A INSTITUIÇÃO DO SISTEMA DE COMPLIANCE NO DIREITO BRASILEIRO COMO INSTRUMENTO PREVENTIVO DA PENA E DA RESPOSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
THE INSTITUTION OF COMPLIANCE SYSTEM IN THE BRAZILIAN LAW AS AN INSTRUMENT PREVENTIVE PEN AND CRIMINAL RESPOSABILIZAÇÃO OF LEGAL ENTITY.
Douglas de Oliveira Santos[1]
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo tratar da normatização no Brasil através Leis 12.846/13 e 12683/2012 dos sistemas de autorregulação a serem implementados na atividade empresarial, dentre os quais se encontra o compliance. Serão objeto de destaque os fundamentos que culminaram com surgimento da ideia de implementação do compliance nas empresas brasileiras, destacando-se nesta perspectiva, tanto a tendência mundial de procedimentos aptos a estabelecer regras para cumprimento de normas legais e programas de conduta ética eficazes pelas empresas, como a necessidade do Brasil dar cumprimento à tratados internacionais dos quais tornou-se signatário, comprometendo-se a adotar ferramentas eficazes de combate a corrupção em todas as esferas. Por outro viés, também será investigado e discorrido sobre a responsabilização penal da pessoa jurídica, tema muito atual, e a possibilidade de o compliance atuar como uma prevenção eficaz a criminalização da pessoa jurídica, diante de sua função de autocontrole e gestão de riscos, no sentido de evitar que a pessoa jurídica descumpra a lei e seja penalizada na seara criminal.
PALAVRAS CHAVE: autorregulação; compliance; prevenção; pena.
ABSTRACT
This article aims to address the standardization in Brazil by Law 12,846 / 13 and 12683/2012 of self-regulation systems to be implemented in business activity, among which is the compliance. Will highlight object the fundamentals that led to the emergence of compliance implementation idea in Brazilian companies, highlighting this perspective, both the global trend of procedures able to establish rules for compliance with legal standards and effective ethical conduct programs by companies, as the need for Brazil to comply with international treaties to which it has become a signatory, committing to adopt effective anti-corruption tools in all spheres. On the other bias, will also be investigated discorrida on the criminal liability of legal person, very current theme, and the possibility of the compliance act as an effective prevention criminalization of legal entity, before his self-control function and risk management, to avoid the legal person fails to comply with the law and is penalized in the criminal realm.
KEY-WORDS: self-regulation; compliance; prevention; feather.
1. INTRODUÇÃO:
O desenvolvimento do presente artigo está baseado na análise do compliance como sistema de autorregulação e sua consagração no Direito Pátrio a partir das modificações introduzidas no ordenamento jurídico pelas Leis 12.846/13 e 12683/2012, como consequência de uma tendência mundial das companhias de adotar programas eficientes de autocontrole de conduta, além da necessidade do Brasil dar cumprimento à tratados internacionais dos quais tornou-se signatário.
Com efeito, o objetivo é ressaltar o compliance como programa de autocontrole e abordar as consequências positivas da implementação do sistema na atividade empresarial, destacando a implantação deste programa na atividade empresarial como uma ferramenta capaz de evitar a responsabilização criminal da pessoa jurídica, na medida em que possui uma função preventiva, por tratar-se de um sistema de gestão de riscos e autocontrole, que busca evitar que a pessoa jurídica venha a descumprir as normas legais vigentes no país, pautando suas condutas na ética, o que evitaria que a pessoa jurídica se arvorasse pela seara criminal, onde as penas são por demais severas.
A problemática é definir, a partir de uma pesquisa bibliográfica, se a implantação correta do sistema de compliance na empresa, poderia ser uma ferramenta capaz de impedir ou diminuir os riscos de que a pessoa jurídica venha a transgredir a legislação penal, na medida em que atuaria na prevenção de condutas tipificadas pela legislação penal.
Desse modo, o primeiro passo será definir o compliance como programa de autocontrole da atividade empresarial, destacando a sua finalidade e quais as consequências de sua implementação nas companhias.
