Introdução
O abandono de incapaz, qualificado como crime pelo Código Penal, artigo 133, segundo Guilherme Jubran (2012), não se aplica apenas às crianças, mas para qualquer pessoa que precise de cuidados de terceiros. Sendo a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e a vida como direito e garantia fundamentais, ambos previstos na Constituição Federal de 1988, quais os problemas que agravam e propiciam o abandono de incapaz? Considerando que os motivos podem advir do passado familiar, para Guilherme de Souza Nucci “o abandono teria derivado do problema social” (NUCCI, Guilherme de Souza, 2010, p.487). Justifica-se o trabalho a partir de uma visão mais ampla dos aspectos legislativos, analisando-se os valores humanos que se faz na conduta.
O Objetivo geral permeia o abandono de incapaz a partir da legislação e como objetivo especifico a partir de um principio fundamental, a garantia de que a vitima será protegida pela lei faz se um paralelo ao que está definido no artigo 133 do Código Penal-Decreto Lei 2848/40 junto ao artigo 249 do Estatuto do Idoso Lei 10.741/2003. A metodologia utilizada será a bibliográfica analisando a legislação e o método dedutivo através de pesquisas realizadas em livros e artigos científicos.
Nessa perspectiva o trabalho será composto por uma breve explicação sobre os aspectos evolutivos da lei, bem como discussões a respeito de valores humanos e as situações que acarretam esse tipo de comportamento.
Desenvolvimento
O primeiro Código Penal chamado de Código Criminal de 1830 não trazia qualquer punição ao crime de abandono de incapaz. Só no Código Penal de 1890 chamado de Código Penal dos Estados Unidos do Brasil passou a ser delimitado como crime abandono de incapaz onde descreve no artigo 292:
Expor, ou abandonar, infante menor de 7 annos, nas ruas, praças, jardins publicos, adros, cemiterios, vestibulos de edificios ou particulares, emfim em qualquer logar, onde por falta de auxilio e cuidados, de que necessite a victima, corra perigo sua vida ou tenha logar a morte. (BRASIL,1890)
A pena poderia ser de seis meses a um ano
§ 1º “Si for em logar ermo o abandono, e, por effeito deste, perigar a vida, ou tiver logar a morte do menor ” (BRASIL,1890).
Trazia ainda no Código de 1890:
§ 2º “Si for autor do crime, o pae ou mãe, ou pessoa encarregada da guarda do menor, soffrerá igual pena com augmento da terça parte.” (BRASIL,1890)
Aqui a pena atingiria de um a quatro anos cumprindo a pena em penitenciária.
Em relação a Consolidação das Leis Penais de 1932,dos crimes contra menores destaca-se o artigo 292,inciso I:
Expôr a perigo de morte ou de grave e immi- ,nente damno á saude ou ao corpo, ou abandonar, ou deixar ao desamparo, menor de idade inferior a sete annos, que esteja sulbmettido á sua autoridade, confiado á sua guarda ou entregue aos seus cuidados (BRASIL,1932,P.92)
Difunde-se em aumento de pena em um terço:
a) si o abandono occorrer em Iogar ermo;
b) si o crime fôr commettido pelos paes em damno ,dos fi'lbos, legitimos ou reconhecidos, ou legalmente declarados, ou pelo adoptante em damno do filho adoptivo, ou pelo tutor em damno do pupillo. (BRASIL,1932,P.92)
Com o Código Penal de 1940 que é o Código utilizado nos dias atuais refere-se sobre abandono de incapaz artigo 133:
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender –se dos riscos resultantes do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.(BRASIL,1940,p 54)
“O crime de abandono de incapaz, segundo sua classificação doutrinaria é classificado como crime próprio [...]”(JUNIOR,SOUSA E SOUZA,2017,online)
Conforme dito no artigo 227 da Constituição Federal:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, p 132)
O crime de abandono de incapaz tem por sua vez resguardar a proteção das pessoas que estão sob autoridade do responsável, tendo por elas a devida assistência, defendendo de riscos ao desamparo. Vale ressaltar que não são apenas crianças que necessitam de cuidados, mas também idosos, os incapazes mentalmente, deficientes físicos que esteja sob cuidados de guarda,vigilância ou outras pessoas sendo “O bem jurídico protegido é a vida e a saúde da pessoa”(NUCCI,Guilherme de Souza,2016)
Logo, a jurisprudência se diz que sustenta se o crime de abandono de incapaz não apenas pelos pais, mas também a pessoa que ficou responsável em cuidar da criança, idoso ou incapaz, ainda, há de se falar dos outros tipos de abandono:
“há o intelectual, no qual os pais privam o filho de ir para a escola; o moral,que é quando o pai sabe quem é seu filho, mas ignora sua existência inclusive no sentido afetivo (o mesmo vale na relação entre filhos e pais, para idosos); e o material, caracterizado quando o considerado "incapaz" não tem condições materiais de subsistência”.
