Da desnecessidade de instauração de procedimento administrativo fiscal prévio para a elaboração da Certidão de Dívida Ativa em tributos sujeitos a lançamento de ofício.

25/04/2021 às 21:51
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O presente artigo analisa a decisão tomada pelo STJ no AgRg no AREsp 370295-SC, Rel. Min. Humberto Martins, que definiu a desnecessidade da observância de instauração de processo administrativo para inscrição de débito tributário em dívida ativa.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo trazer, em linhas gerais, uma análise da decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no AgRg no AREsp 370295-SC, Rel. Min. Humberto Martins, que definiu a desnecessidade da observância de instauração de processo administrativo para inscrição de débito tributário em dívida ativa, no caso peculiar de tributos sujeitos a lançamento de ofício.


Da Certidão de Dívida ativa e da Execução Fiscal

A certidão de dívida ativa é título executivo extrajudicial que instrui a execução fiscal, ação de procedimento específico previsto na Lei Federal nº 6.830/80 e que nela constam todos os elementos do débito, seu sujeito passivo, a data da inscrição, seu fundamento legal e o número do processo administrativo que eventualmente ensejou, além de demais elementos.

É o que se extrai do artigo 2º da Lei n 6.830/80, verbis:

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

§ 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional.

§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:

I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;

II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;

III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;

IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;

V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e

VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.

§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.

§ 7º - O Termo de Inscrição e a Certidão de Dívida Ativa poderão ser preparados e numerados por processo manual, mecânico ou eletrônico.

O processo de confecção da Certidão de Dívida Ativa (CDA) inicia-se com a apuração, pelo fisco, do fato gerador da hipótese tributária e o seu lançamento (ato de cunho misto que confere exigibilidade ao tributo e o formaliza).

Após realizado o lançamento tributário (que possui diversas modalidades), o crédito tributário é constituído e em caso de inadimplemento, há a possibilidade de sua inscrição em dívida ativa.

Após a inscrição em dívida ativa, dela se extrai uma certidão onde constam todos os seus elementos conforme acima previsto no artigo 2º da Lei nº 6.830/80 e que instruirá a ação de execução fiscal a ser distribuída pelo ente tributante a fim de recuperar o crédito impago.

A definição legal da Certidão de Dívida Ativa como sendo um título executivo extrajudicial encontra-se no artigo 784 do Código de Processo Civil, inciso IX, verbis:

 Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;

III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;

IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;

V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;

VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;

VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;

VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei; (grifo nosso).

Todo este iter processual administrativo é regulado por lei de cada ente e possui suas etapas desde a verificação da ocorrência do fato gerador até a formalização da inscrição em dívida ativa e sua tiragem em Certidão.

A questão que paira sobre tal assunto é a necessidade ou não da realização e formalização deste processo administrativo para a confecção da Certidão de Dívida Ativa.

Antes de se determinar o que fora decidido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, faz-se destacar uma modalidade de lançamento, o lançamento de ofício para a elucidação do imbróglio.

Do lançamento de ofício

No lançamento de ofício, ou lançamento direto, a participação do contribuinte, como sujeito passivo da obrigação tributária é nula, ou quase nula.

Isso porque cabe apenas ao ente tributante, por meio de sua administração fazendária proceder ao lançamento do tributo verificando as hipóteses de fato gerador, uma vez que praticamente possui todas as informações para a inscrição em dívida e constituição do crédito tributário.

A autoridade fazendária no seu procedimento de lançamento possui todos os dados necessários para o cálculo do importe tributário, a aplicação da penalidade e isenção, a concessão de descontos, além de já determinar as hipóteses legais e a identificação do próprio sujeito passivo.

O sujeito passivo, nesse processo, tem participação diminuta, ou melhor dizendo, irrelevante, pois nos tributos em que é possível o lançamento de ofício a constituição do crédito tributário não encontra óbice na realização de um sistema automatizado, automático e simples.

O artigo 149 do Código Tributário Nacional trata desta hipótese de lançamento, verbis:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

I - quando a lei assim o determine;

II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;

III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.

Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

Daí surge a indagação acerca da possibilidade ou não de se instaurar um procedimento administrativo solene, com ampla defesa e contraditório e demais formalidades legais para a constituição definitiva do crédito cujo tributo é lançado de ofício.

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Da decisão do Superior Tribunal de Justiça no AgRg no AREsp 370295-SC, Rel. Min. Humberto Martins

O Superior Tribunal de Justiça entende que nos casos dos tributos lançados de ofício, a teor do artigo 149 do Código Tributário Nacional, torna-se despicienda a instauração de procedimento específico de lançamento do tributo para sua inscrição em dívida ativa.

Os tributos municipais, taxas e Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) têm sempre ao seu lado a característica da simplicidade, pois, normalmente, são pagos através de carnês enviados ao munícipe em que nele constam todos os dados do lançamento: sujeito passivo, parcelas, montante, hipóteses de desconto, base de cálculo e demais elementos.

A jurisprudência entende, portanto, que, com o envio do carnê ou boletos de pagamento para o endereço do contribuinte, o lançamento encontra-se constituído, formalizando uma espécie de mecanismo menos solene, mas que dada a simplicidade não necessita de constituir-se de fato um procedimento administrativo de constituição definitiva do crédito tributário.

É o que decidiu o STJ, cujo trecho de acórdão se colaciona, verbis:

3. Ademais há nesta Corte jurisprudência consolidada no sentido de que a notificação do lançamento do IPTU e das taxas municipais ocorre com o envio da correspondente guia de recolhimento do tributo para o endereço do imóvel ou do contribuinte, com as informações que lhe permitam, caso não concorde com a cobrança, impugná-la administrativa ou judicialmente.

4. Nesse contexto, firmou-se também o entendimento de que milita em favor do fisco municipal a presunção de que a notificação foi entregue ao contribuinte, o que implica atribuir a este o ônus de provar que não recebeu o documento de cobrança.

5. Correto, portanto o entendimento fixado na origem, no sentido de que, nos tributos com lançamento de ofício, a ausência de prévio processo administrativo não enseja a nulidade das CDAs, porquanto cabe ao contribuinte o manejo de competente processo administrativo caso entenda incorreta a cobrança tributária e não ao fisco que, com observância da lei aplicável ao caso, lançou o tributo. 

Nesse sentido, a ausência de procedimento administrativo, conforme bem decidiu o julgado, não gera nulidade da Certidão de Dívida Ativa nos tributos sujeitos a lançamento de ofício.


REFERÊNCIAS

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Formação de CDA sem processo administrativo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/55603a5f239e435c642244be3e891b85>.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 12. Ed. JusPodivm. Salvador. 2018

Sobre o autor
Guilherme Novaes de Carvalho

Bacharel em Direito. Advogado. Procurador Municipal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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