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O nome social e a pessoa transexual/ transgênero

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18/05/2021 às 19:33
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O presente artigo busca verificar as implicações e os reflexos oriundos da adoção do nome social pela pessoa transexual, tendo em vista a fragilidade da legislação brasileira quanto ao tema.

Resumo: O presente artigo busca verificar as implicações e os reflexos oriundos da adoção do nome social pela pessoa transexual, tendo em vista a fragilidade da legislação brasileira quanto ao tema. O nome é a forma em que a pessoa se identifica em meio à sociedade, porém há algumas pessoas que no decorrer de suas vidas não se identificam com sua identidade biológica e acabam adquirindo uma identidade de gênero que difere do sexo atribuído ao nascerem, que são os chamados transgêneros, transexuais. Tais pessoas, ao longo de suas vidas podem preferir serem chamadas cotidianamente por um outro nome, que as façam identificar-se com o gênero diferente do biológico, o chamado nome social. A questão é que tal alteração pode gerar reflexos pessoais e sociais, muitas vezes negativos, como sua inclusão na sociedade, no sistema de saúde, no registro dos filhos, dentre outras implicações, grande parte das vezes devido ao preconceito ou até mesmo por falta de conhecimento da sociedade a respeito da possibilidade do uso do nome social pelos transexuais, transgêneros O método de pesquisa a ser utilizado será o indutivo, sendo a técnica bibliográfica e documental indireta.

Palavras-chave: Transexuais/Transgênero; Nome Social; Reflexos.


1. INTRODUÇÃO

Na realidade em que vivemos nos dias atuais, à todas as pessoas são garantidos direitos fundamentais, como da personalidade e dignidade da pessoa humana, promovendo o bem de todos, sendo vedado qualquer tipo preconceito a respeito de sexo, cor, raça, gênero, idade e quaisquer outras formas de discriminação, conforme assegura a Constituição Federal de 1988.

Uma parte da população, no decorrer de suas vidas, seja na infância, juventude ou adiante, tem a sensação de “estarem” no corpo errado, não se identificando com seu sexo fisicamente definido, e acabam pretendendo a adequação sexual, agindo e se vestindo como membro do sexo oposto aquele biologicamente atribuído, ou até mesmo passando por intervenções cirúrgica para a adequação definitiva do sexo.

A população transexual atualmente é privada de muitos direitos no Brasil devido ao fato de que ainda há muito preconceito com tais pessoas, o qual as fazem sofrer ameaças, exclusão e discriminação pela sociedade no geral, violência, entre outros tipos de abusos, deixando-os assim vulneráveis.

Os transexuais, transgêneros, ao se reconheceram como um indivíduo do sexo oposto, assumem por consequência um outro nome, denominado como nome social, pela qual preferem que seu trato público seja orientado pelo nome adotado pelos mesmos e não pelo nome e sexo determinados por outros em seus documentos. Tal nome acaba estabelecendo um importante elemento no que diz respeito a identidade dessas pessoas, o que acaba gerando uma maior aceitação por elas mesmas, proporcionando assim sua inclusão social.

Por consequência das lacunas na legislação que defenda e proteja os direitos da pessoa transexual em transformar seu nome civil em nome social conforme sua identidade de gênero, a discriminação e o preconceito com as mesmas ainda se mostra notória atualmente.

A mudança do nome, devido ao preconceito e discriminação que ainda existe, pode por consequência acarretar em implicações, reflexos em sua vida pessoal, pelo fato de não terem seu nome social respeitado, seja em serviços público, escolas, entre outros, causando problemas cotidianos.

O nome social dos transgêneros deve ser interpretado como um direito à dignidade da pessoa humana e incorporado no dia a dia de instituições e da sociedade no geral, pois é a forma de explicitar a identidade de gênero dessas pessoas.

Nesse sentido, indaga-se: Tendo em vista a legislação brasileira, no que tange aos princípios da dignidade da pessoa humana, da personalidade, o livre direito de todos a agirem perante a sociedade conforme suas personalidades, como se sentirem à vontade e de terem o direito em serem tratados de tal forma, sem qualquer tipo de descriminação ou preconceito, qual o motivo de ainda existirem implicações, consequências, ou até mesmo certa dificuldade de inclusão, algumas vezes de aceitação por parte da sociedade em tratar uma pessoa como a mesma deseja ser reconhecida perante os outros?

O objetivo deste artigo será, portanto, analisar os reflexos, efeitos que podem ser causados devido a adoção do uso de nome social pela pessoa transexual, transgênero, tendo em vista as lacunas existente na legislação brasileira.

