Pandemia e teletrabalho: um desafio ao direito à desconexão

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2. ASCENSÃO DO TELETRABALHO E O DIREITO À DESCONEXÃO

O modelo teletrabalho já vinha ganhando espaço nos últimos anos com a transformação digital da economia. Entre os anos de 2012 e 2018 o número de brasileiros trabalhando de casa passou de 2,7 milhões para 3,85 milhões, são os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) Contínua Anual (SOBRATT, 2020).

Em 2018, a SOBRATT realizou a pesquisa nacional de trabalho remoto, um ano após a reforma trabalhista. O estudo apontou que a teleatividade é uma realidade no país e que 45% das empresas já praticam o teletrabalho e que 15% estão considerando a sua implantação.

Com a pandemia causada pela Covid-19, a Confederação Nacional do Comércio estima que a alternativa de teletrabalho aumentou cerca de 30%[1] (CTN, 2020) , e segundo estudos feitos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o teletrabalho poderá ser implementado em aproximadamente 23% das ocupações do país, atingindo cerca de vinte milhões de trabalhadores.

Neste novo cenário, o teletrabalho deixou de ser uma opção e se tornou a única alternativa para muitas empresas se manterem ativas no mercado, a ponto de locadoras de notebooks terem dificuldades para atender o pico de demanda gerado pelo início do período de quarentena.

O estudo desenvolvido por Miceli (2020), coordenador do MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas, “Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade redefinida e novos negócios” prevê crescimento de 30% do teletrabalho no Brasil após a pandemia. E sugere que líderes sejam encorajados a revisar seus processos internos, pensarem, testarem e compreenderem que a tecnologia é, “cada vez mais, um ativo humano”.

A análise cita o e-commerce e o ensino à distância, que em geral, devem crescer 30% e 100% respectivamente. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que trabalhar em casa ou até mesmo em outros espaços, como o coworking, cresceu 21,1% entre os anos de 2017 e 2018.

Miceli encerra o estudo falando que “encontrar produtividade no trabalho remoto, escolher as tecnologias certas, gerar experiências positivas para equipes e clientes são ações que podem ser tomadas logo. Talvez tenhamos novas quarentenas, talvez uma vacina mude de novo o rumo da história, mas o fato é que não será possível esperar um céu de brigadeiro para que se defina uma nova forma de operar. As empresas que encontrarem seu caminho rapidamente irão prosperar, e os profissionais que liderarem suas organizações serão capazes de não apenas entender o atual momento, mas construir o futuro.

Algumas são as recomendações para gerenciar equipes remotas instaladas durante a pandemia, haja vista que conforme informação do diretor-executivo da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (SOBRATT, 2020) “houve empresas aderindo ao home office de forma atabalhoada, sem os devidos cuidados e nem seguros sobre a eficácia e viabilidade, prospectando nele o único recurso possível. (SOBRATT, 2020)”

Como primeira medida, aponta que é preciso garantir infraestrutura aos profissionais, que estes terão computador, acesso à internet, e os aplicativos e plataformas de trabalho pela companhia. De mesma importância é a liderança, assegurando orientações, guia para foco, suporte de ajuda aos trabalhadores e cautela para não invadir a privacidade do trabalhador, evitando contato fora do horário de trabalho, ou nos intervalos, em observância ao direito à desconexão. (SOBRATT, 2020).

Outra recomendação feita é relembrar regras de ergonomia, mediante cursos de treinamentos e reciclagens a fim de evitar doenças do trabalho e que sejam mantidas esporadicamente reuniões em vídeo, para que as pessoas tenham sensação mais próxima possível do contato no mundo físico.

O controle de jornada de trabalhador em jornada remota é facilmente resolvido mediante adoção pelo empregador de software de gestão e controle de ponto 100% web. Com este sistema, a marcação é feita em um aplicativo instalado no smartphone, com acesso à internet, do próprio colaborador. O app possui um geolocalizador que assegura ao gestor ver em qual local foi feita a marcação, e também permite ao funcionário a visualização do seu cartão de ponto, faça solicitações de ajustes e abono.


APONTAMENTOS FINAIS

O teletrabalho que poderia representar um diferencial para as organizações que o instituísse, se tornou nos últimos meses a única forma de trabalho para algumas empresas se manterem no mercado. Trata-se de implementação de novas tecnologias, que estão redefinindo as relações de trabalho e sociedade.

