Princípios aplicáveis à execução penal

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06/05/2021 às 20:45
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Neste artigo buscou-se fazer uma análise sobre alguns princípios relevantes para a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84).

RESUMO: Neste artigo buscou-se fazer uma análise sobre alguns princípios relevantes para a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84). O estudo preocupou-se em descrever os principais princípios aplicáveis na esfera penal: legalidade, proporcionalidade, humanidade, responsabilidade pessoa, isonomia, devido processo legal e da secularização, mas voltados a orientar a execução penal. A atividade jurisdicional na fase executiva é pautada por estes princípios gerais, merecendo um estudo detalhado, a fim de aplicar a norma de forma mais justa e eficaz, uma vez que a mera interpretação literal dos dispositivos tende a não resultar em soluções eficazes, e mesmo o preceito mais claro necessita de algum grau de interpretação o que só poderá ocorrer pela orientação sistemática aos  princípios aplicáveis ao direito em análise, o que será objeto do presente estudo.

PALAVRAS-CHAVES: execução penal; princípios.

ABSTRACT: In this article, an attempt was made to analyze some principles relevant to the Penal Execution Law (Law No. 7,210 / 84). The study was concerned with describing the main principles applicable in the criminal sphere: legality, proportionality, humanity, personal responsibility, isonomy, due to legal process and secularization, but aimed at guiding criminal execution. Jurisdictional activity in the executive phase is guided by these general principles, deserving a detailed study, in order to apply the rule more fairly and effectively, since the mere literal interpretation of the devices tends not to result in effective solutions, and even the clearest precept needs some degree of interpretation, which can only occur by systematic orientation to the principles applicable to the law under analysis, which will be the object of the present study.

KEYWORD: Penal Execution; principles.

SUMÁRIO: Introdução – 1. Princípios e Garantias Fundamentais. 2. Princípio da Estrita Legalidade (ou da Reserva Legal) - Nullum Crimen, Nella Pena Sine Previa Lege – e Sub Princípios. 3. Princípio da Proporcionalidade e Sub Princípios. 4. Princípio da Humanidade. 5. Princípio da Responsabilidade Pessoal. 6. Princípio da Isonomia ou Igualdade. 7. Princípio do Devido Processo Legal. 8. Princípio da Secularização. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O fim da persecução penal culmina na aplicação da pena, contudo não obstante essa etapa seja pautada não só pela atividade jurisdicional, como também administrativa, é que os princípios gerais do direito não lhe sejam aplicáveis.

A condenação transitada em julgado apenas impõe as restrições das penas ali determinadas, e não outros direitos não atingidos.

Assim, para se executar a sentença penal condenatória, mesmo diante de dispositivos claros e objetivos há sempre uma margem de interpretação a ser feita pelo aplicador do direito.

1. Princípios e garantias fundamentais

A existência de uma condenação em um processo penal viabiliza a execução da pena imposta, a qual obedecendo a Constituição deve observar seus princípios e garantias, reconhecendo a existência de direitos fundamentais do condenado, na expressão de Jeschek, “um relevante princípio da execução da pena, em seguida, é o reconhecimento do preso como sujeito de direitos”.[1]

Sobre este tema Paulo Queiroz e Aldeleine Melhor[2] iniciam seu estudo sobre os princípios Constitucionais na Execução Penal asseverando que:

“Do ponto de vista do direito positivo, pode-se dizer, todo direito nasce e morre na Constituição Federal, fundamento que é de validade da ordem jurídica (Kelsen), já que as leis não formam um conjunto desordenado de disposições, mas, sim, um sistema lógico (pretendidamente) e hierarquizado (piramidal), estando todas as normas subordinadas (vinculadas) ao texto constitucional. E a Constituição, assim, como diz Konrad Hesse, que estabelece os pressupostos de criação, vigência e execução do resto do ordenamento jurídico, converte-se em elemento de unidade. Em virtude, portanto, dessa hierarquização normativa, os atos legislativos infraconstitucionais (leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, decretos) hão de guardar coerência com os princípios e regras (= normas) constitucionais fundamentais que lhes dão vida e sustentação, sob pena de invalidação por meio do controle (direto ou indireto) de constitucionalidade. Semelhante controle vale sobretudo para as disposições penais (leia-se: penais, processuais penais e execução penal), já que são as que em geral incidem mais energicamente sobre a liberdade dos indivíduos (penas, mediadas de segurança, prisões cautelares).

