Inconstitucionalidade da PEC 32/2020

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27/04/2021 às 13:41
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Inconstitucionalidade formal.

Proposta para mudar a redação do artigo 41 e inserir o artigo 41-A na Constituição Federal, trazendo no artigo 2º da PEC 32 novas regras restritivas da estabilidade, excluindo a garantia trazida pelo Constituinte aos servidores investidos no cargo por meio do processo regular do Concurso Público (ADCT, artigo 18 e 19.)

A estabilidade é matéria tratada no bojo do Regime Jurídico Único, com processo legislativo próprio para apresentação no Congresso Nacional (CF/88 artigo 61, § 1º, II, “c”. apresenta inconstitucionalidade pela forma inadequada em descompasso com as regras do processo legislativo estabelecido na Constituição Federal.

O artigo 18 da ADCT traz com clareza que a estabilidade é a segurança para servidores investidos em cargo por meio de concurso público, estabelecendo: “Art. 18. Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo, lavrado a partir da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, que tenha por objeto a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.”

Para assegurar o direito dos servidores que ingressaram no serviço público há mais de cinco anos antes da instalação da Assembleia Constituinte, veio o artigo 19 do ADCT garantindo o direito: Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Garantindo a inviolabilidade do direito à estabilidade que representa a moralidade no serviço público, impedindo perseguições políticas, o Constituinte estabeleceu no artigo 1º do ADCT : “Art. 1º. O Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacional prestarão o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, no ato e na data de sua promulgação.” Viola o princípio da legalidade e da moralidade pública quando o Presidente da República rompe com o compromisso prestado pela autoridade que representa o cargo como chefe do Poder Executivo. O compromisso não foi prestado pela pessoa física investida no cargo à época, mas sim pelo próprio Poder Executivo, na posição de chefe de Estado.

O artigo 41 da Constituição Federal, vigente, também a assegurar a estabilidade. “. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público” Impositivo o artigo 41, caput ao estabelecer que o servidor adquire a estabilidade após 3 anos de estágio probatório. A Estabilidade é garantia do exercício livre das atribuições do cargo público, sem medo de pressões hierárquicas, de onde decorre a fé pública do servidor no exercício de suas atribuições”.

O artigo 247 da CF/88, inserido pela EC 19/95: “As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.”

A Lei prevista no ª 1º, III, do artigo 41 é a Lei Complementar, que estabelecerá critérios pra avaliação periódica. A Lei referida no artigo 247, é para estabelecer o percentual de redução de despesa, com máximo fixado na lei, quando o orçamento for insuficiente para a projeção com gastos em folha de pagamento, hipótese em que poderá haver redução de pessoal que ocupa cargo em comissão, os investidos em função de confiança e, os não estáveis. (CF/88, artigo 169, §§ 3º, 4º, 7º). A garantia da estabilidade está bem delineada na Constituição, que remete à legislação infraconstitucional a regulamentação nos termos estabelecidos “específicos” ali assentados, não havendo permissão no processo legislativo para tratar da matéria por meio de Proposta de emenda, seja pela previsão específica dos artigos 41 e 247 da Constituição Federal, que remete à lei infraconstitucional, seja pelo que estabelece o artigo 61, § 1º, II, “c”, considerando que a estabilidade é instituto tratado no bojo do Regime Jurídico Único do Servidor.

Investidos em seus cargos por meio de concurso público, a estabilidade será a garantia do exercício de suas atribuições, sem que seja submetido a pressões superiores para dar cumprimento à ordem ilegal ou seja motivo de perseguição política. A estabilidade decorre da investidura em cargo de provimento efetivo e da aprovação em estágio probatório. Estabilidade é matéria a ser trazida por meio de processo legislativo estabelecido para leis infraconstitucionais [violação do artigo 61, § 1º, II, “c”.].

O dispositivo trazido A disposição resulta em evidente retrocesso social e abre as portas para a desmoralização do serviço público, contrário ao interesse social, ferindo garantias fundamentais da sociedade (5º, LXXIII da CF/88) por violar o princípio da legalidade e na sua extensão, o princípio da moralidade, encontrando óbice no trâmite (60, § 4º, da CF/88 e 61, § 1º, II, “c”.