Conforme já apontado, o excesso de conectividade tem o condão de aumentar substancialmente o volume de trabalho desenvolvido pelo empregado. Os meios informatizados, vinculados a uma atividade profissional, ainda que possam estabelecer maior flexibilidade na rotina do trabalhador, ampliam sobremaneira a possibilidade de fiscalização realizada pelo empregador (MELO, 2018).

Diante deste cenário, imprescindível conscientizar as empresas da importância de criarem políticas internas e treinamentos dos Recursos Humanos antes do estabelecimento do teletrabalho, definindo horários para cumprimento de tarefas e adoção de sistemas que possibilitam mais praticidade, segurança e proteção, com dados invioláveis, para o controle de jornada do teletrabalhador equilibrando desta forma, produtividade e a preservação da saúde do colaborador.

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De igual relevo, a observância pelo aplicador do direito ao art. 8 º do Código de Processo Civil, inspirado no art. 5º na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, quando determina que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atenda fins sociais e às exigências do bem comum.

Sob essa ótica, o julgador ao interpretar o caso concreto, vale-se da técnica de ponderação, mediante os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, constatando a compatibilidade da execução do trabalho com controle de jornada pelos meios telemáticos e informatizados, aplicando a norma jurídica que mais se harmoniza com a finalidade social da lei, conferindo ao teletrabalhador direito ao Capítulo “Da Duração do Trabalho” (DIDIER JR,2015).

Isso com vistas à preservação da dignidade da pessoa humana, o que no caso em análise sobre controle de jornada do teletrabalhador será atinente ao exercício do poder diretivo do empregador em afronta a legislação trabalhista e direitos constitucionais com o intuito de obter lucros e redução de custos (IMHOF, 2016).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Antonio Carlos. Direito do Trabalho 2.0: digital e disruptivo. São Paulo: LTr, 2018.

BARROS, Juliana Medeiros de. A utilização de meios eletrônicos no ambiente de trabalho: a colisão entre os direitos à intimidade e à privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador. São Paulo: LTr, 2012.

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BITENCOURT, Manoela de. O poder diretivo do empregador frente à privacidade do empregado. Texto constante de obra Direito e Tecnologia: reflexões sociojurídicas . porto Alegre. Livraria do Advogado,2014.

DIDIER Júnior, Fredie. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. O teletrabalho e suas peculiaridades nas relações laborais. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n.6/97, p,117,1997.

MELO, Sandro Nahmas. Teletrabalho e controle de jornada. In: FELICIANO, Guilherme Guimaraes; TREVISO, Marco Aurélio Marsiglia; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho. (Orgs). Reforma Trabalhista:visão, compreensão e crítica. 1.ed.São Paulo: LTr, 2017,v.1.p.87-94

IMHOF, Cristiano. O Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Booklaw, 2016.

MICELI, ANDRÉ L. Tendências de Marketing e Tecnologia 2020 : Humanidade redefinida e os novos negócios. Disponível em: <https://www.aberje.com.br/wp-content/uploads/2020/04/COVID-Infobase_trendstecnologia.pdf> Acesso em 18 Julh 2020.

MELO, Sandro Nahmias. Direito à Desconexão do Trabalho: com análise crítica da reforma trabalhista: (Lei 13.467/2017). São Paulo: LTr, 2018.

MELO, Sandro Nahmias. Meio Ambiente do trabalho: direito fundamental. São Paulo: LTr, 2001.

THIBAUT ARANDA, Javier. El trabajo- análisis jurídico-laboral. Madrid: Consejo Ecoômico y Social- Colección Estudios , n. 88, 2001.

VALENTIM, João Hilário. Teletrabalho e relações de trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, ano X, n.19,p.96-104,Mar.2000.

OMS,Organização Mundial da Saúde declara pandemia de coronavírus. BBC News. São Paulo, 11 de marc de 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-51842518> Acesso em 23 07 2020.

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Sobre os autores
Gabriella Melo de Carvalho

Advogada Trabalhista Mestranda pela Faculdade de Direito do Sul de Minas Doutoranda pela Universidad Del Museo Social Argentino

Emerson Alves Andena

Professor de Direito Empresarial e Civil, Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação (PUC-Minas). Mestre em Direito (USP). Especialista em Economia (Unicamp). Bacharel (PUC-Campinas). Foi Oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas. Parecerista e Consultor

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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