INTRODUÇÃO
Este trabalho possui como objetivo, analisar a instituição familiar no ordenamento jurídico brasileiro e sua atual evolução em nossa sociedade com o passar dos anos sobre a ótica da legislação vigente em especial o código civil 2002, a constituição da república federativa do Brasil de 1988, e jurisprudências, com atenção a ADPF 132 e a ADI 4277.
Pretende-se ainda trazer a título de conhecimento geral os princípios jurídicos que hodiernamente estão relacionados ao direito das famílias em especial o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da afetividade que possuem como base dotar cada indivíduo membro de uma relação familiar em igualdade de direitos e deveres trazendo no contexto sócio jurídico atual, harmonia e cooperação social.
Por fim, cabe ressaltar que o ser humano como ser gregário não vive isoladamente, tendo a família como primeiro pilar de convivência social e agente importante para socialização do ser humano em constante formação e adaptação.
Assim sendo, não há dúvidas que a sociedade vem transformando- se ao longo dos tempos, cabendo ao contexto jurídico regular estas transformações com o objetivo de facilitar à convivência e buscar de modo efetivo a justiça social, estes fatos irão justificar a relevância deste estudo no âmbito jurídico.
1 FAMÍLIA
A palavra família curiosamente deriva do latim famulus e quer dizer grupo de escravos ou servos pertencentes a um mesmo patrão. É importante salientar que o objeto de estudo do tema família pode originar diversas compreensões, para as distintas áreas relacionadas ao conhecimento das ciências humanas, como por exemplo: a Sociologia, a Antropologia e o Direito.
No entanto, para fins deste trabalho iremos analisar a família em seu âmbito jurídico, sendo relevante explicitar que a legislação pátria não consolida um conceito definido de família.
Alguns doutrinadores buscam elucidar o conceito de família, dentre eles Carlos Roberto Gonçalves, que define família como:
todas as pessoas ligadas por vinculo de sangue e que procedem, portanto de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, parentes e afins.[1]
Já para Silvio Salvo Venosa:
a família em um conceito amplo é o conjunto de pessoas unida por vinculo jurídico de natureza familiar ...em conceito restrito compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder.[2]
Segundo Maria Helena Diniz, a família pode ser definida como:
no sentido amplíssimo como todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole.[3]
Por fim, para objetivo desse trabalho ficamos com a visão de Maria Berenice que diz:
“A família é o primeiro agente socializador do ser humano.”[4]
Desta forma, afirma-se que o Direito de Família é um ramo do direito civil que busca regular, as relações existentes entre as diversas formas de família na atualidade, tratando também das garantias individuais de cada membro envolvido em uma relação familiar.
Atualmente, no campo da legislação temos a Constituição Federal de 1988 que especificamente no caput do artigo 226 afirma que:
“A família, a base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”[5]
No entanto, é mister salientar que nem sempre foi assim, observa-se que o Código Civil de 1916 mantinham disposições que em linhas gerais que não coadunam com as normas promulgadas na constituição federal de 1988 acerca de família. Por exemplo, temos o princípio da igualdade entre homens e mulheres nas relações conjugais admitido em nossa atual carta magnas enquanto aquela codificação possuía distinções entre os sexos.
Quando passamos a analisar as leis infraconstitucionais, observamos o Código Civil de 2002 possui como cerne regrar o direito de família, com a normatização inicial para a constituição das famílias. Assim como as capacidades para o casamento e sua celebração, os impedimentos relacionados também ao casamento incluindo suas causas de suspensão e invalidade dentre outros. O diploma legal regula também as relações advindas de união estável e de parentesco.
Nessa análise, o atual Código Civil harmonizou as legislações vigentes, adequando o texto legal a previsão constitucional da atualidade. Sendo ainda, válido comentar que a declaração universal dos direitos do homem, promulgada em 10 de dezembro de 1948 já tratava do tema família como fundamental instrumento de proteção de direitos e deveres jurídicos e pilar da sociedade ao estabelecer que:
“A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e do estado.”[6]
Destarte, verifica-se a importância da relação entre sociedade, família e Estado, havendo a necessidade da intervenção jurídica para agir com ingerência nas questões familiares em nosso meio social.
Contudo, deve ser considerado que a família é uma instituição que está em constante mutação na conjuntura social na atualidade.
Outrossim, as relações sociais familiares são norteadas por viés integradores da sociedade contemporânea. Em vista disso, elucida Maria Berenice Dias:
O legislador não consegue acompanhar a realidade social nem comtemplar as inquietações da família contemporânea. A sociedade evolui, transforma-se, rompe com as tradições e amarras, o que gera a necessidade de constante oxigenação das leis.[7]
Por essa razão, ao iniciarmos o estudo do Direito de Família é fundamental delinear alguns aspectos históricos oriundos da família na Antiguidade. Para possibilitar o entendimento da família enquanto agente jurídico socializador e transformador em nosso atual meio social.
1.1 A Origem das famílias (meandros históricos):
É valido ressaltar, que a família indiscutivelmente, vem ganhando novas nuances ao longo dos tempos.
Por essa razão, é mister uma breve análise da origem das famílias antes de partir para um estudo jurídico efetivo do tema.