Delineia-se então na Constituição o perfil do Estado, os fundamentos e objetivos basilares - no Brasil particularmente nos art. 1º à 5º, da Constituição Federal -, os quais atuarão na governabilidade estatal. Desta forma, o direito, e aqui especialmente o direto penal deve expressar essa conformação político-jurídica ditada pela Constituição como valores superiores de dignidade da pessoa humana, da liberdade, da justiça, da igualdade, uma vez que o catálogo de direitos fundamentais, constitui legitimação e limite da intervenção estatal penal no âmbito das condutas delitivas puníveis.

Afinal o Estado Democrático de Direito traz a percepção realista dos homens que não são sujeitos livres e iguais, mas sujeitos submetidos à desigualdade e à falta de liberdade material, a serem reclamadas por uma ação política e jurídica.

Por conseguinte a Constituição Federal previu no longo artigo 5º os princípios penais e processuais, fundamentais limitadores do jus puniendi, e aplicáveis à execução penal, posto que os princípios fundamentais enquanto valores fundamentais dispostos na Constituição não são apenas a lei, mas o próprio direito, em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência.

Os princípios penais representam as garantias do cidadão, em face do exercício do direito de punir do Estado. Porquanto que a instrumentalidade do Estado e do sistema penal são meio, subsidiário, de regulação dos conflitos sociais mais relevantes.

Os princípios podem estar implícitos ou explícitos, estes últimos decorrem da lógica do sistema de valores consagrada pela Constituição, esse conjunto representa verdadeiras garantias, aplicáveis ao indivíduo contra o exercício do poder punitivo do Estado. Em assim agindo, o Estado pretende, portanto, como diz Roxin, proteger o bem jurídico (vida, integridade física, honra) duplamente: através do direito penal e ante o direito penal, cuja utilização exacerbada provoca precisamente o que pretende combater”.[3]

Necessário assim anotar os principais princípios que nasceram historicamente e permanecem na Constituição como garantia individual, de proteção do cidadão contra ações públicas ou privadas, e não à pretensão de atuações arbitrárias do Estado em nome da segurança pública.

Com a Constituição Federal de 1988, incorporou garantias usuais na legislação infraconstitucional, contendo alguns dispositivos penais e processuais penais, que são garantias importantes para a execução penal, quais sejam a individualização da pena (artigo 5º, XLVI), a proibição das penas desumanas (artigo 5º, XLVII), a distinção de estabelecimentos penais de acordo com a natureza dos delitos, idade e o sexo do condenado (artigo 5º, XXLVIII), a garantia da integridade física e moral dos presos (artigo 5º, LIX), as garantias especiais para a mãe lactante presa (artigo 5º, L), a garantia do devido processo legal (artigo 5º, LIV), a do contraditório (artigo 5º, LV), a proibição de provas ilícitas (artigo 5º, LVI), a comunicação da prisão (artigo 5º, LXII), os direitos do preso a calar-se e a ter assistência da família e de advogado (artigo 5º, LXIII), há outros direitos e garantias estabelecidos pela Constituição Federal que vem a constituir também garantia na execução penal, como por exemplo, o habeas corpus, habeas data e o mandado de segurança (artigo 5º, LXVIII, LXXII e LXIX).

Como a legalidade, jurisdicionalidade, devido processo legal, imparcialidade do juiz, igualdade das partes, contraditório, ampla defesa, entre outros, alguns dos quais serão abordados mais aprofundadamente mais adiante.

O condenado é sujeito de direitos e deveres, preconizado pelo princípio de humanização da pena.

A execução penal consagrou-se uma verdadeira jurisdição especializada, conforme dispões os itens 15 a 22 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, constituindo o nexo lógico entre o direito de execução penal e com os demais ramos do ordenamento jurídico.

