Retrocesso social
O Texto constitucional vigente traz a redação no artigo 37, I: [“os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei.] A Proposta de emenda exclui do texto vigente o termo “função pública”, substituindo-a pela palavra “vínculo”.
A redação é inconstitucional, encontrando óbice no artigo 60, § 4º, por violação ao artigo 1º e 2º, da CF/88, representando retrocesso social, vedado no ordenamento jurídico pátrio e banido pelo Constituinte. A redação substitutiva está assentada na inversão de valores sociais, violando garantias fundamentais, retirando da Administração Pública a sua essência, que é a prestação de serviço à sociedade, por meio de seus agentes, todos investidos em funções públicas, incluindo os membros dos Poderes Legislativo, Judiciário e Chefes do Executivo, seus Ministros e Secretariados. O Texto vigente, artigo 37, caput ao se referir à Administração Pública, não a vinculou ao Poder Executivo, ao contrário, deixou claro que será exercida pelos três Poderes, no âmbito de duas competências, ao estabelecer: [“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União”...]
A função pública do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não pode ser suprimida por meio de Proposta de Emenda à Constituição de inciativa do Poder Executivo, sob pena de violar o artigo 2º da Lei Maior.
A Constituição Federal de 1988 traz a expressão função pública, ou simplesmente “função” para designar o exercício das atribuições por “todos” os agentes públicos, membros e servidores dos Três Poderes da União, nos artigos: 14, § 9º; 28, § 1º; 37, III e §§ 4º, 10, 14.; 38, I, II, III, IV; 39, § 9º; 40, § 7º; 52 parágrafo único; 54, I, “b”, II, “a” e “b”; 95, parágrafo único, I, 103, § 5º, 127, caput; 128, § 5º, II, “d”; 134, caput; 142, § 3º, III; 150, II; 153, § 3º, I; 155, § 2º, III; 167, II; 169, § 6º; 193, § único, 211, § 1º, ADCT, artigos: 5º, § 3º, 22; 89; 1º; 109, II. O Legislador Constituinte não deixou margens para a alteração do modelo de Administração do Estado, por ele adotado. Qualquer alteração em relação a cargos, empregos e funções, seja para criar ou extinguir, caberá ao Poder competente utilizar da norma infraconstitucional para conseguir o seu objetivo, desde que a alteração pretendida encontre respaldo no ordenamento jurídico vigente, que só pode ser alterado quando constituído outro Poder Reformador.
Consultando as atas de comissões da Assembleia Constituinte[6] extraímos o conceito adotado pelo constituinte originário, se referindo às funções públicas como atribuições do Estado que são desempenhadas pelos seus agentes:
O Constituinte Adylson Motta: (...) em segundo lugar, que se dê ao funcionário público uma expectativa, ou seja, que ele seja organizado em cargos de carreira. Em terceiro lugar, que se estabeleçam um piso e um teto salarial para evitar esses escândalos afrontosos à sociedade brasileira, como o dos cognominados “marajás”. Em quarto lugar, defendo que se restrinjam ao mínimo possível esses cargos demissíveis ad nutum, os cargos de confiança, que, pela natureza subjetiva que os cerca, confiança de quem nomeia, evidentemente podem ser providos ou desocupados na hora em que bem se entender. São situações que têm que ser corrigidas, para que se ordene a função pública. Temos que, para alcançar este objetivo, tomar algumas medidas. Uma delas seria a unificação do regime jurídico do funcionário. Temos, hoje, na Administração Pública, o funcionário estatutário e, ao lado dele, o celetista. Temos o extranumerário, contratado para uma tarefa efêmera, eventual, transitória e que, com o passar do tempo, transformou-se numa tarefa duradoura. Embora sem um contrato formal, um vínculo empregatício foi criado pelo contrato tácito, que foi gerado a partir da aceitação desse empregado e da sua constância no serviço. Teríamos ainda – não sou muito familiarizado com a terminologia do Serviço Público Federal – o caso dos servidores que exercem função de assessoramento superior, que eram quotas que existiam para preenchimento de funções nos Ministérios e coisas desta ordem. Chegamos, então, a uma conclusão: temos um verdadeiro festival de situações jurídicas hoje, vinculando as pessoas à função pública. [7]
Clareado, pela redação trazida na ata da Assembleia, que função pública não se confunde com “função comissionada, função de confiança, ou simplesmente função”. Função Pública é a atribuição do próprio Estado, materializada pelos “cargos públicos” que pertencem ao Estado, nos quais os servidores, magistrados, procuradores, políticos, advogados da União, ministros e outros agentes públicos são investidos. Toda a matéria trazida na PEC 32/2020, como pode se observar, já foi analisada, discutida, pisoteada, repudiada pelo Constituinte adotou modelo moral de administração pública e atendendo o interesse social, registrou na Constituição Federal de 1988, atribuindo a administração pública aos três Poderes da República de forma a assegurar que não haja alteração unilateral do Texto Constitucional, protegido por cláusula pétrea, de modo a permanecer imutável o modelo de serviço público, exercido por meio das funções do Estado, instalado pelo Poder Reformador. O que o Constituinte enterrou, a PEC 32/2020 busca resgatar em evidente retrocesso social.
Ao desprover a Administração Pública do desempenho de suas atribuições, estará a PEC 32 reduzindo uma das funções do próprio Estado. Na acepção do conceito é a função pública a atribuição com as responsabilidades próprias da administração dentro da estrutura organizacional atribuída ao servidor que é investido no cargo público [o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. Conceito trazido na Lei 8.112/90, artigo 3º].