Posteriormente, se mostra relevante destacar a razão pela qual o referido programa passou a ser adotado no Brasil, inclusive com previsão expressa em Leis que foram sancionadas recentemente, ou seja, definir qual foi a finalidade de sua adoção no Direito Brasileiro, e se tal proceder ocorreu em razão de uma tendência global de adoção de procedimentos eficazes de cumprimento de preceitos legais e éticos pelas companhias, ou em razão do Brasil ter se tornado signatário de tratados internacionais com previsão de combate a corrupção, e grande parte da corrupção ser financiada pelo mercado, ou então, se ambos os fatores foram preponderantes.
Na sequência, será abordada a criminalização da pessoa jurídica no direito pátrio, as razões que levarão a pessoa jurídica a tornar-se sujeito de penalidades na esfera criminal, qual a tendência atual e interpretação dos tribunais superiores sobre tal temática, as penalidades possivelmente impostas a pessoa jurídica, as funções da pena, e uma análise acerca do sistema de compliance como ferramenta capaz de prevenir a criminalização da pessoa jurídica ou a imposição de penas contra ela.
Ao final, concluir-se-á se a implantação do sistema de compliance na empresa, pode ser considerada uma ferramenta eficaz na prevenção da responsabilização criminal da pessoa jurídica, na medida em que possui uma função preventiva, de evitar que a pessoa jurídica venha a cometer qualquer ilícito, ou transgredir normas legais que possuam reflexos punitivos na seara criminal.
2. DEFINIÇÃO DO SISTEMA DE COMPLIANCE COMO PROCEDIMENTO DE AUTORREGULAÇÃO
A palavra compliance origina-se do verbo inglês “to comply”, que significa cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto.
O compliance é originário do Direito norte-americano, que foi o primeiro país a comprometer-se com a luta contra a corrupção internacional, o que fez através do Foreing Corupt Practive Act, instituto que foi fortemente ampliado após a crise financeira de 2008. (Antonietto. Castro, 2014, p.2).
No contexto do direito o compliance é utilizado como um programa eficaz de prevenção de descumprimento pela empresa, de qualquer tipo normas vigentes, já no contexto empresarial, inclui-se a necessidade de regular preceitos éticos e dar cumprimento as normas internas da companhia.
O compliance pode ser definido como sendo um sistema implementado na empresa, capaz de prevenir mediante orientação e fiscalização dos colaboradores e diretores, o descumprimento de preceitos legais, garantindo que as normas existentes efetivamente sejam respeitadas e cumpridas durante o desenvolvimento da atividade empresarial, assim como as normas éticas e as regras internas da companhia.
Quando se destaca que o compliance se trata de um programa ou sistema de autorregulação ou autocontrole, é relevante partir da premissa de que o vocábulo controle está intimamente relacionado a diminuição de riscos e incertezas em relação a eventos futuros.
Diz-se que as coisas estão sobre controle, se o grau de dúvida em relação aos procedimentos de todas as atividades, e suas consequências, estão dentro de um limite tolerável. E quando o controle é realizado pela própria empresa, diz-se, autocontrole.
Desse mote, o autocontrole significa não correr riscos de descumprir marcos regulatórios estabelecidos pelo Estado e, no âmbito intra-empresarial, atuar de acordo com um procedimento conformes de conduta, que respeitem as regras éticas e institucionais e é implementado e cumprido pela própria companhia através do compliance.
De modo geral, o compliance ganhou maior notoriedade na medida em que as infrações cometidas pelas companhias no desenvolvimento da atividade empresarial passaram a ser punidas de forma mais rigorosa, com a sanções severas, sendo certo que em alguns países inclusive, como é o caso do Brasil, existe previsão acerca da responsabilização criminal da pessoa jurídica em determinadas infrações, além da aplicação de multas com patamares extraordinários, situações que passaram a impactar nos resultados financeiros das companhias e até mesmo na atividade empresarial das companhias.