2. Princípio da Estrita Legalidade (ou da Reserva Legal)– nullum crimen, nulla poena sine praevia lege - e Sub Princípios

Cabe ao legislador definir que condutas serão consideradas criminosas, é o que se tem como pedra fundamental do direito penal moderno, desde a Revolução Francesa, ideal do Estado de Direito a submissão do Estado ao império da lei, as quais expressam a vontade da popular como condição legitimadora da democracia. No âmbito jurídico-penal, em que ocorrem as mais sensíveis restrições a direitos fundamentais, com mais razão se impõe o respeito ao princípio da estrita legalidade.

Este princípio pretende trazer segurança jurídica e controle ao exercício do jus puniendi, de modo a coibir possíveis abusos à liberdade individual por parte do titular desse poder, o Estado.

Consiste, portanto, constitucionalmente, numa poderosa garantia política para o cidadão, expressiva do impérium da lei, da supremacia do poder legislativo – e da soberania popular – sobre os outros poderes do Estado, de legalidade de atuação administrativa e da escrupulosa salvaguarda dos direitos e liberdades individuais.[4]  

Trata do referido princípio no ordenamento jurídico brasileiro o artigo 5º, XXXIX, da Constituição da República, dispondo que: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Contudo, embora a Constituição da República e o Código Penal se refiram a “pena”, essa expressão deve ser entendida em sentido amplo, como “sanção”, a fim de alcançar toda e qualquer medida constritiva da liberdade, incluindo as medidas de segurança.[5]

Tal princípio representa não só a satisfação aos princípios jurídicos formais, mas também seu conteúdo responde às exigências da justiça, encarnadas no princípio material do Estado de Direito.

Destarte, significa que somente por lei, entendida em seu sentido estrito, que emanada pelo Poder Legislativo, poderá o Estado legislar em matéria penal, definindo crimes, contravenções e cominando suas respectivas sanções.

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Inconstitucionais, portanto, os demais atos legislativos que pretendam definir delitos e cominar penas. Exemplificadamente, se tem a medida provisória, caso fosse possível esta dispor sobre matéria penal, geraria incerteza tanto pela sua efemeridade, quanto pela possibilidade de não ser convertida em lei pelo Congresso Nacional, notoriamente conflitante com a segurança jurídica que o princípio pretende assegurar.

Ademais, dificilmente serão compatíveis os pressupostos de relevância e urgência da medida provisória com as consequências das condutas criminalizadas, sobretudo quanto aos inúmeros constrangimentos de garantias fundamentais que poderia ocorrer no tempo de sua vigência, como prisões e execuções.

Estende-se este entendimento a outras fontes de direito como os costumes, a analogia, vedada ao direito penal (in malam partem) e os princípios gerais do direito.

 Ressalte-se que não fica proibida ou restrita que outros atos legislativos possam dispor sobre matéria penal, sempre que a hipótese não seja a de definir crimes, cominar penas ou aumentar o rigor punitivo, mas a de conceder benefícios ou similares, como ocorre com o indulto ou a comutação da pena, decretados pelo Presidente da República (artigo 84, XII, da Constituição Federal) e, até, atos de órgãos executivos como é o caso das Portarias emitidas pelo Ministério da Saúde apontando quais substâncias são consideradas entorpecentes, a fim de contribuir para a definição dos delitos previstos pela Lei do Tráfico (antiga Lei 6.368/76, atual Lei 11.343/2006).

Deste modo, em atenção a este princípio, não poderá o Juízo da execução penal adotar nenhuma medida que não tenha expressa previsão na Lei de Execução Penal, de modo a restringir o poder discricionário a limites previamente definidos para o cumprimento da pena ou da medida de segurança.

 Entretanto, na prática hodierna forense, analisa Andrei Schmidt[6] que:

“No particular foi adotada uma espécie de legalidade atenuada, onde a elasticidade e a indeterminação das faltas disciplinares, por exemplo, fazem com que o sistema de definição da desviação fundamenta-se numa epistemologia antigarantista, de sancionamento quia peccatum, e não quia prohibitum. Porque de fato há uma infinidade de disposições na lei de tal modo vagas e imprecisas que acabam por dissolver a pretensão de certeza e de determinação inerentes ao princípio da legalidade, por cujo meio se quer proteger o mais débil (o condenado) contra reação arbitrarias do mais forte (o Estado).