Historicamente, afirma-se que antes da organização do ser humano em comunidades, já era constituída como um primeiro ideal de família um grupo de pessoas associadas por meio de um ancestral comum, ou pela ideia de matrimônio. Assim sendo, os membros de uma família era imposto o cumprimento de obrigações entre si, tendo como principal “gestor” o patriarca (de linhagem masculina) que tinha como objetivo, preservar uma identidade cultural e patrimonial de seu grupo.
Surgia-se então como um primeiro modelo de estrutura familiar, a figura dos clãs que cresceram devido a avanços populacionais e territoriais. A estrutura familiar em conjunto, formaram as primeiras tribos, que nada mais eram do que uma comunidade (grupos sociais) composta por seus descendentes. Assim surge o primeiro paradigma de família, com forte influência do pátrio poder (poder familiar essencialmente masculino) e não sendo essencialmente monogâmico.
Nesse momento, brota o termo “família” que como inicialmente abordado, possui origem no latim e significa “grupo de servos ou escravos pertencentes a um mesmo patrão”.
No âmbito Jurídico, a família foi a instituição que mais passou por transformações devido à natureza humana mutável, por exemplo na família grega com o nascimento o homem tornava-se instintivamente membro de uma entidade familiar.
Já na família romana, o nascimento fazia com que o filho se tornasse propriedade do pai. Isto ocorria, pois a família sob a égide do direito romano era embasada no princípio da autoridade. Neste contexto, o próprio pai exercia sobre seu filho direito de morte e de vida, tendo inclusive direitos de propriedade ao seu rebento, podendo assim vendê-lo como escravo e até aplicar lhe castigos de cunho físico. Neste aspecto, era forte a existência do pátrio poder, que representava o pai responsável por gerir todas as atividades ligadas à instituição familiar e a mulher enquanto esposa como subordinada da autoridade do marido. Assim, sobre o pátrio poder romano, esclarece Caio Mário da Silva Pereira:
O pater, era ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comanda, oficiava o culto dos deuses domésticos (penates) e distribuía justiça. Exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis), podia impor-lhes pena corporal, vendê-los, tirar-lhes a vida. A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à autoridade marital (in manumaritari), nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade; não tinha direitos próprios, era atingida por capitis demintuiopérpetua que se justificava proptersexusinfirmitatem et ingnoratiamrerumforensium. Podia ser repudiada por ato unilateral do marido.[8]
Não obstante, com os préstimos do imperador Constantino o direito romano passou por algumas transformações, e na ordem familiar instalou-se a concepção cristã da família, que gerou uma diminuição do poder do pater sobre os demais membros da família, permitindo que a mulher e os filhos se tornassem mais independentes e menos subordinados.
A igreja passou a ter maior papel naquela sociedade e legislando através das regras cânones, originarias do Estado, tendo como arcabouço o Direito Canônico. Deste modo, ensina ainda Caio Mário da silva pereira:
Mas, com o tempo, arrefeceram estas regras anteverás: conheceu-se o casamento sinemanu; as necessidades militares estimularam a criação de um patrimônio independente para os filhos, constituídos pelos bens adquiridos como soldado (peculium castrense), pelos que granjeavam no exercício de atividades intelectuais, artísticas ou funcionais (peculium quase) e pelos que lhe vinham por formas diversas desses (peculiumadventicium).[9]
Ressalta-se que o modelo histórico de família Brasileiro está em transformação e ao longo da história, sofreu diversas influencias do direito romano e direito canônico. Neste contexto, no Brasil a origem da sociedade a partir do século XIX era majoritariamente rural e patriarcal. Por esse motivo, os códigos elaborados nesta época para gerir a respeito de família, traziam em seu regulamento a família constituída sob a ótica cristã, sendo esta formada unicamente por um modelo patriarcal, hierarquizado e trazendo como pilar base para a formação familiar somente o casamento. Foi o código civil de 1916 consequência daquela época. A colonização lusa pode ter sido uma das principais bases para ingerência do direito romano e canônico no brasil.
Contudo, a partir da metade do século, aos poucos o legislador vai mudando sua mentalidade. De acordo com o que preceitua venosa:
No direito brasileiro, a partir da metade do século XX, paulatinamente, o legislador foi vencendo barreiras e resistências, atribuindo direitos aos filhos ilegítimos e tornando a mulher plenamente capaz, até o ponto culminante que representou a Constituição de 1988, que não mais distingue a origem da filiação, equiparando os direitos dos filhos, nem mais considera a preponderância do varão na sociedade conjugal.[10]
Por fim, é considerado de grande avanço a evolução da família no Brasil que teve como forte sustentáculo a constituição federal de 1988 e posteriormente o código civil de 2002.
1.2 Breve dinâmica das famílias no código civil de 2002 e na constituição de1988:
É interessante ainda verificar que anteriormente ao código civil de 2002 e a constituição de 1988 a noção de família a ser considerada era a unicamente construída pelos laços do matrimônio, possuindo ainda um modelo patriarcal e muito hierarquizado.
Nesse sentido, com o advento da constituição de 1988, originou-se um novo modelo valorativo, em que foi priorizado o princípio da dignidade da pessoa humana gerando assim uma verdadeira transformação sobre o direito das famílias na atualidade.
Assim, a entidade familiar tornou-se plural conforme o artigo 226 da Crfb/1988. A proibição de diferenças discriminatórias decorrentes de a filiação ser oriunda do Casamento ou não, ou ainda se é fruto de adoção foi outro fator transformador no âmbito da constituição federal de 1988 com base no artigo 227, § 6º do referido diploma.