Neste prisma, a prevenção contra condutas que importem em infrações a legislação vigente e que desrespeitem as próprias normas de conduta das companhias, tornou-se necessária para a manutenção da imagem, credibilidade e para a própria sobrevivência da empresa, principalmente nos mercados mais competitivos.
Segundo destaca Coimbra (2010, p.6):
“O compliance constitui a base para o estabelecimento de uma cultura ética na empresa, cultura esta imprescindível à prevenção e redução de fraudes, que representam perdas financeiras para as organizações. Com efeito, uma organização que seja ética e que faça a difusão de uma cultura pautada na ética, por meio de um programa de compliance, tem menos problemas com fraudes. A cultura organizacional ligada à ética exerce uma clara influência sobre a integralidade dos funcionários. Assim, quanto mais profunda a cultura de integridade organizacional, menor a incidência de fraudes e outros comportamentos que representam desvios de recursos”.
Veja-se, que de acordo com os ensinamentos acima, a implantação do compliance como ferramenta de prevenção à prática de infrações dentro da atividade das companhias, acaba por ser primordial para que se implemente uma cultura ética no âmbito da empresa, o que é propiciado através da adoção de procedimentos comportamentais capazes de diminuir os risco de prejuízos financeiros para as companhias, seja por atos cometidos por colaboradores, seja pela ação dos diretores.
Como já destacado, a função precípua do compliance como ferramenta de autocontrole é fazer uma gestão dos riscos da atividade desenvolvida pelas companhias, que evidentemente são diminuídos quando se respeita a legislação do país, além de preceitos éticos e as regras internas da empresa.
O controle também tende a aumentar a eficácia da atividade empresarial, chegando ao objetivo almejado, a exemplo da diminuição de custos ou de tempo, com a adoção de procedimentos eficientes. É que os controles internos serão sempre mais eficazes se a companhia tiver segurança de que os objetivos operacionais da entidade estão sendo alcançados; as demonstrações financeiras estão sendo preparadas de maneira confiável; e as leis e regulamentos aplicáveis estão sendo cumpridas.
Nesta linha de perspectivas, é relevante destacar que o programa de compliance visa prevenir todos os tipos de irregularidades que possam ser praticadas no âmbito da atividade empresarial, sejam relacionadas a desvio de conduta, valores ou bens por colaboradores, ou diretores para proveito próprio ou para pagamento de propinas para agentes políticos.
Na prática diária da atividade empresarial, o programa de compliance deve ser destacado como uma área da companhia criada para cuidar do cumprimento das leis, dos regulamentos, das normas internas e dos padrões éticos de conduta, mediante a prevenção de comportamentos que venham a trazer temeridade para a empresa, seus clientes, empregados, quotistas, diretores, fornecedores e a sociedade de um modo geral, visando garantir que a atividade empresarial se desenvolva de forma contínua, com o menor risco possível e obedecendo preceitos éticos.
Na visão do BACEN(2007):
“A área de Compliance é assistir os gestores no gerenciamento do risco de compliance, que pode ser definido como o risco de sanções legais ou regulamentares, perdas financeiras ou mesmo perdas reputacionais decorrentes da falta de cumprimento de disposições legais, regulamentares, códigos de conduta etc”.
Outro ponto digno de nota, é o fato de ser traço marcante do programa de compliance a sua independência dentro da atividade empresarial, mesmo porque, a imparcialidade deve permear a relação entre o programa e as demais áreas da companhia, visto que as ações suspeitas, antiéticas e corruptas, além de serem prevenidas, quando constatadas, devem ser reprimidas e denunciadas pelo compliance, que deverá reportar todas as falhas de conduta verificadas, que venham de alguma forma a destoar de normas regulamentares do Poder Público ou da própria companhia.
De acordo com as ponderações acima, pode-se concluir que o programa de compliance visa dar cumprimento as normas legais, intra-empresariais e resguardar o cumprimento de preceitos éticos pela companhia. Se trata de um núcleo a ser implementado dentro da companhia, que obrigatoriamente deverá contar com imparcialidade e independência, em razão das características de sua função, primando por uma correta gestão de riscos, visando diminuí-los, através de ações de prevenção e combate a práticas corruptas e antiéticas e o cumprimento das normas legais e dos regulamentos internos das companhias.