Administração Pública, em sentido objetivo [Material/Funcional] é definida como a atividade concreta e imediata que o estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses de todos [coletivos]. Em sentido Subjetivo [Formal/Orgânico] é entendida o conjunto de entidades, órgãos e agentes que executam a função do Estado.
Na redação trazida na Proposta de Emenda Constitucional que caminha na contramão da evolução social.
No inciso II, do artigo 37 II - a investidura em emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, na forma da lei; II-A - a investidura em cargo com vínculo por prazo indeterminado depende, na forma da lei, de aprovação em concurso público com as seguintes etapas: a) provas ou provas e títulos; b) cumprimento de período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência com desempenho satisfatório; e c) classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência; II-B - a investidura em cargo típico de Estado depende, na forma da lei, de aprovação em concurso público com as seguintes etapas: a) provas ou provas e títulos; b) cumprimento de período de, no mínimo, dois anos em vínculo de experiência com desempenho satisfatório; e classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência; IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público terá prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego público; V - os cargos de liderança e assessoramento serão destinados às atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas; XVI - é vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive a acumulação de cargos públicos, para os servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, mesmo durante o período do vínculo de experiência; XVI-A - não se aplica a limitação do inciso XVI ao exercício da docência ou de atividade própria de profissional da saúde, com profissão regulamentada, por ocupante de cargo típico de Estado, quando houver compatibilidade de horários, observado, em qualquer caso, o disposto no art. 39, caput, inciso VII; XVI-B - é autorizada a acumulação remunerada de cargos públicos para servidores não ocupantes de cargos típicos de Estado, quando houver compatibilidade de horários e não houver conflito de interesse, observado, em qualquer caso, o disposto no art. 39, caput, inciso VII]
Já apontamos a violação ao artigo 61, § 1º, II, “c” quando nos referimos à inconstitucionalidade formal [investidura].
A redação vigente estabelece regra rígida de aprovação no concurso: aprovação “prévia” na forma “prevista em lei”, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração]
O instituto da investidura é garantido pelo inciso II do texto vigente, com requisitos já preestabelecidos pela Lei 8.112/90. A PEC altera o texto para restringir direito do cidadão , ferindo o princípio da isonomia, impede a investidura, submetendo à norma futura e, abrindo um leque para os que já estão investidos em cargos públicos alcancem outros cargos por meio da investidura derivada, ou seja, sem “prévia” aprovação no concurso para o “outro” cargo, ainda que de maior complexidade ou outra natureza. Possibilitando a proteção aos apadrinhados.
Atenta à regra da moralidade, a redação pela EC 19/98 baniu a forma de investidura no cargo público por meio de provimento derivado, considerando a violação constitucional do princípio da igualdade, “caput” do artigo 5º, da Constituição Federal vigente. A inovação social que iguala o direito a todos passou a exigir, para a investidura no cargo ou emprego público, a aprovação prévia no concurso, regra de aplicação imediata, que não depende de lei futura. No entanto, quanto aos requisitos relativo à natureza e à complexidade para o preenchimento do cargo, a norma remeteu à lei fixa-los [previsto em lei]. Norma de eficácia contida, que nesse particular pode ser “restringida”, mas enquanto não vier restrição, o direito a investidura é garantido.
Enquanto não tiver lei [no sentido formal - ato normativo emanado do Poder Legislativoviii] que estabeleça requisitos a serem preenchidos e, aprovado previamente em concurso público, o direito à investidura no cargo e emprego público já está assegurado pelo texto constitucional vigente, para quem foi previamente aprovado no concurso [dentro das vagas ofertadas no edital].
Com a alteração do termo, passa a Constituição permitir a investidura “na forma da lei”, redação trazida para os incisos II, II-A e II-B do artigo 37, norma de eficácia limitada, ou seja, o direito a acessibilidade para concorrer as vagas do concurso pode ser exercida, mas o aprovado no concurso não poderá ser investido no cargo se não houver lei estabelecendo as regras para tanto, além de permitir que lei futura insira mais restrições como requisitos para a investidura, mesmo após o concurso ter se realizado e o concursando obtiver aprovação, porque a investidura só ocorre com a posse no cargo. Os requisitos devem anteceder ao concurso, Há aqui grave regra de inversão abrindo um leque para a desmoralização do concurso público.
Por outro lado, com a exclusão da palavra prévia, qualquer um poderá ser investido no emprego ou no “vinculo” e no “cargo” sem concurso, já que a proposta de emenda suprime a redação de exigência de aprovação prévia no concurso. Ainda, abre um espaço para possibilitar o acesso a cargo público por meio de provimento derivado, permitindo que um concursado e já investido em um cargo qualquer tenha acesso a outro cargo de maior complexidade e natureza distinta do seu cargo provido originariamente.
O texto constitucional, neste particular, retrocede para as práticas adotadas antes da Constituição Federal de 1988. O acesso ao cargo público só ocorre com a investidura no ato da posse. A Lei 8.112/90, artigo 5º já estabelece requisitos para a investidura no cargo. O artigo 7º dessa lei estabelece que a investidura ocorre com a posse. Ao remeter o direito à investidura à lei futura (na forma da lei) está o texto trazido pela PEC não recepcionando a Lei 8.112/90. Tanto é vero que a nova redação proposta para o inciso II do artigo 37, suprime do texto a palavra “função pública” e substitui pelo vínculo. Por incompatível com a nova redação, acaso aprovada, as atribuições e responsabilidade prevista no artigo 3º da lei 8.112/90, relacionada ao cargo, não mais existirão. Essa é a intenção clara nos termos da redação proposta para o artigo 37-A [acréscimo ao Texto constitucional] e na redação contida na exposição de motivos: “A proposta também inova ao permitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios firmem instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e privados para execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares” O artigo 37-A acresce na redação que a cooperação poderá ser “com” ou sem “contrapartida financeira”.
