O encarceramento feminino e a sistemática violação aos direitos fundamentais

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Resumo:


  • As mulheres encarceradas enfrentam condições desumanas nos presídios, com violações sistemáticas dos direitos fundamentais, particularmente grávidas, lactantes e transgêneros.

  • Apesar das leis e garantias constitucionais, a realidade prisional feminina é marcada pela falta de políticas públicas eficazes, infraestrutura inadequada e atendimento de saúde precário.

  • O sistema prisional brasileiro falha em prover condições dignas e segurança para mulheres, especialmente aquelas com filhos, e não contribui efetivamente para a ressocialização das detentas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente trabalho busca transparecer todos os conflitos enfrentados pelas mulheres nos presídios femininos, principalmente por mulheres grávidas, lactantes e transgêneros, expondo dados quantitativos acerca da situação desse grupo de detentas.

Resumo: O presente trabalho visa elucidar todos os conflitos enfrentados pelas mulheres nos presídios femininos, especialmente por aquelas que estão grávidas, lactantes e são transgêneros. Ele expõe dados quantitativos sobre a situação desse grupo de detentas, além de analisar a completa falta de empatia em relação às presidiárias que sofrem violações sistemáticas de seus direitos fundamentais, conforme previsto no art. 5º da Constituição Federal. Também examinamos as políticas públicas existentes para acesso à saúde das mulheres encarceradas, levando em consideração o atendimento básico de saúde fornecido pelo Estado. Dessa forma, demonstramos os efeitos prejudiciais, tanto morais quanto psicológicos, causados a elas, o que resulta em falta de esperança e insegurança jurídica.

Palavras-chave: Mulheres, conflitos, empatia, políticas públicas de saúde.


INTRODUÇÃO

Segundo o INFOPEN de dezembro de 2019, o encarceramento feminino está aumentando. Desde 2016, houve uma queda na quantidade de mulheres presas, nesse período chegaram a ser 41 mil mulheres. Em 2018, de acordo com o Relatório Nacional do Levantamento de Informações Nacional, foram contabilizadas 36,4 mil mulheres e, em dezembro de 2019, aumentou para 37,2 mil mulheres presas. (disponível em: https://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal).

Portanto, torna-se um assunto de extrema relevância na sociedade brasileira, visto que estamos lidando com vidas.

Vemos nossa Constituição sendo rasgada quando adentramos em um presídio, especialmente quando tratamos do presídio feminino, onde são jogadas e esquecidas por todos os poderes do Estado. Mulheres que muitas vezes são deixadas grávidas, sem nenhuma assistência médica pré-natal, o que é de extrema importância.

A problemática exposta é complexa e economicamente custosa, porém de importância vital aos olhos da sociedade, uma vez que, ao conseguirem sua liberdade de volta, essas mulheres possam se inserir no mercado de trabalho e obter uma vida mais benéfica, para não verem novamente no crime sua única saída.

Para tanto, será feita uma breve análise histórica e evolutiva do encarceramento feminino, bem como seu surgimento e progresso até o presente momento, esboçando a perspectiva da sociedade perante a criminalidade.

É explícita a discrepância social dessas apenadas, podendo-se visualizar em que condições vivem, como mostra o trecho a seguir:

O perfil da mulher presidiária no Brasil é o da mulher com filho, sem estudo formal ou com pouco estudo na escola elementar, pertencente à camada financeiramente hipossuficiente e que, na época do crime, encontrava-se desempregada ou subempregada. Em geral, 20.756 das mulheres criminosas são negras ou pardas, enquanto apenas 9.318 são brancas (MACEDO, 2010), num universo em que a população negra ou parda é de 91 e a branca de 92 milhões de pessoas, no Brasil. (SEADE, 2011).


1. DA HISTÓRIA DO ENCARCERAMENTO

A sociedade, por si só, se encontra em conflito desde sua criação. Com isso, o Direito surgiu como base para uma sociedade madura e pensante, sendo usado para o controle da população e como forma de prevenção, ou seja, para criminalizar e punir comportamentos não aceitos na sociedade. Essa punição é subjetiva e aplicada de formas diferentes de acordo com as sociedades em que se encontram.

Ao colocarmos em prática alguns códigos criados desde os primórdios da sociedade, como a Lei de Talião na Mesopotâmia, o Código de Manu na China, o Avesta na Pérsia, entre outros, podemos perceber como as punições eram aplicadas de acordo com as normas e valores de cada cultura.