A nossa carta magna derrogou ainda as diferenças entre os sexos existentes na família, em que a base era o pátrio poder pois consagra o princípio da igualdade entre homens e mulheres no ambiente familiar.
É valido enfatizar que a constituição de 1988 teve como contribuição para a entidade familiar a possibilidade de gerar novas perspectivas sobre este instituto, trazendo ainda atenção ao planejamento familiar e assistência direta a família conforme dispõe artigo 227 §§ 7º e 8º. Com relação a dinâmica das famílias no código civil de 2002 e da Constituição de 1988 nos esclarece Carlos Roberto Gonçalves:
Todas as mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado e o advento da constituição de 1988,com as inovações mencionadas, levaram a aprovação do código civil de 2002, com a convocação dos pais a uma “paternidade responsável” e a assunção de uma realidade familiar concreta, onde os vínculos de afeto se sobrepõem a verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas aos estudos do DNA.[11]
Assim, conclui-se que o código civil de 2002 e a constituição de 1988 em conjunto são pertinentes justificativas para a inovação do modelo de família brasileira no Ordenamento Jurídico.
1.3 Natureza jurídica da instituição familiar:
Anteriormente, a ideia que prevalecia era a de que a família possuía como natureza jurídica a personalidade jurídica. Sobre este modelo, leciona Silvio de Salvo Venosa:
Essa personalidade seria conferida a família, tendo em vista ser ela detentora de direitos extrapatrimoniais, como o nome, o pátrio poder, hoje poder familiar no vigente código, e direitos patrimoniais, como a propriedade de bem de família, sepulcros. Essa posição foi prontamente superada pela imprecisão do conceito.[12]
De acordo, com essa visão não é a família titular de direitos e sim seus membros a serem considerados individualmente. Houve também a ideia de que seria a família um organismo jurídico. Sobre este conceito argumenta Silvio de Salvo Venosa:
Contudo, apresenta se como um dado sociológico e biológico de caráter natural reconhecido pelo Estado. O direito imposto pelo Estado não pode abstrai o fenômeno natural de família que é preexistente.[13]
No entanto a posição majoritária ainda que não homogênea, caracteriza família como instituição. Sobre este aspecto, explica. Venosa:
Desse modo, como sociologicamente a família é sem dúvida, uma instituição, o direito como ciência social, assim a reconhece a regulamenta. Recordemos que as instituições jurídicas são um universo de normas de direito organizadas sistematicamente para regular direitos e deveres de determinado fenômeno ou esfera social. Não sem muita controvérsia, esse é o sentido da família como instituição jurídica.[14]
1.4 os princípios do direito de família na atualidade:
A palavra princípio é derivada do latim principium que significa dizer origem, causa próxima, início. Desse modo, o estudo dos princípios são elementos norteadores para o estudo da ciência jurídica, sendo estes elementos basilares para a interpretação do direito de família na atualidade.
Assim, iremos estudar alguns princípios do direito de família, porém sem findar este assunto. Nesse sentido, explica Maria Berenice Dias:
Existem princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade bem como os princípios da proibição do retrocesso social e da proteção integral as crianças e adolescentes. Seja em que situações se apresentem sempre são prevalentes. Os princípios constitucionais representam o fio condutor da hermenêutica jurídica, dirigindo o trabalho do interprete em consonância com os valores e interesses por ele abrigados. [15]
É importante destacar ainda que existem uma diversidade de princípios que são aplicados no âmbito do direito de família. Conforme, analisa ainda Maria Berenice Dias:
É difícil quantificar ou tentar nominar todos os princípios que norteiam o direito das famílias. Cada autor traz quantidade diferenciada de princípios, não se conseguindo sequer encontrar um número mínimo em que haja consenso.[16]
Nesse sentido, vamos tratar de esclarecer alguns princípios que podem ser observados como essenciais para a compreensão da evolução da família Brasileira na atualidade. A dignidade da pessoa humana é um princípio relevante no direito de família, pois está intimamente ligado a constituição federal de 1988 que traz enfoque ao ser humano e sua coletividade garantindo assim a cada cidadão seus direitos individuais, coletivos e difusos. Por este motivo, tal princípio é fundamental na ordem constitucional. Sobre este princípio discorre Flavio Tartuce:
Ora, não há ramo do Direito Privado em que a dignidade da pessoa humana tem maior ingerência ou atuação do que o Direito de Família. Por certo que é difícil a concretização exata do que seja o princípio da dignidade da pessoa humana, por tratar-se de uma cláusula geral, de um conceito legal indeterminado, com variantes de interpretações. Cabe destacar que o Novo Código de Processo Civil realça a valorização desse princípio, especialmente no seu art. 8.º, ao estabelecer que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigênciasdo bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.[17]
Existindo igualdade entre todos, temos a liberdade enquanto um princípio fundamental dos direitos de família pois possibilita ao indivíduo exercer espontaneamente suas vontades, como a casar e divorciar por exemplo. Assim este princípio está relacionado com o princípio da igualdade. Sobre estes princípios nos esclarece Flávio Tartuce:
Dispõe o art. 1.513 do CC em vigor que: “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Trata-se de consagração do Princípio da liberdade ou da não intervenção na ótica do Direito de Família. O princípio é reforçado pelo art. 1.565, § 2.º, da mesma codificação, pelo qual o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo vedada qualquer forma de coerção por parte de instituições privadas ou públicas em relação a esse direito. Segundo o Enunciado n. 99 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, o último dispositivo deve ser aplicado às pessoas que vivem em união estável, o que é óbvio e com o qual se deve concordar.[18]
Na orbita familiar deve adequadamente existir solidariedade entre seu membros. Resultando em ajuda mútua. Assim, temos o princípio da solidariedade familiar. Sobre este princípio discorre Maria Berenice Dias:
Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contem em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna.[19]
Considerando que os modelos de família vêm se modificando ao longo da história, gerando dentro das relações familiares mudanças sociais importantes.