3. A INSTITUIÇÃO DO COMPLIANCE NO DIREITO BRASILEIRO COMO CONSEQUÊNCIA DE UMA TENDÊNCIA MUNDIAL DE MERCADO E UM MECANISMO APTO A DAR CUMPRIMENTO A TRATADOS INTERNACIONAIS DOS QUAIS O BRASIL É SIGNATÁRIO
Uma vez destacado o compliance como mecanismo de autocontrole, assim como sua adoção como programa de controle interno das companhias, faz-se necessário neste momento, destacar a difusão do referido sistema no Brasil.
Em que pese ter passado a ser difundido no Brasil há pouco tempo, é relevante destacar que não é de hoje que os países desenvolvidos estão exigindo a adoção do programa de compliance pelas companhias que exercem atividade empresarial em seu território.
Conforme destacado anteriormente, os Estados Unidos, pioneiro em relação a implementação do compliance, já previa a necessidade de autocontrole das companhias em sua legislação desde 1977, sendo posteriormente seguido por outros países da Europa.
Com efeito, no Brasil, o compliance foi introduzido a partir da necessidade de alinhar-se a legislação dos países desenvolvidos e para dar cumprimento à tratados internacionais dos quais tornou-se signatário, tendo em vista que o aumento de investimento estrangeiro, em razão da globalização, têm exigido adequação das companhias que atuam no Brasil às diretrizes internacionais anticorrupção e de prevenção à prática de crimes relacionados à atividade econômica.
É relevante destacar que o primeiro setor a investir em programas de compliance no Brasil foi o bancário, e o cumprimento de tais normas teve início há menos de uma década.
No entanto, recentemente o Brasil sancionou duas Leis, sendo elas a 12683/2012 e 12.846/13, e ambas fizeram previsões expressas no sentido de ressaltar a necessidade de autocontrole das companhias, como forma de proteger a pessoa jurídica de penalidades impostas pelo Poder Público, ou no mínimo, atenuar as aplicadas.
O primeiro diploma legal acima destacado, promoveu sensíveis modificações na Lei de Lavagem de Dinheiro, sendo traço marcante da nova legislação a instituição obrigatória do sistema de compliance no âmbito de determinadas pessoas jurídicas que possuam como atividade primária ou secundária a atuação no âmbito do mercado financeiro.
Ao que parece, o intuito do legislador com a consagração do compliance na Lei de Lavagem de Dinheiro e Capitais, foi impedir, ou no mínimo dificultar, a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens e de valores, impondo as pessoas jurídicas elencadas na legislação a adoção de políticas e programas de autocontrole interno, compatíveis com sua estrutura operacional e atuação no mercado.
Lado outro, em relação a Lei Anticorrupção, nela consta previsão expressa de que havendo transgressão a referida norma, ou seja, apurando-se a prática de corrupção através das ações descritas no artigo 5° da referida Lei, que destaca as condutas consideradas como ato lesivo a administração pública nacional e estrangeira, quando for aplicada a penalidade prevista, de acordo com o artigo 7°, VIII, do mesmo diploma, deverá ser levado em consideração a existência ou não de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.
Levando em consideração as questões acima pontuadas, resta claro que o Brasil através da edição de legislações prevendo a necessidade e concedendo benefícios em caso de implementação de programas de autocontrole nas companhias, acaba por demonstrar a preocupação com a matéria, seja porque está dando cumprimento a tratados internacionais que firmou, conforme será destacado abaixo, ou em razão da necessidade de adequar-se as práticas internacionais, principalmente em uma economia periférica, que ainda depende sobremaneira do capital externo.
Com efeito, atualmente no Brasil, mesmo com a previsão expressa em algumas legislações, os programas de compliance estão implementados, salvo casos isolados, somente nas companhias que correm maior risco de crises institucionais e de imagem, ou então, quando os órgãos de regulação externa exigem a criação do setor.