Ao trazermos essa reflexão para o presente, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, buscamos entender como tais punições influenciaram as penitenciárias femininas.

Na década de 1940/1941 na cidade de São Paulo, em meio ao processo de formação da metrópole paulistana, fora sediada a primeira penitenciária feminina no Brasil, permanecendo por mais de três décadas sob a coordenação de um grupo religioso, chamado de Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor.

(PAIXÃO, 2017, disponível na revista USP: https://paineira.usp.br/aun/index.php/2017/10/02/primeira-penitenciaria-feminina-do-brasil-era-administrada-pela-igreja-catolica/).

As detentas do local eram designadas a realizar tarefas "domésticas", como lavar, passar, cozinhar, limpar e afins, sendo também incentivadas a realizar trabalhos manuais, costura, artesanato e bordados como forma de punição para que não repetissem os crimes cometidos. No entanto, esses trabalhos eram vistos como forma de lazer entre as detentas.

No início da década de 1940, eram apenas 7 mulheres. Com o tempo, novas penitenciárias femininas foram surgindo em todo o território brasileiro, sendo a primeira norma legal determinada pelo Código Penal e pelo Código de Processo Penal, ambos de 1940, e pela Lei das Contravenções Penais, de 1941. Desta forma, no 2º parágrafo do Art. 29. do Código Penal de 1940, foi determinado que "as mulheres cumpram pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção adequada de penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno".

Com o passar dos anos, a criminalidade feminina aumentou. A maioria das presas havia sido incentivada a ingressar no tráfico de drogas por seus companheiros, ou também devido à condição precária em que se encontravam. É importante salientar que a maioria delas possuía filhos menores para cuidar, eram analfabetas e não haviam completado nem mesmo o ensino básico, além de serem majoritariamente negras ou mestiças.

Assim, a maioria dos estabelecimentos penais passou a ser mista, contando com áreas masculina e feminina, adaptadas com alas e celas para mulheres. No entanto, não há qualquer tipo de tratamento voltado para a ressocialização das detentas como havia antigamente, e também não existem creches ou berçários para seus filhos, demonstrando assim uma falha no sistema prisional feminino brasileiro que fere o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual trata de resguardar os direitos que devem ser preservados, conforme versa o inciso III da CF/88:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:

III – a dignidade da pessoa humana.

A percepção histórica do aprisionamento feminino no Brasil é influenciada por dogmas religiosos e morais, sendo estes pautados pela religiosidade e, principalmente, pelo machismo enraizado na sociedade. Lemos de Brito foi o desenvolvedor da entidade prisional feminina, sendo autor de uma série de obras sobre o sistema prisional, conforme citado no livro de Soares e Ilgenfritz:

Lemos de Brito foi encarregado, no começo de 1923, pelo então ministro da Justiça João Alves, a elaborar um projeto de reforma penitenciária. Para tanto, percorreu o país visitando todas as prisões e ofereceu um plano geral, em 1924, no qual aconselhou a União a construir um “reformatório especial” (em pavilhão completamente isolado) não somente para as mulheres condenadas há mais de três anos do Distrito Federal, mas às que forem remetidas pelos estados. Cabe observar que Lemos de Brito não sugeriu a construção de uma prisão nos moldes tradicionais da época, ou seja, não se pautou pelo modelo das prisões masculinas. Ele propôs, ao invés disso, a construção de um reformatório especial, com o que indicava a necessidade de um tratamento específico para a mulher por parte do Sistema Penitenciário.

(SOARES E ILGENFRITZ, 2002, p. 53).

Essa estruturação foi feita com o intuito de separar homens e mulheres, buscando apenas o bom convívio no presídio e não o bem-estar daqueles que ali residiam. A sociedade machista moldou o caráter da pena dessas mulheres, caracterizando essas prisões muito mais por um juízo moral e religioso do que com o intuito de reabilitá-las para a vida em sociedade.


2. DIGNIDADE HUMANA DA MULHER ENCARCERADA

O direito à dignidade da pessoa humana é a “[...] qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo, ser criada, concedida ou retirada. É reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente” (MODESTI, 2013, p. 65).

