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Ouro ilegal da Amazônia e a ausência de um banco de dados de controle de circulação de ouro no Brasil

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A extração ilegal de ouro na Amazônia é um grande problema na atualidade, entendendo-se que a exigência da expedição de uma guia eletrônica para transporte desse mineral e a implementação de um banco de dados de controle de ouro são medidas necessárias

Artigo elaborado em abril de 2021


1. Explicação inicial

Conforme dados colhidos no site oficial da Agência Nacional de Mineração (2021), há atualmente expressiva produção de ouro na Amazônia, estando vários municípios de tal região na lista dos maiores arrecadadores nacionais de CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) incidente sobre a comercialização de citado mineral1.

Normalmente a extração de ouro na Amazônia se dá através de garimpos, que em tese deveriam ser, conceitualmente, vinculados a uma atividade artesanal, diferentemente do que ocorre na indústria de mineração, porém nos dias atuais se vê cada vez mais a utilização de maquinário com alto poder de intervenção no meio ambiente sendo utilizado na garimpagem.

Cabe enfatizar, ademais, que a garimpagem tem um conceito um tanto impreciso na atualidade (MPF, 2020, p. 19), visto que esta era identificada em um momento imediatamente anterior como uma atividade artesanal, diferenciando-se assim da mineração levada a efeito em escala industrial. Atualmente o seu conceito legal consta na Lei nº 7.805/1989, in verbis:

Art. 10. Considera-se garimpagem a atividade de aproveitamento de substâncias minerais garimpáveis, executadas no interior de áreas estabelecidas para este fim, exercida por brasileiro, cooperativa de garimpeiros, autorizada a funcionar como empresa de mineração, sob o regime de permissão de lavra garimpeira.

§ 1º São considerados minerais garimpáveis o ouro, o diamante, a cassiterita, a columbita, a tantalita e wolframita, nas formas aluvionar, eluvionar e coluvial; a sheelita, as demais gemas, o rutilo, o quartzo, o berilo, a muscovita, o espodumênio, a lepidolita, o feldspato, a mica e outros, em tipos de ocorrência que vierem a ser indicados, a critério do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM.

Essa indefinição conceitual leva a distorções, pois na medida em que existe uma legislação mais permissiva para a garimpagem do que para a mineração industrial, não havendo uma restrição clara ao uso de maquinário pesado para a primeira, na prática os garimpos modernos acabam efetuando uma exploração que se aproxima da escala industrial, com as mesmas consequências ao meio ambiente, e com um menor nível de controle estatal. Daí o MPF (2020, p. 26-27) ponderar que “[...] não há requisitos claros que sujeitem o ato de emissão de uma PLG à análise da natureza ou porte, do caráter rudimentar ou simplificado da atividade econômica exercida pelo garimpeiro ou pelo cooperado”.

Ademais, a legislação com controle insuficiente ajuda, segundo ora se defende, na proliferação de garimpos clandestinos na Amazônia e na facilitação do “esquentamento” do ouro de origem ilegal, visto a facilidade de burlar a declaração de origem do mineral; ou seja, a hipótese é que muito ouro extraído ilegalmente acaba sendo declarado como se tivesse sido extraído de áreas com Permissão de Lavra Garimpeira regular, sendo os controles existentes insuficientes para identificar rapidamente isso e viabilizar uma efetiva repressão de tal prática.

Ocorre que a exploração mineral levada a efeito de forma desordenada leva inevitavelmente à degradação ambiental, e isto é especialmente preocupante quando se refere a áreas localizadas na Amazônia, que possui uma biodiversidade riquíssima, mas ao mesmo tempo frágil (ou seja, bastante sensível à degradação).

Conforme demonstra Geiser (2019, p. 19), no que diz respeito aos garimpos de ouro, que são os mais expressivos na Amazônia, têm-se os seguintes tipos: a) de “baixão”; b) de “poço”; e c) garimpo por dragas escariantes.