A pesquisa empregará o método dedutivo, abordagem qualitativa, cuja estratégia de pesquisa é a análise de conteúdo por meio de dados secundários, utilizando-se as técnicas de pesquisa bibliográfica e legal, com consulta a livros, revistas especializadas e material coletado via internet.


2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DA PERSONALIDADE

Antes da análise dos temas principais pretendidos, cabe realizar-se um breve panorama quanto aos direitos fundamentais e da personalidade os quais são direitos inerentes à todas as pessoas.

2.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

Todas as pessoas, ao nascerem, adquirem personalidade jurídica, e com ela seus respectivos direitos e garantias perante todos. Tais direitos e garantias devem ser respeitados por toda a sociedade e todas as demais pessoas. Pode-se dizer que os direitos fundamentais são definidos como um conjunto de direitos e garantias de todo ser humano, sendo seu principal objetivo, o respeito a sua dignidade por todos, bem como que seja assegurada as condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, ou seja, tem o objetivo de assegurar a todo ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. (FIGUEIREDO, 2019)

Para Souza (2020) os direitos fundamentais dos seres humanos podem ser classificados em quatro grupos distintos segundo a Constituição Federal: “a) direitos individuais (art. 5º); b) direitos coletivos (art. 5º); c) direitos sociais (art. 6º e 193 e ss); d) direitos à nacionalidade (art. 12); d) direitos políticos (art. 14. a 17)”.

Os direitos individuais e os coletivos, são os que estão ligados à personalidade de cada pessoa, bem como ao significado de pessoa humana, que é o que dispõe o artigo 5º, e seus incisos, o direito à vida, liberdade, igualdade. (SILVA, 2006)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] (BRASIL, 1988)

Os direitos sociais, tem como parâmetro o direito que cada ser humano tem à saúde, ao trabalho, ao transporte, ao lazer, à segurança, dentre outros, os quais são de responsabilidade do Estado Social de Direito garanti-los, sendo que sua finalidade é a melhoria nas condições de vida das pessoas que são menos favorecidas, buscando assim a igualdade social. (SOUZA, 2020)

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Os direitos à nacionalidade, correspondem à conexão jurídica que liga um cidadão a determinado Estado, tornando assim tal indivíduo como parte da população, garantindo sua devida proteção. Tais direitos encontram-se elencados no artigo 12 da Constituição Federal de 1988. (SOUZA, 2020). Em se tratando dos direitos políticos, os mesmos garantem aos cidadãos que exerçam sua cidadania, fazendo parte dos negócios políticos do Estado a qual pertencem. Os artigos 14 à 17 da Constituição Federal de 1988, dispõe a respeito de tais direitos. (SILVA, 2006)

Diante disso, os direitos fundamentais, nada mais são que direitos definidos por lei, inerentes à pessoa humana os quais são fundamentais à vida digna de cada ser humano, sendo dever do Estado protegê-los de forma que os mesmos sejam cumpridos para com toda a sociedade.

2.2. DIREITOS DA PERSONALIDADE

O conceito de personalidade está ligado ao conceito de pessoa, tendo em vista que todo indivíduo que nasce com vida, se torna uma pessoa, adquirindo portanto sua personalidade. “Pessoa” é o ser físico (pessoa física) ou coletivo (pessoa jurídica) passível de direitos e obrigações, já a personalidade pode ser reconhecida como a capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações. (KUNRATH, 2016)

Kunrath acredita que:

Os conceitos de pessoa e personalidade estão intimamente ligados, uma vez que toda pessoa possui personalidade, ou seja, todo indivíduo ou agrupamento de indivíduos pode ser sujeito de direitos e obrigações. Como direitos concernentes a essa categoria jurídica, surgem os direitos da personalidade. (2016)

Os direitos da personalidade são os direitos que fazem com que todas as pessoas possam realizar sua individualidade e defender o que é seu, como o direito ao nome, à vida, à imagem, à dignidade, entre outros.