A investidura é o ato de investir o servidor no cargo público por meio da posse. O cargo público é conceituado pelo “conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor” [ Lei 8.112/90 artigos 2º, 3º, 5º e 7º].
O artigo 5º caput, da Lei Maior garante a igualdade a todos. A redação propõe, de forma obscura, que a constituição traga redação enganosa, permitindo o acesso ao cargo/emprego público, mas sem conhecimento prévio dos requisitos que serão exigidos para a “investidura”, caracterizando violação ao princípio da igualdade e ao disposto o inciso II, do artigo 5º da Constituição Federal [ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;]
No inciso II-A passa a prever a figura do contrato por prazo indeterminado: “a investidura em cargo com vínculo por prazo indeterminado depende, na forma da lei, de aprovação em concurso público com as seguintes etapas: “a) provas ou provas e títulos; b) cumprimento de período de, no mínimo, um ano em vínculo de experiência com desempenho satisfatório; e c) classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência;
A nova redação institui uma modalidade de concurso público que prevê preenchimento de critérios subjetivos de avaliação, violando o princípio do concurso público, da isonomia, e da segurança jurídica, afrontando o princípio da legalidade direito individual abrindo oportunidade para a concretização de concorrência desleal entre os candidatos, quando submete a avaliação de desempenho satisfatório, deixando a critério do avaliador a classificação daqueles submetidos à experiência, oportunizando a burla do concurso público, o apadrinhamento, em evidente violação ao artigo 5º, caput, e inciso II, da Constituição Federal/88, representando violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade trazido no artigo 37, caput, da Lei Maior, encontrando óbice de tramitação, na restrição do § 4º, do artigo 60 da CF/88.
No inciso II-B, aplicando a mesma vedação acima referenciada, diante da inconstitucionalidade na tramitação e, neste inciso, acresce o fato de a proposta deixar a critério de lei futura a incerteza de quais as carreiras que irão compor esse status constitucional. Eis a redação: a investidura em cargo típico de Estado depende, na forma da lei, de aprovação em concurso público com as seguintes etapas: a) provas ou provas e títulos; b) cumprimento de período de, no mínimo, dois anos em vínculo de experiência com desempenho satisfatório; e c) classificação final dentro do quantitativo previsto no edital do concurso público, entre os mais bem avaliados ao final do período do vínculo de experiência;
Ainda em relação ao inciso II-B, do artigo 37, a proposta de redação traz incompatibilidades dentro do mesmo texto quando prevê a existência de concurso público para cargo típico de estado e, ao mesmo tempo remete à Lei futura o conceito de quais os cargos serão considerados típicos de Estado. Sem conhecimento prévio de quais são esses cargos, tratando de norma de eficácia limitada, que remete o direito para regulamentação por uma lei futura ao utilizar o termo: “na forma da lei”, resta inviável a realização do concurso para preenchimentos desses cargos cargos, ante o desconhecimento de quais atividades públicas se enquadram no denominado “cargo típico de Estado”. A nova redação fere o princípio da isonomia, o princípio da segurança jurídica, mormente considerando que desde a Constituição de 1988, os servidores concursados para todos os cargos públicos e que já desempenham a atividade do Estado, estão no aguardo referida legislação. A exemplo citamos o projeto de Lei n. 3.351/12 arquivado sem apreciação em 2015, mas muitos outros tramitaram ou tramitam sem solução pelo Poder Legislativo, com tramitação interrompidas na Câmara dos Deputados. Sem lei que defina quais os cargos são considerados típicos de Estado haverá justificativa constitucional [trazida na PEC 32] para a paralização de concurso público para preenchimento de cargos públicos vagos, dos mais diversos existentes dentro do serviço público, inclusive os cargos da carreira do Ministério Público e da Magistratura [considerados pela doutrina e pela jurisprudência como tais] uma forma de desmanchar a máquina pública por meios indiretos.
O inciso IV, do artigo 37 também é alvo da proposta de emenda: “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público terá prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego público”;
A redação do Texto constitucional vigente traz a redação: “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;”
A atual redação vigente prevê apenas a “convocação” com prioridade, daqueles que já são concursados, deixando claro que a concorrência em igualdade com os demais, se submetendo ao mesmo concurso de prova e prova e título.
A proposta na PEC 20/32, violando o princípio da isonomia, permite que o servidor concursado tenha prioridade sobre “novos” concursados, deixando margem interpretativa que o servidor não precisa prestar outro concurso para concorrer em igualdade com os demais candidatos [ o que é corroborado pela nova redação trazida na PEC 32 para o inciso II do artigo 37, que exclui da redação do Texto constitucional vigente, o termo “prévio” – já abordado nas linhas anteriores relativas à analise do referido inciso.] A redação proposta vem permitir a investidura decorrente de provimento derivado do cargo público, representando violação ao princípio do concurso público e da igualdade, trazido no caput do artigo 5º, da CF/88, violando direitos e garantias individuais.
A Acumulação de cargos aparece como uma isca ao peixe, mas que na prática será inviável diante das regras restritivas e compatibilidade de horário que a redação remete à lei futura fixar.