O mesmo autor (GEISER, 2019, p. 19) pondera que desses três tipos de garimpos o maior causador de danos ambientais é o “de baixão”, pois no âmbito do mesmo se remove a cobertura vegetal e a camada superficial do solo, até se chegar a uma camada com potencial aurífero, que é desmontada com jatos d’água. Grande parte dos sedimentos produzidos nesse processo de garimpagem acaba sendo despejada diretamente nos cursos d’água, provocando um dano ambiental gigantesco, destacando Geiser (2019, p. 18), em tal particular, perícia realizada no rio Tapajós no ano de 2018:

Um exemplo disso é o resultado do Laudo 091/2018-UTEC/DPF/SNM/PA, que aponta apenas para parte da bacia do rio Tapajós o despejo de um volume estimado de sete milhões de toneladas de sedimentos por ano, oriundos da atividade de mineração de ouro, em sua maioria ilegal. Apenas para efeito de comparação, isso equivale a dizer que, em 11 anos, foram despejados o volume equivalente ao rompido sobre o rio Doce, no desastre da Samarco. A diferença é que, enquanto a Samarco construiu barragens para contenção de rejeitos, e ela se rompeu após anos de acúmulos, os garimpos artesanais da Amazônia despejam diretamente no rio os rejeitos produzidos pela atividade garimpeira.

Daí se afirmar que lançar resíduos de mineração diretamente nos leitos d’água, uso ilegal de mercúrio e não recuperação das áreas degradadas são, dentre outras, práticas comuns inerentes à garimpagem ilegal de ouro na Amazônia, tornando-se mais preocupante ainda nos últimos anos, considerando o intenso uso de maquinário pesado (por exemplo: escavadeiras hidráulicas, referidas simplesmente como “PCs” pelos garimpeiros), de alto custo de aquisição e com fortíssimo poder de interferência no meio ambiente (MAISONNAVE e ALMEIDA, 2018).


2. Necessidade de melhor controle na circulação de ouro no Brasil

Entende-se que uma repressão eficiente da garimpagem ilegal deve ser realizada basicamente focando em três eixos correspondentes: extração, transporte e comercialização; necessitando-se para isso de uma legislação moderna que ampare as ações respectivas, bem como de políticas públicas que propiciem um controle prévio eficiente da atividade, pois sem esses controles as ações de repressão ficam, em certa medida, inviabilizadas.

No que diz respeito à fragilidade dos controles existentes, refiro especialmente a inexistência de um banco de dados informatizado para controle da circulação de ouro no Brasil (MPF, 2020, p. 101); circunstância esta que dificulta sobremaneira o rastreamento posterior de mineral eventualmente extraído clandestinamente e “esquentado” (com expedição de documentação declarando falsa origem legal) durante o processo de comercialização.

No mesmo aspecto (ineficiência de controles) se tem a constatação de que inexiste qualquer controle estatal efetivo no transporte de ouro entre os garimpos e o local onde ocorrerá a primeira venda, considerando a inexistência da previsão de qualquer guia oficial de transporte ou documento similar. Isso afeta diretamente a atividade de repressão de ilegalidades, pois não havendo um documento de transporte seguro, a expedição deste fica altamente propensa a fraudes.

Destarte, prevê a Lei 12.844/2013, em seu art. 38, que o transporte e a venda de ouro procedente de garimpos ao primeiro comprador podem ser realizados tanto pelo titular da PLG (Permissão de Lavra Garimpeira) quanto por seus parceiros, membros da cadeia produtiva e respectivos mandatários, conforme segue:

Art. 38. O transporte do ouro, dentro da circunscrição da região aurífera produtora, até 1 (uma) instituição legalmente autorizada a realizar a compra, será acompanhado por cópia do respectivo título autorizativo de lavra, não se exigindo outro documento.

§ 1º O transporte de ouro referido no caput poderá ser feito também pelo garimpeiro, em qualquer modalidade de trabalho prevista no art. 4º da Lei no 11.685, de 2 de junho de 2008, pelos seus parceiros, pelos membros da cadeia produtiva, e pelos seus respectivos mandatários, desde que acompanhado por documento autorizativo de transporte emitido pelo titular do direito minerário que identificará o nome do portador, o número do título autorizativo, sua localização e o período de validade da autorização de transporte.