Vínculo Previdenciário. Nova redação proposta na PEC para inserir o artigo 40A no corpo da Constituição Federal : “Para fins de determinação do vínculo previdenciário dos servidores públicos, são segurados: I - de regime próprio de previdência social os servidores com vínculo de experiência e os servidores de cargo com vínculo por prazo indeterminado ou de cargo típico de Estado de que tratam, respectivamente, os incisos I, III e IV do caput do art. 39-A;

Não obstante, a redação trazida para o artigo 40-A, no corpo da PEC 32/2020 está o Artigo 9º da proposta de emenda que autoriza os entes federativos a “optarem” por vincular o servidor no regime geral de previdência, de forma irretratável. Veja da redação: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão optar por vincular, por meio de lei complementar publicada no prazo de dois anos, contado da data de entrada em vigor desta Emenda à Constituição, os servidores que vierem a ser admitidos para cargo com vínculo por prazo indeterminado, nos termos do inciso III do caput do art. 39-A, inclusive durante o vínculo de experiência, ao regime geral de previdência social, em caráter irretratável. Parágrafo único. A vinculação de que trata o caput não afasta o direito dos servidores à vinculação ao regime de previdência complementar, na forma do art. 40, § 14, da Constituição.

A redação trazida no corpo da proposta apresente contradição entre os dispositivos apresentados e fere garantia individual trazida no artigo 5º, II da CF/88, ao deixar a cargo dos entes federados “a opção” de vincular os servidores ao regime geral de previdência.

O artigo 5º, II do texto Maior [ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;] é a garantia individual para impedir a tramitação dessa redação por encontrar limitação no artigo 60, § 4º, IV, da CF/88.

Uma vez investido no Regime próprio de previdência social, contribuindo sobre o valor de toda a sua remuneração, é ilegal e imoral, o ato unilateral da administração pública para compulsoriamente vincular em caráter irretratável o servidor ao regime de previdência geral. Viola a garantia fundamental e individual de ser mantido no regime jurídico para o qual contribui em percentual e base de cálculo muito superior do que aquela praticada no regime jurídico geral de previdência social, e até então não estava sujeito ao teto contributivo. A vinculação compulsória, nessa situação fere o princípio, considerando a diferença entre as bases de cálculos de contribuição, em prejuízo ao servidor que receberá a aposentadoria limitada ao teto, acarretando violação ao artigo 5º, caput, da CF/88. Aplicação do artigo 60, § 4º.

O Regime próprio de contribuição em relação aos atuais servidores não ficou estabelecido na PEC 32/2020, embora esteja extinguindo o Regime Jurídico Único, em decorrência da redação proposta para alterar o artigo 39 do Texto Constitucional, não fez previsão na PEC 32 qual a situação se encaixará o servidor que tem garantida a paridade salarial, a aposentadoria e demais direitos que ficaram no vazio da previsão constitucional.


Invasão de competência legislativa. Desvio de finalidade.

A exposição de Motivo 47-ME retrata uma causa inexistente, apontada no início deste texto, promovendo alterações na Constituição, inclusive, sobre matéria que não consta expressamente da exposição de motivos, por isso não comporta deliberação pelo Congresso Nacional.

A proposta de emenda traz nova redação do inciso X, do artigo 48, reduz a competência do Poder Legislativo [criação e extinção de ministérios e órgãos da administração púbica] traz no corpo da PEC 32 a nova redação para inserir no Texto da Constituição: “Art. 88. Lei disporá sobre a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea “e”, e no art. 84, caput, inciso VI.” (NR)”.