Contrariando os princípios assentados na Assembleia Constituinte que refutou a permissão de acumulação de cargo público fundamentando que o desemprego no País, naquela época, já se apresentava preocupante, não sendo moral a permissão de acumulação de cargos por não atender ao interesse social. A nova redação trazida na proposta, ignorando o desemprego que assola o País, prevê, expressamente a edição de Lei Complementar permitindo a acumulação de cargos públicos e, a competência suplementar dos entes federados, que exercerão competência plena até que seja editada a Lei Complementar Federal.
A exposição de motivos justifica a alteração para permitir a acumulação de cargos:
"Atualmente, a acumulação é, em regra, vedada. Propõe-se a inversão da lógica: a acumulação será, em regra, permitida, desde que haja compatibilidade de horário e não implique conflito de interesse. Tratamento diferenciado será dispensado apenas aos ocupantes de cargos típicos de Estado para os quais será vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, incluída a acumulação de cargos públicos, com exceção de atividades de docência ou de atividades profissionais de saúde regulamentadas, uma vez que a atuação desses servidores pressupõe a necessidade de dedicação exclusiva. Essa restrição aplica-se também durante o respectivo período do vínculo de experiência. Complementarmente, propõe-se possibilitar ao militar da ativa ocupar cargo ou emprego de atividade própria de profissional de saúde ou de magistério.”
As redações trazidas na proposta de emenda, ao artigo 37, vigente:
“XVI - é vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive a acumulação de cargos públicos, para os servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, mesmo durante o período do vínculo de experiência; XVI-A - não se aplica a limitação do inciso XVI ao exercício da docência ou de atividade própria de profissional da saúde, com profissão regulamentada, por ocupante de cargo típico de Estado, quando houver compatibilidade de horários, observado, em qualquer caso, o disposto no art. 39, caput, inciso VII; XVI-B - é autorizada a acumulação remunerada de cargos públicos para servidores não ocupantes de cargos típicos de Estado, quando houver compatibilidade de horários e não houver conflito de interesse, observado, em qualquer caso, o disposto no art. 39, caput, inciso VII;
A redação trazida no artigo 39, VII, pela proposta de emenda prevê a necessidade de Lei estabelecer: “duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas nos termos do art. 37, caput, incisos XVI-A e XVI-B.”
Mesmo sem previsão no ordenamento jurídico classificando os cargos típicos de Estado, a nova redação permite a acumulação de cargos para o servidor civil e para o servidor militar, trazendo redação “vedativa” para o ocupante de cargo típico de Estado, afrontando o princípio da isonomia e do concurso público e violando os princípios da legalidade de da garantia individual trazida no artigo 5º, caput e, no inciso II, da CF/88. A mesma violação constitucional é apresentada na redação trazida ao inciso XVI que a PEC pretende inserir no artigo 37 da Constituição, constituindo em redação restritiva à livre concorrência ao cargo público típico de Estado: “XVI -é vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive a acumulação de cargos públicos, para os servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, mesmo durante o período do vínculo de experiência;”
Enquanto não vier Lei estabelecendo a jornada máxima de trabalho, na previsão do artigo 39, caput, VII, o servidor/empregado público, incluindo aquele que “não ocupa cargo típico de Estado” ficará impedido de acumular cargo.
As consequências desse texto merecem analise juntamente com aquele que estabelece o “período de experiência” como uma das fases do concurso. É a previsão da nova redação trazida pela PEC na redação proposta para o artigo 39, I. Na mesma proposta alinhava o período de experiência à avaliação subjetiva para “aprovação dentro das vagas ofertadas no concurso” conforme já abordado em linhas anteriores.
Acaso aprovada a redação proposta, o servidor que já ocupa cargo público estará impedido de participar de “todas” as fases de outro concurso para quaisquer cargos públicos. Isso porque, a nova redação trazida pela PEC impõe ao “concursando” a fase de experiência, de 1 ou 2 anos, conforme o cargo almejado. Decorre daí duas restrições que impedem o livre acesso ao cargo público: a) no período de experiência não pode acumular cargo público aquele que ocupa cargo típico de Estado. Nesse caso, o servidor terá que pedir exoneração por incompatibilidade de acumulação para o exercício de outro cargo público, em decorrência da necessidade de participando da fase do concurso, denominada “vinculo de experiência”. Surge daí outra questão que merece análise. Me refiro ao artigo Art. 2º da PEC 32, que traz a redação proposta: “ Ao servidor público investido em cargo efetivo até a data de entrada em vigor do regime jurídico de que trata o art. 39-A da Constituição é garantido regime jurídico específico, assegurados...“
Qual é o regime jurídico específico ao qual os atuais servidores restarão submetidos? Falta clareza na redação proposta. No entanto, a redação do artigo 39-A trazida na Proposta atribui a competência da União, Estados e Municípios definirem o Regime Jurídico de seus servidores [já tecemos sobre o assunto quando abordamos a inconstitucionalidade formal]. Extinto, portanto, estará, por via de consequência, o regime jurídico único e com ele o direito dos servidores que já se encontram no cargo.
Nas novas regras trazidas, o servidor público está impedido de participar de novos concursos diante da proibição de acumular cargos. A nova redação trazida na proposta condiciona a acumulação a cargo horária que será definida em Lei.