A dignidade humana, em decorrência dos direitos humanos, é nada mais que a proteção mais aclamada no sistema prisional, vez que:

“tal princípio impõe respeito aos direitos humanos, no que se refere a mulher encarcerada, limitando o poder estatal, utilizando meios que respeitem o ser humano e não flagrantes violações aos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos”

(MODESTI, 2013, p. 62).

A grande calamidade do Estado brasileiro é, sem dúvida, o sistema prisional, principalmente quando analisados os dados referentes às mulheres encarceradas e a violação da sua dignidade. Não há como esperar classificação diversa quando se tem, em níveis mundiais, a quarta maior população carcerária feminina, contando com aproximadamente 42.355 presas e quando se ocupa a posição de terceiro país que mais prende mulheres.

Esse fator evidencia o problema estrutural, funcional e jurídico do sistema, o qual necessita de atenção do poder público para ser amenizado. Estrutural, porque as celas onde ficam as presas, em sua maioria, são predominantemente escuras, sem acesso à luz solar, úmidas e com pouca ventilação, fator que facilita a disseminação de doenças, principalmente as infecciosas e virais. Funcional, pela falta de servidores para atender à demanda de serviços de segurança. Jurídico, pois as condições de vida dentro da prisão violam, diretamente, os direitos fundamentais das presas.

As mulheres encarceradas acabam sendo expostas a essas condições e riscos desumanos. O clima existente nas prisões é de superlotação e ociosidade que, acrescidas da falta de água, luz e local apropriado para fazer as necessidades biológicas, obrigam as presas a conviverem com lama, fezes, ratos e outras presas. A atenção à dignidade da mulher presa compreende-se no respeito, reconhecimento e proteção; é preciso compreender que a presa não está privada da sua dignidade, apenas está da sua liberdade e, por esta condição, precisa de proteção e garantias. A proteção nestes casos deve emanar diretamente do poder público, contudo é manifesta a inexistência específica de “[...] políticas públicas que levem em conta a mulher encarcerada como sujeito de direitos inerentes à sua condição de pessoa humana e, particularmente às suas especificidades, advindas da questão de gênero” (MODESTI, 2013, p. 211).


3. DO SISTEMA PRISIONAL NO CUMPRIMENTO DE PENA FEMININO

Os primeiros registros de crimes femininos surgiram por volta do século XI, quando se acreditava que seriam criminosas as mulheres que praticavam bruxaria e prostituição. Na época, isso era visto como algo oposto ao papel da mulher, que era dedicar-se à família, ao lar e ser submissa ao marido. Ao longo dos anos, foi se delineando o perfil social da mulher apenada, encontrando-se a maior parte delas com baixo nível de estudo, desempregadas, de baixo status socioeconômico, separadas ou solteiras, além de serem chantageadas e submetidas a assumir os crimes de seus parceiros no tráfico de drogas (Levantamento de informações penitenciárias – INFOPEN MULHERES, 2014).

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No Brasil, atualmente existem três tipos de penas dispostas em seu artigo 59 do Código Penal: pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos e multa. Cada uma é aplicada de acordo com a particularidade de cada crime cometido, desde os mais brandos até os hediondos, com seus regimes: fechado, aberto e semiaberto. Todos consistem em disciplinas e regras, tanto para homens quanto para mulheres, cada um com suas peculiaridades na aplicação adequada. Com o tempo e o comportamento, a pessoa pode receber a benesse ou o malefício da mudança de regime, seja para melhorar ou piorar sua condição.

Com base nos dados do INFOPEN de junho de 2014, a análise demonstra que a maioria das apenadas está em regimes fechados. Em 2014, havia 11.269 mulheres custodiadas no sistema prisional brasileiro sem condenação, o que equivale a 3 em cada 10 mulheres presas. Embora seja alta essa participação, é sensivelmente menor do que a taxa nacional de pessoas privadas de liberdade sem condenação, que atinge a marca de 41%. A maioria das mulheres (45%) estava cumprindo pena em regime fechado.

Salienta-se que a figura dispõe de um percentual de mulheres presas quanto à natureza da prisão e ao tipo de regime.

Mulheres privadas de liberdade por natureza da prisão e tipo de regime de junho de 2014.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

Como mencionado, a maioria das mulheres encarceradas é composta por solteiras, muitas das quais assumem o risco de cometer atos ilícitos na tentativa de melhorar suas condições de vida. Sentem-se obrigadas a isso por serem mães solteiras, em sua maioria negras e com baixa escolaridade. Elas veem no mundo do crime e no dinheiro fácil o caminho mais rápido e viável para alcançar uma vida que consideram digna.