Altera a redação do inciso X do artigo 48, retirando competência do Congresso Nacional para deliberar, “por meio de lei” sobre a criação e extinção de cargos e funções do Poder Executivo .e, acresce essas atribuições às competências do Chefe do Poder Executivo, para deliberar por meio de decreto. A nova redação proposta para o

artigo 84 do Texto da Constituição: VI - quando não implicar aumento de despesa, dispor por meio de decreto sobre: b) extinção de: 1. cargos públicos efetivos vagos; e 2. cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão, cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente, ocupados ou vagos (...) e) transformação de cargos públicos efetivos vagos, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de liderança e assessoramento, funções de confiança e gratificações de caráter não permanente vagos ou ocupados, desde que seja mantida a natureza dos vínculos de que trata o art. 39-A; f) alteração e reorganização de cargos públicos efetivos do Poder Executivo federal e suas atribuições, desde que não implique alteração ou supressão da estrutura da carreira ou alteração da remuneração, dos requisitos de ingresso no cargo ou da natureza do vínculo;

No artigo 10, da PEC/32. Revoga o inciso XI, do artigo 48, do Texto Constitucional vigente [que trata da competência do Congresso Nacional. Acresceu à competência do Presidente da República, concedendo-lhe competência para extinguir órgãos e ministérios por meio de decreto.]

A Constituição Federal estabelece a forma no artigo 48, IX para extinção e criação de órgãos e ministérios, por meio de processo legislativo regular.

Ao atribuir a competência ao chefe do Poder Executivo, poderá extinguir órgãos criados por Lei, por meio de Decreto.

O Estado Democrático de Direito desenhado na Constituição vigente, constituindo mecanismo para o exercício do poder que emana do povo, seja direto ou por meio de outorga pelo voto ao político eleito, trazendo como garantia fundamental, princípio direito individual, que na sua extensão doutrinária alcança o direito político traduzido na soberania popular exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (i) plebiscito; (ii) referendo; (iii) iniciativa popular (CF/88 Título II, artigo 14). A soberania popular representada pela supremacia da vontade do povo, impõe ao Estado a autorização, o consentimento da população (governados) para tomar decisões, porque traduz o fundamento da República Federativa do Brasil trazido no artigo 1º, da Lei Maior: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”

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Ao propor a supressão da competência legislativa do Congresso Nacional para acrescer a competência do Chefe do Poder Executivo, a PEC 32/20 rompe com os valores políticos e sociais, violando direito individual garantida a cada cidadão de participar do processo legislativo justamente para evitar excesso de poderes de gestão. Resta, só por essa vertente, obstada a tramitação da PEC 32/20, por violar o artigo 60, § 4º, III e IV da CF/88. Para alcançar, em sua plenitude, a usurpação de competência, a EM n. 47/ME, vem alicerçado em discurso escrito que noticia a existência de um Estado oneroso que limita a economia e limita a liberdade econômica, diante dos “elevados salários” vistos como ameaças à economia.

Nesse alicerce argumentativo propõe a desregulamentação da força de trabalho humano adotada como forma de prestação do serviço público, diminuindo direitos de servidores públicos em evidente redução indireta do salário, enfraquecimento e desvalorização do servidor, propondo a extinção da função pública conceituada na doutrina como gênero que tem como espécie os cargos e empregos públicos, as funções de confiança, as funções comissionadas, os cargos em comissão e os de natureza especial. Propõe o desaparelhamento do Estado por meio de extinções de órgãos públicos da administração direta e, dos ministérios. Toda a sustentação veio com objetivo certo: retirar a competência do Congresso Nacional, alterando a redação do inciso X do artigo 48 e suprimindo o inciso XI, a emenda constitucional como “outorga de competência legislativa” ao Chefe do Poder Executivo, que passa a deliberar por meio de decreto, as matérias que antes estavam submetidas ao processo legislativo estabelecido para as leis federais. Nesse passo, acresce a competência do Poder Executivo alterando a redação do inciso VI do artigo 84, passando o chefe do executivo a ter competência individual.

O acréscimo da competência do Executivo, serve de mecanismo para alcançar o propósito impedido por recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle da Constitucionalidade por meio da ADI 6121 MC/DF, onde o Plenário daquela Corte Suprema, deferiu parcialmente a medida cautelar na ação, para suspender a eficácia de dispositivos do Decreto n. 9758/2019, da Presidência da República, que extinguia colegiados de administração pública Federal Previstos em Lei.