          Como decorrência lógica do princípio da legalidade há o princípio da taxatividade. A matéria penal em todos os seus âmbitos trata de direitos fundamentais do cidadão, diante disso constitui garantia constitucional aplicável inclusive à execução penal a impossibilidade do Estado de editar leis penais com conteúdo impreciso, vago, obscuro ou amplo, como já ocorreu na história mundial, mais notadamente na Alemanha, quando vigente o regime nazista, em que era previsto punição para “quem atente contra a ordem jurídica ou atue contra o interesse das Forças Aliadas”.[7]

Todavia, hoje na sociedade de risco, decorrente da globalização e da aceleração dos meios de comunicação, em que vive o Brasil, iniciou-se uma onda de leis que conflitam drasticamente com tal princípio, como se tem o exemplo as diversas disposições da Lei n. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), ou ainda, no caso de delitos em que o bem jurídico tutelado é transindividual, pois vários e até indeterminados são os sujeitos passivos, como por exemplo o artigo 4º da Lei 8.137/90 que dispõe “Constitui crime contra a ordem econômica: I - abusar do poder econômico, (...)”, em que não há definição certa para o que configuraria ‘abusar do poder econômico’. É o desafio que se impõe ao direito penal hodiernamente.

Mas pretende o princípio da taxatividade a máxima determinação dos tipos penais, impondo-se ao Poder Legislativo, que ao redigir as leis elabore tipos penais com a máxima precisão de seus elementos, bem como que o Poder Judiciário interprete essas normas da forma mais restritiva, a fim de se preservar a efetividade do princípio.

Assim, conclui Silva Sánchez,[8] que a máxima taxatividade possível e de real vinculação do Juiz à lei é, um objetivo irrenunciável para o direito penal de um estado democrático de direito, que implica a máxima precisão das mensagens do legislador e a máxima vinculação do juiz a tais mensagens quando das suas decisões. Trata-se, portanto, de um princípio de legitimação democrática das intervenções penais como garantia da liberdade dos cidadãos derivada do princípio da divisão dos poderes.

Inserido na legalidade está o princípio da anterioridade e da irretroatividade da lei penal. O artigo 5º da Constituição Federal, inciso XL, dispõe que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

Como corolário lógico do princípio da reserva legal, significa dizer que a lei deve preceder aos fatos por ele definidos como delituosos, pois do contrário a norma incidira sobre condutas que até então não constituíam ilícito penal ou eram punidos de forma mais branda.

Deste modo, a lei nova somente terá validade e eficácia ante a condutas futuras, e não pretéritas. Excepcionalmente, a lei mais recente retroagirá a situações anteriores à sua entrada em vigor, porém, somente se ocorrer um de dois casos: quando a lei nova for mais branda que a anterior (lex mitior) ou quando descriminalizar a conduta (abolitio criminis), justificando-se a exceção em favor da liberdade.

Evidentemente, aplicável tal princípio à execução da pena para preservar o caráter garantidor, em última análise, do princípio da legalidade, o qual por meio deste princípio mais específico, em todos os momentos (investigação, conhecimento e execução da pena), de modo que sempre que as modificações forem prejudiciais ao condenado, da mesma forma não poderá retroagir.

Aliás, é na execução penal, como já exposto, em que há maior deficit de proteção jurídica, esta é a relativização e a inexistência de garantias que o informam, e assim onde há maior vulnerabilidade, devem ser igualmente maiores os níveis de tutela legal.

Por outro lado, quando a lei dispuser de forma mais favorável ao condenado terá efeito retroativo, alcançando delitos praticados anteriormente à sua entrada em vigor, de sorte a beneficiar os réus já condenados.