§ 2º O transporte referido neste artigo está circunscrito à região aurífera produtora, desde a área de produção até uma instituição legalmente autorizada a realizar a compra, de modo que o documento autorizativo terá validade para todos os transportes de ouro realizados pelo mesmo portador.

§ 3º Entende-se por membros da cadeia produtiva todos os agentes que atuam em atividades auxiliares do garimpo, tais como piloto de avião, comerciantes de suprimentos ao garimpo, fornecedores de óleo combustível, equipamentos e outros agentes.

§ 4º Entende-se por parceiro todas as pessoas físicas que atuam na extração do ouro com autorização do titular do direito minerário e que tenham acordo com este na participação no resultado da extração mineral.

§ 5º Entende-se por região aurífera produtora a região geográfica coberta pela província geológica caracterizada por uma mesma mineralização de ouro em depósitos do tipo primário e secundário, aluvionar, eluvionar e coluvionar, e onde estão localizadas as frentes de lavra. (Grifei)

Verifica-se que a legislação impõe que, quando não for o próprio titular do direito minerário o transportador do ouro, o terceiro que efetuar o transporte (parceiro, membro da cadeia produtiva ou mandatário) deverá trazer consigo uma autorização escrita do titular da PLG correspondente, garantindo assim uma prova da procedência. Quando o transporte for realizado pelo próprio titular da PLG, basta que o mesmo traga consigo “[...] cópia do respectivo título autorizativo de lavra, não se exigindo outro documento”.

Então, logo se vê que nesse primeiro transporte não há qualquer controle estatal, sendo ele todo embasado na informalidade e, quando muito, na produção de documentos particulares, sem qualquer controle efetivo, na prática. Daí não ser incomum o transporte de ouro na Amazônia sem qualquer documentação, e sempre que ocorre a apreensão pelas autoridades competentes alguém aparece se intitulando proprietário regular do mineral, afirmando que o mesmo veio de alguma lavra legal, e apresentando documentos que sustentariam a sua versão.

Essa situação de informalidade seria amenizada caso existisse a previsão de alguma guia de transporte, expedida on-line, com possibilidade de checagem pelas autoridades dos dados de transporte previamente lançados pelos envolvidos no banco de dados correspondente, assim como ocorre na circulação de produtos florestais, por exemplo.

Diante dos controles atuais, uma pessoa consegue transportar facilmente ouro ilegal até uma empresa apta a primeira compra, e lá, se tiver a conivência do comprador, participar da produção da documentação necessária para declarar falsamente que tal mineral teve como origem uma lavra regular; ou mesmo pode pegar a declaração falsa de um titular de PLG já aprovada, e efetuar o transporte com tal documento, que não é registrado em lugar nenhum. E uma vez finalizado o transporte, caso não precise “esquentar” o ouro, simplesmente dar fim nessa autorização, sem deixar qualquer vestígio em controles estatais. A situação é, portanto, simplesmente preocupante, conforme se ilustra.

Após finalizada a primeira compra do ouro pela empresa legitimada a realizar tal operação, também não há qualquer banco de dados informatizado que possibilite uma filtragem rápida pelas autoridades de controle para compilar dados específicos, de extrema importância para fiscalização e/ou repressão de eventuais “esquemas” de “esquentamento” de mineral. Dados essenciais como o total de ouro comprado originado em determinada PLG, quanto de ouro foi comprado de cada vendedor e origens respectivas, não estão disponíveis em qualquer banco de dados informatizado, até onde se sabe. Caso se queira ter acesso a tais informações (essenciais para checagem de eventuais “esquentamentos” de ouro), resta fazer a compilação, em processo complexo e manual, de todas as NFs de compra de determinada empresa compradora.

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3. Conclusão

Diante de tudo que foi exposto, entende-se ser urgente o Brasil avançar para criação de uma guia de transporte de ouro procedente de garimpos em paralelo à instalação de um banco de dados automatizado no qual se tenha o controle do transporte e comercialização desse mineral.