No julgamento os ministros, interpretando a Constituição Federal/88, justamente quanto à violação ao artigo 48, XI [que trata da competência privativa do Congresso Nacional], e quanto à limitação dos poderes do Presidente da República trazido no artigo 84, VI, “a”” [deliberação mediante decreto] prevaleceu, por maioria o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de a Constituição Federal conferir ao presidente da República a competência para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração e, dentro dessa competência restrita compete ao Presidente extinguir por decreto, somente o que por decreto foi criado. Pontuou no voto as limitações constitucionais do Chefe do Poder Executivo:

A conclusão é linear: a igual oportunidade de participação política revela-se condição conceitual e empírica da democracia sob a óptica tanto representativa quanto deliberativa. Como ideal a ser sempre buscado, consubstancia-se princípio de governo a homenagear a capacidade e a autonomia do cidadão em decidir ou julgar o que lhe parece melhor para a definição dos rumos da comunidade na qual inserido – requisito de legitimidade de qualquer sistema político fundado na liberdade. Considerada a democracia participativa, observa Paulo Sérgio Novais de Macedo, “cidadão não é mero sinônimo de eleitor, mas de indivíduo participante, fiscalizador e controlador da atividade estatal” (Democracia participativa na Constituição Brasileira. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: nº 178, abril/junho de 2008, p. 187). Tais preocupações não passaram desapercebidas pelos integrantes da Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988), cuja Carta, produzida em meio a ricos e intensos debates, foi adequadamente chamada de Cidadã. “Estatuto do Homem, da Liberdade e da Democracia”, nas palavras de Ulysses Guimarães. O Diploma Maior expressa o reencontro da Nação com o Estado Democrático de Direito após longos anos de 10 Supremo Tribunal Federal Mais: longe de pretender negar o papel central exercido pelo processo popular de escolha de representantes, vale ter presente, na esteira de autores partidários da chamada democracia deliberativa, a impropriedade de reduzir-se a vida democrática à representação clássica de matriz oitocentista, devendo envolver “também a possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questões a serem decididas” (SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Deliberação Pública, Constitucionalismo e Cooperação Democrática. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A Reconstrução Democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 44). A efetiva deliberação pública racionaliza e legitima as decisões tomadas no âmbito da gestão política da coisa pública. Para tanto, surge imprescindível a criação de condições a franquearem, no debate público, idêntica oportunidade a todos os cidadãos para influenciar e persuadir em contexto discursivo aberto, livre e igualitário. A conclusão é linear: a igual oportunidade de participação política revela-se condição conceitual e empírica da democracia sob a óptica tanto representativa quanto deliberativa. Como ideal a ser sempre buscado, consubstancia-se princípio de governo a homenagear a capacidade e a autonomia do cidadão em decidir ou julgar o que lhe parece melhor para a definição dos rumos da comunidade na qual inserido – requisito de legitimidade de qualquer sistema político fundado na liberdade. (...). Não por acaso, reverberando a definição clássica do regime democrático como “governo do povo, pelo povo, para o povo”, a redação do parágrafo único do artigo 1º não abre margem para dúvidas: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Por instrumentos da democracia participativa, compreende-se mais do que a corriqueira referência aos projetos de lei de iniciativa popular e aos institutos do referendo e do plebiscito, versados nos artigos 14, incisos I e II, 49, inciso V, 14, inciso III, e 61, § 2º, da Constituição Federal. Traduzem-se em toda e qualquer forma legal de controle, pela sociedade, dos atos da Administração, considerada a influência da atuação popular na formulação das decisões políticas e na gestão da coisa pública, fornecendo-lhes a necessária legitimidade democrática. Ao consagrar, junto aos mecanismos representativos, o princípio de participação direta na gestão pública, o texto constitucional, no que dotado de inequívoca força normativa, promoveu a emergência de diversos institutos alusivos à gestão ou fiscalização de políticas públicas. A leitura dos diversos capítulos da Lei Maior revela extenso rol de preceitos nos quais mencionada, expressamente, a “participação da comunidade” na gestão pública, notadamente na área da saúde – artigo 198, inciso III –, da seguridade social – artigo 194, inciso VIII –, da política agrícola, – artigo 187, cabeça –, da gestão democrática da educação – artigo 206, inciso VI –, e da assistência social, onde se estabelece, de forma específica, a participação da população “por meio de organizações representativas” na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis – artigo 204, inciso II. Em sede doutrinária, vale trazer à balha a lição de Enid Rocha em texto oportunamente denominado “A Constituição Cidadã e a institucionalização dos espaços de participação social”: […] no tocante à democracia participativa, [a Carta de 1988] estabelece os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, nos níveis municipal, estadual e federal, com representação do regime de exceção.(...) Ante o cenário descrito, a conclusão constitucionalmente mais adequada, em sede precária e efêmera, consiste em suspender, até o exame definitivo da controvérsia, a extinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Executivo, de órgão colegiado que, contando com assento legal, viabilize a participação popular na condução das políticas públicas – mesmo quando ausente expressa “indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”. Justifica-se: o Parlamento é a arena preferencial de deliberação no âmbito da democracia representativa, de modo que, ao prever, em sede legal, a existência de determinado colegiado enquanto mecanismo de participação direta da sociedade civil na gestão da coisa pública, acaba por fornecer, mediante a institucionalização de espaços de participação social, concretude ao que poderíamos denominar “espírito de 1988” – (..) [12]