(VIANNA, Mariana, 2016,online).
Quando se fala de abandono de incapaz remete apenas aos pais que abandonam seus filhos,mas na realidade que estamos conectado há muitos casos de filhos que abandonam seus pais idosos,por ter que dar atenção especial,é o exemplo do Pedro Paulo de Almeida Sena idoso de 62 anos que morava sozinho numa casa sem as mínimas condições de higiene em Cuiabá,onde um dos filhos morava próximo a casa o idoso se encontrava em total classe de abandono e dependia da água da chuva para conseguir matar a sede e tomar banho(2016).
Para Jaqueline Cherulli, juíza da Terceira Vara Especializada de Família e Sucessões de Várzea Grande, além de estar amparado no Código penal, ainda esta previsto na Lei Do Idoso onde diz que quando os pais estiverem sozinhos, é dever dos filhos cuidar. Ela ainda afirma que se a família não tiver condições de manter o idoso, pode recorrer a algum órgão competente. (2016)
A Lei do Idoso n °10.741, de 1º de outubro de 2003 em seu artigo 2° diz:
O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2003, p. 15)
Nem sempre o idoso recebe a atenção possível, já que quando completa sessenta anos volta a ser “assistido” em termos de cuidados e proteção, pois os filhos que convivem juntos muitas vezes, não cuidam conforme o necessário e acabam deixando em situações precárias, embora chegue a casos que o idoso é agredido sofrendo maus tratos. Por mais que esteja na lei que o idoso tem os direitos fundamentais como saúde, ainda há maneiras de que o agressor não seja denunciado, muitas vezes o que falta é o bom senso da pessoa cuidadora. Ainda sobre o Estatuto Do Idoso, artigo 98 para a classe de abandono criou uma nova face:
"Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado.
Pena — detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa".(BRASIL,2003,p. 35)
Assim como previsto na Constituição Federal, a dignidade humana como principio fundamental, deixa a desejar em relação ao crime de abandono de incapaz, pois “os direitos humanos fundados na dignidade humana abrem, por sua vez, o caminho para a realização integral das pessoas [...], desta forma, cultivam o bem comum” (PERETTI, 2014, p.796).
Dentre as causas que propiciam está relacionada a motivos familiares que começa com brigas e separações de casais, a perca de alguma familiar, mas também entra alguns fatores sociais como, por exemplo, drogas e pobreza. Pode se dizer que atualmente o grande responsável é a falta de amor e empatia com o próximo,ou seja aquele que cuida,que vigia ou tem a guarda sobre o incapaz tem o dever de ter o afeto e carinho necessário.
Conclusão
Acerca dos fatos expostos pode se concluir a evolução da lei em relação ao crime abandono de incapaz sendo que nenhum ser humano pode estar à frente de não ter seus devidos cuidados e proteção, muito menos quando se torna incapaz de se defender de riscos e atos que despreze. Caracterizando abandono como algo que deixe de ser assistido, impossibilitado de se cuidar por si mesmo, a pessoa que fica sujeita de repassar a autoridade deve ter responsabilidade e a devida assistência quando necessário, caso contrário previsto no Código Penal, artigo 133 a devida punição quando se fizer o ato infracionário. No caso dos idosos, a lei do Estatuto do Idoso fará a proteção cabível, resguardando todos os seus direitos também previstos na Constituição Federal.
Referências Bibliográficas
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VIANNA, Mariana. Abandono de incapaz é crime. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/noticias/na-midia/11210/Abandono+de+incapaz+%C3%A9+crime>. Acesso em: 26 mai. 2019.
JUNIOR, José Ronaldo Morais Melo Junior ; SOUSA,Vitoria Regia Teixeira de; SOUZA,Marianne Mesquita de. O abandono de incapaz e a ação de proteção prevista no Código Penal Brasileiro. Jus.com.br.Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61502/o-abandono-de-incapaz-e-a-acao-de-protecao-prevista-no-codigo-penal-brasileiro> Acesso em: 26 mai. 2019.
PERETTI, Clélia.Dignidade, direitos humanos e cidadania na perspectiva da doutrina social e de Hannah Arendt. Revista Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral,2014, 6 (Setembro-Dezembro). Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=449748254004> Acesso em 26 mai.2019.
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JUBRAN, Guilherme. Advogado explica a lei que trata sobre abandono de incapaz.Disponível em: <https://g1.globo.com/sao-paulo/itapetininga-regiao/noticia/2012/08/advogado-explica-lei-que-trata-sobre-abandono-de-incapaz.html>. Acesso em: 26 mai.2019.