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O nome social e a pessoa transexual/ transgênero

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18/05/2021 às 19:33
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4. O USO DO NOME SOCIAL PELO TRASGÊNERO E SEUS REFLEXOS

O nome que cada pessoa utiliza na sua vida é como um símbolo que identifica aquela pessoa, uma forma de reconhecer e individualizar cada indivíduo perante a sociedade. O direito ao nome, é um direito que todos possuem como forma de direito à personalidade, à identidade, ao auto reconhecimento, ou seja é um direito fundamental. O nome é a forma como cada um deseja se apresentar para o mundo e ser reconhecido como tal. (NASCIMENTO, 2019)

Todavia, algumas pessoas acabam se identificando na sociedade de uma maneira completamente diferente daquela que está no seu registro civil. A partir daí surgiu o nome social.

O nome social é aquele pelo qual os transgêneros optam por serem chamados de acordo com a sua identidade de gênero.

Em 2016, a então presidente Dilma Roussef publicou o Decreto nº 8.727, o qual dispôs que:

Art. 1º. Este Decreto dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. (...)

Art. 2º. Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos e procedimentos, deverão adotar o nome social da pessoa travesti ou transexual, de acordo com seu requerimento e com o disposto neste Decreto. Parágrafo único. É vedado o uso de expressões pejorativas e discriminatórias para referir-se a pessoas travestis ou transexuais. (BRASIL, 2016)

Nessa mesma linha, em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou o uso do nome social de candidatos nas urnas nas eleições. Além disso, o TSE definiu o uso do conceito de gênero e não de sexo nas cotas eleitorais. Desse modo, homens e mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados na cota do gênero com o qual se identificam. (CANÁRIO, 2018)

No Brasil, ainda não se tem uma lei específica para as causas de identidade de gênero dos transgêneros. Devido ao fato de que antes os transgêneros precisavam ingressar no Judiciário para a retificação de nome, os fazendo depender do entendimento dos tribunais, o que fazia com que muitos recorressem à carteira de nome social. (HATJE; RIBEIRO; MAGALHÃES, 2019)

Mesmo já sendo um direito dos transgêneros em utilizar o nome social, o nome pelo qual se reconhecem, os mesmos ainda passam por certos constrangimentos.

Em 2019, Hatje, Ribeiro e Magalhães, publicaram um artigo na revista Contexto & Educação, no qual os mesmos acompanharam quatro pessoas “trans” que pleitearam no Judiciário em abril de 2017 a alteração do nome e do sexo no registro civil, os quais alcançaram decisões favoráveis em outubro do mesmo ano. O entrevistado Lucas diz ter feito a carteira do nome social, e após começou a tentar mudar toda sua documentação, tendo sucesso em algumas como, conta de luz, no SUS, no banco, convênio médico, entre outros, porém o mesmo alega que ainda há um grande obstáculo tendo em vista o RG, não conseguindo alterar documentos como CPF, PIS, FGTS, contrato e aluguel, devido ao fato do nome que consta no RG não ser Lucas. (2019)

De grande importância, se faz expor uma parte da entrevista realizada por Hatje, Ribeiro e Magalhães, a qual os entrevistados alegam que:

Luis: [...] eu não tenho carteira social, não vou fazer, porque na realidade a carteira de nome social ela não tem valor nenhum, porque se eu não tiver um documento pra endossar, pra comprovar que aquele documento é meu, continua, não altera nada, é impossível tu pensar que nesse momento que tem tanta política pública que tu tem que comprovar que aquele documento não é falso. [...] essa carteira eu sempre fui contra. Quando eu comentei sobre isso, e eu sempre critiquei o nome social naquela carteirinha, aquilo foi o Estado que criou, alguém que criou, eu sei que são políticas públicas, mas são políticas públicas que acabam não tendo o efeito que deveriam ter, porque se eu tenho que apresentar uma carteira de nome social com o RG para ela ser válida, é pura gambiarra.

Silvio: [...] quando eu apresento o cartão social, quando eu vou para algum lugar as pessoas pedem o RG, aí eu tenho que ter o constrangimento de mostrar aquela pessoa que não sou eu, que está lá no RG, porque o cartão social ainda não é tão aceito.

Entrevistador: Muita gente fala que quando apresenta a carteira de nome social eles pedem junto a carteira de identidade também?

Noah: Sim. Então acaba que não vale de nada, mas dependendo das informações que eles pedem eu já mostro a carteira de nome social e já falo as outras informações para não ter que entregar a identidade, mas sempre pedem a outra.

Noah: Eu evito ir ao hospital e ir no médico desde que eu comecei a transição, porque eu não quero passar por nenhuma situação constrangedora, mas houve vezes que eu tive que ir e me chamaram no nome de registro, mesmo eu pedindo o nome social.” (2019)

Diante do trecho aqui exposto, percebe-se a dificuldade que os transgêneros possuem em serem reconhecidos como realmente de identificam sem passar por constrangimentos e serem tratados como pessoas normais.

Devido ao sofrimento, ao constrangimento causado em diversas situações as quais os transgêneros não conseguem comprovar a identidade com a qual as mesmas se reconhecem, seu nome social, muitas vezes os mesmos podem acabar evitando frequentar certos lugares por não serem reconhecidos como desejam, por exemplo comparecer a consultas médicas, pois podem ser chamados, e de certa forma se sentirem ridicularizados, humilhados, por um nome que não é dele, que ele não se reconhece, fazendo assim por consequência que a saúde dessa pessoa, o cuidado com ela mesma, vá ficando de lado. Devido a este fato, muitos transgêneros podem acabar evitando comparecer em lugares que precisam ser chamados pelo nome com o qual não se reconhecem.