A situação é emergencial dada a evolução na degradação da Amazônia provocada por garimpos clandestinos (principalmente de ouro), sendo que a inexistência de controles efetivos no transporte e na comercialização facilita que extratores/comercializadores ilegais consigam fazer circular ouro sem nenhuma documentação ou mesmo com documentação fraudada. E também a materialização dessas condutas em uma checagem posterior fica praticamente inviabilizada pela inexistência de dados compilados de fácil aceso.

A falta de controle também leva à inexistência de dados seguros quanto à quantificação da produção de ouro. Daí SALOMON enfatizar (2020, p. 3) quanto à inexistência de dados precisos sobre a produção de ouro em garimpos no Brasil, visto que apenas uma parte dela aparece nos registros oficiais. Aliás, essa informação ganhou destaque em audiência pública, realizada em 23/04/2019, na Câmara dos Deputados (Agência Câmara de Notícias, 2019), conforme segue:

Representante da Agência Nacional de Mineração (ANM), Glauber Cosenza admitiu que, sem recursos e sem estrutura, a fiscalização é falha. "Hoje em dia, no Tapajós, se libera por meio de áreas licenciadas em torno de 5 toneladas de ouro oficialmente. Não oficialmente, são 30 toneladas. Então, não se trata de um problema do estado do Pará. A questão do Tapajós é nacional", disse Cosenza.

Ante ao exposto, verifica-se neste texto que soluções formais simples poderiam ser adotadas de modo a dificultar a atuação de garimpeiros ilegais e de receptadores do produto correspondente, contribuindo-se assim significativamente com a repressão aos garimpos ilegais na Amazônia. Uma guia de transporte de ouro informatizada (emitida previamente ao transporte e passível de checagem on-line) e a criação de um banco de dados de controle de circulação de ouro (tanto no tocante ao transporte quanto à comercialização) sem dúvida contribuiriam de forma importante para obstar/dificultar a inserção do ouro de origem ilegal no mercado formal ou mesmo a sua circulação informal (na medida em que a exigência de uma guia on-line previamente emitida impediria a posterior produção de documentos fraudados).


4. Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão, 4. Mineração ilegal de ouro na Amazônia: marcos jurídicos e questões controversas. Brasília, DF: MPF, 2020.

GEISER, Gustavo Caminoto. Mineração de pequena escala: impacto ambiental de grande escala. Perícia Federal, Brasília, ano 15, n. 44, p. 18-23, dez. 2019.

MAISONNAVE, F.; ALMEIDA, L. Garimpos no Pará adotam escavadeiras e amplificam destruição. Folha, São Paulo, 17 set. 2018. Disponível em: https://temas.folha.uol.com.br/projeto-amazonia/garimpo/garimpos-no-para-adotam-escavadeiras-e-amplificam-destruicao.shtml. Acesso em 02 jul. 2020.

SALOMON, Marta. A nova corrida do ouro na Amazônia. Instituto Escolhas, São Paulo, mai. 2020. Disponível em: https://www.escolhas.org/wp-content/uploads/2020/05/TD_04_GARIMPO_A-NOVA-CORRIDA-DO-OURO-NA-AMAZONIA_maio_2020.pdf. Acesso em: 02 jul. 2020.

OLIVEIRA, José Carlos. Pesquisadores e indígenas denunciam danos do garimpo ilegal à saúde humana. Agência Câmara de Notícias, Brasília, 23 abr. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/556052-pesquisadores-e-indigenas-denunciam-danos-do-garimpo-ilegal-a-saude-humana/. Acesso em: 02 jul. 2020.


Nota

1 Fonte: https://sistemas.anm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/cfem/maiores_arrecadadores.aspx; acesso em 25/04/2021.

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Sobre o autor
Gecivaldo Vasconcelos Ferreira

Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Ouro ilegal da Amazônia e a ausência de um banco de dados de controle de circulação de ouro no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7299, 26 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90322. Acesso em: 21 nov. 2024.

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