3. Princípio da Proporcionalidade e Sub Princípios

O princípio da proporcionalidade é hoje o princípio mais importante do ordenamento jurídico, em maior grau no direito penal. Pode-se asseverar que todas as questões que rodeiam o direito penal devem, em algum momento, serem observadas à luz da proporcionalidade, desde a existência do próprio direito penal até os conceitos de legítima defesa, erro de tipo, coação irresistível, incluindo a controvérsia em torno da responsabilidade da pessoa jurídica, até chegar as causas de extinção da punibilidade, pois o que se discute em todos esses casos é, em última análise, a necessidade, adequação, proporcionalidade, enfim da intervenção jurídico-penal.[9]

Sua compreensão se dá pela ordem à otimização máxima da relevância dada a todo direito fundamental, entendido com uma concepção amplificada dos princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade em sentido mais restrito. Fundamentado no fato de que na ordem penal o poder do Estado de punir o cidadão somente se legítima na medida em que seja contemporânea, necessária, adequada e proporcional.

A respeito deste assunto já ensinava Beccaria:[10]

“A pena, para não ser um ato de violência contra o cidadão, deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstancias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.”

Ressalte-se que o princípio da proporcionalidade possui duas esteiras de atuação tanto está mais visível que impede o excesso na sanção, bem como, por outro lado, evitar a insuficiência da resposta penal. Desta forma deve ser rechaçada tanto pelo fato do excesso, quanto pela falta de resposta, além ou aquém do efetivo merecimento do indivíduo a ser sancionado.

Ainda que os princípios tenham grande carga de subjetivismo, cumpre analisar alguns pontos importantes para se amoldar a forma de aplicação da proporcionalidade.

A necessidade, ressaltada pelo brocardo latino “nullum crimen, nulla poena sine necesitate”, deve ser observada desde a intervenção legislativa, ao criminalizar condutas, haja vista que o direito penal é o ramo do direito em que são regulados os comportamentos mais gravosos para a sociedade, a sua intervenção, portanto, só deve ocorrer quando for absolutamente necessário, apenas quando fracassadas as outras instâncias de prevenção e controle social, menos onerosas e mais eficazes, para proteção da própria sociedade.

Assim, é que Montesquieu assinalara, a propósito, que “toda a pena que não deriva da necessidade é tirânica”, enquanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (artigo 8º) proclamaria que a lei deveria estabelecer unicamente penas estrita e manifestamente necessárias.[11]

Como adequação entende-se a relação lógica entre meio (direito penal) e seu fim (a prevenção de delitos), sendo que se ficar demonstrada a inutilidade ou inadequação da norma penal para a realização dos fins que lhe assinalem, não terá ela razão de ser. A adequação, como um sub princípio, significa que é lícito tão-só ao Estado utilizar meios idôneos, adequados, para a perseguição de seus objetivos, qual seja, que a pena só será justa quando necessária para afastar os delitos da sociedade, e eficaz a atingir este fim.

Insere-se ao princípio da proporcionalidade a das penas, segundo o qual o castigo deve guardar proporção com a gravidade do delito praticado. Incidindo à três destinatários o legislador, o juiz, e os órgãos da execução penal. Dividindo-se, então, em: a) proporcionalidade abstrata (ou legislativa), que ocorre quando se tem de eleger as sanções mais apropriadas – seleção qualitativa – e estabelecer a graduação máxima e mínima das penas dos crimes – seleção quantitativa; b) proporcionalidade concreta ou judicial, que deve orientar o juiz quando do julgamento da lide penal, promovendo o ajuste e a individualização da pena no caso concreto, podendo, inclusive, chegar à absolvição ou insignificância da mesma; c) proporcionalidade executória, que corresponde à individualização gradual da pena durante a execução penal. Impondo-se assim que a pena a ser imposta, guarde justa proporção com o grau de ofensividade da conduta delituosa.[12]

Guarda relação com a proporcionalidade o princípio do ne bis in idem, ou seja, não se pode valorar duplamente o mesmo fato jurídico agravando a pena.

De igual forma não se pode sancionar por mais de uma vez o mesmo agente, pelo mesmo fato e por sanções que tutelem o mesmo bem jurídico.

Por outra baila, em vista à proporcionalidade não se justifica a incidência de sanções penais a comportamentos insignificantes. Ainda, que em abstrato, o legislador apenas reprima condutas gravosas, em concreto, essa mesma conduta possa ser traduzida em um fato irrelevante. Assim, embora a conduta seja típica não atinge de forma relevante os bens jurídicos que se pretendeu proteger.