Os direitos da personalidade são direitos intrínsecos ao ser humano, como pressuposto de sua existência e dignidade e são aplicados a todos os seres humanos de forma igual. Tais direitos são irrenunciáveis, ou seja, nenhum indivíduo pode abrir mão de tais direitos, e intransmissíveis, não podendo ser transferido à terceiros. (BEVILACQUA, 2020)

Os direitos da personalidade estão elencados no Capítulo II do Código Civil, nos artigos 11 ao 21, sendo alguns deles a palavra/imagem (sendo que seu uso indevido, provoca uma ofensa à honra, à boa fama e à respeitabilidade), atos de disposição do próprio corpo, tratamento (ninguém é obrigado a se submeter, com risco de vida, à tratamento médico, intervenção cirúrgica), e dentre eles, o nome (o qual inclui o prenome + o sobrenome), o qual é assegurado a todos conforme o artigo 16 do Código Civil. (ARAÚJO; RODRIGUES, 2017)

O nome é a principal maneira de individualizar cada pessoa umas das outras. Mestriner, alega que:

O nome (prenome + sobrenome), também conhecido por nome completo ou nome de família, é a expressão utilizada para designar uma pessoa natural, ou seja, trata-se de elemento de individualização da pessoa. Vai daí que o nome é direito fundamental da pessoa, pois insere o ser humano na família e na sociedade, particularizando-o. (2015)

O nome é a forma que cada pessoa se identifica perante a sociedade, sendo que o mesmo continuará a existir mesmo após a morte de cada ser humano. Por esse motivo, o nome é um elemento de grande importância, sendo que o Estado apenas permiti sua alteração, sob determinadas condições.

Deste modo, pode-se dizer que cada pessoa se torna exclusiva, devido ao nome que lhe é atribuído ao nascerem, sendo o mesmo utilizado no decorrer de toda a vida de cada um, exigindo o respeito dos outros ao mencioná-lo.

Diante do exposto a respeito dos direitos fundamentais e dos direitos de personalidade, pode-se dizer que: Os direitos fundamentais foram criados para proteger os indivíduos do Estado (direito público). A tutela dos direitos fundamentais da pessoa na Constituição Federal tem origem e finalidade na necessidade de criar limites ao poder político na sua capacidade para ofender as pessoas, como indivíduos e cidadãos. A tutela jurídica fundamenta-se na lei e depende dela. Já os direitos da personalidade foram criados para proteger os indivíduos de si mesmos e de terceiros (direito privado). Os direitos da personalidade são um reconhecimento da dignidade da pessoa humana, apesar e além das relações de poder, e devem ser respeitados, independentemente de qualquer formalismo, positividade ou tipicidade. (KUNRATH, 2016)

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Sendo assim, podemos dizer que os direitos acima elencados são direitos os quais todo cidadão possui, assegurados pela Constituição Federal, e que devem ser respeitados por todas as pessoas sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito.


3. TRANSEXUALIDADE E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E JURÍDICOS

Ao falar a respeito da transexualidade, primeiro deve-se distinguir o que é gênero e identidade de gênero.

Gênero é a atribuição biológica a qual cada pessoa é destinada ao nasce tendo em vista sua genitália, podendo ser gênero masculino ou gênero feminino. Já a identidade de gênero, é como a pessoa se reconhece, se enxerga, que pode ser (cisgêneros) ou não (transgêneros) correspondida ao sexo atribuído no nascimento. (FONTES; MAINO, 2017)

Diante de tal distinção, adentramos no assunto da transexualidade e seus aspectos históricos, sociais e jurídicas.

3.1. TRANSGÊNEROS (TRANSEXUAIS E TRAVESTIS)

Antes de adentrar no tema da transexualidade, cumpre expor a respeito da diferença de dois tipos de identidades, ou expressões de gêneros, a maneira que cada indivíduo se identifica: o cisgênero e o transgênero.

Cisgênero é a pessoa que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu. O homem que nasceu com a genitália masculina ou a mulher que nasceu com a genitália feminina, ambos se identificam como tal cada um do seu sexo, agem, se vestem conforme seu sexo, não tendo nenhuma objeção ao fato de terem nascido com aquele sexo. (CAMPOS, 2018)

Transgênero são as pessoas que nascem com um sexo biológico, mas que não se identificam como tal. Tais pessoas sentem como se tivessem nascido no corpo errado. Um exemplo é uma pessoa que nasceu com a genitália feminina, cresceu com as modificações que, por consequência do seu sexo, causam em seu corpo, mas sua forma de se identificar é com o físico masculino. (CAMPOS, 2018). Dentre os transgêneros, incluem-se os travestis e os transexuais.