As matérias sobre a redução e supressão de competência do Congresso Nacional e ampliação da competência do Poder Executivo não foi trazida na Exposição de motivos de forma clara.

Outra matéria que não constou da exposição de motivos e está no corpo da PEC 32/2020 é a redação substituir a que consta do § 16, do artigo 165, da Constituição vigente que sofreu recente alteração pela EC 100/2019, a saber: [§ 16. Quando a transferência obrigatória da União para a execução da programação prevista nos §§ 11 e 12 deste artigo for destinada a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, independerá da adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de cálculo da receita corrente líquida para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal de que trata o caput do art. 169.]

A Proposta de emenda, contrariando o discurso lançado na Exposição de Motivos [da existência de um texto constitucional arcaico que merece revisões] apresenta nova redação ao § 16: A lei orçamentária poderá conter programações únicas e específicas para os fins do art. 37, § 8º, independentemente da classificação da despesa. (NR) O art. 37, § 8º dispõe sobre a ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade.

Essa redação, se aprovada, permitirá a existência de orçamento unificado ou orçamento global, para os contratos de gestão. Trazendo para o texto constitucional a autorização para despesa sem limitações quanto a grupos de natureza ou mesmo programas e atividades, destinados a “contratos de gestão”. Essa alteração representa a supressão da competência do Congresso Nacional para se manifestar especificamente sobre determinados gastos públicos.

A PEC 32/20 propõe o acréscimo do § 6º, ao artigo 173 constitucional vigente: 6º É vedado ao Estado instituir medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre concorrência, exceto nas hipóteses expressamente previstas nesta Constituição.

A nova redação proposta amplia a limitação à atuação do Estado e das suas empresas estatais na política econômica. Na regra constitucional vigente a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Com a nova redação, toda e qualquer intervenção será proibida, salvo as previstas na Constituição.

Acréscimo do § 7º ao artigo 173, do Texto Constitucional trazido na PEC 32, que se encontra dentro do capítulo “Da Ordem Econômica e Financeira”, trazendo a redação à aprovação: “§ 7º É nula a concessão de estabilidade no emprego ou de proteção contra a despedida para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada.”

A previsão legal do artigo 1º e 18, ADCT, da Constituição Federal/88, que confere direito da estabilidade aos servidores vinculados às entidades mencionadas na redação trazida pela PEC 32, para o §, 7º, do artigo 173 do texto constitucional. A administração pública está adstrita à obediência ao princípio da legalidade. Prevista a

estabilidade no dispositivo do ADCT, impõe-se o reconhecimento do direito. Eventual declaração de nulidade é matéria afeta ao Poder Judiciário, a quem a constituição conferiu a competência jurisdicional, além da competência administrativa trazida no artigo 37, caput. Inconstitucionalidade matéria trazida violação do princípio da separação dos Poderes ( CF/88 artigo 2º, e 60, § 4º)