A Constituição Federal de 1988, contribuiu para a ocorrência do princípio do pluralismo das entidades familiares, apresentando novos modelos de família que serão discutidos posteriormente neste trabalho.
Outro aspecto, interessante a ser averiguado é o princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos. Este princípio também é assegurado pela constituição federal de 1988estando disposto no artigo 227 deste diploma legal para depois ser adotado pela lei 8.069/1990 denominado estatuto da criança e do adolescente. Neste contexto, estabelece o constituinte como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem como coloca esta classe a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A constituição federal de 1988 junto com o estatuto do idoso (Lei Federal, de nº 10.741, de 1º de outubro de 2003,) veda qualquer discriminação com relação a idade e acarretando direitos e benesses as pessoas maiores de 60 anos como por exemplo aos maiores de 65 anos e o direito ao transporte gratuito nos coletivos urbanos conforme disposição do artigo 230 § 2º da nossa atual carta magna.
Situando o estado democrático de direito vinculado as normas constitucionais estas normas tratadas por texto constitucional devem ser aplicadas não sendo possível o ajuste de condutas que impliquem em retrocesso ao que já fora constitucionalmente conquistado. Assim temos o princípio da proibição do retrocesso social. Por Fim, Porém não menos importante, apresenta-se o princípio da afetividade. Este princípio revela-se por demonstrar como válido em diversos modos o sentido de família. Dessa forma, possui o Estado como premissa a proteção a todos os grupos familiares, valorizando nestes grupos a representação do afeto. Neste sentido, discorre Maria Berenice Dias:
Todos os grupos familiares, valorizando nestes grupos a representação do afeto. Neste sentido, discorre Maria Berenice Dias:
Mesmo que a palavra afeto não esteja expressa na Constituição, a afetividade encontra se enlaçada no âmbito de sua proteção. Calha um exemplo a união estável é reconhecida como entidade familiar, merecedora de tutela jurídica. Como se constituí sem o selo do casamento, isso significa que a afetividade que une e enlaça as pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico.[20]
É válido explicitar que possui o direito de família algumas características que são peculiares em relação a outros ramos do direito. Estas características abordadas no direito de família serão aqui citadas para efeito de conhecimento, sendo estas: irrenunciabilidade, imprescritibilidade, universalidade, indivisibilidade, oponibilidade e correlatividade. Sendo ainda, relevante informar que o direito de família trata de um direito personalíssimo devido a estar associado a tutela do indivíduo.
2 UMA BREVE APRESENTAÇÃO DAS ESPÉCIES DE FAMILIA NA ATUALIDADE:
Em nossa sociedade contemporânea de acordo com o já disposto anteriormente, é fundamental a avaliação das espécies de família em nosso ordenamento jurídico, levando em consideração que com o passar do tempo está sociedade apresentar- se em modificação.
Neste modelo de raciocínio, Maria Berenice Dias ao intitular sua obra em “manual de direito das famílias” nos esclarece que:
Como a linguagem condiciona o pensamento, é necessário subtrair qualquer adjetivação ao substantivo família e simplesmente falar em famílias. Deste modo, a expressão direito das famílias é a que melhor atende a necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção famílias, todas elas, sem discriminação tenha a formação que tiver. [21]
Assim iremos versar sobre as espécies de famílias independentemente de estarem constitucionalmente dispostas ou não. Cabe ressaltar que estas espécies estão em constante atualização e aqui somente será feito referência as espécies já pacificadas A primeira é a tradicional espécie de Família é a matrimonial que é a oriunda do casamento enquanto ato formal, referente a liturgia e está disposta no artigo 226, parágrafos 1º,2º e 3º da constituição federal de 1988. É valido ainda dizer que a família matrimonial até a constituição federal de 1988 era o único vínculo reconhecido no país como familiar. Outro modelo de Família é monoparental elencada no artigo 226 §4º da constituição federal de 1988. Nesta espécie de família temos a presença de um ascendente e seu descendente. A própria origem da palavra deriva de parental relativo a pais e mono um. Em relação a esta espécie de família expressa Venosa:
Nesse particular, a Constituição Federal estendeu sua tutela inclusive para a entidade familiar formada por apenas um dos pais e seus descendentes, a denominada família monoparental, conforme disposto no §4º art.226: [...] [22]
Já a Família parental ou Anaparental procede de uma relação que possui vinculo de parentesco, porém não está associada a qualquer vínculo de ascendência ou descendência. Como exemplo deste modelo de família pode ser destacado irmãos que vivem juntos. A próxima espécie a ser aqui exposta é a Família Composta, pluriparental ou mosaico, mais comum na atualidade pois é aquela formada por meio da própria pluralidade de relações parentais possuindo em sua estrutura a existência de vínculos múltiplos. É a decorrente por exemplo de divórcio, separação, novo casamento e nova união. Existem ainda outras modalidades de famílias inseridas dentro do contexto do estatuto da criança e do adolescente (eca). A família natural é a que possui como formação a existência de pais ou qualquer deles e seus descendentes conforme preceitua o artigo 25 caput do estatuto acima mencionado. Neste sentido, a família natural está relacionada a família biológica. No entanto, a família extensa está delimitada no artigo 25 § único do ECA. E significa aquela que vai além da formada por pais e filhos, porém é formada por parentes próximos com os quais a criança e o adolescente convive mantendo vínculos de afetividade. A família extensa também recebe o nome de família ampliada. Temos, também na contemporaneidade a família substituta como aquela em que o menor de modo excepcional é encaminhado, por meio de uma das três modalidades possíveis sendo estas: guarda tutela e adoção. Conforme previsto no artigo 28 do Eca.