Segundo o professor Antonietto Castro, (2014, p.7), a implantação do compliance no Brasil, através da sanção das Leis acima mencionadas e de regulamentação de órgãos de controle externo, além da tendência global já mencionada, também é proveniente de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção, devendo ser tomado por exemplo; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto 5.687/2006; Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto 4.410/2002; e a Convenção Sobre o Combate da Corrupção dos Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto 3678/2000.
A partir das ponderações acima, em relação aos motivos que levaram a regulamentação acerca da necessidade de implementação do compliance em determinadas áreas da atividade empresarial, pode-se concluir que tal situação decorre tanto do fato de o Brasil ter firmado tratados internacionais se comprometendo a combater a corrupção, como pela tendência dos países desenvolvidos de exigir das companhias a obediência de programas eficazes de conduta.
4. O COMPLIANCE COMO FATOR PREVENTIVO DA PENA E DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA
Já não é de hoje que se fala, bem como, foi regulamentada a responsabilização penal da pessoa jurídica no Brasil, mas precisamente com o advento da Carta Política de 05 de outubro de 1988, o Poder Constituinte originário optou por tal previsão de modo expresso, ao passo que não resta dúvida dessa modalidade, podendo se questionar a utilidade/necessidade, mas não sua existência.
Ao fenômeno de a Constituição Federal determinar ao legislador infraconstitucional a criminalização de uma conduta, dá-se o nome pela doutrina de mandado de criminalização, ou seja, seria um mandamento do Poder Constituinte originário ao legislador infraconstitucional para que esse criminalizasse tal conduta. Nesse caso mais específico determinando que se criminalize a conduta da pessoa jurídica.
Luciano Feldens (2005, p.75) apregoa que:
O mandado constitucional não define a conduta incriminada, menos ainda estabelece-lhe sanção, mas tão-somente, e desta forma nem sempre específica, a conduta por incriminar. Daí por que centra-se, a princípio, em uma obrigação de caráter positivo dirigida ao legislador, para que edifique a norma incriminadora, ou, quando esta já existe, em uma obrigação negativa, no sentido de que se lhe é vedado retirar, pela via legislativa, a proteção já existente.
Desse modo, pode-se verificar que a figura do mandado de criminalização não tipifica – define a conduta proibida sancionada pelo direito penal, mas apenas enumera sua existência, relegando-se a outro momento a confecção legislativa incriminadora que anteriormente fora prevista na CF.
Nesse jaez a responsabilidade da pessoa penal da pessoa jurídica é um mandado de criminalização explícito, leia-se:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (destaques não constam do original).
Além de tal previsão expressa, pode-se falar a respeito da responsabilização da pessoa jurídica em outra frente da Constituição Federal, segundo disposição do artigo 173 paragrafo 5º, que enumera a responsabilidade dessa ficção jurídica nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Todavia um dos grandes entraves para responsabilização da pessoa jurídica no Brasil era a denominada teoria da dupla imputação, que consiste na exigência de que para haver a punição da pessoa jurídica seria necessária a identificação do autor da ordem, a pessoa física que também teria responsabilidade por esses atos, essa exigência que até pouco tempo era aceita pelos tribunais dificultava a responsabilização da pessoa jurídica.
Explicando o tema Guilherme de Souza Nucci (2010, 926):
Outra questão relevante é saber se a pessoa jurídica poderia ser punida sozinha, independentemente de se conseguir apurar qual a pessoa física que, materialmente, executou o delito ambiental. Cremos que o art. 3º, parágrafo único, deixou claro, a contrário sensu, que sim.
Esse posicionamento firmado no ano de 2010, não era pacífico na doutrina nem nos tribunais, vindo a ganhar força em momento posterior, quando da decisão do Supremo Tribunal federal que julgou o Recurso Extraordinário de número 548.181 que entendeu pela possibilidade de se responsabilizar a pessoa jurídica mesmo sem identificação determinada da pessoa física, leia-se:
PRIMEIRA TURMA RECURSO EXTRAORDINÁRIO 548.181 PARANÁ
RELATORA : MIN. ROSA WEBER
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. (destaques não constam do original).