Enquanto não vier a lei, não poderá acumular. Ocorre que a PEC traz redação estabelecendo a fase do concurso denominada: “vinculo de experiência” de um ano ou 2 anos, conforme o cargo. Só após esse período haverá uma avaliação subjetiva para saber se o concursando foi aprovado dentro das vagas do concurso. Mas nessa “fase do concurso” chamada de experiência, não pode acumular cargo. Nesse caso, o servidor que já está investido em cargo público estará impedido de participar do novo concurso, salvo se pedir exoneração para fazer a fase do concurso denominado vinculo de experiência.
Inconstitucional as redações trazidas no corpo da PEC 32, relativas à alterações de fases do concurso e proibição de acumulação, porque ferem direitos e garantias individuais estabelecidas no artigo 5º, caput e inciso II, da CF/88, prevendo prática discriminatória ao restringir direitos, impossibilitando o acesso ao novo cargo público.
Quanto às funções de confiança, funções comissionadas, cargos de natureza especial ou em comissão. O artigo 37, V, em sua redação originária, previa que as funções de confiança fossem ocupadas preferencialmente por servidores investidos nos cargos efetivos, o que ocasionou uma “rifa” política e de apadrinhamento com as funções, causando enormes prejuízos aos cofres públicos com escândalos, retratados pelos mais diversos meios de comunicação. Para acabar com a imoralidade, a EC 19/98, prestigiou o servidor investido em cargo de provimento efetivo, para assentar no inciso V: as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Na exposição de Motivos da proposta de alteração a justificativa:
“Dispositivos que podem ser disciplinados por normas infraconstitucionais, de modo a promover maior flexibilidade à Administração pública, estão sendo revogados. Prevê-se ainda, como forma de promover uma regulamentação coesa e transparente e com melhor alinhamento entre os entes federados, que lei complementar federal irá dispor, ainda, sobre normas gerais relativas à gestão de pessoas, percentual máximo de cargos de liderança e assessoramento de livre nomeação e exoneração, organização da força de trabalho, progressão e promoção funcional, desenvolvimento e capacitação e duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas. Em função de situações legalmente constituídas, a proposta prevê regras de transição transparentes, bem como a substituição gradual das atuais funções de confiança e dos cargos em comissão pelos cargos de liderança e assessoramento. Direitos e prerrogativas estruturais dos atuais servidores que compõem os quadros da administração pública não serão afetados."
Não obstante a justificativa, a PEC apresenta a nova redação para o inciso V do artigo 37 do Texto constitucional: “V - os cargos de liderança e assessoramento serão destinados às atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas;”
No artigo Art. 4º da proposta de emenda assenta:
“As funções de confiança, os cargos em comissão e as gratificações de caráter não permanente existentes na data de entrada em vigor desta Emenda à Constituição serão gradualmente substituídos pelos cargos de liderança e assessoramento a que se refere o art. 37, caput, inciso V, da Constituição, nos termos de ato do Chefe de cada Poder. A redação proposta extingue as funções de confiança, de exercício exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, criando em seu lugar os cargos de liderança e assessoramento, com a previsão de que serão destinados “às atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas”.
Para ocupar as atribuições gerenciais, estratégicas ou técnicas, a PEC apresenta a redação de acréscimo do § 18 no artigo 37: [§ 18. Ato do Chefe de cada Poder disporá sobre os critérios mínimos de acesso aos cargos de liderança e assessoramento a que se refere o inciso V do caput e sobre a sua exoneração.]
A Proposta de emenda analisada não apresenta na redação submetida a apreciação do Congresso Nacional exemplo de evolução social, ou inovação do Estado, mas a aniquilação da própria Administração Pública, um verdadeiro retrocesso social. Materializa-se na PEC 32/2020 o desprestígio e a desvalorização dos servidores investidos em cargos públicos para atender finalidade de privatizar o serviço público e desmoralizar a administração pública abrindo espaça para a burla do concurso público e permitindo contratações sem concurso, nos termos da redação trazida a PEC para inserir no artigo 37 da Constituição Federal:
“Art. 37-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, na forma da lei, firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira. § 1º Lei federal disporá sobre as normas gerais para a regulamentação dos instrumentos de cooperação a que se refere o caput. § 2º Até que seja editada a lei federal a que se refere o § 1º, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão a competência legislativa plena sobre a matéria. (...) § 8º, IV: “possibilidade de contratação, mediante processo seletivo simplificado, de pessoal com vínculo por prazo determinado, com recursos próprios de custeio.”