Os dados do INFOPEN fornecem uma minuciosa distribuição das características dos crimes cometidos por estado civil.

Distribuição por estado civil dos crimes tentados/consumados entre os registros das pessoas privadas de liberdade de junho de 2014.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

Distribuição por gênero dos crimes tentados/consumados entre os registros das pessoas privadas de liberdade de junho de 2014.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

Para tanto, não houve uma estruturação do sistema prisional, e nem uma preocupação com a mulher apenada e nem para com a família.

Segundo Aramis Nassif, o legislador da reforma penal de 1984:

na realidade, garantiu um tratamento diferenciado para a mulher que parecia viável e socialmente adequado ao seu momento histórico. A mulher, desta época, mantinha a quase exclusividade das lides domésticas e, especialmente, do cuidado e criação dos filhos, enquanto ao homem era reservada a função de mantedor e provedor do lar. Contudo, atualmente tem-se a participação em grande número de mulheres na criminalidade.

(NASSIF, 2005, p. 93).


4. DO PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA

O perfil dessas mulheres encarceradas abrange diversos aspectos, permitindo uma compreensão de sua vulnerabilidade social e destacando suas origens conturbadas. A imagem a seguir mostra a faixa etária das presidiárias, que varia de 18 anos a mais de 70 anos, revelando o preocupante índice de 50% de mulheres com idades entre 18 e 29 anos, que constituem a maioria nos presídios.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

As jovens entre 18 e 34 anos são predominantes no infográfico, o que evidencia a vulnerabilidade dessas mulheres no contexto da criminalidade, considerando que muitas delas estariam ingressando no mercado de trabalho nesse período.

O gráfico a seguir diz respeito à raça, cor ou etnia, destacando a população negra, que representa uma maioria esmagadora de 68%, ou seja, duas em cada três presas são negras.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

Segundo o estudo do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITCC) de 2019, intitulado "Mulheres em Prisão: Enfrentando a (In)visibilidade das Mulheres Submetidas à Justiça Criminal", há uma evidência de encarceramento seletivo. De acordo com os dados, 68% das mulheres encarceradas são negras, 57% são solteiras, 50% têm apenas o ensino fundamental e 50% têm entre 18 e 29 anos.

Além disso, destaca-se outro estudo importante, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN Mulheres), que:

“entre 2000 e 2014, a população carcerária feminina cresceu 567,4%, no Brasil. O ITCC afirma que essas mulheres, que estão à espera de julgamento ou estão condenadas, têm seus direitos violados diariamente e vive uma vida dolorosa, pois, além de estarem excluídas da sociedade, sofrem por estarem longe dos filhos e familiares”.

Sabe-se que o perfil da mulher presa brasileira, em geral, é de uma mulher jovem, solteira, com pouca ou baixa escolaridade, afrodescendente e com filhos, que se envolveu no tráfico de drogas (INFOPEN, 2012).

Quanto ao nível de escolaridade dessas aprisionadas, é bastante inferior ao da população brasileira, reafirmando ainda mais a situação de risco em que se encontram.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

4.1. Das grávidas

Diante da breve análise dos tópicos anteriores, podemos observar que a problemática dos presídios femininos para as detentas se destaca por serem frequentemente esquecidas e isoladas pelos membros de suas próprias famílias, ignoradas pelo sistema judiciário e menosprezadas pela sociedade. Além disso, as gestantes sofrem consideravelmente com as deficiências do sistema carcerário e a violação de seus direitos humanos.

De acordo com um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgado em janeiro de 2018 no jornal “O Globo”, cerca de 662 mulheres estão grávidas ou amamentando na prisão. Dos dados referentes a 31 de dezembro de 2017, 373 estavam grávidas e 249 amamentavam seus filhos em um ambiente inadequado, muitas vezes sem assistência médica adequada e em condições de saúde precárias.

Desde a gestação, as mulheres e seus filhos têm seus direitos violados, pois não há locais apropriados dentro das prisões para manter um recém-nascido ou uma criança em um ambiente acolhedor e saudável, conforme todos os cidadãos merecem. Dentro dos presídios, há relatos das próprias detentas sobre o funcionamento do sistema:

"Fui presa no sábado, grávida ainda. Quando cheguei à delegacia, já estava com dor. Dormi lá no chão. Com o nervosismo por estar naquele lugar, no fedor, com bichos, só piorou. Acabei entrando em trabalho de parto com ele. Pediram para eu ter calma, não ter filho naquela hora".