Outra relevante modalidade de família é a eudemonista: também podendo ser conceituada como afetiva sendo uma classificação hodierna que possui como embasamento à família que objetiva a realização plena de seus membros, caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, a consideração e o respeito mútuos entre os membros que a compõe, independente do vínculo biológico existente. Sobre este modelo de família disserta Maria Berenice Dias, principal defensora deste novo conceito familiar:
Para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome: família eudemonista, que busca a felicidade individual por meio da emancipação de seus membros. [23]
Por fim, ainda é necessário lidar com dois temas atuais e que estão em ênfase atualmente sendo estes: a união estável e a união homoafetiva sobre a união estável podem defini-la como relação de convivência mutua e duradouro com o intuito de constituição familiar entre homem e mulher. Nesse sentido, esclarece Carlos Roberto Gonçalves:
A união prolongada entre homem e a mulher, sem casamento, foi chamada, durante longo período histórico de concubinato. [24]
Porém, é mister ressaltar que com o passar dos anos tal ideia, foi tornando se obsoleta tendo a constituição federal de 1988 em seu artigo 226§3° traz apoio a este instituto ao preceituar que é reconhecida a união estável entre homem e mulher enquanto entidade familiar, porém a lei deve auxiliar na futura conversão em casamento.
Nesta análise, podemos compreender que a união estável na atualidade possui aparato constitucional sendo devidamente reconhecida não existindo um rito especifico diferindo do casamento por ser este ato solene. É necessário ainda que está para ser caracterizada apresente finalidade de constituição familiar, está vinculada a ideia de estabilidade e notoriedade pois está intenção deve ser pública e notória, revelada a todos, inclusive por meio da prole em comum ou planejamento desta.
Deve possuir ainda, Estabilidade e Notoriedade, estando a primeira associada a observância de solidez e seriedade do compromisso assumido pelo casal, podendo ainda ser considerado o decurso de tempo. Porém o decurso de tempo em tese não é primordial e sim a forma com o qual aquele casal apresenta se em sociedade e na vida a dois. Este requisito apresenta se no artigo 1.723 do código civil 2002.
Já a segunda, é o requisito que dispõe que a união estável para ser reconhecida não pode ser realizada “às escuras” conforme acontece geralmente nas uniões adulterinas.
A união estável deverá expor perante a sociedade a convivência mutua com o objetivo de constituição familiar. Salienta se que este requisito também está inserido no art. 1.723 do código civil 2002.
Outra questão basilar é a unicidade de vinculo, fator este, que demonstra que o princípio da monogamia adotado pelo sistema do direito brasileiro bem como em outros modelos jurídicos ocidentais aqui apresenta se como primordial.
Pois na unicidade de vinculo impede que o uma pessoa mantenha mais de um vínculo extramatrimonial simultaneamente principalmente de forma pública. Há de se falar ainda, em ausência de impedimentos matrimoniais conforme predispõe letra de lei este requisito está presente no artigo 1.723 parágrafo primeiro do código civil 2002, sendo estes correlatos com os impedimentos matrimoniais. Outro requisito a ser analisado e importante é a Continuidade.
A continuidade, como o próprio nome diz, expressa tratar de convivência de modo continuo e ininterrupto sem gerar o conhecido “relacionamento ioiô relacionando se com a estabilidade e solidez da convivência entre o casal. Outro Aspecto relevante no contexto da união estável que cabe ser destacado é a diversidade de sexos que consiste na convivência mutua entre o casal homem e mulher.