Práticas trazidas para serem inseridas no texto constitucional, ultrapassadas, analisadas e pelo Constituinte que as pela imoralidade que representa para a serviço Público:
O Constituinte Adylson Motta (...)Sr. Presidente, de certa forma, não me fiz entender pelo ilustre Constituinte Virgílio Guimarães. S. Ex.ª fez uma série de alegações, exatamente por não ter ouvido o que disse anteriormente. Jamais viria a esta tribuna para patrocinar qualquer medida que não fosse no sentido de moralizar a função pública. Inclusive, sou autor de uma emenda altamente moralizadora nesse Projeto de Constituição – e só pode fazer isso quem tem atrás de si o exemplo dado na Administração Pública – proibindo emprego de parentes em cargos de confiança. Patrocinei essa medida porque quero ajudar a moralizar a função pública. O que estou propondo não é nenhuma novidade ou inovação, atende apenas às peculiaridades que cercam a função pública. Nós temos que estabelecer uma distinção. Não é elitismo, é a natureza das atribuições. O funcionário público tem que entrar no emprego por concurso, tem que ser organizado em carreiras e cumprir uma série de pré-requisitos. Agora, de uma maneira simplista, primária e até ignorante, não reconhecer essa diferenciação faz com que o debate se torne inexeqüível. Vim aqui propor algo sério, que é parte da tradição constitucionalista brasileira. Referi-me à Lei de 1915, Sr. Constituinte Virgílio Guimarães, leia as Constituições de 1934, 1937, 1946 de 1967 e V. Ex.ª verá que o que proponho não é nenhuma imposição burocrática: apenas, mais uma vez, lamentavelmente, recorresse ao recurso do texto constitucional para se tentar impor ordem a algo que está numa situação caótica, hoje, neste País. (...) E a minha experiência de trinta e cinco anos de função pública, onde exerci cargos de expressão, está a me indicar que, para ordenar a função pública, temos primeiro que uniformizar a situação desses que estão aí jogados ao léu, por irresponsabilidade de governos que não fizeram concursos, burlando a lei. Inclusive na Constituição de 1969 colocou-se um adendo ao princípio do concurso público, estabelecendo: “salvo os casos estabelecidos em lei”, que foi a porta de entrada para burla, onde se contrabandeou muita coisa. Muita gente não fez concurso, amparada não por dispositivos constitucionais, mas por portarias e decretos-leis, baixados ali no Planalto, e esta Casa sequer tem tido a dignidade de apreciá-los aqui no Plenário, como aconteceu, recentemente, quando foram criados 9.700 cargos para efetivar funcionários sem concurso público. É contra isso que V. Ex.ª tem que protestar. Não contra uma intenção séria e sadia como essa que estou trazendo aqui, para normalizar a vida administrativa e moralizar a função pública neste País. (...) Quanto à organização do funcionário em carreira e à unificação do regime jurídico, já houve um progresso que evita essa série de vinculações de extranumerários, do contrato por tarefas, do contratado pela CLT, do funcionário estatutário. Então, a primeira condição é unificar-se o regime jurídico e organizar o funcionário em carreira. A terceira regra: no substitutivo, embora de forma um pouco aleatória, pelo menos se demonstra a vontade de fazer-se alguma coisa séria, ao inserir-se o estabelecimento de um teto salarial baseado no que ganha um Ministro de Estado, um Ministro do Supremo Tribunal Federal e um Deputado. Agora, para que essa regra funcione, primeiro temos que estabelecer o que ganha o Deputado, o Ministro de Estado e o Ministro do Supremo e quais os tipos de vantagens que seriam computadas para dar o limite à remuneração do servidor. Então, isso tem que ser disciplinado também concomitantemente, sob pena de não ter validade e aplicabilidade prática à regra que se ingere aqui. Quanto aos cargos em comissão, que seria o quarto aspecto a que me refiro, parece-me que aqui houve um desvirtuamento daquilo que estava na proposta anterior, porque recomenda que os cargos em comissão sejam preferencialmente ocupados por funcionários de carreira. Isso preferencialmente significa dizer que não funcionará a regra constitucional. Se ela não for imperativa, cogente, afirmativa, impositiva, não funcionará. É preciso dizei que obrigatoriamente os cargos e funções de confiança serão ocupados por funcionários de carreira, exceto aqueles de gabinete de ministros, de autoridades máximas de órgãos federais, estaduais, municipais e das secretarias gerais. Digo por quê. Os jornais de ontem noticiaram – não quero cometer injustiça com ninguém, mas isto não foi desmentido até agora – que o Presidente da República – tem cinco mil cargos de confiança para aliciar Constituintes e tirar-lhes o voto para fixação do seu período de Governo e para a escolha do regime de governo. Então aquilo que é criado – esses cargos demissíveis ad nutum – vara auxiliar os administradores estão sendo transformados em instrumento de cambalacho. O SR. CONSTITUINTE CARLOS SANT'ANNA – Permite-me V. Ex.ª um aparte? (...) O SR. CONSTITUINTE CARLOS SANT'ANNA: – Não posso perder a oportunidade, por isso peço-lhe outro aparte. O SR. CONSTITUINTE ADYLSON MOITA: – Pois não. O SR. CONSTITUINTE CARLOS SANT'ANNA: – Ninguém pode imaginar, por exemplo, que, eleito, um governador vá manter nos cargos de confiança aqueles indivíduos que acabou de derrotar nas urnas. Entende-se que cargo de confiança é o que está sendo exercido por alguém em sintonia com o programa de governo que está sendo defendido. Se a Nova República tem um programa de governo, os cargos de confiança têm que ser exercido pelas pessoas que estão sintonizadas com esse programa de governo. Por exemplo, no PDT, ninguém poderia imaginar que Leonel Brizola pudesse manter nos cargos, no Estado do Rio de Janeiro, no tempo do seu governo, aqueles que eram seus opositores. Não tem sentido, obviamente, que num cargo de confiança permaneça quem não está em sintonia com o Governo. Em verdade, entretanto, a expectativa que tínhamos, por exemplo, de que quem estivesse na oposição, ainda que no PMDB, entregaste os cargos de confiança, não foi alcançada. Mas apesar disso, o Governo não dispensou essas autoridades. O SR. CONSTITUINTE ADYLSON MOTTA – Quanto aos cargos de confiança, o próprio nome está definindo a sua natureza. São cargos de confiança e, por isso mesmo, demissíveis ad nutum. Agora, o que me preocupa é essa proliferação de cargos. Creio que eles deveriam ser restritos aos profissionais da função pública e isoladamente naqueles casos de assessoria direta das autoridades máximas de poder, ministros etc. Apenas para concluir, cito dois aspectos que me parecem devam ser ressalvados. Houve uma proposta, e foram retirados do texto os acúmulos de cargos. Considero uma medida altamente salutar. No momento em que temos ai um exército de desempregados neste País, eu não teria como votar a favor de um [9]