Essa é a história de Jéssica Monteiro, de 24 anos, acusada de tráfico de drogas após a Polícia Militar invadir a ocupação onde vivia e encontrar 90g de maconha. Foi detida mesmo prestes a completar o nono mês de gestação e entrou em trabalho de parto na delegacia na mesma madrugada. Após ser levada ao hospital, voltou para a cela suja junto ao seu recém-nascido, o pequeno Enrico. (JULIA DOLCE, Brasil De Fato).

É importante ressaltar que esse relato, que expõe de maneira tão cruel e desumana a ré, motivou o Supremo Tribunal Federal a uma decisão histórica. Presas gestantes, com filhos de até 12 anos ou com deficiência sob guarda, passaram a ter o direito de ingressar com Habeas Corpus coletivo para converter suas prisões provisórias em prisão domiciliar.

Com base na Lei de Execução Penal, as mulheres grávidas terão seus direitos assegurados, como expresso nas seguintes palavras:

A lei da Execução Penal de n° 7.210 de 11 de julho de 1984 dispõe em seu artigo 14 § 3°, será assegurada para as detentas acompanhamento médico na gestação durante o pré-natal e também ao pós-parto, e extensivo ao recém-nascido.

Porém, a realidade não corresponde a essa premissa. No Brasil, o sistema prisional é relativamente atrasado e apresenta inúmeras falhas, violando constantemente a dignidade da pessoa humana. As penitenciárias não conseguem comportar as detentas de maneira adequada; frequentemente faltam diversos itens essenciais, principalmente de higiene, como absorventes e métodos contraceptivos. Além disso, há escassez de médicos especializados em ginecologia e obstetrícia, necessários para um acompanhamento adequado das mulheres, especialmente das gestantes e lactantes.

De acordo com os dados do INFOPEN de 2014, a situação das gestantes nos presídios brasileiros é preocupante. Apenas 34% das gestantes em unidades femininas têm celas adequadas, enquanto em unidades mistas esse número é ainda menor, apenas 6%.

Fonte: Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional / Ministério da Justiça.

Ou seja, diante da quantidade de detentas grávidas no Brasil, o sistema prisional mostra-se ineficiente e defasado para abrigá-las, deixando-as em situações vulneráveis e totalmente expostas a riscos, tanto para elas quanto para seus filhos.

4.2. Das lactantes

Se já não bastasse toda a problemática envolvendo o encarceramento feminino, temos mulheres que sofrem ainda mais com o degradante tratamento. Além de suportarem o ambiente insalubre, esse fardo se torna ainda mais pesado após a gravidez.

A Carta Magna, em seu art. 5º, inciso L, aborda o tema da amamentação, garantindo que as detentas possam permanecer com seus filhos durante o período. O inciso XLV do art. 5º da CF também tem uma forte ligação com a maternidade no cárcere, visto que institui o princípio da pessoalidade, afirmando que a pena “não pode passar da pessoa do condenado”.

A Lei n° 7.210/84, mais conhecida como Lei de Execução Penal, em seu art. 83, §2°, estabelece que “os estabelecimentos penais femininos devem contar com berçário em sua estrutura para que as mulheres possam amamentar e conviver com seus filhos pequenos até, no mínimo, os seis meses de idade”. Estipulando, assim, um tempo de permanência do recém-nascido na prisão, sendo este de seis meses.

Tal assunto é reiterado no art. 89. da LEP, onde estão expressos os seguintes dizeres:

“Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa”.

Concluímos que o leite materno é o alimento primordial para o crescimento e desenvolvimento de uma criança, sendo também por meio da amamentação que se efetiva o vínculo entre mãe e filho.

O direito de amamentar é aplicável à mulher em qualquer situação, mesmo quando privada de sua liberdade. Para assegurar essa possibilidade, existe o arcabouço jurídico constitucional e infraconstitucional que preza pela efetividade dessa ação, embora a realidade demonstre incoerência quanto à garantia das condições adequadas para a amamentação digna no sistema prisional.

Sobre os autores
Lorran Nicolas Pires dos Santos

Estudando de Direito no Centro Universitário UNA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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