O transexual é a pessoa que não se reconhece física e mentalmente com o sexo, gênero do seu nascimento, ou seja, tem identidade de gênero diferente da anatômica. Muitas dessas pessoas optam por sofrer certas transformações, como intervenções cirúrgicas para adequar seu corpo a como se sente, tratamentos hormonais a fim de atingira aparência a qual deseja, dentre outras. (LEITE, 2017)

Em relação às intervenções cirúrgicas, Athayde acredita que:

Os transexuais, algumas vezes, dizem que a cirurgia não tem como objetivo principal uma vida sexual ativa, mas sim igualar a aparência de seu corpo com a sua imagem interna do mesmo. De forma parentética, alguns, para fins profissionais ou práticos, continuam a se vestir como homem, mas aliviados, pois seus corpos, agora, casam com sua imagem interna de si próprios. No extremo oposto, encontramos aqueles que têm como objetivo principal uma vida sexual ativa e até a adoção de uma criança. Antes da indicação cirúrgica é necessário forte indício diagnóstico de verdadeiro transexualismo, além de julgamento do risco versus benefício da mesma. [...]

Para os verdadeiros transexuais a sensação no pós-operatório é de que se livraram de uma imensa carga e que, agora, podem realmente viver sua nova vida.” (2001)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o transexualismo como uma vontade que o indivíduo tem de poder viver livremente como um ser do sexo oposto, e ser aceito desta forma por todos. Tal vontade, na maioria das vezes, é acompanhada por um desconforto com um sentimento de inadaptação tendo em vista o sexo biológico adquirido quando do seu nascimento, o que gera o desejo dessas pessoas em passarem por cirurgias ou tratamentos hormonais com o intuito de se adequarem, e assim se reconhecerem como alguém do sexo oposto. A troca do nome dessas pessoas é uma importante complementação na readequação dos mesmos. (MARTINS, 2013)

O travesti é a pessoa que sente prazer físico em se vestir com roupas do sexo oposto, não sendo necessariamente homossexuais que são as pessoas que sentem atração sexual ou afetiva por alguém do mesmo gênero, sexo. Muitas dessas pessoas não sentem a necessidade de se submeterem à intervenções cirúrgicas de readequação sexual, todavia há algumas que optam pela colocação de implantes nos seios, elas adotam o visual feminino no seu dia-a-dia. (LEITE, 2017)

Sendo assim, a diferença entre os transexuais e os travestis, está relacionado com a maneira que certas pessoas encaram seu sexo biológico no decorrer de suas vidas. Os transexuais se sentem desconfortáveis com a genitália com a qual nasceram, já os travestis não sentem extremamente tal desconforto, optando pela permanência do sexo do nascimento.

3.2. ASPECTOS HISTÓRICOS

A transexualidade, antigamente era conhecida como a Síndrome de Harry Benjamin, devido ao fato de que foi o mesmo, Harry Benjamin, na década de 40 que estudou os primeiros casos de pacientes transexuais. Os modos de identificação de tal fato antigamente, eram como os de atualmente: “reconhecimento precoce, tentativas de se vestir como o sexo oposto secretamente, a culpa, as tentativas sem sucesso de mudar seus desejos e sentimentos e tentativas de "purificações" episódicas ou contínuas.” (ATHAYDE, 2001)

Nos anos 20 e 30, a área da biologia identificou que a libido de cada indivíduo estava relacionada aos hormônios do mesmo. Foi assim que a transexualidade começou a ser vista não só pela biologia, mas também tendo como relação as glândulas endócrinas e suas interações comportamentais. (SANTOS, 2016)

Santos, alega que:

Durante muito tempo, os procedimentos de readequações da personalidade eram entendidos como reparos para uma desordem mental, onde os recursos eram usados como medidas para tratar desses distúrbios, contudo, na segunda metade do século XX, essas transformações físicas passaram a ser reconhecidas como uma outra identidade de gênero sexual. (2016)

Na década de 60 e 70, os transexuais que realizavam algum tipo de terapia a fim de conquistarem uma vida melhor para eles mesmos, devido ao fato de serem “trans”, com a realização de uma cirurgia de redesignação sexual, estes eram chamados de “Verdadeiro Transexual”, que posteriormente foi denominado de Síndrome de Disforia de Gênero, gerando assim, por consequência, uma imagem negativa, que seria relacionada com algum distúrbio psíquico. (SANTOS, 2016)

Foi então no ano de 1980, que o transexualismo foi reconhecido pelo DSM-III (Manual Diagnóstico e Estatístico das Desordens Mentais), alterando assim sua nomenclatura de Síndrome de Disforia de Gênero, para Desordem da Identidade de Gênero. (ATHAYDE, 2001)

Diante de tais aspectos, pode-se dizer que com o passar dos anos, o assunto da transexualidade tem sofrido cada vez mais mudanças positivas, a fim de garantir a igualdade de direitos de todos.