Sendo assim, a nova visão da Suprema Corte da nação, não estabelece mais como necessária a denominada teoria da dupla imputação – que seria a necessidade de se punir o agente/físico, para imputar responsabilidade à pessoa jurídica, essa nova roupagem jurisprudencial, vem ganhando força inclusive para nortear o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. “Tem-se, assim, que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes desta Corte. (RMS 39.173/BA)”.
Tendo em vista as decisões firmadas pelos principais tribunais que decidem acerca do tema, visualizasse forte entendimento no sentido da não necessidade da dupla imputação como critério para punir a pessoa jurídica.
É nesse cenário atual que se estuda o compliance, que é uma forma de autocontrole, que têm com uma das suas finalidades fazer com que as empresas respeitem as normas vigentes do país, nos diversos ramos que poderiam acabar infringindo determinados direitos/violando regras.
Além do exercício de sua função social, que seria a exteriorização da boa-fé objetiva, que é endógena ao contrato/fim da empresa. Fazer com que a empresa respeite a legislação trabalhista, tributária ambiental, consumerista, as regras atinentes a livre concorrência, tudo isso em síntese é a função do compliance.
E com enfoque um pouco maior, se fala no compliance como sistema de autocontrole para impedir que a pessoa jurídica se arvore na seara penal, que com certeza é a que traz maiores malefícios para a empresa, tanto no aspecto sancionador, eis que as sanções são mais fortes, bem como na imagem associada à empresa.
Dessa feita, como está claro a possibilidade de impor a pessoa jurídica sanção penal, bem como a desnecessidade de se imputar ao agente físico a prática do delito, como pré-requisito para essa responsabilização, as regras de compliance, são medidas que se impõe, em se tratando de um empreendimento empresarial moderno.
Não custa lembrar a gravidade das sanções em matéria penal, posto que esse ramo do direito é a ultima ratio – última opção e para tanto se serve daquilo que é mais forte em atuação estatal sancionadora, em se tratando de pessoas físicas, existe a possibilidade da pena de morte, nos casos de guerra declarada, ou o cárcere por até 30 anos.
Em sede de pessoa jurídica, podem-se enumerar como possíveis sanções – extraídas da Lei 9.605 de 1998: multa, penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade. E dentre as penas restritivas de direitos estão: suspensão parcial ou total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
A norma é clara, donde verifica-se que muitas das penas podem inviabilizar a atividade empresarial como, por exemplo, a proibição de contratar com o Poder Público. Ora, caso a atividade empresarial seja uma empreiteira, isso pode significar o fechamento das portas do estabelecimento – que é a pena capital para atividade empresarial.
Novamente ressaltasse que o compliance, é fundamental para impedir as violações de normas/regras de outros ramos do direito, e em se tratando de matéria penal, essa aplicação se faz mais urgente e necessária, por tudo aquilo que foi mencionado.
A sanção decorrente do direito penal possui três vertentes: preventiva - evitar que o crime ocorra; retributiva – que consisti na retribuição do infrator a sociedade, ou seja ele efetivamente vai pagar pelo que fez; e por fim a ressocialização – a pena tem como função também fazer que o indivíduo delinquente retorne melhor ao convívio social.
Porém o principal ponto de tratativa nesse tópico seria o compliance e a função de prevenção do crime, a atuação a priori, ou seja, antes que o delito efetivamente aconteça, a função que evita a atuação do estado sancionador, sendo essa atuação mais eficiente, menos evasiva, menos onerosa e mais proveitosa para todos.
Tendo-se um dos efeitos da pena a denominada prevenção geral que consistiria em ameaçar legalmente o cidadão que violasse normas e para tanto o estado usaria seu poder intimidador pela possibilidade de se aplicar ao infrator uma sanção penal.