Claus Roxin sistematizou o princípio da insignificância lecionando que “o juiz, à vista da desproporção entre ação (crime) e a reação (castigo), fará um juízo valorativo acerca da tipicidade material da conduta, recusando curso a comportamentos que, embora formalmente típicos (criminalizados), não o sejam materialmente, dada a sua relevância”.[13]

Há de se observar também a individualização da pena que é uma preocupação constante na Constituição da República, como revelam o artigo 5º, incisos XLVI, XLVII e L. A individualização da pena é realizada em três momentos: a) a legislativa, na qual são definidas as condutas a serem criminalizadas e suas respectivas penas; b)a judicial, com base no art. 59, do Código Penal; e, c) a executória, quando os condenados são separados pela Comissão Técnica de Classificação (CTC), segundo seus antecedentes e personalidade, artigo 5º, 7º e 8º da Lei 7.210/84, bem como através dos artigos 112, 122, 126 e 131, também as Regras mínimas de tratamento dos presos da ONU elencam outras formas de individualização.

Inserido neste contexto está o princípio da lesividade – nullum crimen sine iniuria – no qual somente podem ser fixados à categoria de comportamentos criminosos aqueles lesivos a algum bem jurídico alheio, (posto que excluído está a má disposição de interesses próprios, como a automutilação, o suicídio, etc., pela própria Constituição da República que garante a intimidade e a vida privada).[14]

Portanto, o agente responde, exclusivamente, pelo que faz (direito penal do fato), e não pelo que é (direito penal do autor), lícito criminalizar, no sistema garantista, unicamente, tipos de ação, e não tipos de autor.[15]

Por isso, os deveres previstos no artigo 39 da Lei n. 7.210/84 que não impliquem em lesão concreta a bem jurídico alheio, são ilegítimos, vez que dizem respeito exclusivamente a pessoa do condenado.

4. Princípio da Humanidade

Ocorre limitação do jus puniendi no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República, ao determinar que constitui fundamento do Estado Democrático a dignidade da pessoa humana, proibindo as penas que por sua natureza, conteúdo ou modo de execução atentem contra este postulado, dificultando sua reinserção social ou ainda submetendo-o a um sofrimento excessivo, proibindo, enfim, penas desumanas ou degradantes. Impensável que o Estado Democrático mate, torture, humilhe o cidadão, pois perde sua legitimidade, bem como contradiz a sua própria razão de ser, que é servir à tutela dos direitos fundamentais do homem.

Assim, a Constituição veda expressamente a pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.[16] Inadmissíveis por atentarem contra a dignidade humana.

Decorrência disso é que as penas constitucionalmente admitidas, em especial as privativas de liberdade deverão ser executadas dignamente, em condições mínimas necessárias a boa sobrevivência humana. Assegurando o exercício livre dos direitos não atingidos pela privação da liberdade, sob pena de se tornarem inconstitucionais em sua execução, por degradarem a condição humana e inviabilizarem a reintegração social do infrator.[17]

Também visando humanizar as penas o artigo 45, § 2º da Lei de Execução Penal proíbe a utilização de cela escura, nesse sentido também são as Regras mínimas de tratamento dos presos da ONU quanto ao uso de algemas, correntes, grilhões e camisas de força.[18]

Atenta contra a dignidade inclusive as penas exemplificadoras, nas quais o condenado é usado como exemplo, deixando o autor de ser um fim e si mesmo para se converter em um meio para lograr efeitos sobre os outros, o que significa a instrumentalização da pessoa, contrária à ideia de dignidade, e se converte a pena individualizada em inumana e degradante.[19]

5. Princípio da Responsabilidade Pessoal

O artigo 5º, inciso XLV da Constituição da República, declara que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, por este princípio ninguém pode ser responsabilizado por ato de outrem, ou objetivamente, devendo-se primeiramente apurar se o agente agiu com dolo, ou, ao menos, culpa.

Por outro lado também somente punível quando os destinatários da norma estejam em posição de acatá-las, isto é, que os atos sejam provenientes da vontade humana, deste modo não se pune casos fortuitos e de força maior, pois a norma não pode penalizar o homem por eventos naturais, dos quais não pode mudar, carecendo assim de todo o poder motivador e de toda justificação da sanção.