5. CONCLUSÃO

Por meio da análise apresentada, concluímos que as pessoas que não se identificam com o sexo de seu nascimento, ou seja, os transexuais, vem adquirindo cada vez mais respeito e reconhecimento por parte dos outros indivíduos, devido ao fato de que todas as pessoas tem o direito de ter sua própria identidade de gênero, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito.

Os transexuais, por se sentirem como se estivesse nascido no corpo errado, acabam se submetendo à cirurgias e tratamentos hormonais de modo a adequarem seu corpo com o qual se identificam. A cirurgia de redesignação sexual, implica em uma série de mudanças no estilo de vida das pessoas transexuais, no seu jeito de agir, e principalmente acarretam mudanças drásticas nos seus futuros.

Grande maioria das pessoas transexuais, ao realizar este tipo de cirurgia, optam também por alterarem seus nomes, que é a forma com a qual elas querem ser chamadas, reconhecidas perante a sociedade no geral. Tal alteração de nome recebeu a nomenclatura de “nome social”, o qual é garantido por lei, aos trans, travestis e transexuais que tenham tal nome em seus documentos, registros funcionais e sistemas.

Antigamente, o processo para alteração do nome era mais complexo, devido ao fato de que tinha que entrar na justiça para requerer tal mudança, e ainda, muitas vezes, os juízes somente autorizavam tal mudança caso o indivíduo realizasse uma cirurgia de redesignação sexual.

Todavia, atualmente a adoção do nome social, ainda possui grandes impactos para os indivíduos transexuais, pelo fato de que ainda se tem muito preconceito e discriminação com essas pessoas trans, e até mesmo falta de conhecimento de algumas pessoas a respeito do nome social, pelo fato de não ser um assunto com muita divulgação, ensinamentos para a população no geral.

Nos dias de hoje ainda há uma dificuldade na alteração do nome adquirido quando do nascimento pelo nome social em documentos como RG e CPF, e devido muitas vezes ao fato da demora nessa alteração, muitas pessoas transexuais acabam utilizando seu nome social, porém lutando pela aceitação e pelo reconhecimento do mesmo em todos os lugares frequentados.

Assunto esse de grande relevância, devido à importância do nome social na vida as pessoas transexuais, travestis, para que os mesmos possam ter acesso aos diversos espaços com o mesmo respeito e tratamento das demais pessoas, por serem também cidadãos.


REFERÊNCIAS

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ATHAYDE, Amanda V. Luna. Transexualismo masculino. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 45, n. 4, p. 407-414, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302001000400014. Acesso em: 23 de fevereiro de 2021.

BEVILACQUA, Helga. Direitos da personalidade: conceito e aplicação dos direitos fundamentais. Blog Saj Adv. 02. de dezembro de 2020. Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/direitos-da-personalidade/

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.

BRASIL. Decreto nº 8.727, de 23 de abril de 2016. Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=29/04/2016. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

CAMPOS, Lorraine Vilela. Cisgênero e Transgênero. Brasil Escola. 2018. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/cisgenero-transgenero.htm. Acesso em 22 de fevereiro de 2021.

CANÁRIO, Pedro. Cotas de candidatos em partidos são de gênero, e não de sexo, define TSE. Consultor Jurídico. 01. de março de 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-01/cotas-candidatos-sao-genero-nao-sexo-define-tse. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

CARDOSO, Patricia Pires. O transexual e as repercussões jurídicas da mudança de sexo. Âmbito Jurídico. 31. de março de 2008. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/o-transexual-e-as-repercussoes-juridicas-da-mudanca-de-sexo/. Acesso em: 22 de fevereiro de 2021.

CHAVES, Franciele Aparecida; SOUZA, Laura Cristina Ferreira. Transexualismo e conflito de direitos: consequências jurídicas da redesignação sexual. Jus.com.br. Novembro de 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62267/transexualismo-e-conflito-de-direitos-consequencias-juridicas-da-redesignacao-sexual. Acesso em: 22 de fevereiro de 2021.

COELHO, Gabriela. STF define tese autorizando pessoa trans a mudar nome sem cirurgia. Consultor Jurídico. 15. de agosto de 2018. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/direitos-fundamentais/. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.

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Abstract: This article seeks to verify the implications and reflexes arising from the adoption of the social name by the transsexual person, in view of the fragility of Brazilian legislation on the subject. The name is the way in which a person identifies himself in the midst of society, but there are some people who, during their lives, do not identify themselves with their biological identity and end up acquiring a gender identity that differs from their assigned sex at birth, who they are called transgender, transsexual. Such people, throughout their lives, may prefer to be called daily by another name, which makes them identify with the gender other than biological, the so-called social name. The point is that such alteration can generate personal and social reflexes, often negative, such as their inclusion in society, in the health system, in the registration of children, among other implications, most of the time due to prejudice or even due to lack of knowledge of society regarding the possibility of the use of the social name by transsexuals, transgenders. The research method to be used will be inductive, the bibliographic and documentary technique being indirect.

Key words: Transsexuals/Transgender; Social Name; Reflections.

Sobre a autora
Isabela Ronchi da Silva

Graduada em Direito na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil latu sensu na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente trabalho teve como objetivo a conclusão de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC.

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