Ainda, adoto como fundamento para assentar a violação ao princípio do retrocesso e a ausência de finalidade social/legal, a fala do Constituinte que motivou a rejeição às propostas idênticas à trazida, analisou e rejeitou as práticas ressuscitada extinção de funções privativas dos servidores de cargo de provimento efetivo, para transformar em cargo de assessoramento e liderança, a serem distribuídas pelos próprios chefes de Poder que regulamentará estabelecerá critério mínimo de acesso aos cargos e, a acumulação de função, além de trazer para o corpo da constituição o regime jurídico único e a estabilidade, bem como a organização do servidor na carreira, como forma de valorização do servidor, matérias analisadas e sepultadas pela Assembleia Nacional:
O SR. CONSTITUINTE ADYLSON MOTTA – Quanto aos cargos de confiança, o próprio nome está definindo a sua natureza. São cargos de confiança e, por isso mesmo, demissíveis ad nutum. Agora, o que me preocupa é essa proliferação de cargos. Creio que eles deveriam ser restritos aos profissionais da função pública e isoladamente naqueles casos de assessoria direta das autoridades máximas de poder, ministros etc. Apenas para concluir, cito dois aspectos que me parecem devam ser ressalvados. Houve uma proposta, e foram retirados do texto os acúmulos de cargos. Considero uma medida altamente salutar. No momento em que temos ai um exército de desempregados neste País, eu não teria como votar a favor de um dispositivo que desse o privilégio de dois empregos a uma pessoa só. Então, é a democratização do emprego que está sendo efetivada. Houve uma falha – a menos que eu tenha lido muito rápido. Aqueles que no momento têm os dois cargos teriam que ter preservados seus direitos. Apresentei essa emenda, que foi aproveitada em parte. Apenas os médicos têm assegurados os dois cargos. Acho que todos aqueles que tiverem acúmulos previstos na Constituição anterior deverão ter preservado o seu direito. Daí para frente, que não mais exista o caso de dois empregos. [10]
Os pronunciamentos do Constituinte originário, que trago à balha, registra retrocesso social do modelo de Estado Trazido na PEC 32/2020, trazendo, o mesmo modelo de administração pública que o Constituinte originário enterrou, refutou com forte tese argumentativa jurídica, invocando o princípio da legalidade, da moralidade pública e da valorização do servidor que é o instrumento do Estado no desempenho próprio de suas funções administrativas. A violação ao princípio que veda o retrocesso decorre da garantia fundamental de limitação ao poder constitucional reformador presente no artigo 60, § 4º, da CF/88, garantia de manutenção dos direitos fundamentais sociais e dos direitos individuais, impondo a regra do não-retorno à forma de administração que já fora utilizada por muito tempo e, analisada pelo Constituinte originário.
A Proposta de Emenda Constitucional 32/2020 busca acrescentar no artigo 37, da CF/88, o inciso XXIII, alíneas “a” a “j” com a redação restritiva de direitos: a)veda férias em período superior a trinta dias pelo período aquisitivo de um ano; (b) proibição de concessão de adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada”; (c) aumento de remuneração ou parcelas indenizatórias com efeitos retroativos; (e) redução de jornada sem a correspondente redução de remuneração, exceto se decorrente de limitação de saúde, conforme previsto em lei (d) licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação; (f) aposentadoria compulsória como modalidade de punição; (g) adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento; (h) progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço; (i) parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, exceto para os empregados de empresas estatais, ou sem a caracterização de despesa diretamente decorrente do desempenho de atividades; e (j) a incorporação, total ou parcial, da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente.
As matérias “sem destaques, estão afetas ao Regime Jurídico do Servidor, e devem ser trazidas à apreciação por meio de processo legislativo próprio das leis infraconstitucionais (CF/88, artigo 61, § 1º, “c”. A matéria relativa à aposentadoria compulsória como modalidade de punição e férias acima de 60 dias e promoção ou progressão baseada exclusivamente em tempo de serviço, não tem previsão legal para aplicação ao servidor, porque inexistente tal previsão no RJU. Trata de matéria prevista na Lei Orgânica da Magistratura, competência do Supremo Tribunal Federal de iniciativa de lei. (violação do artigo 2°, da CF/88); as matérias trazidas nas alíneas “b” “c”, “f” e “i” não tem nexo de causalidade que justifique a Proposta de emenda. Adstrita está, a administração pública, ao princípio da legalidade. O servidor apenas recebe a remuneração estabelecida em seu plano de carreira, que somente surte efeitos a partir da publicação. Eventual valor retroativo decorre de decisão judicial, que deve ser cumprida nos estritos termos da CF/88, artigo 37, sob pena de violar o artigo 2º, da CF/88 observando-se o princípio da Legalidade. A Proposta de emenda à constituição não se apresenta como forma adequada para restrição de direitos obtidos e incorporados à folha de pagamento, cujo fiscalização da legalidade é de competência do Poder Legislativo. As matérias trazidas, relativas férias, licenças, promoções gratificações e incorporações são tratadas no Estatuto do Servidor público. Portanto, matéria afeta ao seu Regime Jurídico Único, que deve vir ao Congresso Nacional com a utilização do processo legislativo adequado pra a apresentação de projeto de lei. Vício de forma evidenciado, obstando a tramitação (61, § 1º, II, “c”).
