mesmo havendo impugnação genérica por parte de quem não é legitimado nos termos da lei, a revelia não será aplicada. Isso porque a exigência de impugnação específica não se harmoniza com hipóteses em que a parte ré está amparada pelo direito de não produzir prova contra si mesma e de permanecer em silêncio, conforme assegura o art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal:
CF/88, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
Quando a contestação representar uma confissão que viole garantia constitucional, é lícito à parte ré manifestar-se de forma genérica ou, se preferir, invocar expressamente, em sua contestação, o direito ao silêncio.
2.2. A PETIÇÃO INICIAL NÃO ESTIVER ACOMPANHADA DE INSTRUMENTO QUE A LEI CONSIDERAR DA SUBSTÂNCIA DO ATO
Nesse caso, para uma adequada compreensão dos fatos, é necessário avaliar algumas normas que guardam relação direta com a situação em exame, como o art. 320 do CPC:
CPC, Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.
Conclui-se, portanto, que, ao protocolar a petição inicial, deve a parte autora, sempre que possível, juntar todos os documentos pertinentes, inclusive as provas materiais que estejam sob sua posse e que sejam consideradas indispensáveis à propositura da ação. Reza o art. 434. do CPC:
CPC, Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os documentos destinados a provar suas alegações.
Por exemplo, nas ações em que se exige a demonstração de direito líquido e certo, ou a probabilidade e evidência do direito, incumbe à parte autora o dever de instruir a petição inicial com as provas necessárias ao deferimento da tutela provisória, antes da prolação da decisão.
Se a norma impõe à parte autora o dever de instruir a petição inicial com os documentos que comprovam suas alegações, e esta, por negligência, deixa de fazê-lo, é certo que será advertida pelas consequências processuais. Isso porque os pedidos não serão concedidos se o magistrado, ao apreciar o caso — ainda que em decisão interlocutória, de natureza provisória —, entender que os elementos probatórios apresentados são insuficientes.
O mesmo ocorre em relação à necessidade de a petição inicial estar instruída com a procuração, uma vez que a norma determina ser esse instrumento essencial para a regular postulação em juízo.
CPC, Art. 104. O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente.
§ 1º Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz.
§ 2º O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos.
É certo que a extinção do processo não pode ocorrer de plano. Ao perceber, nos 15 (quinze) dias iniciais após a propositura da ação, a ausência do mandato procuratório, deve o magistrado oportunizar à parte a apresentação do referido instrumento no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de indeferimento da petição inicial.
Neste caso, havendo a extinção da petição inicial antes da apresentação da contestação, a ausência dessa resposta, ou sua apresentação sem observância ao princípio da impugnação específica, não interfere na extinção do processo. Consequentemente, não haverá aplicação do efeito da presunção de veracidade (revelia) em processo extinto.
É evidente que outras situações podem se enquadrar no presente caso, especialmente aquelas em que os requisitos essenciais da petição inicial não são atendidos, o que também pode ensejar a extinção do processo sem resolução do mérito.
CPC, Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
2.3. ESTIVEREM EM CONTRADIÇÃO COM A DEFESA, CONSIDERADA EM SEU CONJUNTO
O art. 341, III, do CPC dispõe que não se aplica a presunção de veracidade (revelia) quando, mesmo na ausência de impugnação específica das alegações constantes da petição inicial, estas se mostrarem contraditórias em relação à defesa apresentada como um todo. Ou seja, não haverá revelia quando as alegações não impugnadas estiverem em confronto com os demais pontos impugnados na contestação.
Exemplo 1 – Ação anulatória por ausência de outorga uxória:
Suponha-se que, em uma ação anulatória, a parte autora pleiteie a nulidade de negócios jurídicos relacionados à transferência de diversos bens imóveis realizada pela parte ré, em razão da ausência de outorga uxória. A autora alega, na petição inicial, que tais transferências ocorreram em momentos distintos: antes, durante e mais de dois anos após o período de alegada sociedade conjugal.
Na contestação, a parte ré limita-se a impugnar exclusivamente a existência da sociedade conjugal com a autora, deixando de impugnar de forma específica cada uma das transações imobiliárias. Nesse caso, não se operaria a presunção de veracidade quanto às alegações relativas a cada transferência individualmente, uma vez que a defesa, em sua totalidade, se mostra incompatível com os pedidos iniciais, afastando a aplicação do art. 341, III, do CPC.
Exemplo 2 – Danos materiais e lucro cessante:
Situação semelhante ocorre quando a parte autora propõe ação pleiteando indenização por danos materiais e, como consequência, requer também o ressarcimento por lucros cessantes. Caso a parte ré impugne apenas a ocorrência do dano material, mas não se manifeste especificamente sobre os lucros cessantes, não haverá aplicação da revelia quanto a este último pedido, uma vez que o próprio fundamento (o dano material) já foi contestado, o que implica contradição lógica entre as alegações da inicial e a defesa.