Excluindo-se assim as uniões homo afetivas porem hodiernamente já existe posicionamento jurisprudencial a ser tratado ao longo deste texto que reconhece a união entre casais do mesmo sexo como união estável. Sendo assim, a união estável entre casais do mesmo sexo (homoafetivos) atualmente é uma possibilidade e realidade. É valido ainda demostrar que como pressupostos subjetivos temos ainda a convivência “more uxório” que nada mais é do que a comunhão de vidas no sentido material e não material da união entre o casal. Nesse sentido, explica Carlos Roberto Gonçalves:
Envolve a mutua assistência material, moral, e espiritual, a troca e assoma de interesses da vida em conjunto, atenção e gestos de carinho, enfim, a somatória de componentes materiais e espirituais que alicerçam as relações afetivas inerentes a entidade familiar.[25]
Outro pressuposto subjetivo importante é o affectio maritalis que deve ser entendido como o objetivo em comum da constituição de uma entidade familiar sendo este essencial para caracterização de uma união estável sobre este pressuposto ressalta-se o que leciona Carlos Roberto Gonçalves:
Além de outros requisitos, é absolutamente necessário que haja entre os conviventes, além do afeto, o elemento espiritual caracterizado pelo animo, a intenção, o firme propósito de constituir uma família, enfim., a affectio maritalis. O requisito em apreço exige a efetiva constituição de família, não bastando para a configuração de união estável o simples animus, o objetivo de constitui lá já que se assim fosse, o mero namoro ou noivado, em que há somente o objetivo de formação familiar, seria equiparado a união estável [26]
Segundo esta ideia, o pressuposto do affectio maritalis seria um complemento final a todos os pressupostos aqui tratados.
Antes da compreensão sobre a união homoafetiva é valido refletir cientificamente sobre a homossexualidade, que é um fator comprovadamente sempre existiu no mundo, conforme disserta o historiador Colin Spencer:
Em minha opinião, a homossexualidade não deveria ser explicada, ela apenas existe. O que precisa ser investigado é a opinião que as várias sociedades sempre tiveram sobre ela.[27]
No entanto, com a idade média que ficou conhecida como idade das trevas, e a sobreposição da influência religiosa a homossexualidade passou a ser encarada como um pecado abominável. Tendo esta visão sido modificada no XIX, em que se buscou evidencias cientificas para os fenômenos que ocorriam no mundo, assim a homossexualidade passou a ser tratada como doença. Porém esta ideia encontra se ultrapassada nos dias atuais, em conformidade ao que leciona Maria Berenice Dias:
O fato é que a homossexualidade acompanha a história do homem. Sabe se de sua existência desde os primórdios dos tempos gregos. Não é crime, nem pecado, não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando, a dificuldade que as pessoas têm de conviver com homossexuais. É simplesmente uma outra forma de viver. A origem não se conhece. Aliás, nem interessa, pois quando se busca causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar a cura para algum mal. Mas tanto a orientação homossexual não é uma doença que, na classificação internacional de doenças, CID, está inserida no capitulo dos sintomas decorrentes de circunstancias psicossociais. O termo homossexualismo foi substituído por homossexualidade, pois o sufixo ismo significa doença enquanto o sufixo dade quer dizer modo de ser. [28]
Assim revela-se que contemporaneamente, existe a inserção de um novo ponto de vista acerca do tema homossexualidade transformando a noção do puro preconceito e partindo dos pressupostos de novos moldes sobre este polêmico tema, como o direito acompanha o fato social, nada mais justo do que ser estudado os aspectos jurídicos sociais da homossexualidade sua intervenção nas relações familiares. Assim abaixo, será estudado a união homoafetiva na atual conjuntura sócio- jurídica brasileira.
2 A UNIÃO HOMOAFETIVA
A Família em conformidade com todo o exposto acima não está mais associada ao matrimonio e a diversidade sexual. Na contemporaneidade é o princípio da afetividade um dos pilares que regem as relações familiares. O direito à liberdade sexual já é visto como um direito fundamental conforme posiciona- se Maria Berenice Dias:
A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito fundamental que acompanha a pessoa desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade a livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independe da tendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade, pois é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange sua dignidade.[29]
Assim, as questões acerca da diversidade sexual geram muitas controvérsias no meio social e logicamente incumbe ao sistema jurídico na contemporaneidade estabelecer limites sobre estas relações que foi denominada como união homoafetiva. No entanto tais questões ainda não estão totalmente pacificadas gerando inúmeras divergências entre doutrinas e jurisprudências.
Assim, podemos depreender que alguns doutrinadores entendem interpretação do artigo 226 § 3° da CF, e do art. 1.723 do CC/02 de forma literal. Ou seja, para estes doutrinadores a união o para pessoas do mesmo sexo não constitui entidade familiar.
Podendo até ser considerada mera sociedade de fato. Porém, na atualidade prevalece o entendimento de ser a união homoafetiva entidade familiar e equiparada a união estável tendo em vista o estabelecido pelos ministros do STF ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo. Sobre este julgamento expõe Carlos Roberto Gonçalves:
No dia 5 de maio de 2011, o supremo tribunal federal, ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade (Adin)4.277e arguição de descumprimento de (preceito fundamental (ADPF)132, reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, regida pelas mesmas regras que se aplicam a união estável dos casais heterossexuais. Proclamou-se com efeito vinculante, que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da constituição federal. A referida corte reconheceu assim, por unanimidade, a união homoafetiva como entidade familiar tornando automáticos direitos que até então eram obtidos com dificuldades na justiça.[30]
Assim apesar de ainda existir objeções, no âmbito jurídico a união estável entre homoafetivos já é uma realidade, originando os mesmos direitos e obrigações do que a união estável dos casais heterossexuais. Desta forma, foram atribuídos a este tipo de casal, direitos que lhe eram negados por falta de proteção legal especifica e puro preconceito.