Exemplo da violação desse preceito é o dever do preso em opor-se a movimentos individuais ou coletivos de fuga ou subversão à ordem ou à disciplina, situação que a lei está a lhe imputar um insólito dever de garante, como se autoridade fosse e pudesse ele agir sem riscos pessoais, hipótese que o condenado acaba por responder por ato de exclusiva responsabilidade de terceiro.[20] 

6. Princípio da Isonomia ou Igualdade

Rui Barbosa já asseverava que “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam, pois tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real”.[21]

Também há previsão deste princípio logo no caput do artigo 5º da Constituição da República. Assim, a lei não deve instituir discriminações, mas sim tratar os cidadãos equitativamente, reconhecendo que não se pode atribuir a todos, como se todos se equivalessem.

A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal (item 73) expõe o preceituado pelas regras mínimas de tratamento do preso de que sua aplicação seja imparcial, sem distinção fundada em preconceito de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra de origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outra situação qualquer.

Harmonizam-se então, o princípio jurídico da igualdade com o texto constitucional, as regras internacionais e a Lei de Execução Penal.[22]

7. Princípio do Devido Processo Legal

O devido processo legal – due processo of law – estabelecido na Constituição da República o artigo 5º, LIV, contempla uma série de outros princípios que o complementam, como o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição, artigo 5º, LV e a motivação das decisões judiciais, artigo 93, IX.

Sobre o tema dispõe a Súmula 85 das Mesas de Processo Penal:

“São garantias plenamente aplicáveis ao processo de execução penal, como decorrência dos princípios constitucionais do devido processo legal, ainda que em lei processual não as assegure expressamente, a igualdade, a ampla defesa, o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a publicidade”.

O contraditório está ligado ao processo, de modo que este só existe se também existir o contraditório, sendo que a democracia no processo recebe o nome de contraditório.[23]

Aury Lopes Junior preceitua que o contraditório pode ser identificado como o direito à informação e participação nas decisões judiciais, à paridade de armas com o Órgão Ministerial, bem como o direito à audiência.[24] 

O duplo grau de jurisdição implícito na Constituição da República, também foi previsto na Lei de Execução Penal no artigo 197, que estabelece o recurso de agravo contra as decisões proferidas pelo juiz da execução.

Por fim, em razão do mandamento constitucional da motivação das decisões, também assim devem ser aquelas prolatadas pelo juiz da execução. Dessa forma não se encontra devidamente fundamentada a decisão que simplesmente indefere um benefício ao condenado, ratificando apenas os dados constantes em laudos perícias, quase sempre iguais, sem mais nada dizer. Com efeito, não se pode transferir a motivação, inerente ao Estado Democrático de Direito, do juiz para o órgão Ministerial ou para técnicos do sistema, sob pena de o decisum ser absolutamente nulo.[25]

8. Princípio da secularização

O princípio da secularização, de acordo com Luigi Ferrajoli,[26] é a ideia de que inexiste uma conexão entre o direito e a moral. O direito não tem a missão de (re)produzir os elementos da moral ou de outro sistema metajurídico de valores éticos-políticos, mas, tão-somente, o de informar o seu produto de convenções legais não predeterminado ontológico nem tampouco axiologicamente.

Ressaltam, Amilton Bueno de Carvalho e Salo de Carvalho,[27] que a secularização (laicização) é a ruptura entre a cultura eclesiástica e as doutrinas filosóficas, especialmente entre a moral do clero e a forma de produção da ciência. Por isso, o Estado “não deve se imiscuir coercitivamente na vida moral dos cidadãos e nem tampouco promover coativamente sua moralidade, mas apenas tutelar sua segurança, impedindo que se lesem uns aos outros.

O princípio da secularização busca preservar a pessoa em uma esfera em que é ilícito proibir, julgar e punir: a esfera do pensamento, das ideias. O princípio da secularização, concluem os articulistas, pode subdividir-se em muitos outros (sub)princípios como: da inviolabilidade da intimidade e do respeito à vida privada (art. 5º, X), do resguardo da liberdade de manifestação de pensamento (art. 5º, IV), da liberdade de consciência e crença religiosa (art. 5º, VI), da liberdade de convicção filosófica ou política (art. 5º, VIII) e da garantia de livre manifestação do pensar (art. 5º, IX).