3.3. ASPECTOS JURÍDICOS

As cirurgias de redesignação sexual confrontam o que dispõe o Código Civil em relação à indisponibilidade do corpo, no sentido de que nenhum ser humano pode dispor de seu próprio corpo quando essa disposição acarretar em uma diminuição da integridade física ou contrair os bons costumes. (BRASIL, 2002)

Tendo em vista tal disposição no Código Civil, pode-se dizer que o corpo de cada indivíduo incólume, sendo que possui proteção do ordenamento jurídico. Deste modo, a cirurgia de redesignação sexual poderia ser vista como uma certa agressão à esse direito, até mesmo um crime, motivo pelo qual a cirurgia não seria aceita pelo ordenamento jurídico. (CARDOSO, 2008)

No direito penal brasileiro, está elencado no artigo 129, § 2º, inciso III, o crime de mutilação, o qual condena o indivíduo por lesão corporal grave, caso resulte na “perda ou inutilização do membro, sentido ou função” (BRASIL, 1940)

Todavia, pelo fato de a cirurgia de redesignação sexual ter como objetivo principal um fim terapêutico, visando somente o bem estar do paciente, a mesma não constitui o crime tipificado no artigo supra mencionado, não configurando assim a culpa do médico que realiza tal cirurgia. (CARDOSO, 2008)

Chaves e Souza, alegam que:

A própria comunidade médica realizou estudos e reconheceu que a cirurgia de transgenitalismo tem propósito terapêutico com o objeto específico de adequar a genitália ao sexo psíquico. Sendo o transtorno de identidade de gênero um desvio de ordem psicológica e médica, esta questão se enquadraria no direito social à saúde. Não haveria, portanto, prática de lesão corporal pelo cirurgião, haja vista que a medicina estabelece critérios materiais para que seja realizada a redesignação, não dependendo somente da manifestação de vontade, tendo como objetivo ajudar no pleno desenvolvimento da pessoa. (2017)

O Congresso Nacional publicou o projeto de lei 70 de 1995, o qual dispõe a respeito das intervenções cirúrgicas que tem por objetivo alterar o sexo do indivíduo e dá outras providências, sendo que uma delas é adicionar ao artigo 129 do Código Penal um parágrafo com a seguinte redação: “não constitui fato punível a ablação de órgãos e partes do corpo humano, quando considerada necessária em parecer unânime de junta médica e precedida de consentimento expresso de paciente maior e capaz” (Projeto de Lei nº 70 de 1995)”. Mesmo com a não aprovação desse projeto até o momento, há um crescimento positivo na quantidade de julgamentos em favor da pessoa transexual a realizar a cirurgia de redesignação sexual. (CHAVES; SOUZA, 2017)

Tendo em vista o aqui exposto, por não configurar dolo por parte do médico, tal cirurgia de redesignação sexual não pode ser considerada como um ato criminoso, e sim como um direito que o indivíduo possui de adequação de seus aspectos físicos conforme o sexo com o que se enxerga.

3.4. ASPECTOS SOCIAIS

Os transexuais sempre tiveram de batalhar pelo reconhecimento e igualdade de seus direitos perante os outros, sempre com o intuito de se manifestarem livremente tendo em vista suas diferenças e suas identidades de gênero, o que não deveria ocorrer devido ao fato de que todos tem o direito de se reconhecerem sexualmente, e se identificarem com o gênero com que se sentem bem. O transexual visa unicamente ser o que ele é, que como visto anteriormente é um direito de todos tendo em vista a dignidade da pessoa humana, que é um elemento mínimo de vida de cada indivíduo. (VAZ; NETO, 2016)

O Conselho Federal de Medicina, na resolução 1.955 de 03 de setembro de 2010, dispôs a:

“Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados: 1) Desconforto com o sexo anatômico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;” (BRASIL, 2010)

Devido ao fato de que a Constituição Federal postula que não se deve existir a desigualdade de uns com os outros, sendo que todos devem ser tratados da mesma forma, fica o questionamento do porquê numa ordem social plenamente igual há tamanhas imposições quanto a um direito embasado na dignidade da pessoa humana, na igualdade e a “correção de um transtorno” corporal.

Sobre a autora
Isabela Ronchi da Silva

Graduada em Direito na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil latu sensu na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente trabalho teve como objetivo a conclusão de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC.

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