A exposição de motivos aponta a abrangência que a proposta pretende alcançar: “Neste contexto, a proposta de Emenda à Constituição aqui apresentada, que possui como público-alvo não só a Administração pública como todo seu corpo de servidores, se insere em um escopo maior de transformação do Estado,”
A alínea “h” traz conteúdo relativo a promoção e progressão funcional, que invade a competência dos Poderes Legislativo e Judiciário [CF/88, artigos 51, IV, 52, XIII, 92, 93, III, 96, II, “b” e “c” ] O direito trazido nessa alínea já foi previsto no DecretoLei 2.403/87, que fixava as diretrizes para a progressão e promoção na carreira do servidor público civil da administração pública federal, estabelecendo no artigo 15 e 16, que a promoção e a progressão dependeria “cumulativamente” de desempenho eficaz de suas atribuições e cumprimento de interstício, mas foi rejeitado pelo Ato Declaratório de 14 de junho de 1989, pelo Senado. Atualmente o artigo 8º, II, da Lei 8.112/90 conceitua a promoção como sendo uma das formas de provimento do cargo público e, o artigo 9º, parágrafo único, estabelece que os demais requisitos para o ingresso e o desenvolvimento do servidor na carreira, mediante promoção, serão estabelecidos pela lei que fixar as diretrizes do sistema de carreira na Administração Pública Federal e seus regulamentos.
O Sistema de carreira do servidor Público é matéria afeta às competências, relativamente aos membros e servidores vinculados a cada Poder, estabelecendo a Constituição Federal competência para a iniciativa de leis a serem encaminhadas as Poder Legislativo, prevendo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira;
No âmbito do Poder Judiciário Federal, a Lei 11.416/1996 [dispõe sobre as Carreiras dos Servidores do Poder Judiciário da União) traça no artigo 9º , o desenvolvimento dos servidores nos cargos de provimento efetivo das Carreiras dos Quadros de Pessoal do Poder Judiciário, mediante progressão funcional e promoção, que deve observar os requisitos cumulativos trazidos no § 1º e 2º, dispondo respectivamente: “A progressão funcional é a movimentação do servidor de um padrão para o seguinte dentro de uma mesma classe, observado o interstício de um ano, sob os critérios fixados em regulamento e de acordo com o resultado de avaliação formal de desempenho; A promoção é a movimentação do servidor do último padrão de uma classe para o primeiro padrão da classe seguinte, observado o interstício de um ano em relação à progressão funcional imediatamente anterior, dependendo, cumulativamente, do resultado de avaliação formal de desempenho e da participação em curso de aperfeiçoamento oferecido, preferencialmente, pelo órgão, na forma prevista em regulamento. Desrespeitada a competência dos Tribunais e do Supremo Tribunal Federal trazida no artigo 96, I, “c” e “f” e II, “b” e “c”, decorre a violação ao artigo 2º, da CF/66 e a vedação ara a apreciação das matérias (CF/88 60, § 4º)
No artigo 2º, II, da PEC 32, condiciona a “não” aplicação da restrição de direitos elencados no inciso XXII, do artigo 37, mencionado: “na hipótese de haver lei específica vigente em 1º de setembro de 2020 que tenha concedido os benefícios ali referidos. exceto se houver alteração ou revogação da referida lei; III - os demais direitos previstos na Constituição.
A redação trazida na PEC representa texto de norma constitucional restritiva de direito, com clara violação às garantias individuais (CF/88 artigo 5º, II, XXXVI) propondo a inserção, na Constituição Federal, de com efeito retroativo, objetivando a exclusão direitos já incorporados ao patrimônio do servidor, ainda que tenha sido previsto em lei vigente à época da incorporação, mas posteriormente revogada, ou seja, a redação na forma apresentada, se aprovada, terá vigência retroativa.
Quanto às matérias trazidas nas Propostas de Emendas à Constituição, decidiu o Supremo Tribunal Federal que: “(...) as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.xi
Estabilidade. A proposta traz nova redação ao artigo 41 : “Art. 41. Adquire a estabilidade o servidor que, após o término do vínculo de experiência, permanecer por um ano em efetivo exercício em cargo típico de Estado, com desempenho satisfatório, na forma da lei. § 1º O servidor público estável ocupante de cargo típico de Estado só perderá o cargo: I - em razão de decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado;
O artigo 2º da PEC 32 assegura:
“Ao servidor público investido em cargo efetivo até a data de entrada em vigor do regime jurídico de que trata o art. 39-A da Constituição é garantido regime jurídico específico, assegurados: I - a estabilidade, após três anos de efetivo exercício e aprovação em estágio probatório; II - a não aplicação do disposto no art. 37, caput, inciso XXIII, alíneas “a” a “j”, da Constituição na hipótese de haver lei específica vigente em 1º de setembro de 2020 que tenha concedido os benefícios ali referidos, exceto se houver alteração ou revogação da referida lei; e III - os demais direitos previstos na Constituição. § 1º A avaliação de desempenho do servidor por comissão instituída para essa finalidade é obrigatória e constitui condição para a aquisição da estabilidade. § 2º O servidor a que se refere o caput, após adquirir a estabilidade, só perderá o cargo nas hipóteses previstas no art. 41, § 1º, incisos I a III, e no art. 169, § 4º, da Constituição.”
A nova proposta assegura ao servidor que já se encontra investido em cargo público a estabilidade. O assunto trazido no inciso II, suso transcrito já restou tratado em linhas anteriores ao analisar o inciso XXIII, trazido ao artigo 37.
Para os novos servidores a estabilidade só alcança aqueles investidos em cargos típicos de Estado.