Verificando que a tal função preventiva do delito, ou prevenção geral, pode ser estudada em duas grandes vertentes: prevenção geral negativa e a positiva, ou seja, essas duas modalidades de prevenção geral, se contrapõe a função retributiva da pena, que consistiria a sanção apenas no seu viés de retribuição do individuo causador de um delito, a sociedade vítima de tal crime. Sendo que a visão de prevenção é mais atual e por vezes mais adequada.
Entende-se como prevenção geral negativa como a função do direito de intimidar, inibir a prática de novas infrações, tal caráter intimidador seria possível tanto na fase da previsão legal, na dosimetria bem como na execução das mesmas. “Para a teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos” (BITENCOURT,2011).
Em contrapartida a teoria da prevenção geral positiva se não é apenas esperar do cidadão uma conduta negativa em virtude do poder sancionador do estado, mas sim buscar reafirmar o respeito e a confiança no sistema coletivo, resguardando-se bens jurídicos e valore éticos, que deveriam ser norteadores da vida em sociedade.
[..] direito não é um muro construído para proteger os bens, é, sim, a estrutura que garante a relação entre as pessoas. Portanto, o direito penal como proteção dos bens jurídicos significa que uma pessoa, apegada a seus bens, é protegida das ameaças de outra pessoa. (JAKOBS, 2005)
Nesse ponto, muito se assemelha ao compliance instituto de origem norte americana que se destina atividade empresarial, mas que respeitado as devidas proporções possuem certo grau de simetria, que consistiria numa valorização a boa conduta como forma de evitar situações de desviantes ao arrepio da lei.
5. CONCLUSÃO:
Tendo em conta a função do compliance, que se trata de um sistema de autocontrole, que quando implantado corretamente, visa evitar que a pessoa jurídica venha a transgredir as normas vigentes, tanto as ligadas ao trabalho, as relações de consumo, do meio ambiente do trabalho, do mercado, e as que regulam a relação entre a pessoa jurídica e a administração pública e até mesmo suas próprias normas internas.
Levando em consideração, por outro lado, que a atuação do compliance é preventiva, tratando-se de uma gestão de riscos, pois visa evitar que a pessoa jurídica descumpra as normas legais, é possível afirmar então, que umas de suas funções é prevenir a responsabilização da pessoa jurídica, em todas as esferas, inclusive na criminal.
Com efeito, tal prevenção a transgressão penal, deve-se ao fato de que, em face de toda tratativa firmada em matéria penal, pode-se verificar que a Constituição Federal de 1988, trouxe expressamente a possibilidade de responsabilização criminal da pessoa jurídica, e com isso possibilitou a aplicação contra as pessoas jurídicas das sanções em matéria penal.
Por outra perspectiva, ainda em relação a criminalização da pessoa jurídica, também não se pode perder de vistas que uma nova roupagem jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça já admitem a possibilidade de responsabilização somente da pessoa jurídica, não havendo mais necessidade da imputação também a pessoa física – denominada dupla imputação, em sendo assim, o complaince – modalidade de auto-regulamentação para seguir os padrões legais, deve ser mais prestigiado, posto que as sanções nessa seara criminal são por demais severas.
E ainda por cima, se verifica certa ligação entre o complaince e a função preventiva da pena, que seria a função que a pena possui antes mesmo do delito existir, e verifica-se uma maior ligação quando se fala em prevenção geral positiva, que ressalvadas as características de pertencerem a ramos do direito diferentes, possuem no seu cerne uma estreita ligação.
Por todas as ponderações acima, é possível concluir que a implantação do sistema de compliance officer na pessoa jurídica, é uma ferramenta capaz de prevenir a responsabilização criminal da pessoa jurídica, na medida em que possui uma função preventiva, que visa evitar que a pessoa jurídica venha a transgredir diplomas penais, onde constam normas penas incriminadoras.
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[1] Mestre e Doutorando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Uniderp-Anhanguera, Especialista em Direito de Família e das Sucessões pela Escola Paulista de Direito e graduado pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Contato: [email protected].