Outro ponto fundamental que desmistifica tal questão é o advento da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06 – que, em seu art. 5º, inciso III, afirma claramente que a violência doméstica é a ocorrida, dentre outros casos, em qualquer relação íntima de afeto. Desta forma, pode ser averiguado que juridicamente através da doutrina, jurisprudências e em tese algumas legislações hodiernas temos como fator importante das relações familiares as relações de afeto, sendo o princípio da afetividade um dos pilares do direito de família.
Por meio desta análise, vamos trabalhar a possibilidade da conquista do direito real de habitação entre os casais homoafetivos como já acontece entre os companheiros héteroafetivos em suas uniões estáveis.
2.1 União Homoafetiva e o Direito Real de Habitação
O direito real de habitação pode ser definido como um direito real sobre coisa alheia que possui finalidade de transferir ao seu detentor o direito de habitação em determinado imóvel residencial, só sendo utilizado para este fim, não cabendo ao titular deste direito alugar, emprestar ou utilizar o imóvel para fins comercias .Sobre este direito nos ensina o ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves:
Assegura ao seu titular o direito de morar e residir na casa alheia. Tem, portanto, destinação específica: servir de moradia ao beneficiário e sua família. Não podem alugá-la ou emprestá-la. Acentua-se, destarte, a inacessibilidade assim do direito quanto do seu exercício.[31]
Neste sentido, declara ser o direito real de habitação um instituto antigo no direito civil brasileiro já tendo sido apresentado ao rol de direitos reais no código civil de 1916. Na atualidade sob a égide do código civil de 2002 o direito real de habitação além de estar inserido no rol de direitos reais, apresenta-se no livro de direito das sucessões. Desta forma assim preceitua o artigo 1.831 do CC/02:
Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.[32]
Ou seja, é certo que por determinação legal o cônjuge sobrevivente possui o direito real de habitação. Sendo certo que este entendimento legal ser considerado devido a previsão constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana e a elevação do direito à moradia enquanto um direito social também constitucionalmente estabelecido.
Percebe-se que a lei somente traz amparo ao cônjuge, porém na atualidade e de acordo com todo o exposto ao longo deste trabalho sabemos que o direito vem construindo uma nova visão de família de acordo com a evolução social, em razão disso, o companheiro no âmbito de sua união estável possui direito real de habitação como garantia. Desta forma, dispõe o enunciado 117 do Conselho de Justiça Federal:
O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88.[33]
Assim é licito a concessão do direito real de habitação ao companheiro sobrevivente. Nesta linha de raciocínio, as uniões homoafetivas ao ganharem equiparação a união estável, também possuem como proteção pela via judicial seu direito real de habitação assegurado, sendo esta uma das grandes conquistas atribuídas a estes casais homoafetivos na atualidade.
Esta conquista se faz relevante em nossa sociedade, pois muitas das vezes casais homoafetivos amealhavam seu patrimônio em conjunto independente de ser esta colaboração moral e/ ou financeira, mas com o falecimento de seu companheiro, o sobrevivente necessitava travar uma árdua luta judicial para ter seus direitos assegurados e, no entanto, geralmente, pela falta de apoio familiar do companheiro falecido, tal luta era de modo geral sem resultado positivo.
No entanto, é relevante entender juridicamente que o fenômeno que ocorrido atualmente pelas vias jurisprudenciais é apenas uma interpretação legal, sendo uma medida necessária a ser observada pelos tribunais nos processos que seguem já seguiram e que venham ainda a seguir junto aos tribunais Brasileiro. Os casais homoafetivos devem ter sua união estável plenamente reconhecida devendo ser constado todos os requisitos da união estável para assim poder utilizar-se do direito real de habitação.
Um dos métodos de efetuar este reconhecimento é por meio de escritura pública junto aos cartórios que possuem fé pública caso não tenha feito este reconhecimento deverá comprovar sua situação de convivência entre o companheiro, cabendo impetrar uma ação de reconhecimento de união estável.
O referido procedimento adequa-se aos mesmos moldes da união estável dos casais heteroafetivos, sendo inclusive o regime aplicado na união estável dos casais homossexuais os mesmos dispostos para os casais heterossexuais. Isto porque, reafirma-se que a ADIN 4277e seu julgamento gerou uma interpretação extensiva aos casais homoafetivos trazendo a estes um avanço
Nos dias atuais, ao asseverar aos casais homoafetivos seu reconhecimento plausível enquanto uma entidade familiar.
Nesta análise, cabe ainda tratar do regime de bens destes companheiros do mesmo sexo que deve ser o mesmo aplicado na união estável dos casais heterossexuais sendo os de comunhão parcial conforme dispõe o artigo 1.725 do Código Civil de 2002:
“Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”[34]
Em síntese neste regime, comunicam-se na constância da união os bens adquiridos onerosamente independentemente do nome que estiver no acervo patrimonial. Porém salvo pacto antenupcial dos casais homossexuais será este o regime a ser utilizado.