O artigo 6º PEC 32/20: Art. 6º As parcelas indenizatórias pagas em desacordo com o disposto no art. 37, caput, inciso XXIII, alínea “i”, da Constituição ou instituídas apenas em ato infralegal ficam extintas após dois anos da data de entrada em vigor desta Emenda à Constituição. A nova redação trazida na Proposta na alínea “i”, trata de parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei, exceto para os empregados de empresas estatais, ou sem a caracterização de despesa diretamente decorrente do desempenho de atividades;

A competência para a matéria afeta a remuneração de servidores, membros de carreira, e autoridades do políticas, estão distribuídas no âmbito de competência da administração de cada um dos Poderes da República (artigo 37, caput, 51, IV, 52, XIII, 96, II, “b” e “c”), a matéria viola o artigo 2º da Constituição Federal/88, aplicação do artigo 60, § 4º, da CF/88.

Artigo 10 da PEC 32. Dispositivos do Texto Constitucional vigente que propõe sejam revogados:

Revogação. [37. IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (Vide Emenda constitucional nº 106, de 2020); XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;]

A utilização da Proposta de Emenda Constitucional como substitutivo de procedimento materialmente tratado por lei infraconstitucional e, a apresentação de proposta sem finalidade quando tratam de matéria já prevista na Constituição Federal tem se tornado prática no âmbito do Poder Executivo, a exemplo o inciso IX trazido pela EC 106 de 2020 e com proposta de revogação no mesmo ano, em decorrência da redação proposta na PEC 32 para acrescer o § 8º, IV no artigo 37 da Constituição: [“IV - a possibilidade de contratação, mediante processo seletivo simplificado, de pessoal com vínculo por prazo determinado, com recursos próprios de custeio”]

Revogação. Artigo 39. § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; II - os requisitos para a investidura; III - as peculiaridades dos cargos; § 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados; § 5º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI;

Revogação. Artigo 41, § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998); § 3º Aplica-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios o disposto no art. 37, inciso XVI, com prevalência da atividade militar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 101, de 2019)

Revogação. Artigo 48, XI - criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Revogação. Artigo 84. Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.


Conclusão

A ausência dos requisitos do ato administrativo, caracterizando desvio de finalidade e as inconstitucionalidades formais e materiais apontadas, ensejam impedimento para a apreciação da PEC 32/2020.

A análise jurídica encontra respaldo no Texto da Constituição vigente e, na legítima vontade do cidadão brasileiro, registrada nas atas de reuniões da Assembleia Constituinte e, que promoveu a reforma na Constituição, para alterar o fracassado e imoral modelo de administração adotado até 1988. O acolhimento da Proposta de Emenda à Constituição 32/2020 representará retrocesso social no modelo Constitucional atual, resgatando práticas de modelo de administração sepultadas pelo Poder Reformador.


Notas

  1. https://www.oecd.org/gov/pem/recommendation-on-public-service-leadership-and-capability-pt.pdf

  2. https://www.cnj.jus.br/cnj-divulga-relatorio-justica-em-numeros/

  3. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf

  4. STF - Pet: 1546 RJ, Relator: min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 31/07/1998, Data de Publicação: DJ17/08/1998;

  5. ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATA DE COMISSÕES) folha 385

  6. ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATAS DE COMISSÕES) https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/constituinte/sistema.pdf

  7. ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATA DE COMISSÕES) folha 386

  8. ADI 1188 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, j. 23/02/1995)

  9. ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATA DE COMISSÕES) folha 386

  10. ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE (ATA DE COMISSÕES) folha 728

  11. ADI 2.356 MC e ADI 2.362 MC, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 25-11-2010, P, DJE de 19-5-2011.

  12. ADI 6121 MC/DF https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15341826697&ext=.pdf

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Sobre a autora
Glauce de Oliveira Barros

É advogada – OAB-MS 17.979; pós-graduada pela UFMS e pelo ILFG; ex-Diretora-Geral de Coordenação Administrativa do TRT24; ex-Assessora de Desembargador do TRT24; servidora pública aposentada; Diretora de Assuntos Legislativos da ANAJUSTRA Federal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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