O princípio da secularização fez um corte vertical entre a moral eclesiástica e o Direito, sendo que, segundo Luigi Ferrajoli, os preceitos e os juízos morais não têm que se propagar no Direito, mas, tão-só, na liberdade da consciência individual. Dessa forma, não pode o direito proibir atos considerados apenas imorais, pois nem tudo que é imoral é ilícito, da mesma forma que nem tudo que é lícito é moral.

Direito e moral devem estar separados, sendo que ao direito somente é permitido intervir em fatos exteriorizados, de forma que a esfera íntima do cidadão deve ser protegida de seu alcance. O processo de secularização não teve um início determinado e até hoje se não acabado, pois ainda há aspectos da moral sendo valorados pelos legisladores e juízes.

Mais especificamente na execução penal, o princípio da secularização implica que a sanção penal não deve ter conteúdo nem fins morais. Sendo que a execução da pena não pode ter o escopo de modificar o pensar do apenado, muito menos condicionar seus direitos a esta mudança.[28]

A Lei 10792/03 aboliu os laudos para a progressão de regime, livramento condicional, indulto e comutação de pena, do parecer da Comissão em referência, assim como do Exame Criminológico, o que significa grande progresso do princípio da secularização.

Várias expressões contidas na Lei carecem de objetivamente e parâmetros para delimitá-las. Com certeza o critério utilizado para tanto será nada mais do que um mero juízo de valor, caracterizando um direito penal do autor.

O princípio da secularização visa afastar do alcance do Direito Penal conceitos morais e religiosos, restringindo sua esfera de atuação, e reforçando a ideia de lesividade ao bem jurídico como seu objeto, limitando, assim, sua expansão.

Porém, observa-se, que ainda hoje, a secularização caracteriza-se como um processo inacabado. Há vários tipos penais expressões e em nossa legislação que demonstram o afirmado, e o que percebemos é uma grande expansão do Direito Penal, com o surgimento da adoção de novos bens jurídicos e inflação legislativa, processo contrário ao almejado pela doutrina que prega a adoção do Princípio do Direito Penal Mínimo.

CONCLUSÃO

Por certo que há outros princípios aplicáveis à execução penal, aqui não citados, mas restringiu-se o estudo a este, considerados de maior relevância.

Todo o direito de puir estatal deve ser pautado pelos princípios mais caros do direito, a fim de salvaguardar todo o arcabouço penal como verdadeira ultima ratio.

Destacou-se os principais princípios aplicáveis à execução penal, os quais devem norteiam toda a atuação neste ramo tão especializado do direito.

Deve-se haver mais atenção a questão dos princípios na execução penal, em especial pela Lei de Execução Penal, principal instrumento aplicável nesta fase, assim como o Código Penal e o Código de Processo Penal, terem sido inseridos no ordenamento jurídico antes da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, a qual trouxe novos contornos ao direito penal, na construção de um Estado Democrático de Direito, o que implica que os institutos devem ser analisados à vista das normas da Carta Magna.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, tradução José Roberto Malta. São Paulo: WVC, 2002.

BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996.

BRASIL. Código de Processo Penal.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei de Execução Penal.

CARVALHO, Amilton Bueno de; CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

LOPES JUNIOR, Aury. Instrumentalidade garantista do processo de execução penal. Críticas à execução penal. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2002.

QUEIROZ, Paulo; MELHOR, Aldeleine. Princípios constitucionais na execução penal. Leituras Complementares de Execução Penal. São Paulo.

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa : Vega, 2002.

SHIMIDT, Andrei. A crise da legalidade na execução penal. Crítica à execução penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 38.

Sobre a autora
Cristiane Pereira Machado

Assessora Jurídica de Procurador do Ministério Público do Estado do Paraná. Especialista em Direito pela Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná - EMAP. Especialista em Direito penal e processual penal pela academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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