Por fim, consigna-se que é a partir dos métodos do poder judiciário que as uniões do mesmo sexo adquirem apoio, tendo sido a ADPF 132 em conjunto com o julgamento da ADIN 4277 um marco importante para a valorização dos direitos desta categoria que como é sabido sofre com inúmeras discriminações ao longo da história. Com efeito, para corroborar com esta exposição vamos tecer alguns breves comentários sobre a decisão jurisprudencial abaixo:
Processo
APL 00340283620128190206 RJ 0034028-36.2012.8.19.0206
Órgão Julgador
VIGÉSIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL
Publicação
12/03/2014 12:53
Julgamento
11 de fevereiro de 2014
Relator
DES. CARLOS EDUARDO MOREIRA DA SILVA
Ementa
Apelação Cível. Ação de Reconhecimento de União Homoafetiva. Pretensão ao reconhecimento de união homoafetiva e direito real de habitação. Sentença de procedência do pedido. Apelação da Ré, pugnando pela reforma da sentença, sob a alegação de que não restou configurada a união homoafetiva entre seu finado filho e o Autor. Conjunto probatório que demonstrou a existência de convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, entre o Autor e o falecido filho da Ré, na forma do art. 1.723, do Código Civil. O reconhecimento de união afetiva contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo passou a ter o mesmo efeito de uma união estável heteroafetiva segundo entendimento do STF, quando do julgamento da ADPF 132 e ADI 4277/DF. Recurso desprovido.
Por meio desta ementa, nota-se a interposição de um recurso de apelação de uma mãe, afirmando que seu filho falecido não possuiu qualquer relação homoafetiva com o autor da demanda. Entretanto com o progresso entendimento do STF por meio da ADPF 132 e ADI 4277 no ano de 2011, foi possível conceder o direito real de habitação ao autor, em razão do reconhecimento da existência de uma relação estável homoafetiva. Sendo de suma importância verificar que a data da presente decisão tange ao ano de 2014, três anos após o novo entendimento do STF. Dessa forma, anteriormente aos casais homoafetivos, estes sequer eram considerados em união estável e sim como mera sociedade de fato. Nestes termos a presente questão era analisada pelo prisma do direito obrigacional totalmente diferente da atual percepção. Consigna-se ainda que a diversidade de sexos era disposta como um requisito essencial para o reconhecimento da união estável, porém de acordo com o já explicado neste trabalho este requisito não possui hodiernamente relevância quanto ao reconhecimento de uniões estáveis. Neste sentido, cabe apreciação do dispositivo abaixo para confirmar esta situação fática:
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. SOCIEDADE DE FATO. PARTILHA. PATRIMÔNIO AMEALHADO POR ESFORÇO COMUM. PROVA. 1. Esta Corte Superior, sob a ótica do direito das obrigações (art. 1.363 do CC/1916) e da evolução jurisprudencial consolidada na Súmula n.º 380/STF, firmou entendimento, por ocasião do julgamento do Resp. n.º 148.897/MG, no sentido da possibilidade de ser reconhecida sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, exigindo, para tanto, a demonstração do esforço comum para aquisição do patrimônio a ser partilhado. 2. A repartição dos bens, sob tal premissa, deve acontecer na proporção da contribuição pessoal, direta e efetiva de cada um dos integrantes da dita sociedade. 3. "A aplicação dos efeitos patrimoniais advindos do reconhecimento de união estável a situação jurídica dessemelhante, viola texto expresso de lei, máxime quando os pedidos formulados se limitaram ao reconhecimento e dissolução de sociedade de fato" (REsp n. º 773.136/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 13/11/2006). 4. Recurso especial provido. (STJ Resp. nº 704.803 RS 3ª Turma - Rel. Min. Vasco Della Giustina DJ 02.02.2011)
Nota da Redação INR: esta decisão reflete a opinião da Terceira Turma do STJ em dezembro de 2010, ou seja, há pouco mais de cinco meses antes da data em que o STF reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. O próprio STJ, em Recurso Especial julgado em 11.05.2011 (REsp 1.085.646-RS), entendeu ser possível aplicar a analogia para reconhecer a parceria homoafetiva como uma das modalidades de entidade familiar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do (a) Sr (a). Ministro (a) Relator (a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.
Brasília (DF), 16 de dezembro de 2010 (Data do Julgamento)
CONCLUSÃO
Diante de todo exposto, é de suma importância constatar que com a contemporaneidade os novos modelos de família em especial a união estável homoafetiva configuram um fato social que traz relevância fundamental para o meio jurídico ao normatizar tais relações mesmo que em maioria, tal normatização aconteça pelas vias constitucionais, e jurisprudenciais não havendo assim uma legislação especifica sobre o tema. Assim, o conceito de família na atualidade está em constante atualização. Por essa razão, no âmbito jurídico é relevante observar o papel da constituição como modelo de igualdade entre as pessoas embasadas principalmente no princípio constitucional da isonomia ou igualdade. Legitimando, que a ciência jurídica efetivamente busque adequação à nova realidade social para assim atingir sua finalidade de gestão e proteção dos direitos individuais e coletivos de todos nós que estamos expostas as relações sociais.
Em última análise conclui ser de um especial avanço a atuação jurídica e sua acertada evolução principalmente por meio jurisprudencial como método de dirimir injustiças, gerando maior acesso ao cumprimento dos preceitos constitucionais da nossa atual carta magna evitando discriminação nas construções familiares atuais, trazendo ao direito o ditame de fazer justiça social no âmbito das relações humanas. Espera-se assim, que o direito seja sempre agente capaz de gerar mutações em benefício da sociedade incluindo a organização familiar tendo como norte os princípios da igualdade, afetividade, e todos os logicamente concernentes na área do direito das famílias.
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